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Recomendação 1/2022, de 10 de Janeiro

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Sumário

Recomendação Perspetivar o Futuro do Ensino Profissional

Texto do documento

Recomendação 1/2022

Sumário: Recomendação Perspetivar o Futuro do Ensino Profissional.

Recomendação "Perspetivar o futuro do Ensino Profissional"

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Recomendação elaborado pelos Conselheiros Relatores Joaquim Azevedo e Luís Capucha, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 15 de dezembro de 2021, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo a presente Recomendação.

Introdução

O Conselho Nacional de Educação (CNE) tem vindo, desde há muito, a refletir sobre o ensino profissional, tendo aprovado recomendações e pareceres sobre esta matéria, de que se destaca: o Parecer 3/2019 sobre o Concurso especial de acesso ao ensino superior dos titulares dos cursos profissionais e cursos artísticos especializados, que aponta para a criação de uma solução de acesso no sentido de evitar que aqueles titulares sejam obrigados a realizar provas de matérias que não constam dos seus planos curriculares; a Recomendação 2/2013 sobre o Estado da Educação 2012 - Autonomia e Descentralização, que se pronuncia sobre as finalidades e certificação do ensino secundário, a transição dos jovens para a vida ativa, a orientação vocacional, a rede de operadores e as ofertas formativas; a Recomendação 3/2012 sobre O prolongamento da escolaridade universal e obrigatória até ao 12.º ano ou até aos 18 anos que, para além das dimensões identificadas na Recomendação anterior, também se debruça sobre a organização e desenvolvimento dos currículos e sobre os equipamentos e condições das instalações dos operadores destas ofertas; a Recomendação 2/2012 sobre o Estado da Educação 2011 - A Qualificação dos Portugueses, que se pronuncia relativamente à importância de desenvolver serviços de orientação escolar e profissional para jovens e adultos; a Recomendação 2/2010 sobre o Estado da Educação 2010 - Percursos Escolares, que afirma a importância de assegurar a qualidade de todas as alternativas curriculares do ensino secundário e de criar plataformas territoriais que maximizem as capacidades e potencialidades dos diferentes operadores e das ofertas formativas; a Recomendação 3/1998 sobre o Ensino Secundário em Portugal que, entre outros aspetos, incide sobre a necessidade de diversificar os diplomas e momentos de conclusão do nível secundário de ensino, sobre a importância de os programas escolares evoluírem de modo a permitir uma maior flexibilização das oportunidades de formação, a necessidade de reforçar a função de informação e orientação escolar e profissional, bem como a promoção de uma maior ligação da formação ao tecido económico e empresarial local.

Esta nova recomendação surge assim no contexto de uma atenção permanente do CNE à conceção, implementação e avaliação do ensino profissional em Portugal, desde as políticas às práticas, e visa equacionar os principais desafios que hoje se lhe colocam, num tempo cada vez mais complexo, incerto e dominado pelas novas tecnologias e pela inteligência artificial e num contexto de previsional reinvestimento de avultados recursos para a educação e formação, na sequência da pandemia provocada pela COVID-19 e dos apoios europeus disponíveis, designadamente no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Ao fazê-lo, o CNE procura sensibilizar o Governo, a Assembleia da República e todos os atores sociais do campo da educação para a identificação de novos desafios e de novas oportunidades e deseja alargar e aprofundar o debate em torno de prioridades e modos de ação adequados e eficazes.

Nesta recomendação o CNE usa o conceito de ensino profissional como a componente do sistema educativo português, situada ao nível secundário de educação e formação, que engloba os percursos de qualificação profissionalizante de dupla certificação, escolar e profissional, desde os cursos profissionais (aqui especialmente tratados), aos cursos artísticos especializados e aos cursos profissionalizantes com "planos próprios" (todos sob tutela do Ministério da Educação), aos cursos de aprendizagem (formação em alternância, sob tutela do Ministério do Trabalho da Solidariedade e Segurança Social) e aos cursos de hotelaria e turismo (sob tutela do Ministério da Economia).

A este conceito multifacetado e pluri-institucional não tem correspondido, até hoje, uma clara redefinição normativa que englobe e conceptualize estas múltiplas ofertas de dupla certificação para cidadãos que terminem o 9.º ano de escolaridade, o que, entende o CNE, deve ser realizado logo que possível. Neste contexto e quando se entender que é oportuno aproveitar esta redefinição normativa para rever o ordenamento da Lei de Bases do Sistema Educativo, seria pertinente fazer uma distinção entre educação geral e educação profissional, incluindo a referida oferta nesta última.

A atual oferta e procura destes cursos

A avaliar pelo número de matriculados, de acordo com dados da DGEEC, a procura de ofertas de dupla certificação, no nível secundário, decresceu nos últimos cinco anos (-1882 alunos). Entre 2015/2016 e 2019/2020, nos cursos com planos próprios, o número de jovens matriculados diminuiu 456, ao passo que nos cursos de aprendizagem a redução foi de 5336. No entanto, no que diz respeito aos cursos profissionais, registou-se um acréscimo de 112 395 para 116 305, no mesmo período. A proporção de alunos matriculados em cursos profissionais também cresceu de 28,7 % do total de matriculados no ensino secundário para 30,0 %.

No caso dos cursos profissionais, o maior aumento do número de jovens matriculados ocorreu nas áreas de Serviços pessoais, Informática e Serviços sociais. Já a maior diminuição verificou-se nas seguintes áreas: Ciências empresariais, Engenharias e técnicas afins e Indústrias transformadoras, conforme Tabela seguinte.

Alunos matriculados (N.º) nos cursos profissionais, por área de educação e formação. Portugal, 2015/2016 e 2019/2020



(ver documento original)

No que diz respeito às conclusões do ensino secundário em cursos profissionais, entre 2015/2016 e 2019/2020, verifica-se um aumento de 3602, tendo-se alcançado no último ano os 28 604 certificados. O maior aumento verifica-se nas áreas de Serviços pessoais (+2195) e de Informática (+1476) e a maior diminuição no número de conclusões nas áreas de Engenharias e técnicas afins (-289), Proteção do ambiente (-225) e Indústrias transformadoras (-212). Na taxa de conclusão desta oferta observa-se uma evolução positiva nos últimos cinco anos, mais 5,5 pp.

A distribuição das conclusões por oferta de educação e formação de nível secundário é a que se apresenta na Tabela seguinte.

Conclusões (N.º) e Idade média de conclusão (anos), por Oferta de educação e formação, Portugal, 2019/2020



(ver documento original)

Em geral, uma idade média de conclusão mais elevada significa maior número de retenções durante o percurso escolar, fenómeno que atinge mais intensamente alunos de meios sociais mais desfavorecidos, pelo que essa idade é um indicador aproximado da composição social da procura de cada uma das vias.

Apesar de uma idade de conclusão um pouco mais elevada nos cursos profissionais do que nos cursos científico-humanísticos (CCH), indiciando uma composição social mais desfavorecida dos alunos, as taxas de conclusão são mais elevadas nos primeiros (o ano de 2019/2020 é um outlier afetado pelo modo como decorreram os exames nos CCH), o que mostra uma maior eficácia da educação profissional.

Taxa de conclusão (%) no ensino secundário, por ano letivo, Portugal



(ver documento original)

1989-2021: os tempos mudaram

Trinta e dois anos após a sua criação, o ensino profissional encontra-se diante de novos e complexos desafios socioculturais. De facto, o contexto em que este tipo de educação se realiza mudou profundamente com as novas tecnologias da informação e comunicação, que alteraram decisivamente as noções de espaço e de tempo, e a consequente transformação digital das sociedades e economias; as mudanças nos modelos de produção e de comercialização a uma escala cada vez mais global; a crise do modelo de crescimento/progresso contínuo e as problemáticas da degradação da biodiversidade e do ambiente, da sustentabilidade do Planeta e da crise climática; a perceção de uma interdependência crescente entre as pessoas e as instituições em todo o mundo, as relações entre as gerações mais jovens com a aprendizagem e com o trabalho. Estas mudanças estão e continuarão a ter um forte impacto nos modelos de produção, nas condições de trabalho, no exercício profissional, na distribuição do rendimento, nas relações laborais e, de forma mais ampla, em todas as esferas da vida.

