Sumário: Código Deontológico Médico-Veterinário.
Com a publicação da Lei 2/2013, de 10 de janeiro, que aprovou o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, tornou-se necessário proceder à revisão do Estatuto da Ordem dos Médicos Veterinários, adequando-o ao aludido regime jurídico.
Tal revisão foi operada pela Lei 125/2015, de 3 de setembro, que procedeu à segunda alteração ao Estatuto da Ordem dos Médicos Veterinários, aprovado pelo Decreto-Lei 368/91, de 4 de outubro e alterado pela Lei 117/97, de 4 de novembro.
Tendo por base a proposta apresentada pelo Conselho Profissional e Deontológico, o Código Deontológico vem dar cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 17.º do Estatuto da Ordem dos Médicos Veterinários, regulando a deontologia profissional dos médicos veterinários e desenvolvendo os princípios constantes dos artigos 18.º a 20.º do Estatuto.
O Código Deontológico Médico-Veterinário foi elaborado tendo em conta que o médico veterinário, à luz do conceito "Uma Só Saúde", desempenha um papel essencial na proteção da saúde e do bem-estar animal, da saúde pública e do ambiente, papel esse que o obriga a deveres de natureza legal, ética e deontológica, nomeadamente para com os animais e seus detentores, os clientes, a profissão médico-veterinária no geral e os colegas em particular, a equipa de trabalho, a sociedade e as autoridades competentes, designadamente a Ordem dos Médicos Veterinários.
Foram ponderados os interesses públicos coenvolvidos e procedeu-se à avaliação de proporcionalidade das disposições previstas, assegurando que à previsão de cada um dos deveres deontológicos corresponde o cumprimento de um interesse público e que as obrigações impostas são necessárias e adequadas a garantir a proteção saúde e do bem-estar animal, da saúde pública e do ambiente e a promover um elevado nível de proteção dos consumidores.
É na procura deste equilíbrio que, enquanto código de conduta, o Código Deontológico se perfila como um recurso capaz de enumerar e caracterizar os princípios fundamentais de conduta profissional capazes de assegurar a elevada qualidade dos serviços médico-veterinários e de promover a confiança dos clientes e da sociedade nesses serviços.
Apesar de manter muitos aspetos do Código Deontológico de 1994, o presente Código é estruturalmente diferente daquele. Incorporando os princípios fundamentais do Código de Conduta Europeu da Federação de Veterinários da Europa (FVE), que se harmonizam com os princípios deontológicos consagrados no Estatuto, o Novo Código Deontológico Médico-Veterinário vem estabelecer novas regras relativas à defesa dos animais, do consumidor e do meio ambiente, assegurando, simultaneamente, a livre concorrência e o bom funcionamento do mercado.
Por outro lado, acompanhando a evolução da sociedade e da economia nos últimos 25 anos, foram ainda considerados muitos aspetos que se alteraram no exercício da profissão médico-veterinária com a introdução de novos recursos tecnológicos e meios de comunicação.
Citando o primeiro bastonário da OMV, Dr. Cardoso Paisana, na sua carta enviada aos membros da Ordem em janeiro de 1994, na qual se promovia a discussão do primeiro Código Deontológico, espera-se que o novo Código seja útil na dignificação da profissão através da "normalização ética do exercício profissional dos médicos veterinários".
O projeto de Código Deontológico Médico-Veterinário foi submetido a consulta pública, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 101.º do Código do Procedimento Administrativo.
Ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 17.º do Estatuto da Ordem dos Médicos Veterinários, aprovado pela Lei 125/2015, de 3 de setembro, que procede à segunda alteração ao Estatuto da Ordem dos Médicos Veterinários, aprovado pelo Decreto-Lei 368/91, de 4 de outubro, alterado pela Lei 117/97, de 4 de novembro e no uso da competência conferida pelo n.º 5 do artigo 17.º e pela alínea g) do artigo 37.º do Estatuto da Ordem dos Médicos Veterinários, a Assembleia Geral da Ordem dos Médicos Veterinários reunida a 06 de julho de 2021, sob proposta do Conselho Profissional e Deontológico, e depois de submetido o projeto final de regulamento a consulta pública, deliberou aprovar por unanimidade o seguinte Código Deontológico Médico-Veterinário:
PARTE I
Disposições gerais
TÍTULO I
Âmbito
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação objetivo
1 - O presente Código define os princípios éticos e as regras deontológicas que o médico veterinário deve observar no exercício da sua atividade profissional.
2 - A profissão de médico veterinário pode ser exercida:
a) Por conta própria, como profissional independente ou como empresário em nome individual;
b) Como sócio, administrador ou gerente de uma sociedade de profissionais com atividade no domínio da medicina veterinária;
c) Como trabalhador em funções públicas, independentemente da natureza do seu vínculo;
d) Como trabalhador ao serviço de uma entidade empregadora.
3 - O exercício da atividade médico-veterinária pode desenvolver-se em:
a) Ações no âmbito da sanidade, designadamente no controlo e prevenção de doenças animais incluindo zoonoses;
b) Assistência clínica a animais;
c) Ações no âmbito da higiene e da saúde pública médico-veterinária, da segurança alimentar e da transformação tecnológica de produtos de origem animal;
d) Ações no âmbito da produção e melhoramento animal;
e) Ações no âmbito da nutrição animal;
f) Ações no âmbito da indústria farmacêutica, quer na produção quer na comercialização de medicamentos de uso veterinário;
g) Peritagem em assuntos que estejam intimamente relacionados com a atividade médico-veterinária;
h) Formulação de pareceres técnicos sobre assuntos da competência do médico veterinário;
i) Quaisquer outras ações no domínio da medicina veterinária, designadamente a investigação científica e a docência.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do disposto no presente diploma, entende-se por:
a) «Atividade médico-veterinária» a atividade profissional, sustentada em evidência científica e exercida por médico veterinário, que tem por finalidade o bem-estar e a saúde animal, a higiene e saúde pública veterinárias, a inspeção de produtos de origem animal e a melhoria zootécnica da produção de espécies animais, e que se traduz na prática dos atos definidos no Estatuto da Ordem dos Médicos Veterinários e demais legislação;
b) «Bem-estar animal» o estado de equilíbrio fisiológico e etológico de um animal;
c) «Certificado médico-veterinário» documento que se destina a atestar como verdadeira determinada qualidade ou condição relativa a animal ou produto de origem animal;
d) «Cliente» quem solicita a prestação do serviço médico-veterinário e fica obrigado ao pagamento dos devidos honorários. O cliente pode ser, ou não, o detentor do animal;
e) «Deontologia» conjunto de deveres morais expressos em regras de conduta;
f) «Detentor» qualquer pessoa, singular ou coletiva, em nome de quem o animal está registado nas bases de dados ou nos documentos oficiais;
g) «Emergência» situação clínica grave que requer intervenção imediata;
h) «Ética» conjunto de valores e princípios morais que regem a vida em sociedade;
i) «Eutanásia» ato que, recorrendo a métodos adequados para o efeito, provoque a morte de um animal com a finalidade de pôr termo ao seu sofrimento;
j) «Legal» o que é conforme às normas jurídicas;
k) «Médico veterinário» profissional reconhecido pela Ordem dos Médicos Veterinários com base na qualificação académica obtida para o exercício da medicina veterinária;
l) «Occisão» qualquer processo utilizado intencionalmente que provoque a morte de um animal;
m) «Publicidade» considera-se publicidade qualquer forma de comunicação no âmbito de uma atividade médico-veterinária, com o objetivo direto ou indireto de promover quaisquer bens ou serviços com vista à sua comercialização ou alienação;
n) «Primeiros socorros» tratamento de suporte básico de vida e/ou que alivie a dor do animal;
o) «Referência» consulta, diagnóstico, procedimento ou tratamento realizado por um médico veterinário a pedido de um colega, findo o qual o caso clínico retorna ao cuidado do médico veterinário que requereu o serviço.
