Diretiva n.º 3/2021
Sumário: Cobrança coerciva de custas aplicadas na fase administrativa de processos de contraordenação - competência para a instauração de execução.
Cobrança coerciva de custas aplicadas na fase administrativa de processos de contraordenação - Competência para a instauração de execução
I - A Lei 27/2019, de 28 de março, veio prever a aplicação do processo de execução fiscal à cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial, para o que procedeu à alteração da Lei da Organização do Sistema Judiciário, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do Código de Processo Civil, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), do Código de Processo Penal, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e do Decreto-Lei 303/98, de 7 de outubro, que regula o regime de custas no Tribunal Constitucional.
II - Numa clara mudança de paradigma, com tais alterações legislativas o legislador optou por retirar ao Ministério Público a competência para a execução de custas judiciais devidas e não pagas, atribuindo-a à Autoridade Tributária, com base em invocadas razões de eficiência.
III - Sucede que o legislador nada dispôs expressamente quanto às custas aplicadas por entidade administrativa no âmbito da fase administrativa dos processos contraordenacionais.
IV - Circunstância que tem suscitado, quer no seio do Ministério Público, quer por parte das autoridades administrativas, entendimentos e procedimentos diversos, quanto à competência para a instauração de execução por tais custas.
V - Divergências de entendimento e de procedimentos subsequentes que, além de redundarem num sempre indesejável tratamento diverso de uma mesma questão, potenciam situações de não cobrança das custas legalmente aplicadas e não voluntariamente pagas, com os consequentes prejuízos para o Estado, e não contribuem para uma eficaz e célere administração da justiça no domínio contraordenacional.
VI - Em face das divergências assinaladas, e estando em causa questão com acentuada relevância na atuação funcional do Ministério Público, foi solicitada a emissão de parecer junto do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
Nestes termos, aderindo à fundamentação do Parecer emitido, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 19.º, n.º 2, alínea b) e 49.º, n.º 1, ambos do Estatuto do Ministério Público, determino que seja seguida e sustentada pelos Magistrados do Ministério Público a doutrina do Parecer 27/2020, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, de 15 de abril de 2021, no qual foram formuladas as seguintes conclusões:
"1.ª Na sua versão original o Regime Geral das Contraordenações remetia a execução das custas para o disposto nos artigos 171.º e seguintes do Código das Custas Judiciais, assim atribuindo ao Ministério Público competência para promover a sua execução junto dos tribunais judiciais (art. 202.º, n.º 2, daquele Código);
2.ª Esta solução, apesar das inúmeras alterações legislativas que enfrentou, manteve-se quase inalterada até à entrada em vigor da Lei 27/2019, de 28 de março, relativa à aplicação do processo de execução fiscal à cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial;
3.ª Com efeito, considerando a natureza tributária das custas e seguindo o exemplo da jurisdição administrativa e fiscal, o legislador inverteu aquele paradigma, remetendo para a execução fiscal a cobrança coerciva das custas fixadas em processo judicial;
4.ª Para esse efeito, a Lei 27/2019, de 28 de março, alterou o Código de Procedimento e de Processo Tributário que passou a dispor que «Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei: [...] Custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial [art. 148.º, n.º 2, al. c)];
5.ª Bem como o artigo 35.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, que sob a epígrafe «execução», passou a dispor que: «Compete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial»;
6.ª Embora nem a Lei 27/2019, de 28 de março, nem as normas que ela alterou, o digam expressamente, deve entender-se que este regime é aplicável às custas fixadas na fase administrativa do processo de mera ordenação social, competindo à Administração Tributária proceder à sua cobrança coerciva;
7.ª Desde logo, porque, continuando o artigo 92.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, a remeter para os preceitos reguladores das custas em processo criminal, será aqui aplicável o disposto no artigo 35.º do Regulamento das Custas;
8.ª Depois, porque, atenta a sua natureza, tais custas estão incluídas no âmbito do artigo 148.º, n.º 1, al. a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segundo o qual o processo de execução fiscal abrange, para além do mais, a cobrança coerciva de taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais;
9.ª Em terceiro lugar, porque, em vez de atribuir ao juízo ou tribunal que as tenha proferido competência para executar as decisões relativas a multas, custas e indemnizações previstas na lei processual aplicável, o legislador passou a atribuir-lhe, apenas, competência para a execução das decisões relativas a multas penais e indemnizações previstas na lei processual aplicável (art. 131.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário);
10.ª Em quarto lugar, porque o legislador restringiu os poderes do Ministério Público, máxime o poder de promover a execução por custas, conferindo-lhe, agora, apenas, competência para promover a execução das penas e das medidas de segurança e, bem assim, a execução por indemnização e mais quantias devidas ao Estado ou a pessoas que lhe incumba representar judicialmente (art. 469.º do Código de Processo Penal);
11.ª Finalmente, porque o legislador eliminou a referência à execução por custas, que constava do artigo 491.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, passando a mesma a ser da competência exclusiva da Administração Tributária;
12.ª Com estas alterações, para além de ter atribuído à Administração Tributária competência para proceder à cobrança coerciva das custas, o legislador eliminou as normas que antes atribuíam ao Ministério Público competência para promover a sua execução e aos tribunais judiciais competência para a tramitar;
13.ª Desta forma, o artigo 148.º, n.º 1, al. a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, passou a incluir a cobrança da taxa de justiça e dos encargos legais, que, por força de disposições legais especiais, antes lhe estava subtraída; e
14.ª Se as entidades administrativas remeterem ao Ministério Público expediente destinado à cobrança de custas fixadas em processo de contraordenação, tal expediente deverá, por mera economia de meios, ser reencaminhado diretamente à Autoridade Tributária, com conhecimento ao remetente."
Publique-se a presente Diretiva na 2.ª série do Diário da República, bem como o conteúdo integral do Parecer 27/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nos termos das disposições conjugadas nos artigos 19.º, n.º 3 e 49.º, n.º 2, ambos do Estatuto do Ministério Público.
15 de setembro de 2021. - A Procuradora-Geral da República, Lucília Gago.
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