Acresce ainda, no nosso país, o facto de a "geração mais qualificada de sempre" estar a deparar com um quadro socioeconómico desfavorável, em que o acesso aos mercados de trabalho se faz predominantemente num clima de precariedade das contratações e de baixos salários médios, a que se junta o difícil acesso a uma habitação, o que frustra as expetativas criadas e muito esmorece a confiança e a esperança no futuro.

A inovação no domínio da inteligência artificial e da robótica e a digitalização das sociedades e a dependência crescente das crianças, dos jovens e dos adultos dos novos artefactos tecnológicos representam novas realidades que têm proporcionado novas oportunidades de comunicação, informação e de educação e formação, mas também sinalizam um novo tempo em que "a imediatez substitui qualquer mediação", como assinala M. Augé, o que coloca a educação escolar sob novos e muito inquietantes desafios. Neste tempo da ultraconetividade e da hiperestimulação dos ecrãs, o risco de manipulação é universal e permanente e assume contornos de crescente individualização da educação, circunstância de que o serviço público de educação não se pode alhear.

Estes novos tempos interrogam as políticas de educação e formação e requerem a disponibilidade dos vários atores sociais para reformular, no espaço público e de modo participado, as medidas de política outrora implementadas.

Lições de três décadas de ensino profissional

A criação das escolas profissionais e dos cursos profissionais, em 1989, consistiu na conceção e no posterior lançamento e desenvolvimento de um modelo de educação escolar reconhecidamente inovador. Desde logo, no tipo de modelo pedagógico, sustentado na aprendizagem modular, aberto sobre uma educação global de cada jovem, apostando para tal numa articulação permanente entre formação sociocultural, científica e tecnológica, modelo este que desagua numa Prova de Aptidão Profissional, que visa articular a aprendizagem escolar com as dinâmicas sociocomunitárias e empresariais, num esforço quer de inserção socioprofissional crítica e construtiva, quer de construção de um projeto profissional inscrito na realidade económica local e regional.

Esta medida de política foi também inovadora no tipo de escolas criadas, de pequena dimensão, potenciadoras de uma personalização dos percursos de aprendizagem e de desenvolvimento humano, através de um apoio concreto a cada aluno, escolas bem inseridas nas comunidades locais, a começar pelos seus próprios promotores, aptas a responder às necessidades e possibilidades do desenvolvimento local e regional, capazes de contratar com autonomia os seus professores e os formadores das áreas técnicas e, assim, responder mais eficazmente às necessidades de qualificação profissional.

A legitimidade social (era desejada por múltiplos setores da sociedade portuguesa) e política (obteve a concordância dos maiores partidos), bem como o modelo de regulação conjunta entre o Estado e inúmeras instituições da sociedade portuguesa (Câmaras Municipais, Associações, Empresas, etc.), forneceram os ingredientes básicos que asseguraram a longevidade desta medida de política educativa. Assim, o modelo sobreviveu ao longo de mais de trinta anos, fruto de decisões políticas de diferentes governos que deram sempre continuidade a este grande esforço nacional de qualificação profissional dos jovens, de aposta na igualdade de oportunidades de escolarização, de realização pessoal dos alunos e de apoio à modernização das empresas.

Após 2007, este modelo expandiu-se e passou a ser oferecido nas escolas secundárias, ampliando e diversificando a oferta, fazendo crescer a procura e contribuindo decisivamente para associar a esta medida uma dimensão sociocultural e política de democratização da escolarização de nível secundário. De facto, esta expansão, associada ao prolongamento da escolaridade obrigatória para 12 anos, teve um profundo impacto na extraordinária redução do abandono escolar precoce e na qualificação dos jovens oriundos de meios mais desfavorecidos. A evolução das taxas de escolarização de nível secundário muito deve, de facto, à expansão dos percursos de dupla certificação, com evidente destaque para a oferta e procura dos cursos profissionais.

Volvidas estas décadas, são muito evidentes, entre outros, dois importantes resultados: (i) a procura social do ensino profissional cresceu de modo consistente e o abandono escolar precoce reduziu drasticamente e (ii) é evidente a presença de jovens técnicos qualificados na sociedade portuguesa, em muitos domínios de atividade, do turismo à restauração, dos serviços pessoais à informática, das áreas artísticas à mecânica e mecatrónica, dos serviços administrativos e do atendimento à gestão e inovação na agricultura.

Feito este percurso que nos orgulha como país e tendo os cursos profissionais contribuído de modo tão decisivo para o incremento da escolarização de nível secundário, importa não só prosseguir este mesmo objetivo (pois ainda abandonam precocemente o sistema escolar perto de 9 % dos jovens, dados de 2020), como refletir sobre a forma como este tipo de educação pode contribuir de modo mais decisivo não só para uma escolaridade prolongada, diversificada e de qualidade, mas também para acompanhar e responder às prementes necessidades de qualificação oriundas das entidades empregadoras.

Assim, a função deste tipo de educação no sistema educativo português deve ser equacionada na atualidade e no futuro próximo, em torno de três vetores principais: (i) como potenciadora da realização pessoal e social de uma parte muito significativa dos alunos que terminam o ensino básico; (ii) como promotora da inclusão social, ao contribuir tanto para um muito maior acesso dos jovens que terminam o ensino básico a uma escolaridade de nível secundário, como para o seu sucesso escolar e para uma inserção socioprofissional bem-sucedida e/ou um prosseguimento de estudos; (iii) como uma das principais vias de qualificação profissional dos técnicos intermédios de que carecem as organizações sociais e, em particular, as empresas.

A reconfiguração necessária

Neste novo contexto, passadas já duas décadas do século XXI, este tipo de educação profissional deve ser reequacionado à luz de uma qualificação da sua missão, que pode ser declinada em torno destes focos:

Pedagogia, assegurando uma qualificação de qualidade e com elevado sucesso, gerindo o currículo de um modo mais profissional, autónomo e flexível;

Cidadania, promovendo a participação ativa dos alunos, na escola e na comunidade, a sua capacidade de emancipação e empreendimento e o seu bem-estar;

Territorialização, garantindo respostas educativas atualizadas e articuladas entre os parceiros socioeconómicos e educativos de cada comunidade local;

Empregabilidade, fornecendo uma qualificação técnica que seja não só adequada às necessidades e potencialidades das organizações sociais e das empresas, como com estas coconstruída;

Sustentabilidade, investindo numa educação crítica e construtiva face à sociedade atual, em particular face à crise climática e ambiental;

Inovação social, permitindo que os jovens saiam da escola preparados para os desafios da transformação digital e que as escolas promovam a digitalização como ferramenta de promoção da igualdade de oportunidades e da justiça social.

Hoje, mais do que ficar a olhar para o passado, precisamos de pensar a sustentabilidade deste modelo de educação à luz dos novos desafios socioculturais e económicos. Neste sentido, o CNE decidiu empreender esta reflexão e produzir uma recomendação focada no futuro do ensino profissional. Assim, como se enunciou acima, os destinatários da recomendação não podem ficar contidos nas escolas e nos serviços do Ministério da Educação ou na Assembleia da República, mas são o conjunto dos parceiros sociais e os líderes da sociedade portuguesa, tanto políticos como empresariais, sindicais, culturais e sociocomunitários.

Perscrutando esse futuro do ensino profissional, com particular ênfase nos cursos profissionais, e partindo da realidade atual, elegemos seis áreas problemáticas sobre as quais estes diferentes atores sociais deveriam concentrar a sua reflexão e ação:

(i) A reputação do ensino profissional, (ii) a orientação escolar e profissional, (iii) as escolas, os territórios e rede de oferta de cursos, (iv) a participação ativa dos jovens e (v) a renovação da pedagogia e (vi) o modelo de financiamento.