Artigo 3.º
Ato médico-veterinário
São definidos por lei os atos cuja prática é reservada ao médico veterinário e os atos que podem ser praticados sob a sua responsabilidade direta.
Artigo 4.º
Âmbito de aplicação subjetivo
1 - O presente Código aplica-se a todos os médicos veterinários portugueses ou estrangeiros que exerçam a atividade profissional médico-veterinária no território nacional, qualquer que seja o regime em que esta for exercida.
2 - O presente Código aplica-se ainda às sociedades de médicos veterinários e às organizações associativas de profissionais previstas na legislação em vigor.
3 - Ficam, igualmente, abrangidos pelas normas do presente Código, os médicos veterinários inscritos em entidades reguladoras de outros Estados membros da União Europeia que legalmente exerçam atividade médico-veterinária nesses Estados, quando prestem serviços médico-veterinários de forma ocasional e esporádica em território nacional.
4 - Quando exercida no estrangeiro por membros da Ordem dos Médicos Veterinários, a atividade médico-veterinária fica sujeita a este Código, desde que tal tenha ou venha a ter reflexos em território português.
5 - O médico veterinário da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu que tenha sido suspenso ou proibido de exercer a profissão pela organização profissional do Estado membro de origem fica automaticamente impedido de exercer a sua atividade em Portugal, com o seu título profissional de origem, enquanto durar aquela suspensão ou proibição.
6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, as sanções aplicadas em país estrangeiro pelas competentes autoridades nacionais produzem efeitos em Portugal, desde que reconhecidas pelo Conselho Profissional e Deontológico como válidas e concordantes com as normas ou princípios deste Código.
7 - Os membros do órgão executivo das sociedades profissionais de médicos veterinários, independentemente da sua qualidade de membros da Ordem, adiante designada Ordem, devem respeitar os princípios e regras deontológicos, a autonomia técnica e científica e as garantias conferidas aos médicos veterinários.
Artigo 5.º
Infração disciplinar
1 - A violação dos deveres previstos no presente Código faz incorrer o médico veterinário em responsabilidade disciplinar.
2 - O exercício da jurisdição disciplinar da Ordem, designadamente o processo, as sanções disciplinares e respetivos efeitos, rege-se pelo disposto no Capítulo VI do Estatuto da Ordem.
TÍTULO II
Médico veterinário
Artigo 6.º
Título profissional
Só os médicos veterinários com inscrição em vigor na Ordem podem usar o título profissional de médico veterinário e exercer atividade médico-veterinária no território nacional.
Artigo 7.º
Declaração de compromisso
Salvo motivo de força maior devidamente justificado, os médicos veterinários recém-inscritos na Ordem devem comparecer em cerimónia organizada pela mesma, com vista a prestar declaração de compromisso para com os princípios e valores plasmados no presente Código.
Artigo 8.º
Direitos do médico veterinário
1 - O médico veterinário tem direito a exigir respeito pela sua honorabilidade e condição profissional, científica e social, pela sua saúde, descanso e integridade física.
2 - O médico veterinário tem ainda o direito de ser justamente remunerado pelos serviços prestados em função da complexidade e dos custos inerentes aos mesmos.
TÍTULO III
Deveres
Artigo 9.º
Destinatários
O médico veterinário deve exercer a profissão com respeito pelos animais, pela comunidade e pelos clientes, colegas e colaboradores, pela Ordem e autoridades competentes, protegendo a saúde pública e o ambiente, em cumprimento dos princípios éticos, das normas legais e das regras deontológicas aplicáveis à profissão.
Artigo 10.º
Deveres em geral
No exercício da sua atividade, o médico veterinário deve:
a) Possuir os adequados conhecimentos científicos e técnicos;
b) Agir com competência e zelo;
c) Atuar com respeito pelos valores da honestidade, integridade e imparcialidade;
d) Agir com prudência, designadamente na utilização de métodos novos ou relativamente aos quais reconheça as suas limitações;
e) Salvaguardar o segredo profissional;
f) Salvaguardar a saúde pública;
g) Promover a saúde e o bem-estar animal;
h) Promover a conservação, o melhoramento, e a gestão do património animal, incluindo o da fauna silvestre;
i) Promover o uso racional de medicamentos em geral e, em particular, os antimicrobianos e antiparasitários;
j) Promover a proteção do meio ambiente.
Artigo 11.º
Dever de aperfeiçoamento e formação
No exercício da sua profissão, o médico veterinário tem a obrigação de manter permanentemente atualizados e aperfeiçoados os seus conhecimentos científicos e técnicos, participando, nomeadamente, em ações de formação contínua ao longo da sua carreira profissional.
Artigo 12.º
Registos clínicos
1 - Todos os médicos veterinários devem possuir registos atualizados de todos os atos praticados.
2 - Sem prejuízo de outros prazos previstos na lei, os médicos veterinários devem conservar os registos referidos no número anterior durante o período mínimo de dez anos desde a prática do último ato.
3 - A informação contida nos registos referidos no número um, uma vez solicitada, deverá ser providenciada ao cliente ou detentor do animal ainda que expurgada de notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 33.º
Artigo 13.º
Responsabilidade e independência
1 - O médico veterinário é responsável pelos seus atos devendo, no exercício da profissão, considerar todas as circunstâncias relevantes.
2 - O médico veterinário é técnica e deontologicamente independente, não devendo fazer depender as suas decisões de proveitos próprios ou influências externas.
Artigo 14.º
Integridade do médico veterinário
1 - O médico veterinário pode recusar-se a praticar quaisquer atos suscetíveis de colocar em risco a sua vida, integridade física e integridade moral, nomeadamente:
a) Examinar animais não sujeitos a contenção adequada;
b) Realizar atuações profissionais em que corra o risco de ver gravemente afetada a sua integridade física, ou a sua saúde, exceto quando tal for manifestamente necessário para a proteção de vidas humanas.
2 - O médico veterinário deve recusar-se a:
a) Praticar qualquer ato que promova, permita ou facilite o cometimento de ilícitos por parte dos seus clientes;
b) Recorrer a meios fraudulentos ou atribuir ações diagnósticas ou terapêuticas a substâncias, técnicas ou aparelhos de aparência credível, mas sem valor científico comprovado ou geralmente aceite.
Artigo 15.º
Não discriminação
No exercício da profissão, o médico veterinário não pode discriminar em função da raça, do género, do estado civil, da incapacidade física ou mental, da situação económica ou social, da orientação sexual, religiosa ou política.
Artigo 16.º
Lealdade
O médico veterinário que preste trabalho ou serviços a favor de entidade pública, cooperativa ou privada não pode aproveitar-se dessa atividade para obter para si, ou para terceiros, benefício ilegítimo, nomeadamente através do desvio de clientela.
Artigo 17.º
Autoria e plágio
1 - É dever de todo o médico veterinário referenciar e identificar rigorosamente a origem de todas as transcrições ou simples alusões que faça de trabalhos científicos ou técnicos alheios, de forma a não permitir quaisquer dúvidas sobre a sua autoria.
2 - É interdito o plágio, ainda que parcial, de quaisquer obras ou trabalhos, devendo ser considerado como tal:
a) A publicação ou difusão, como se fossem da sua própria autoria, da totalidade ou de excertos de artigos, de teses, de comunicações ou de outros trabalhos escritos, falados ou fixados em suporte audiovisual que tenham sido elaborados por outros autores;
b) A utilização ou publicação de resultados de trabalho de investigação ou de exames especiais, ainda que tendo o plagiário como coautor, que lhe hajam sido fornecidos por outro(s) colega(s), sem que seja mencionada claramente a participação que tais autores tiveram na obtenção desses resultados.
Artigo 18.º
Comportamento social
O médico veterinário deve adotar um comportamento social adequado à dignidade da profissão, que não prejudique o prestígio da Ordem e da atividade médico-veterinária.
Artigo 19.º
Intervenções públicas
1 - Na sua relação com o público, o médico veterinário deve adotar uma postura correta e rigorosa, não pondo em causa os valores e a dignidade da profissão médico-veterinária.
2 - Em todas as suas comunicações, a linguagem utilizada pelo médico veterinário deve ser adequada ao público a que se destina.
3 - É vedado ao médico veterinário efetuar um diagnóstico ou prescrição terapêutica no âmbito de comunicação destinada ao público em geral, ainda que de forma genérica.
PARTE II
Deveres para com os animais
Artigo 20.º
Saúde e bem-estar animal
1 - Compete ao médico veterinário, em todas as áreas de atividade, promover a saúde dos animais ao seu cuidado e zelar pelo seu bem-estar, de acordo com as boas práticas e a legislação vigente.
2 - O médico veterinário deve, nomeadamente:
a) Conhecer, respeitar e promover o cumprimento da legislação nacional e europeia relativa à saúde e bem-estar animal;
b) Adotar as medidas necessárias e adequadas para promover as cinco liberdades nos animais ao seu cuidado, que constam do Anexo I ao presente Código do qual faz parte integrante;
c) Demonstrar e promover o respeito para com os animais, fomentando o bem-estar físico e mental, evitando, designadamente, o sofrimento inútil na sua contenção, tratamento, transporte ou em qualquer operação de maneio.
d) Adotar as medidas necessárias e adequadas a evitar, diminuir ou fazer cessar qualquer ação que ponha em perigo a vida, a saúde ou o bem-estar animal;
e) Providenciar primeiros socorros a animais em caso de emergência, de acordo com a sua competência;
f) Assegurar que animais em sofrimento por lesão irrecuperável sejam eutanasiados no mais curto espaço de tempo possível;
g) Abster-se de prescrever medicamentos ou tratamentos a animais ou grupo de animais que não tenha observado pessoalmente, sem prejuízo das situações de exceção previstas no presente Código.
Artigo 21.º
Eutanásia
1 - A decisão de praticar a eutanásia animal e a sua execução são da competência do médico veterinário.
2 - Excetua-se do disposto no número anterior a delegação da prática da eutanásia no caso de situações urgentes, de epidemias ou de catástrofes.
3 - A decisão de eutanasiar um animal deve ter em conta os seguintes fatores:
a) A saúde pública;
b) O estado de saúde do animal e o seu bem-estar;
c) Os legítimos interesses do seu detentor, cujo consentimento deve ser obtido por escrito, previamente ao ato.
4 - A prática de eutanásia de animais em sofrimento por lesão irrecuperável prescinde de consentimento nos casos em que o detentor esteja comprovadamente incontactável.
Artigo 22.º
Utilização de animais
1 - O médico veterinário deve observar a lei em vigor no que respeita à utilização de animais no ensino e para fins científicos e experimentais aplicando, designadamente, o princípio dos 3Rs (Substituição, Redução e Refinamento), que consta do Anexo II ao presente Código, do qual faz parte integrante.
2 - O número anterior abrange toda e qualquer investigação utilizando animais em procedimento experimental em contexto clínico.
3 - Ao médico veterinário está vedado participar em intervenções destinadas a, ilegitimamente, obter rendimentos biológicos superiores às naturais capacidades dos animais, ou a atribuir-lhes qualidades fictícias.
PARTE III
Deveres para com a comunidade e clientes
TÍTULO I
Deveres para com a comunidade
Artigo 23.º
Identificação como médico veterinário, títulos e qualificações
1 - No contacto com o público, o médico veterinário deve estar facilmente identificável ou identificar-se como tal.
2 - O médico veterinário só deve referir-se a qualificações profissionais obtidas por diplomas, por concursos, por exames e por nomeação oficial.
3 - O médico veterinário pode usar títulos e mencionar prémios ou distinções honoríficas reconhecidos pela Ordem ou pelo Estado Português;
4 - O médico veterinário pode ainda usar títulos, prémios ou distinções honoríficas atribuídos por organizações profissionais ou por Estados estrangeiros.
Artigo 24.º
Publicidade
1 - O médico veterinário deve abster-se da prática de atos de publicidade da sua atividade que não assentem em informação objetiva e verdadeira ou que violem quaisquer deveres deontológicos ou normas legais sobre publicidade e concorrência.