A reputação do ensino profissional

O ensino profissional enfrenta uma histórica desvalorização, em boa parte resultante de se lhe ter associado a imagem de um tipo de ensino destinado a alunos com um menor desempenho escolar no ensino geral, predominantemente oriundos de meios mais desfavorecidos. Esta desqualificação, se é verdade que se ancora no modelo do antigo "ensino técnico", assente na segregação segundo a origem social, logo após os quatro primeiros anos de escolaridade, tem de ser encarada também como um problema atual. A qualificação de "ensino regular" que se dá aos cursos do ensino geral (chamados "científico-humanísticos"), tanto na linguagem comum como em alguns normativos, espelha bem a desvalorização da educação profissional, remetendo-a de imediato para o campo da irregularidade. Esta visão reforça as tendências para considerar a opção pelos cursos profissionais como resultado de segundas escolhas, de uma orientação marcada pelo insucesso escolar e de uma cristalização da seletividade social. Se o ensino secundário geral continuar a ser entendido como o "liceu" para os "herdeiros", o ensino profissional continuará a ser sobretudo o que sobra para os "deserdados".

Perto de cinquenta anos depois do 25 de abril, a sociedade portuguesa, incluindo muitos dirigentes políticos do campo da educação, continua a dar por adquirido que o "liceu" e o seu atual sucedâneo, os cursos científico-humanísticos, representam o "ensino regular"; persiste, assim, uma crónica dificuldade seja em questionar um modelo de ensino profundamente seletivo, abstrato e descontextualizado, com elevados índices de insucesso escolar, seja em valorizar percursos educativos que atentam mais aos contextos, interligam teoria e prática, valorizam o trabalho como importante fonte de aprendizagem e promovem o sucesso escolar.

A imagem preconceituosa ajuda a explicar que, apesar da sua maior eficácia educativa, os cursos profissionais tenham nos últimos anos oferecido mais lugares do que os alunos inscritos (53.400 lugares oferecidos e 42.538 alunos inscritos no primeiro ano dos cursos profissionais, no ano letivo de 2020/2021).

Importa, pois, reequacionar, em conjunto e ao mesmo tempo, o lugar de todas as ofertas de dupla certificação, num quadro de valorização social e política da escolarização de nível secundário, ou seja, de uma equivalência global de percursos escolares, de realização pessoal e social de cada aluno(a) e de promoção da equidade e da igualdade de oportunidades.

Os cursos profissionais (e todas as ofertas profissionalmente qualificantes) continuam a poder sustentar a sua valorização social sobre dois esteios centrais, a saber, o sucesso escolar e a empregabilidade dos jovens que qualifica, elementos sobre os quais deve continuar a repousar a credibilidade destes cursos.

Apostando em modos diversos de realizar o nível secundário de ensino e formação, as políticas públicas deveriam estar particularmente focadas em garantir a sua equivalência global e a sua qualidade, num quadro de reforço da democraticidade e da equidade, abrindo sempre horizontes de qualificação ao longo de toda a vida. Cada uma e cada um dos jovens, independentemente da opção que realizem, devem poder fazê-lo de modo positivo e construtivo para o seu projeto de vida, em condições de idêntica qualidade educativa (currículo, corpo docente, instalações, equipamentos), sempre com possibilidade de prosseguimento de estudos, sem quaisquer penalizações administrativas.

Para tal deveria ser prestada maior atenção à inscrição do ensino profissional no sistema educativo. A montante, no ensino básico, em alternativa à redução dos processos de ensino-aprendizagem a uma transmissão de conteúdos científicos, seria oportuno repensar o lugar das atividades práticas de experimentação científico-tecnológica e artística e de ligação à vida real e às atividades humanas, que podem ajudar a formular escolhas vocacionais e uma orientação escolar e profissional mais positiva. A jusante, importa persistir na determinação política em manter a equivalência escolar entre os vários percursos de nível secundário de ensino e formação e em garantir sempre, em equidade, o prosseguimento de estudos.

Por outro lado, os professores, os jovens e as famílias continuam a precisar de ser persistente, rigorosa e oportunamente informadas acerca disto mesmo e da pertinência e qualidade de qualquer uma das opções.

Este tipo de aposta política e social constitui um desafio para os responsáveis políticos, para os dirigentes escolares, para professores, para profissionais de orientação escolar e profissional e para todos os atores educacionais se comprometerem com a qualidade de todas as ofertas educativas de nível secundário.

Orientação escolar e profissional

Equacionar a reputação do ensino profissional equivale, como vimos, a pensar a qualidade da orientação escolar e profissional. Exercida no seio dos agrupamentos escolares e das escolas, esta atividade é maioritariamente dirigida por psicólogos, não podendo nem devendo, no entanto, ser menosprezado o papel das equipas multidisciplinares de todos os educadores. Olhada sobretudo como uma intervenção técnica, assente em ações e instrumentos codificados, a qualidade da orientação escolar e profissional depende sobretudo da sua capacidade de informar e abrir horizontes de futuro a cada uma e cada um dos alunos (aqui focam-se particularmente os do 9.º ano), suscitando opções de prosseguimento de estudos dentro de um leque aberto e amplo de oportunidades educativas e em função, prioritariamente, por um lado da informação sobre o mundo do trabalho e das profissões, e por outro lado de disposições, capacidades, expetativas e interesses pessoais, contribuindo de modo significativo para o sucesso escolar e a realização pessoal de cada jovem.

Verifica-se atualmente uma grande ineficácia no cumprimento desta função, estando os serviços de orientação escolar e profissional ausentes nas escolhas do percurso escolar de grande parte dos jovens. Além disso, quando funcionam, tem vindo a ser assinalado com insistência (cf. "O Estado da Educação 2019") o risco que se está a correr para a qualidade destes processos educativos de orientação escolar e profissional quando eles repousam em "fatores de interesse dos operadores da educação e formação" (p. 436) ou numa "retenção forçada" (p. 467), em desfavor dos interesses, expetativas e capacidades dos alunos. Com a galopante queda demográfica (um decréscimo de 10 % entre 2015-2019 e a previsão de mais 20 % entre 2020-2030) e a consequente redução do número de crianças e jovens em cada município, tem vindo a aumentar o risco de transformar a orientação escolar e profissional de cada agrupamento de escolas numa "reserva de caça" das opções dos seus próprios alunos.

Para esta situação tem igualmente contribuído um clima de condicionalismo e pressão sobre o exercício profissional dos psicólogos por parte das direções dos agrupamentos de escolas, o que fere com gravidade a sua imprescindível autonomia profissional, técnica e científica, influenciando critérios e práticas de orientação escolar e profissional.

Por outro lado, aponta-se em estudos realizados recentemente (e.g. Estudo de Avaliação do Contributo do PT2020 para a Promoção do Sucesso Educativo, Redução do Abandono Escolar Precoce e Empregabilidade dos Jovens, CIES-IUL/IESE/PPL, POCH, 2021) uma ineficácia acentuada dos Serviços de Psicologia e Orientação, não tendo os estudantes de cursos profissionais inquiridos referido qualquer interferência desses serviços na sua escolha. Os serviços estarão concentrados noutras dimensões das suas atribuições (nomeadamente apoio psicológico) e menos na orientação, quase sempre reduzida a um único momento de contacto. Mais importante nessas escolhas são as mensagens transmitidas no quotidiano por outros agentes, como professores e dirigentes escolares. Em todo o caso, está ausente uma atividade consistente de informação sobre o mundo do trabalho e a diversidade da oferta educativa.

Torna-se evidente que só uma articulada, transparente e criativa gestão integrada da rede de ofertas educativas, com o seu ponto de ancoragem fora das instituições que oferecem os cursos e em estreita cooperação com elas, com diferentes declinações ao longo do território, poderá ajudar a ultrapassar esta tendência de transformar as dinâmicas de orientação em processos em que os interesses, as capacidades e as expectativas dos jovens não estão em primeiro lugar.

Importaria cuidar de proporcionar uma informação de qualidade às famílias e de ouvir muito mais a voz dos jovens, sobretudo ao longo do 3.º ciclo, tendo em vista perceber as suas perceções e os efeitos destes processos de orientação nas suas escolhas.