2 - Consideram-se, designadamente, atos de publicidade assentes em informação objetiva, os que divulguem:
a) A denominação, morada, contacto telefónico, endereço de correio eletrónico, página da internet e de outras plataformas digitais, fotografias e logotipo do Centro de Atendimento Médico-Veterinário;
b) A identificação pessoal, académica, curricular e número de cédula profissional;
c) A indicação dos serviços médico-veterinários prestados;
d) O horário de atendimento;
e) Anúncio de início ou recomeço da atividade profissional;
f) Alteração de morada, telefone ou outros contactos relevantes.
3 - A mensagem publicitada deve ser redigida de forma clara e precisa, contendo todos os elementos adequados ao completo esclarecimento do cliente.
4 - As afirmações relativas aos serviços médico-veterinários, às habilitações de quem os pratica, às condições do centro de atendimento médico-veterinário e às condições de aquisição dos serviços devem ser exatas e passíveis de prova, a todo o momento.
5 - Na falta de apresentação de prova da exatidão material dos dados de facto contidos na mensagem publicitada, os mesmos presumem-se inexatos.
6 - Não se consideram atos de publicidade assentes em informação objetiva os que contenham menções de autoengrandecimento que não sejam passíveis de prova.
7 - É enganosa a publicidade que contenha informações falsas ou, sendo factualmente correta, induza ou seja suscetível de induzir em erro o cliente em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados, conduzindo-o a tomar uma decisão de transação que, de outro modo, não teria tomado:
a) A existência ou a natureza do serviço;
b) As características principais do serviço, tais como as suas vantagens e os riscos que apresenta;
c) O preço ou a existência de uma vantagem;
d) As qualificações do médico veterinário.
8 - Sem prejuízo do disposto na lei, a informação objetiva pode constar de qualquer suporte, físico ou digital.
9 - Na divulgação da sua atividade, o médico veterinário deve nortear-se pela defesa da saúde, bem-estar animal e saúde pública, abstendo-se de induzir ao consumo de serviços médico-veterinários desnecessários, nocivos ou sem diagnóstico prévio.
10 - O médico veterinário deve, ainda, abster-se da prática de atos de publicidade que prejudiquem os fins e o prestígio da Ordem e da atividade médico-veterinária.
Artigo 25.º
Telemedicina
1 - O exercício da medicina veterinária é, em regra, pessoal e direto.
2 - O médico veterinário é livre e goza de independência para decidir se utiliza ou recusa a telemedicina.
3 - A telemedicina não deve substituir a relação médico veterinário-cliente-paciente.
4 - No caso de espécies pecuárias, a telemedicina pressupõe o exercício prévio de medicina veterinária na exploração em causa.
5 - O exercício da telemedicina é permitido:
a) Em situação de justificada urgência;
b) Nos casos em que o animal, ou grupo de animais, já tenham sido examinados presencialmente por médicos veterinários da mesma equipa a propósito da mesma situação clínica;
c) Nos casos de consulta de especialidade em que a avaliação à distância do animal ou grupo de animais se revela especialmente benéfica para os mesmos;
d) Nos demais casos previstos em regulamento próprio.
6 - No exercício da telemedicina, o médico veterinário está sujeito aos seguintes deveres especiais:
a) Certificar-se de que o cliente compreende as limitações inerentes ao exercício telemático da medicina veterinária e consente no seu uso;
b) Certificar-se de que a sua realização garante um nível de qualidade técnica suficientemente elevado e funciona de forma adequada para assegurar a qualidade da troca de informações;
c) Dispor de sistemas de suporte e registo que assegurem a rastreabilidade da informação recebida e transmitida;
d) Utilizar apenas a telemedicina depois de se certificar que o sistema utilizado e os seus utilizadores garantem o segredo profissional, nos termos do disposto no artigo 26.º;
e) Procurar observar presencialmente o animal no mais curto espaço de tempo possível e em prazo compatível com a premência da situação.
Artigo 26.º
Segredo profissional
1 - O médico veterinário está obrigado a guardar segredo profissional.
2 - Para o efeito do disposto no número anterior, o segredo profissional abrange o conjunto de factos de carácter reservado que lhe tenham sido revelados pelo cliente ou dos quais tenha tido conhecimento no exercício da profissão ou no desempenho de cargo na Ordem.
3 - São, designadamente, consideradas matéria de carácter reservado:
a) Os factos revelados pelo cliente relativos à condição de saúde do animal;
b) Os factos decorrentes do exame físico, os relatórios e imagens obtidas pelo recurso a meios complementares de diagnóstico, a terapêutica efetuada ou outra documentação referente à saúde do animal;
c) Os dados que permitam identificar um animal, nomeadamente a sua imagem;
d) Os factos sujeitos a segredo profissional comunicados por outro médico veterinário ou outro profissional relacionado com o exercício da medicina veterinária.
4 - Ao diretor clínico cabe assegurar que o segredo profissional é respeitado pelos restantes membros da equipa médico-veterinária, bem como por todos quantos com esta colaborem no exercício da profissão.
5 - A obrigação de segredo profissional não está limitada no tempo.
Artigo 27.º
Cessação da obrigação de segredo profissional
1 - Cessa a obrigação do segredo profissional, sempre que:
a) O interessado o autorize;
b) A lei o determine, nomeadamente no caso de doenças de declaração obrigatória e de denúncia obrigatória por funcionário, nos termos do disposto no artigo 242.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal.
c) A defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do médico veterinário o imponha, desde que tal seja reconhecido pelo Conselho Profissional e Deontológico;
d) Estando em causa factos cujo conhecimento adveio da titularidade de órgão da Ordem, tal seja reconhecido pelo respetivo órgão ou, sendo este singular, pelo Conselho Profissional e Deontológico.
2 - Sempre que pretenda denunciar junto das entidades competentes suspeitas ou indícios de maus-tratos a animal que tenha observado pessoalmente, ou de ilegalidade suscetível de afetar a saúde animal ou a saúde pública, o médico veterinário não o deve fazer sem antes solicitar ao Conselho Profissional e Deontológico a cessação do segredo profissional com fundamento na defesa da sua dignidade profissional, nos termos do disposto na alínea c) do número anterior.
Artigo 28.º
Pedido e cessação do segredo profissional
1 - O requerimento para levantamento do segredo profissional deve ser dirigido ao Conselho Profissional e Deontológico e conter a descrição sucinta e objetiva dos factos que fundamentam o pedido, bem como a concreta finalidade a que se destina.
2 - O médico veterinário só poderá revelar os factos que, nos estritos termos da decisão do Conselho Profissional e Deontológico, deixaram de estar sujeitos a segredo profissional e com as finalidades nela previstas.