Melhorar o acesso de cada aluno aos cursos desejados implica inscrever os esforços de uma orientação escolar e profissional de qualidade dentro de uma política territorial (municipal e intermunicipal) de inequívoca valorização do ensino profissional. Em cada território jogam-se opções decisivas no que diz respeito à construção de uma "visão partilhada" (ibidem, p. 468) acerca do valor e lugar do ensino profissional (entre municípios, empregadores, escolas, famílias e jovens, operadores no âmbito do apoio social) e acerca do mapeamento, organização e mobilização de recursos, bem como à qualidade e diversidade da oferta, às possibilidades de inserção socioprofissional e de prosseguimento de estudos, à mobilidade e acessibilidade dos alunos, à partilha de informação sobre os recursos disponíveis no território, ao planeamento e gestão da rede de ofertas, à cooperação interprofissional e interinstitucional, entre escolas e entre escolas e outras entidades.

Esta visão partilhada e este labor colaborativo estruturam um ecossistema local que favorece (acarinha, suporta, informa, divulga) ou dificulta a qualidade das escolhas dos jovens, a sua realização pessoal, o aproveitamento dos recursos comunitários e o próprio desenvolvimento do território. Aqui se deve, pois, inscrever uma informação e uma orientação escolar e profissional com valor social e qualidade, desenvolvidas de modo diverso em cada território, suportadas num trabalho exigente de foco em torno dos "perfis, interesses e expectativas dos alunos" (ibidem, p. 435) e numa conquista progressiva de confiança mútua e de cooperação, para a geração de oportunidades educativas de qualidade para cada cidadão que termina o seu ensino básico obrigatório.

Escolas, territórios e rede de oferta de cursos

Encarada deste modo a construção política e territorial das ofertas de ensino profissional, cria-se um referencial sociopolítico sustentado em critérios que ultrapassam em muito a mera lógica tecnocrática, burocrática, individualista-isolacionista ou de defesa de interesses corporativos e particulares, que acaba por prejudicar os alunos e as suas escolhas e defraudar as expectativas de qualificação dos territórios. O CNE, que já por várias vezes elaborou recomendações sobre este assunto, entende que é neste referencial mais largo, participado e que gera compromissos cruzados e articulados entre diferentes atores sociais, que pode repousar em boa parte a melhoria progressiva da reputação e da qualidade do ensino profissional. Na Recomendação 2/2010, o CNE sugeria a criação de "plataformas territoriais" de "encontro entre as várias ofertas de ensino e formação existentes", colocando-as "ao serviço da universalização do acesso e do sucesso dos jovens", "numa perspetiva de reconhecimento mútuo, de complementaridade e de confiança recíproca".

Como se assinala no "Estado da Educação 2019", este "apelo sistemático à proximidade", é um "apelo às pessoas, às suas competências, à produção de conhecimento, às instituições e à governança dos territórios, com significado acrescido em tempos de incerteza e de riscos vários de exclusão social" (p. 466).

Por isso, devem ser investidos localmente tempo, recursos e dinâmicas de participação social e de implicação dos diferentes atores, tendo em vista construir um referencial de critérios que têm de ser garantidos para que o referido ecossistema de apoio ao desenvolvimento da qualidade do ensino profissional seja assegurado, integrando dispositivos mais formais como o EQAVET (Quadro de Referência Europeu de Garantia da Qualidade para o Ensino e Formação Profissional).

De modo mais sistemático, o CNE sugere a eleição de critérios tais como:

Construção conjunta e sistemática de uma visão partilhada sobre o valor e o lugar do ensino profissional em cada território (encontros de reconhecimento mútuo entre os atores sociais locais, dinâmicas de interação, documentos orientadores resultantes dessa participação, opções comuns devidamente validadas);

Integração de todos os percursos e cursos de educação e formação de nível secundário na conceção e planeamento da rede (evitando que alunos possam transitar entre percursos de formação saindo do sistema nacional de gestão das matrículas, que acompanha o cumprimento da escolaridade obrigatória);

Partilha de recursos disponíveis (mapeamento, organização, comunicação dos mesmos e sua mobilização);

Acessibilidade dos jovens (todos e cada um) aos cursos existentes em condições de equidade e qualidade, equacionando soluções específicas para territórios de baixa densidade demográfica (mobilidade, apoios sociais,...);

Capacidade de as escolas construírem projetos de desenvolvimento dos cursos profissionais, como apostas positivas, destinadas não ao reforço da seletividade escolar, mas à promoção da aprendizagem-desenvolvimento de cada jovem;

Informação e comunicação de qualidade aos jovens e às famílias sobre as possibilidades de escolha de percursos e cursos, de inserção socioprofissional e de prosseguimento de estudos, numa perspetiva de educação ao longo de toda a vida e com a vida;

Orientação escolar e profissional feita numa perspetiva positiva e educadora, potenciadora da realização pessoal e social de cada aluno;

Envolvimento dos jovens nos processos de construção local de uma estratégia para o ensino profissional (escuta prévia, audições sobre a qualidade das ofertas e das intervenções técnicas realizadas,...);

Envolvimento das entidades empregadoras na definição das prioridades regionais, na construção curricular (ex. projetos/problemas para sustentar as Provas de Aptidão Profissional, seminários e workshops com técnicos especializados das empresas, integrados nos currículos, organização da formação em contexto de trabalho e de estágios curriculares e profissionais,...);

Envolvimento dos municípios e das entidades intermunicipais na seleção de prioridades da rede e da oferta educativa e na mobilização de agentes e recursos.

Estes deveriam ser elementos centrais de um modelo de atuação subjacente à definição da rede de ofertas educativas qualificantes e de dupla certificação de nível secundário.

Só nesta perspetiva mais alargada, participada e territorialmente ancorada podem os cidadãos e as comunidades beneficiar e aproveitar as oportunidades políticas criadas ao nível nacional (medidas políticas, recursos disponíveis, programas em curso), bem como exigir e coconstruir as condições concretas para que exista efetivamente um ensino profissional de qualidade e acessível a cada cidadão, adequado às suas escolhas.

Para esta mesma finalidade contribuem também o Catálogo Nacional de Qualificações (que deveria ser alargado para colmatar lacunas em termos de perfis de formação e que deve abarcar todas as ofertas de educação profissional) e o trabalho de atualização permanente dos perfis de qualificação, por intermédio da ação rápida e eficaz dos Conselhos Setoriais, o que está longe de se verificar. Este constitui um ponto identificado por várias entidades e estudos como sendo um constrangimento claro à qualidade do ensino profissional. O recentemente aprovado (julho de 2021) acordo sobre a "formação Profissional e Qualificação" pelo Conselho Económico e Social, propõe "uma revisão profunda e transversal do Catálogo Nacional de Qualificações, passados mais de 10 anos da sua criação", e o estabelecimento de "mecanismos mais transparentes, simples e estáveis de atualização", e ainda o reforço do "papel e dinamismo dos Conselhos Setoriais para a Qualificação" e a renovação destas "estruturas, garantindo uma mais ágil e forte intervenção dos parceiros sociais e uma maior diversidade de intervenientes do mundo do trabalho".

Para idêntica finalidade deveria contribuir o Sistema de Antecipação de Necessidades de Qualificações (SANQ), como instrumento de apoio, entre outros, para que territorialmente seja possível construir uma rede de ofertas formativas atualizada, adequada às necessidades e à evolução da economia e da sociedade. Dito isto, o SANQ não pode correr o risco de se transformar num mero instrumento tecnocrático de seleção de cursos (ou de manutenção do status quo), devendo integrar um modelo verdadeiramente "sistémico", gerado em rede e realmente participado (empresas, escolas, autarquias, administração educacional).

Entretanto, todos estes dispositivos deveriam contribuir, com especial acuidade e prioridade política, para a revisão da rede de ofertas educativas existentes no âmbito do ensino profissional, tendo por base não apenas orientações gerais nacionais (como por exemplo a definição de critérios), mas também os pactos territoriais que, em cada comunidade intermunicipal e área metropolitana, se deveriam passar a coconstruir. Esta articulação entre ambos os níveis de intervenção, não deve corresponder a meras adaptações locais a normas nacionais rígidas, mas deve dar lugar à manifestação de uma diversidade de possibilidades de cooperação, em redes de base territorial, onde as Comunidades Intermunicipais assumem um relevo muito particular, tendo em vista servir o melhor possível, em cada local, os interesses, capacidades e expetativas dos jovens e as necessidades e potencialidades de desenvolvimento social (e não apenas empresarial) das comunidades.