Artigo 29.º
Depoimento
Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 27.º, o médico veterinário que, nessa qualidade, seja notificado, designadamente como testemunha, para comparecer perante entidade administrativa, judiciária ou judicial, não pode prestar depoimento sobre matéria sujeita a segredo profissional.
TÍTULO II
Deveres para com os clientes
Artigo 30.º
Direito de escolha
O médico veterinário deve respeitar o direito de o cliente escolher livremente o médico veterinário assistente.
Artigo 31.º
Relações com o cliente
1 - Nas relações com o cliente, o médico veterinário deve proceder com correção e urbanidade, atuando de forma digna e demonstrando empenho na realização da tarefa que lhe é confiada.
2 - Nas relações com o cliente, o médico veterinário deve, designadamente:
a) Manter o cliente informado nos termos do artigo 32.º;
b) Guardar segredo profissional nos termos do artigo 26.º;
c) Procurar sempre as soluções que apresentem melhor suporte científico e eficácia técnica, tendo em conta os aspetos económicos sem, contudo, descurar a qualidade dos serviços prestados;
d) Usar de transparência e rigor na determinação dos honorários;
e) Abster-se de prescrever ou requisitar terapêuticas ou exames diagnósticos que comportem mais riscos e custos do que benefícios, tornando-se desnecessários.
Artigo 32.º
Dever de informação
1 - Antes de praticar qualquer intervenção num animal, o médico veterinário tem a obrigação de prestar os devidos esclarecimentos ao cliente e assegurar-se de que este compreende os seus benefícios, assim como os riscos e custos inerentes à mesma.
2 - Nos casos de intervenção muito dispendiosa ou que possa originar despesas extraordinárias, o médico veterinário deve obter previamente a concordância do cliente, preferencialmente por escrito.
3 - O médico veterinário deve informar o cliente e obter o seu consentimento por escrito antes da realização de procedimentos cirúrgicos ou de diagnóstico que possam, relativamente ao animal:
a) Implicar risco de vida;
b) Afetar o valor económico;
c) Diminuir a capacidade produtiva;
d) Alterar a sua aparência;
e) Requerer longo período de recuperação.
4 - O tratamento de animais em caso de emergência prescinde de consentimento quando o detentor esteja comprovadamente incontactável.
Artigo 33.º
Acesso a exames e relatórios médicos
1 - O médico veterinário não pode recusar ao cliente o acesso à informação clínica relativa aos seus animais, incluindo exames complementares de diagnóstico, após boa cobrança.
2 - Caso seja solicitado relatório clínico, o médico veterinário pode exigir pagamento de honorários fixados de acordo com os critérios previstos no n.º 3 do artigo 35.º
Artigo 34.º
Recusa
1 - Para além dos casos previstos neste Código, e sem prejuízo da alínea e) do n.º 2 do artigo 20.º, o médico veterinário pode recusar-se à prestação de serviços sempre que:
a) Veja diminuída a sua liberdade e independência de atuação;
b) O cliente não consinta no procedimento proposto quando este se mostre necessário à salvaguarda da saúde e bem-estar animal;
c) Veja quebrada a relação de confiança com o cliente;
d) O cliente não tenha pago as despesas devidas por serviços anteriormente prestados, incluindo honorários;
e) Em caso de calamidade ou instabilidade da ordem pública.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, deve o médico veterinário solicitar ao cliente assinatura de declaração de não consentimento.
3 - O médico veterinário deve recusar-se a praticar ato médico-veterinário que lhe seja solicitado pelo cliente quando:
a) Entenda que tal ato põe em causa ou não promove a saúde e bem-estar do animal.
b) Saiba não ter competência, disponibilidade ou meios necessários para o desempenho da tarefa que lhe é solicitada.
4 - O médico veterinário deve registar os motivos de recusa.
5 - A eutanásia ou occisão de animais no exercício de funções oficiais não são suscetíveis de recusa.
Artigo 35.º
Honorários
1 - A medicina veterinária é, por natureza, uma atividade com custos inerentes pelos quais é devida contraprestação pecuniária fixada livremente sob a forma de honorários.
2 - É obrigação do médico veterinário ser transparente e rigoroso na informação disponibilizada sobre honorários e valores de serviços, devendo discriminar perante o cliente os serviços prestados e os respetivos custos.
3 - Os honorários do médico veterinário devem ser determinados tendo em conta:
a) O tempo despendido, a natureza e o grau de dificuldade do serviço prestado, bem como a distância da deslocação;
b) A prestação de serviços fora do horário normal de atendimento;
c) A congruência com a qualificação científica e especialização do médico veterinário.
4 - O valor dos honorários não deve ser subordinado ao resultado do serviço prestado.
5 - A prestação de serviços médico-veterinários gratuitos ou a baixo custo não pode colocar em causa a qualidade do serviço, nem pode pôr em risco a segurança da saúde e bem-estar do animal assistido e da saúde pública.
PARTE IV
Deveres para com os colegas e a equipa de trabalho
Artigo 36.º
Relações com os colegas
1 - Os médicos veterinários, no seu desempenho profissional, devem agir com urbanidade, honestidade e integridade, estabelecendo entre si relações de solidariedade, lealdade, cooperação e respeito recíproco, não pondo em causa o prestígio e a reputação dos colegas.
2 - O médico veterinário deve, designadamente, abster-se de:
a) Ofender, de forma direta ou indireta, a reputação de outro médico veterinário;
b) Criticar publicamente ou perante clientes os serviços prestados por colegas.
3 - O disposto no número anterior não impede o direito à crítica objetiva quando comprovadamente está em causa a defesa da saúde e bem-estar animal ou o interesse público.
4 - Quando a atuação de um médico veterinário se afigurar a outro violadora dos princípios orientadores da profissão, competirá a este, em atenção ao prestígio e dignidade da profissão, dos deveres deontológicos que lhe são inerentes e em observância dos ditames do segredo profissional, participar por escrito de forma devidamente fundamentada e com carácter confidencial ao Conselho Profissional e Deontológico.
5 - É, designadamente, vedado ao médico veterinário aproveitar-se do anúncio e organização de campanhas de profilaxia oficiais para, antes da sua concretização, ou sem que lhe seja solicitado, oferecer os mesmos serviços, deslocando-se, para esse efeito, ao local de realização da mesma.
Artigo 37.º
Resolução amigável
Sempre que entre os médicos veterinários surja um conflito no exercício da profissão, é dever de ambos promover todos os meios ao seu alcance com vista à sua resolução amigável.
Artigo 38.º
Remuneração e aperfeiçoamento profissional
É dever do médico veterinário remunerar de forma justa os médicos veterinários seus colaboradores e, bem assim, contribuir para a sua atualização e aperfeiçoamento profissionais.
Artigo 39.º
Diretor clínico
Sem prejuízo do disposto na lei e nos regulamentos aplicáveis, no exercício das suas funções de direção clínica de um Centro de Atendimento Médico-Veterinário, o diretor clínico deve:
a) Zelar pelo cumprimento das boas práticas médico-veterinárias e das disposições éticas, deontológicas e legais, sem prejuízo da independência e responsabilidade individual dos médicos veterinários que integram a sua equipa;
b) Atuar com respeito pela autonomia e independência técnica e científica dos colegas;
c) Zelar pelo respeito das normas de segurança e de higiene no trabalho;
d) Garantir que são do conhecimento da equipa médico-veterinária e da gerência as regras deontológicas pelas quais se rege a atividade médico-veterinária.
Artigo 40.º
Colaboradores
1 - O médico veterinário pode ser disciplinarmente responsável por atos e omissões de colaboradores não médicos veterinários no cumprimento de tarefas executadas sob a sua orientação.
2 - Fica excluída a responsabilidade do médico veterinário no caso de o colaborador atuar contra as suas instruções.
Artigo 41.º
Segunda opinião
1 - O médico veterinário que, em contexto de segunda opinião, for solicitado pelo cliente para suceder a um colega deve contactá-lo sempre que o melhor interesse do animal o exigir, procurando obter informações que considere úteis para o seguimento do caso.
2 - O médico veterinário que anteriormente prestou assistência a um animal tem o dever de fornecer ao colega a quem foi solicitada a segunda opinião os antecedentes clínicos do paciente, necessários ao acompanhamento imediato do caso.
Artigo 42.º
Consulta de referência
1 - O médico veterinário deve consultar ou recomendar colegas especializados em determinadas áreas da profissão quando saiba que os seus próprios conhecimentos são insuficientes e que dessa consulta podem resultar benefícios para o animal ao seu cuidado e para o cliente.
2 - Para a realização da consulta de referência, o médico veterinário deve disponibilizar ao colega especializado todas as informações necessárias ao cabal acompanhamento do caso.
3 - O médico veterinário a quem foi solicitada a consulta de referência deve manter o colega que a solicitou totalmente informado sobre a evolução do caso, designadamente sobre os exames efetuados e as terapêuticas prescritas.
4 - Sem prejuízo do disposto no artigo 30.º, tendo o caso orientado e a seguir prescrição terapêutica, o médico veterinário consultado deve remeter o caso para o colega que o consultou.
PARTE V
Deveres para com a ordem e as autoridades competentes
TÍTULO I
Deveres para com a ordem
Artigo 43.º
Deveres
1 - Constituem deveres do médico veterinário para com a Ordem:
a) Não prejudicar os fins e o prestígio da Ordem e da atividade médico-veterinária;
b) Respeitar o Estatuto, o presente Código Deontológico Médico-Veterinário e os outros regulamentos;
c) Cumprir as decisões e deliberações dos órgãos da Ordem;
d) Colaborar na prossecução das atribuições da Ordem e exercer os cargos para que tenha sido eleito ou designado;
e) Pagar as quotas e outros montantes devidos à Ordem que sejam estabelecidos pelos órgãos competentes;
f) Comunicar, no prazo máximo de 30 dias, a mudança de contactos ou da sua situação profissional.
2 - Os médicos veterinários devem ainda:
a) Proceder com urbanidade e correção para com os titulares dos órgãos e os colaboradores da Ordem;
b) Prestar total colaboração aos órgãos da Ordem.
Artigo 44.º
Fins e prestígio da Ordem
Considera-se que prejudicam os fins e o prestígio da Ordem, nomeadamente, os seguintes comportamentos:
a) Usurpar títulos de terceiro ou invocar títulos profissionais não reconhecidos pela Ordem;
b) Utilizar pseudónimo em qualquer modalidade de atividade profissional médico-veterinária;
c) Avalizar com o seu título atividades ilegais de pessoas não habilitadas para o exercício da medicina veterinária, ou suspensas do seu exercício.
Artigo 45.º
Respeito pelo Estatuto e demais regulamentos da Ordem
1 - O desconhecimento do Estatuto da Ordem, do presente Código e dos regulamentos da Ordem não afasta nem atenua a responsabilidade disciplinar do médico veterinário.
2 - O médico veterinário tem o dever de se informar sobre o sentido das normas constantes dos diplomas referidos no número anterior.
Artigo 46.º
Incompatibilidade
Quando ocorrer incompatibilidade prevista no artigo 64.º do Estatuto da Ordem, deve o médico veterinário suspender imediatamente o exercício da profissão e requerer, no prazo máximo de 30 dias, a suspensão da inscrição na Ordem.
Artigo 47.º
Cumprimento de decisões da Ordem
1 - O dever previsto na alínea c) do artigo 43.º traduz-se, designadamente, em:
a) Fazer cessar de imediato a conduta pela qual foi punido no âmbito de processo disciplinar;
b) Receber as notificações que lhe sejam dirigidas para o domicílio profissional registado na Ordem;
c) Comparecer perante a Ordem quando convocado para tal por deliberação de qualquer dos seus órgãos ou por decisão dos seus membros, designadamente do relator nomeado no âmbito de procedimento disciplinar, podendo a comparência ser efetivada na Delegação Regional correspondente;
d) Responder às solicitações que lhe são dirigidas no prazo concedido para o efeito.
2 - Em caso de impossibilidade previsível de cumprimento do disposto nas alíneas c) e d) do número anterior, deve o médico veterinário comunicar tal impossibilidade com cinco dias de antecedência.
3 - Caso não seja previsível, o médico veterinário deve comunicar, logo que possível, o motivo da impossibilidade.
4 - Os elementos de prova da impossibilidade devem ser apresentados com a comunicação a que se referem os números 2 e 3.
Artigo 48.º
Colaboração na prossecução das atribuições da Ordem
1 - É dever do médico veterinário comunicar à Ordem:
a) Atitudes fraudulentas ou de incompetência no exercício da medicina veterinária de que tenha conhecimento, colaborando no apuramento da verdade, nomeadamente através da prestação de depoimento no âmbito de processos disciplinares;
b) Todos os casos de usurpação de funções de que tenha conhecimento.
2 - As comunicações referidas no número anterior devem ser claras, rigorosas, objetivas e acompanhadas de elementos de prova.
TÍTULO II
Deveres para com autoridades competentes
Artigo 49.º
Conhecimento da legislação
1 - Os médicos veterinários devem cumprir a legislação que regula a sua atividade profissional, mantendo boas relações com as Autoridades Competentes, incluindo as autoridades administrativas europeias, nacionais, autárquicas e outras de carácter profissional, nomeadamente a Ordem e a Federação dos Veterinários da Europa.