O Despacho 10085/21, de 18 de outubro, consagra um importante passo na consecução desta diversidade de possibilidades de cooperação a nível intermunicipal, com destaque para os territórios de baixa densidade, como é o caso pioneiro das Terras de Trás-os-Montes.

Finalmente, e como se definiu de início, as diferentes e complementares ofertas de ensino profissional deveriam ser reconfiguradas à luz de um quadro de inteligibilidade que deverá ser claro tanto para alunos e famílias como para empresas e empregadores, inscrito num Catálogo Nacional de Qualificações mais abrangente, atualizado e transparente, o que ainda está longe de acontecer.

A Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional (ANQEP, IP), entidade com tutela do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, deve regular e aplicar este quadro único de inteligibilidade de igual modo a todas as ofertas de ensino profissional, de modo a garantir ao país essa mesma legibilidade social, a equivalência global entre percursos e o prosseguimento de estudos.

Estando em execução o PRR no qual se prevê "reequipar e robustecer a infraestrutura tecnológica dos estabelecimentos educativos com oferta de ensino profissional" (escolas secundárias e escolas profissionais) através da "aquisição de equipamentos e do ajustamento e requalificação dos espaços físicos", "permitindo a modernização e/ou criação de 365 Centros Tecnológicos Especializados", o CNE apela para um cuidadoso aproveitamento desta oportunidade e recomenda uma criteriosa seleção dos investimentos a realizar, subordinando-os aos critérios acima enunciados (e não apenas ao número de turmas). Uma particular atenção preventiva deverá ser dada a fim de evitar que estes investimentos provoquem maiores assimetrias e desigualdades entre escolas e percursos de qualificação, penalizando sobretudo os territórios de baixa densidade. O CNE recomenda também um simultâneo investimento do Ministério da Educação na qualificação dos professores e formadores destas escolas.

A participação ativa dos jovens

Hoje, mais do que há trinta anos, está na agenda política a magna questão do envolvimento e de participação dos alunos tanto na sua própria formação e desenvolvimento, como na vida das escolas e na sociedade em geral. Algumas organizações apelidam esta capacidade como agenciamento, o que ocorre quando o(a) aluno(a) tem capacidade e vontade de influenciar positivamente a sua vida e o mundo à sua volta, estabelece objetivos e atua responsavelmente de modo a provocar a mudança, em cooperação com a comunidade que o(a) envolve (1).

O CNE quer sublinhar aqui a relevância desta participação nos cursos profissionais, embora esta participação abranja todo o percurso educativo, desde a educação pré-escolar até ao ensino superior e comporte muitas dimensões. Umas referem-na à participação em órgãos consultivos, em que os alunos são ouvidos sobre um ou outro problema que surge nas escolas, outras atribuem-lhes um papel central na coconstrução de soluções para os problemas e na geração de um ambiente de emancipação, de justiça e de bem-estar. Ou seja, podemos estar a falar tanto de uma participação sem participantes (meros instrumentos de auscultação, sem qualquer poder de controlo sobre as decisões), como de um comprometido envolvimento como protagonistas da sua vida e agentes da transformação social.

Nos cursos profissionais sempre se valorizou a participação dos alunos na identificação e resolução de problemas, sobretudo pela aprendizagem baseada em projetos interdisciplinares e integradores, tomando por base problemas da comunidade local ou temáticas atuais (ex. crise climática e sustentabilidade), bem como na construção de Provas de Aptidão Profissional aliadas à mesma perspetiva de identificação e resolução desses problemas.

Embora a literatura reconheça crescentemente o envolvimento dos alunos na escola como um claro preditor do seu desempenho e sucesso escolar, reconhecemos as dificuldades que persistem na maioria das escolas, onde é escassa a tradição de uma participação ativa dos alunos, desde a própria sala de aula até à organização de cada instituição educativa e à participação na vida da comunidade local. Se no primeiro caso a evolução tem sido imensa, já no segundo temos diante de nós um enorme caminho a percorrer tendo em vista formar cidadãos ativos, conscientes, responsáveis e comprometidos com o bem-comum.

A participação ativa dos jovens alunos dos cursos profissionais, com autonomia crescente e com capacidade de decisão, implica a escola e a comunidade local, desde o apoio à criação de projetos interdisciplinares e de novos modelos organizativos escolares, até à identificação de problemáticas sociocomunitárias em que o envolvimento dos alunos seja desejado e incentivado, desde o voluntariado até à resolução de problemas de pobreza, injustiça, discriminação, negligência e abandono. As dinâmicas de aprendizagem e desenvolvimento pessoal que daqui decorrem tornam-se também elas potenciadoras de uma inclusão socioprofissional mais adequada e eficaz.

Esta participação ativa na identificação, análise e resolução conjunta de problemas e de aproveitamento de potencialidades torna-se particularmente exigente na atualidade, quando crescem os riscos de manipulação digital e a consequente e premente necessidade de os jovens desenvolverem novas competências de distanciamento crítico, agenciamento e adequada inserção social.

O CNE entende que o modelo educativo instituído nos cursos profissionais favorece este modelo de participação ativa e coconstrutiva dos alunos; estamos, no entanto, diante de um desafio que precisa de obter melhores projetos e respostas, pois requer, num primeiro plano, das direções das escolas e das lideranças das comunidades, um compromisso muito mais claro e implica uma aprendizagem contínua e uma melhoria permanente em torno da geração de uma cidadania responsável e comprometida com o bem-comum e com a sustentabilidade do Planeta, certos de que esta cidadania tem de começar na escola, quadro institucional onde é obrigatório permanecer até aos 18 anos, e prosseguir na comunidade. Num segundo plano, requer igualmente do Ministério da Educação e de todas as instâncias de decisão política a consideração de um modelo de ensino (de nível secundário) em que devem existir componentes do currículo (créditos, módulos, disciplinas) que favoreçam a liberdade de escolha por parte dos alunos, em torno dos interesses, capacidades, expetativas e projetos de vida.

Finalmente, a esta luz devem também ser revistas as conceções e as práticas de orientação escolar e profissional.

A renovação da pedagogia

Como já assinalámos, estamos hoje confrontados com desafios profundos sobre o papel da educação na sociedade digital, num contexto profundamente transformado pela revolução científica e tecnológica, marcado pela incerteza e pelo risco. Isso equivale a dizer que é difícil determinar com abrangência, rigor e eficácia o que é que os jovens (e, naturalmente, os adultos) terão de aprender para viver, participar e trabalhar com dignidade e qualidade de vida na sociedade do futuro. A educação, além de transmitir conteúdos e conceitos, factos, fórmulas ou rotinas às gerações futuras, deve promover o desenvolvimento de novas competências (conhecimentos, capacidades e atitudes). Pela sua própria natureza e pelas opções pedagógicas adotadas, a educação profissional cultiva um modelo educativo que favorece as respostas a estes desafios.

O eixo da pedagogia sempre mereceu um destaque especial na conceção e desenvolvimento dos cursos profissionais, conferindo-lhes um caráter inovador no sistema educativo português. Importa salientar alguns dos traços essenciais dessa inovação educacional: o currículo que integra a formação sociocultural e científica com a formação técnica; o ensino e a aprendizagem modulares; a flexibilidade curricular, com destaque para os projetos interdisciplinares ou integradores; as Provas de Aptidão Profissional e a ligação aos problemas e potencialidades das comunidades locais; os estágios curriculares em contexto real de trabalho, essenciais para consolidar as aprendizagens e adquirir competências determinantes para a vida profissional, bem como para alargar a empregabilidade à saída do ensino secundário.

A par destes traços é imperioso sublinhar também um conjunto articulado de outras condições que favoreceram a concretização e o desenvolvimento destas opções pedagógicas, entre as quais estão a autonomia, a pequena dimensão das escolas, a contratação e gestão autónoma de professores e técnicos, bem como a promoção local das escolas, fruto de parcerias para o desenvolvimento educacional e social.

Sendo o coração onde pulsa a qualidade dos cursos profissionais, a pedagogia requer sempre um conjunto de condições para se poder desenvolver e para poder responder de modo completo e aprofundado aos desafios de cada momento histórico.

Volvidos mais de trinta anos, coexistem velhos e novos reptos ao modelo pedagógico dos cursos profissionais.

Salientamos cinco, sob a forma de questões:

1 - Como enriquecer curricularmente os cursos profissionais no sentido de os dotar da renovada capacidade de promover o desenvolvimento integral dos jovens: saber, saber-fazer, saber-ser e saber viver juntos?

Publicado o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO), torna-se imperioso articular o currículo dos cursos profissionais com o tipo de cidadania para que aponta este referencial educacional. O ensino profissional nunca deverá ficar prisioneiro seja de um modelo instrumentalizado de formação especializada para um posto de trabalho, seja de uma formação desligada dos seus contextos, tanto de economia e produção, como de cultura e de participação cidadã, num mundo cada vez mais complexo e incerto.

O leque de competências a desenvolver terá de responder, nos nossos dias, aos novos desafios, ou seja, fomentar, além da magna competência de saber pensar e ser competente, a capacidade de construção de uma identidade pessoal e de um projeto de vida, a capacidade de distanciamento crítico, mormente face aos media e aos "ecrãs", a capacidade de resolução de problemas complexos e a capacidade criativa, a capacidade de comunicação e de cooperação com outros e a capacidade de discernimento e de tomada de decisão.

Para que esta intencionalidade educativa impregne o quotidiano escolar e todas as atividades de ensino e aprendizagem, será necessário proceder a uma ampla revisão curricular, em equipa pedagógica, enriquecendo as "aprendizagens essenciais", as "ações estratégicas" e as modalidades e instrumentos de avaliação de cada curso.

Nesta revisão é fundamental assegurar a coerência entre a formação sociocultural, científica e tecnológica de cada curso, mormente em sede de revisão das "aprendizagens essenciais" de cada disciplina, evitando uma lógica de silo e a subordinação a critérios que contrariam o entendimento de cada curso como um conjunto articulado e interdependente de objetivos, áreas, disciplinas e estratégias de ensino e aprendizagem.

Neste enriquecimento curricular tem vindo a ganhar especial ênfase e um impacto educativo relevante a "aprendizagem por projetos integradores ou interdisciplinares", construídos a partir de "unidades de sentido" desenvolvidas em cada escola e em interligação com a comunidade e os seus problemas e potencialidades (municípios, empresas e outras instituições). Esta forma de desenvolvimento curricular, que se desenrola a par do ensino-aprendizagem disciplinar, tem vindo a constituir um muito importante fator de motivação quer dos alunos, para a aprendizagem e para a sua inserção socioprofissional, quer dos professores, que enriquecem as atividades educativas e obtêm melhores resultados.

2 - Como fazer dos professores gestores competentes e autónomos do currículo escolar, fundados num trabalho em equipa pedagógica e incentivadores da participação dos alunos?

Para se alcançar o enriquecimento curricular acabado de referir, é mister que as equipas pedagógicas se transformem em coletivos competentes em gerir autonomamente o currículo prescrito, adaptando-o aos alunos, aos cursos, aos contextos sociais, nos moldes consagrados nos normativos existentes (sobretudo o Decreto-Lei 55/2018, de 6 de julho). Da qualidade desta gestão autónoma e flexível do currículo, orientada pelo rigor e pela intencionalidade educativa que segue um modelo de aprendizagem-desenvolvimento global dos alunos, depende em larga medida o sucesso escolar e a qualidade das qualificações obtidas. Esta gestão profissional do currículo escolar, em cada instituição educativa, passa principalmente pela especificação das "ações estratégicas" de ensino e aprendizagem que é preciso empreender para se alcançarem as competências previstas e pela determinação dos modos de avaliação dessa consecução, gerando permanente feedback de qualidade. As equipas pedagógicas de cada escola têm aqui um labor árduo e fundamental para promover a qualidade do ensino profissional, em articulação com outros parceiros locais, mormente as entidades empregadoras.

3 - Como recrutar os técnicos e os profissionais especializados do mundo empresarial e promover a permanente articulação com as entidades empregadoras?

Uma questão que não está bem resolvida é a da presença de profissionais e de empresas na lecionação dos cursos profissionais. Por um lado, esta presença não é sistemática nem está suficientemente articulada com estes profissionais e entidades, em sede de "currículo real" lecionado e, por outro, a colaboração e contratação de técnicos especializados em vários domínios tecnológicos é muito escassa. Todavia, ambos os vetores representam importantes fatores de qualificação dos processos educativos deste tipo de cursos. Ações como palestras, seminários e workshops desenvolvidos por estes profissionais e entidades parceiras, em cooperação estreita com os professores, bem como a sua presença mais assídua nas atividades de ensino e aprendizagem (desde a conceção à avaliação, mormente em projetos interdisciplinares) constituem fatores de melhoria contínua da pedagogia dos cursos profissionais.

4 - Como dar mais relevância e estruturar os apoios de nível meso (nem local nem nacional), as redes de cooperação entre escolas, tendo em vista garantir a instituição e o aprofundamento das inovações?

Como tem vindo a ser proposto nas avaliações internacionais aos modelos de desenvolvimento curricular e às dinâmicas de melhoria e inovação empreendidas pelas escolas, não só é relevante o papel do Estado e da administração central (nível macro) e das escolas e municípios (nível micro), como a qualidade da ação de níveis intermédios de apoio às escolas, às suas direções e às suas equipas pedagógicas. Este nível meso tem sido identificado como decisivo; ele compreende redes de cooperação entre escolas e profissionais (por exemplo, por áreas de especialidade), equipas e instâncias de apoio regional às dinâmicas de melhoria e inovação e ainda associações profissionais de vários tipos. Em Portugal, este tipo de intervenção tem sido escasso e, no ensino profissional, as redes de cooperação entre escolas existem aqui e ali, mas permanecem raras e incipientes. No entanto, elas podem representar esteios interprofissionais e interinstitucionais preciosos, na hora de implementar e avaliar ações de melhoria e de inovação.

5 - Como alavancar a "educação digital", ao serviço da qualidade do ensino e da aprendizagem?

Nestes tempos de profundas mutações tecnológicas, sociais e empresariais, a educação procura "digitalizar-se", renovando materiais escolares, recursos técnicos e metodologias de ensino e aprendizagem. Esta renovação ganhou particular acuidade após os períodos de confinamento, nos quais o ensino à distância se desenvolveu (mais como ensino remoto de emergência do que como política concertada e planeada de "digitalização da educação").

Neste contexto, torna-se irrecusável que as escolas e as mais variadas ofertas formativas equacionem políticas consistentes de utilização de todo o tipo de recursos digitais para melhorar as estratégias de ensino-aprendizagem, gerando ambientes educativos estimulantes e promotores de melhores processos e resultados e aproveitando eficazmente os recursos disponíveis no PRR.

A digitalização dos processos educativos deve ser realizada de forma ponderada e adequada aos contextos, grupos etários e objetivos pedagógicos, devendo ser acompanhada e avaliada à luz dos problemas societais enunciados no início desta recomendação.

Financiamento sustentável dos cursos profissionais

Como o CNE tem vindo a referir há vários anos e em repetidos Pareceres e Recomendações, é fundamental assegurar a sustentabilidade do modelo de financiamento do ensino profissional. Este, que tem repousado sobre o cofinanciamento europeu, sobretudo via Fundo Social Europeu, deixou a sustentabilidade da oferta dos cursos profissionais sempre em dúvida e a incerteza sobre o futuro tem dominado as passadas três décadas. O CNE tem sublinhado que a valorização social dos cursos profissionais passa também por aqui, pela estabilização de um modelo de financiamento que não interfira negativamente nas opções dos jovens que terminam o 9.º ano e nas suas famílias.