2 - Os médicos veterinários devem manter-se informados e atualizados quanto à legislação em vigor, nacional e da União Europeia, bem como de países para os quais trabalhem em permanência ou providenciem serviços ocasionais.
3 - Quando desempenhem tarefas para as Autoridades Competentes, os médicos veterinários devem assegurar-se da inexistência de conflitos de interesses e agir de forma isenta.
Artigo 50.º
Inspeção sanitária
1 - O ato de inspeção só pode ser praticado por médico veterinário que se considere suficientemente conhecedor da matéria para poder emitir um juízo com valor de certificação.
2 - A inspeção sanitária de animais ante-mortem, envolvendo um ato clínico, é obrigatoriamente feita por médico veterinário.
3 - Na inspeção sanitária post-mortem, deve o médico veterinário supervisionar presencialmente o trabalho dos auxiliares que o assistam.
4 - No desempenho de funções inspetivas para as Autoridades Competentes, os médicos veterinários devem atuar com imparcialidade e equidade, assumindo a responsabilidade do ato de inspeção.
5 - O médico veterinário inspetor sanitário deve atuar de forma isenta, não devendo exercer essa função sempre que seja parte interessada nesse ato, ou em quaisquer situações que possam comprometer a sua imparcialidade ou liberdade de decisão.
Artigo 51.º
Certificação e peritagem
1 - O médico veterinário deve usar da mais elevada ponderação na redação e emissão de certificados ou atestados que lhe são solicitados, devendo cumprir os princípios de certificação aprovados pela Federação dos Veterinários da Europa que constam do Anexo III ao presente Código do qual faz parte integrante, nomeadamente a indicação visível e legível do nome do emitente e, quando aplicável, vinheta profissional.
2 - À realização de perícias ou peritagens por médico veterinário aplica-se o disposto no número anterior.
3 - Nos documentos emitidos, direta ou indiretamente a pedido de cliente, nomeadamente relatórios médicos ou exames de ato de compra e venda de animais, aplicam-se as normas de certificação previstas no n.º 1 do presente artigo.
4 - O médico veterinário, ao emitir um certificado, assume total responsabilidade pelo seu conteúdo, independentemente de estar a cumprir ordens de superior hierárquico.
Artigo 52.º
Serviço a favor de entidade pública
É interdito ao médico veterinário, quando em serviço a favor de uma entidade pública, promover ou realizar, a título individual, qualquer ação estranha à que lhe tenha sido oficialmente confiada.
PARTE VI
Deveres relativos ao uso de medicamentos, de biocidas e de produtos veterinários
Artigo 53.º
Atualização
O médico veterinário deve manter atualizados os conhecimentos sobre boas práticas em todos os aspetos relacionados com o uso dos medicamentos, de biocidas e de produtos de uso veterinário.
Artigo 54.º
Medicamentos, biocidas e produtos de uso veterinário
O médico veterinário deve:
a) Conhecer e cumprir as obrigações legais, profissionais e técnicas relativas ao registo, à prescrição, à guarda segura, ao uso, à cedência e ao descarte dos medicamentos, dos biocidas e dos produtos de uso veterinário, atuando de acordo com os princípios gerais da terapêutica e da farmacovigilância;
b) Prestar todos os esclarecimentos e informações ao cliente, sobre as medidas cautelares e adequadas à específica função a que se destina o medicamento, biocida ou produto de uso veterinário, promovendo e incentivando a adesão à terapêutica instituída;
c) Conhecer o impacto que as substâncias ativas dos medicamentos, dos biocidas e dos produtos de uso veterinário possam ter nos seres humanos e no meio ambiente.
Artigo 55.º
Medicamentos antimicrobianos e antiparasitários
Relativamente aos medicamentos antimicrobianos e antiparasitários, o médico veterinário deve:
1) Conhecer os aspetos relacionados com o desenvolvimento de resistências a fármacos, ou grupos de fármacos, específicos.
2) Utilizar e promover a utilização responsável destes medicamentos em consonância com os artigos anteriores.
3) Utilizar e promover boas práticas de maneio, higiene e assepsia com vista a reduzir o uso de medicamentos antimicrobianos.
PARTE VII
Deveres para com o ambiente
Artigo 56.º
Proteção ambiental e legislação
O médico veterinário deve manter atualizados os seus conhecimentos sobre proteção ambiental e cumprir a legislação pertinente aplicável.
Artigo 57.º
Impacto social e ambiental
O médico veterinário deve ter em conta o impacto social e ambiental resultante da implementação de estruturas ou serviços necessários ao exercício da sua atividade profissional.
Artigo 58.º
Proibições
Sem prejuízo do disposto na lei, é proibido ao médico veterinário participar, por qualquer forma ou meio, em atividades que:
a) Ponham em risco espécies em perigo, em vias de extinção ou protegidas, devendo cumprir as disposições das convenções internacionais ratificadas pelo Estado Português e a lei nacional ou comunitária pertinente;
b) Tenham impacto ambiental negativo resultando em alterações graves dos ecossistemas.
1 - Intervir, direta ou indiretamente, na transformação industrial ou no comércio de espécimes ou produtos oriundos de espécies referidas na alínea a) do número anterior.
2 - Participar ou colaborar em iniciativas ou atividades que deliberadamente ou por negligência causem degradação do ambiente.
Artigo 59.º
Poluição ambiental
1 - Sem prejuízo do disposto no presente Código e na lei, o médico veterinário deve contribuir para a redução da poluição ambiental através do uso adequado de desinfetantes, de medicamentos, de biocidas e de produtos de uso veterinário ou outros químicos.
2 - O médico veterinário deve promover e incentivar o uso adequado dos produtos acima referidos pelos seus clientes.
Artigo 60.º
Responsabilidade ambiental
O médico veterinário deve demonstrar responsabilidade ambiental, promovendo, designadamente:
a) O uso racional de recursos, nomeadamente energia e água;
b) A reciclagem, através da triagem dos resíduos não perigosos, nomeadamente papel, plástico, vidro e materiais ou equipamentos danificados de forma irreparável ou obsoletos;
c) A reciclagem de resíduos perigosos no estrito cumprimento da legislação em vigor.
d) A reutilização de forma adequada de materiais e equipamentos, ou a sua reparação, salvaguardando que dessa prática não resulte prejuízo da segurança da atividade médico-veterinária.
PARTE VIII
Disposições finais e transitórias
Artigo 61.º
Aplicação no tempo
O presente Código Deontológico aplica-se aos factos praticados após a sua entrada em vigor.