O Orçamento do Estado deverá ser crescente e definitivamente a fonte principal de financiamento dos cursos profissionais, como já vem acontecendo em algumas regiões do país, num modelo que continue a aproveitar ao máximo os apoios disponíveis na União Europeia, passo cuja concretização compete ao Governo e à Assembleia da República. O CNE recomenda a realização de um estudo em que sejam apresentados e contrastados vários cenários de evolução do modelo de financiamento de todas as modalidades de ensino profissional, tendo em vista uma tomada de decisão pertinente, oportuna e eficiente.

Recomendações

Vivemos tempos de mudanças profundas. É preciso reagir e, sempre que possível, antecipar cenários e decidir por prevenção e cuidado.

O ensino profissional não pode correr o risco de viver em torno de um passado de inovação e qualidade, também porque estas estão profundamente questionadas e desafiadas pela transformação social, cultural e económica.

Assim, em termos resumidos, tendo em conta o futuro do ensino profissional, pautado pela qualidade, equidade e inovação, o CNE recomenda ao Governo, à Assembleia da República e aos parceiros sociais:

1 - Sobre a definição e a reputação

1.1 - Promover uma clara redefinição normativa sobre a educação/ensino profissional que englobe e conceptualize estas múltiplas ofertas de dupla certificação para cidadãos que terminem o 9.º ano de escolaridade. Neste contexto e quando se entender que é oportuno aproveitar esta redefinição normativa para rever o ordenamento da Lei de Bases do Sistema Educativo, seria pertinente fazer uma distinção entre educação geral e educação profissional, incluindo estas ofertas nesta última.

1.2 - Garantir a existência de uma rede integrada de ofertas de dupla certificação de nível secundário assente na equivalência global de percursos, na qualidade, na transparência e na complementaridade territorial, tendo em vista responder quer aos anseios, capacidades e interesses dos jovens, abrindo horizontes e oportunidades de realização pessoal, quer às necessidades e potencialidades locais.

2 - Sobre a orientação escolar e profissional

2.1 - Assegurar que as escolhas dos alunos do 3.º ciclo, em particular do 9.º ano, são feitas de modo informado, aberto, transparente e positivo, salvaguardando a intervenção qualificada de equipas multidisciplinares e de psicólogos escolares.

2.2 - Os organismos responsáveis pelas várias ofertas educativas devem produzir e comunicar adequada e atempadamente informação de qualidade acerca da pertinência de qualquer uma das opções do ensino profissional, dirigindo-a quer aos alunos, quer às famílias.

2.3 - Tendo em vista assegurar a qualidade destes processos de orientação escolar e profissional, devem ser empreendidas cuidadosas e cíclicas dinâmicas de participação e auscultações aos jovens acerca das suas perceções e dos efeitos dos mesmos processos nas suas escolhas.

2.4 - Melhorar o acesso de cada aluno aos cursos desejados implica inscrever os esforços de uma orientação escolar e profissional de qualidade dentro de uma política territorial de inequívoca valorização do ensino profissional, um ecossistema local que acarinha, suporta e informa e divulga, coconstruído entre municípios, empregadores, escolas, famílias e jovens, operadores no âmbito do apoio social, assente numa "visão partilhada" acerca do mapeamento, da organização e mobilização de recursos, bem como da qualidade e diversidade da oferta, das possibilidades de inserção socioprofissional e de prosseguimento de estudos, da mobilidade e acessibilidade dos alunos, da partilha de informação sobre os recursos disponíveis no território, do planeamento e gestão da rede.

3 - Sobre a rede

3.1 - Devem ser investidos localmente tempo, recursos e dinâmicas de participação social e de implicação dos diferentes atores, tendo em vista construir um referencial de critérios que têm de ser garantidos para que o referido ecossistema de apoio ao desenvolvimento da qualidade do ensino profissional seja assegurado, integrando dispositivos informais ou formais, como o EQAVET (Quadro de Referência Europeu de Garantia da Qualidade para o Ensino e Formação Profissional).

3.2 - O CNE elege e recomenda a adoção dos seguintes critérios de construção e definição da rede de ofertas de dupla certificação: construção conjunta e sistemática de uma visão partilhada sobre o valor e o lugar do ensino profissional no território; partilha de recursos disponíveis; acessibilidade dos jovens (todos e cada um) aos cursos existentes em condições de equidade e qualidade (mobilidade, apoios sociais,...); capacidade de as escolas construírem projetos de desenvolvimento dos cursos profissionais, como apostas positivas, destinadas não ao reforço da seletividade escolar, mas à promoção da aprendizagem-desenvolvimento de cada jovem; informação e comunicação de qualidade aos jovens e às famílias sobre as possibilidades de escolha de percursos e cursos, de inserção socioprofissional e de prosseguimento de estudos, numa perspetiva de educação ao longo de toda a vida e com a vida; orientação escolar e profissional feita numa perspetiva positiva e educadora, potenciadora da realização pessoal e social de cada aluno; envolvimento dos jovens nos processos de construção local de uma estratégia para o ensino profissional (escuta prévia, audições sobre a qualidade das ofertas e das intervenções técnicas realizadas,...); envolvimento das entidades empregadoras na definição das prioridades, na construção curricular (ex. projetos/problemas para sustentar as Provas de Aptidão Profissional, seminários e workshops com técnicos especializados das empresas, integrados nos currículos, organização da formação em contexto de trabalho e de estágios profissionais,...); envolvimento dos municípios e entidades intermunicipais na seleção de prioridades e na mobilização de agentes e recursos.

3.3 - Para esta mesma finalidade contribuem também o Catálogo Nacional de Qualificações (a que se deveriam referir todas as ofertas de educação profissional) e o trabalho de atualização permanente dos perfis de qualificação, por intermédio da ação rápida e eficaz dos Conselhos Setoriais, o que está longe de se verificar. Este constitui um ponto identificado por várias entidades e estudos como sendo um constrangimento claro à qualidade do ensino profissional.

3.4 - O recentemente aprovado (julho de 2021) acordo sobre a "Formação Profissional e Qualificação" pelo Conselho Económico e Social, propõe "uma revisão profunda e transversal do Catálogo Nacional de Qualificações, passados mais de 10 anos da sua criação", e o estabelecimento de "mecanismos mais transparentes, simples e estáveis de atualização", e ainda o reforço do "papel e dinamismo dos Conselhos Setoriais para a Qualificação" e a renovação destas "estruturas, garantindo uma mais ágil e forte intervenção dos parceiros sociais e uma maior diversidade de intervenientes do mundo do trabalho".

3.5 - Para idêntica finalidade deveria contribuir o Sistema de Antecipação de Necessidades de Qualificações (SANQ), como instrumento de apoio, entre outros, para que territorialmente seja possível construir uma rede de ofertas formativas atualizadas, adequadas às necessidades e à evolução da economia e da sociedade, evitando que este seja um dispositivo tecnocrático de seleção de cursos (ou de manutenção do status quo).

3.6 - Esta articulação entre os diferentes níveis territoriais não deve corresponder a meras adaptações locais a normas nacionais rígidas, mas deve dar lugar à manifestação de uma diversidade de possibilidades de cooperação, em redes de base territorial, tendo em vista servir o melhor possível, em cada local, os interesses, capacidades e expetativas dos jovens e as necessidades e potencialidades de desenvolvimento social (e não apenas empresarial) das comunidades.

3.7 - As diferentes e complementares ofertas de ensino profissional deveriam ser reconfiguradas à luz de um quadro de inteligibilidade que deverá ser claro tanto para alunos e famílias, como para empresas e empregadores, inscrito num Catálogo Nacional de Qualificações abrangente, atualizado e transparente e reguladas todas elas com os mesmos critérios pela Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, tutelada pelo Ministério da Educação e pelo Ministério do Trabalho da Solidariedade e Segurança Social.

3.8 - Os investimentos, previstos no PRR e destinados à criação de uma rede de 365 Centros Tecnológicos Especializados, devem ser realizados segundo os critérios de funcionamento, articulação e reordenamento da rede aqui enunciados, de modo a evitar ampliar a desigualdade entre escolas e percursos de educação e formação.