Artigo 62.º
Revogação
É revogado o Código Deontológico aprovado pela Assembleia Geral, na sua reunião de 3 de dezembro de 1994.
Artigo 63.º
Entrada em vigor
O presente Código Deontológico entra em vigor trinta dias após a data da sua publicação no Diário da República.
ANEXO I
Cinco liberdades do bem-estar animal
O conceito das Cinco Liberdades foi desenvolvido em 1979 no Reino Unido pelo Farm Animal Welfare Council (atualmente Farm Animal Welfare Committee), para dar resposta aos desafios em termos de bem-estar da pecuária intensiva e tem origem no Relatório Brambell (Report of the Technical Committee to Enquire into the Welfare of Animals kept under Intensive Livestock Husbandry Systems, dezembro 1965). Este relatório afirmava que os animais de produção deveriam ter liberdade "para se levantar, deitar, virar-se, limpar-se e esticar os membros", uma lista por vezes chamada de Cinco Liberdades de Brambell.
As Cinco Liberdades devem ser entendidas como estados ideais em vez de padrões aceitáveis de bem-estar. Elas formam uma estrutura lógica e abrangente para a análise do bem-estar dentro de qualquer sistema, juntamente com as etapas e compromissos necessários para salvaguardar e melhorar o bem-estar animal.
As Cinco Liberdades são as seguintes:
1 - Livre de fome e de sede - Os animais devem ter sempre disponível água fresca e limpa e devem ter acesso a comida adequada à espécie e na quantidade necessária para se manterem saudáveis.
2 - Livre de desconforto - Os animais devem ser mantidos num ambiente adequado, incluindo espaço e oportunidade para se exercitarem e um local confortável para descansar e se abrigar.
3 - Livre de dor, ferimentos e doença - Os animais devem ser protegidos da dor, sofrimento, angústia e doença e devem ser tratados por um médico veterinário quando estão doentes ou feridos.
4 - Livre para exprimir o seu comportamento normal - Os animais devem ter espaço suficiente e instalações adequadas que permitam que se comportem normalmente. Os animais devem ter companhia adequada.
5 - Livre de medo e angústia - As condições de vida e os tratamentos devem evitar o sofrimento mental.
ANEXO II
Princípio dos 3Rs
O uso de animais vertebrados e cefalópodes para fins científicos e de ensino é regulamentado pelo Decreto-Lei 113/2013 de 7 de agosto, revisto pelo Decreto-Lei 1/2019 de 10 de janeiro. Esta legislação rege-se fundamentalmente pelos princípios internacionalmente consagrados de substituição, de redução e de refinamento («3Rs»: Replacement, Reduction, Refinement), a seguir definidos.
Substituição - Sempre que possível e cientificamente válido, deverão ser utilizados métodos e modelos que não impliquem a utilização de vertebrados ou cefalópodes, e que complementem, informem ou substituam completamente ensaios in vivo. Tais modelos incluem culturas celulares e tecidulares, organoides, plantas, fungos, protozoários e invertebrados (como artrópodes e moluscos não cefalópodes), modelos informáticos, microdosagem em humanos voluntários, entre outros. No ensino acrescentam-se o uso de modelos inertes, cadáveres eticamente obtidos e acompanhamento de casos clínicos.
Redução - Uma vez esgotadas as alternativas de substituição, as experiências deverão ser delineadas e executadas de forma a utilizar o mínimo de animais necessário à obtenção de resultados fidedignos, ou de forma a obter mais informação cientificamente relevante sem aumentar o número de animais. Estas medidas incluem planificação cuidada, cálculo amostral apropriado, definição adequada das unidades experimentais, recurso a desenho fatorial, escolha criteriosa de testes estatísticos, estudos longitudinais, minimização de variabilidade interindividual (por ex. uso de linhagens consanguíneas) e ambiental, recurso a técnicas de imagiologia, entre outras.
Refinamento - Todos os procedimentos deverão ser delineados, executados e revistos de forma a eliminar ou minimizar qualquer possibilidade de dor, sofrimento, angústia ou dano duradouro infligidos aos animais. Tais medidas deverão incluir as melhores e mais atuais práticas ao nível do alojamento, métodos utilizados, monitorização, avaliação clínica e acompanhamento médico-veterinário, estabelecimento criterioso e objetivo de limites críticos humanos, bem como a formação adequada de cientistas, médicos veterinários e pessoal responsável pelos cuidados prestados aos animais.
ANEXO III
Princípios de certificação aprovados pela Federação dos Veterinários da Europa
(adotado a 22 novembro 2014 com a referência FVE/doc/14/061)
1 - Os médicos veterinários devem certificar apenas as matérias que são do seu conhecimento e que possam ser verificadas ou atestadas por si ou por outro médico veterinário que possua um conhecimento pessoal das matérias em questão e esteja autorizado a fornecer o certificado.
2 - Os médicos veterinários não devem emitir certificados que sejam passíveis de levantar questões de conflito de interesses.
3 - Os médicos veterinários não devem permitir que pressões de carácter comercial, financeiro ou outros comprometam a sua imparcialidade.
4 - Os certificados devem ser redigidos em termos simples e facilmente compreensíveis.
5 - Os certificados não devem usar palavras ou frases suscetíveis de mais do que uma interpretação.
6 - Os certificados devem ser:
a) Produzidos numa única folha ou, quando seja necessário mais do que uma, sejam realizados de tal forma que as páginas façam parte integrante de um todo indissociável;
b) Providos de um número único, havendo lugar a um registo que deve ser mantido pelo emissor ou pela instituição ou empresa para a qual trabalha.
7 - Os médicos veterinários só devem assinar certificados escritos num idioma que eles próprios dominem.
8 - Os certificados devem identificar claramente a matéria da certificação.
9 - Os médicos veterinários só devem assinar certificados originais. Pode ser fornecida uma cópia identificada como tal, sempre que haja um requisito legal ou oficial para o efeito.
10 - Ao assinar um certificado, o médico veterinário deve garantir que:
a) A sua assinatura é legível;
b) O certificado contém, para além da assinatura do autor, o seu nome, qualificações, endereço e, quando apropriado, o seu carimbo ou vinheta oficial;
c) O certificado contém a data em que foi assinado e emitido e, quando apropriado, o período de tempo em que o certificado permanecerá válido;
d) Nenhuma parte do certificado deverá ser deixada em branco, não permitindo que seja preenchida posteriormente por outra pessoa que não seja o médico veterinário certificador;
e) O certificado não pode conter rasuras ou alterações além daquelas rubricadas e carimbadas pelo médico veterinário certificador.
6 de julho de 2021. - O Presidente da Assembleia Geral, João Paulo Costa.
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