4 - Sobre a participação dos jovens

4.1 - O CNE recomenda o reforço da participação dos alunos, desde a própria sala de aula até à organização de cada instituição educativa e à participação na vida da comunidade local. Esta participação pode ampliar-se seja na identificação e resolução de problemas, sobretudo pela aprendizagem baseada em projetos interdisciplinares e integradores, tomando por base problemas da comunidade local ou temáticas atuais (ex. crise climática e sustentabilidade), como na construção de Provas de Aptidão Profissional aliadas à mesma perspetiva de identificação e resolução desses problemas.

4.2 - A participação ativa dos jovens alunos, com autonomia crescente e com capacidade de decisão, implica a escola e a comunidade local, desde o apoio à criação de projetos interdisciplinares e de novos modelos organizativos escolares, até à identificação de problemáticas sociocomunitárias em que o envolvimento dos alunos seja desejado e incentivado, desde o voluntariado até à participação na resolução de problemas de pobreza, injustiça, discriminação, negligência e abandono.

4.3 - Esta participação ativa na identificação, análise e resolução conjunta de problemas e de aproveitamento de potencialidades torna-se particularmente exigente na atualidade, quando crescem os riscos de manipulação digital e a consequente e premente necessidade de os jovens desenvolverem novas competências de distanciamento crítico, agenciamento e adequada inserção social.

O CNE entende que o modelo educativo instituído nos cursos profissionais favorece particularmente este modelo de participação ativa e coconstrutiva dos alunos e recomenda ao Ministério da Educação e a todas as instâncias de decisão política a consideração de um modelo de ensino (de nível secundário), em que devem existir componentes do currículo (créditos, módulos, disciplinas), que favoreça a liberdade de escolha por parte dos alunos, em torno dos interesses, capacidades, expetativas e projetos de vida.

5 - Sobre a pedagogia

5.1 - O CNE recomenda o investimento num modelo de desenvolvimento curricular que reforce a cidadania e a participação crítica e criativa, de modo a impedir que o ensino profissional fique prisioneiro seja de um modelo instrumentalizado de formação especializada para um posto de trabalho, seja de uma formação desligada dos seus contextos, tanto da economia e da produção, como da cultura e da participação cidadã, num mundo cada vez mais complexo e incerto.

5.2 - Para que esta intencionalidade educativa impregne o quotidiano escolar e todas as atividades de ensino e aprendizagem, será necessário proceder a uma ampla revisão curricular, em equipa pedagógica, enriquecendo as "aprendizagens essenciais", as "ações estratégicas" e as modalidades e instrumentos de avaliação de cada curso. Nesta revisão é fundamental assegurar o equilíbrio e a coerência entre a formação sociocultural, científica e tecnologia de cada curso profissional, mormente em sede de revisão das "aprendizagens essenciais" de cada disciplina.

5.3 - Neste enriquecimento curricular tem vindo a ganhar especial ênfase e um impacto educativo relevante a "aprendizagem por projetos integradores ou interdisciplinares", construídos a partir de "unidades de sentido" em cada escola e em interligação com a comunidade e os seus problemas e potencialidades (municípios, empresas e outras instituições). Esta forma de desenvolvimento curricular, que se desenrola a par do ensino-aprendizagem disciplinar, pode constituir um muito importante fator de motivação quer dos alunos, para a aprendizagem e para a sua inserção socioprofissional, quer dos professores, que enriquecem as atividades educativas e obtêm melhores resultados.

5.4 - O CNE recomenda um investimento inequívoco na gestão autónoma, profissional e flexível do currículo, orientada pelo rigor e pela intencionalidade educativa que segue um modelo de aprendizagem-desenvolvimento global dos alunos, pois dela depende em larga medida o sucesso escolar e a qualidade das qualificações obtidas. Esta gestão do currículo escolar, realizada em cada instituição educativa e em equipa pedagógica, passa principalmente pela especificação das "ações estratégicas" de ensino e aprendizagem que é preciso empreender para se alcançarem as competências previstas e pela determinação dos modos de avaliação dessa consecução, gerando permanente feedback de qualidade.

5.5 - Deve ser esclarecida e facilitada a participação e o recrutamento de técnicos e profissionais especializados, do mundo empresarial e das demais entidades empregadoras, pois representam importantes fatores de qualificação dos processos educativos destes cursos. Ações como palestras, seminários e workshops desenvolvidos por estes profissionais e entidades parceiras, em cooperação estreita com os professores, bem como a sua presença mais assídua nas atividades de ensino e aprendizagem (desde a conceção à avaliação, mormente em projetos interdisciplinares) constituem fatores de melhoria contínua da pedagogia dos cursos profissionais.

5.6 - Como tem vindo a ser proposto nas avaliações internacionais aos modelos de desenvolvimento curricular e às dinâmicas de melhoria e inovação empreendidas pelas escolas, o CNE recomenda que todos os atores envolvidos no ensino profissional atentem mais na qualidade da ação de níveis intermédios de apoio às escolas, às suas direções e às suas equipas pedagógicas, e não só no relevante papel do Estado e da administração central (nível macro) e das escolas e municípios (nível micro). Este nível meso compreende redes de cooperação entre escolas e profissionais (por exemplo, por áreas de especialidade), equipas e instâncias de apoio regional às dinâmicas de melhoria e inovação e ainda associações profissionais de vários tipos, que podem representar esteios interprofissionais e interinstitucionais preciosos, na hora de implementar e avaliar ações de melhoria e de inovação.

5.7 - Os promotores do ensino profissional devem dar especial atenção a uma educação que tem de fazer face ao repto da transformação digital, renovando materiais escolares, recursos técnicos e metodologias de ensino e aprendizagem. A renovação digital da educação, que ganhou particular acuidade após os períodos de confinamento, implica que as escolas e as mais variadas ofertas formativas equacionem políticas consistentes de utilização de todo o tipo de recursos digitais para melhorar as estratégias de ensino-aprendizagem, gerando ambientes educativos estimulantes e promotores de melhores processos e resultados.

5.8 - Tendo em conta a maior eficácia da educação profissional e a experiência acumulada na implementação de metodologias inovadoras, valorizadoras do trabalho em projeto interdisciplinar, da pesquisa em equipa, de ligação aos contextos sociais e de vida dos alunos, da utilização das ferramentas digitais, o CNE recomenda que se capitalize essa experiência para a transformação das práticas pedagógicas, devidamente adaptadas, ao nível da educação básica e das vias científico-humanísticas de educação secundária.

6 - Sobre o financiamento

O Governo e a Assembleia da República devem promover um novo modelo de financiamento dos cursos profissionais que assegure a sua sustentabilidade futura e promova a sua valorização social. Recomenda-se, em primeiro lugar, a realização de um estudo aprofundado que permita contrastar vários cenários de uma transição gradual, de modo a ir desvinculando esta oferta educativa, que se pretende regular, dos fundos estruturais, sempre contingentes. Esse objetivo é tanto mais relevante quanto, desejavelmente, o ensino profissional for abrangendo uma maior proporção das alunas e alunos do secundário, com vista à sua preparação mais completa e diversificada para a cidadania, para o trabalho e para o prosseguimento de estudos.

Referências bibliográficas

Augé, M. (2013). Les nouvelles peurs. Manuels Payot.

CIES-IUL/IESE/PPL, POCH. (2021). Estudo de Avaliação do Contributo do PT2020 para a Promoção do Sucesso Educativo, Redução do Abandono Escolar Precoce e Empregabilidade dos Jovens. Lisboa: Autor.

CNE (2020). Estado da Educação 2019. Lisboa: Autor.

Rocha, A. & Correia, M.C. (2020). Reflexões críticas sobre os desafios e oportunidades do ensino profissional: do empoderamento dos alunos ao desenvolvimento do território. CNE, Estado da Educação 2019. Lisboa: Autor.

Silva, G. (2020). Propostas para que o ensino profissional seja a primeira escolha dos jovens. CNE, Estado da Educação 2019. Lisboa: Autor.

(1) Definição contida em: The future of education and skills. Education 2030, OCDE, 2018.

15 de dezembro de 2021. - A Presidente, Maria Emília Bredero de Santos.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4766648.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 2018-07-06 - Decreto-Lei 55/2018 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens

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