Resolução do Conselho de Ministros n.º 10/85
Considerando que as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional, por iniciativa do Governo e após apreciação em Conselho Superior de Defesa Nacional, foram objecto de debate na Assembleia da República, nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas;
Tendo em conta o pensamento subjacente às intervenções que tiveram lugar nesse debate e que na sua generalidade foram convergentes com as grandes linhas de orientação constantes do documento apresentado pelo Governo:
O Conselho de Ministros, reunido em 31 de Janeiro de 1985, por proposta conjunta do Primeiro-Ministro e do Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional, ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior e após apreciação do Conselho Superior de Defesa Nacional, nos termos do n.º 3 do artigo 8.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, resolveu aprovar, de acordo com o n.º 1 do artigo 8.º da Lei 29/82, de 11 de Dezembro, o conceito estratégico de defesa nacional, cujo texto anexo faz parte integrante desta resolução.
Presidência do Conselho de Ministros. - O Primeiro-Ministro, Mário Soares. - O Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional, Carlos Alberto da Mota Pinto.
Conceito estratégico de defesa nacional
I - A Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas entende por conceito estratégico de defesa nacional a definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de defesa nacional, indicando também alguns dos objectivos permanentes:
Garantir a independência nacional;
Assegurar a integridade do território;
Salvaguardar a liberdade e a segurança das populações, bem como a protecção dos seus bens e do património nacional;
Garantir a liberdade de acção dos órgãos de soberania, o regular funcionamento das instituições democráticas e a possibilidade de realização das tarefas fundamentais do Estado;
Contribuir para o desenvolvimento das capacidades morais e materiais da comunidade nacional, de modo que possa prevenir ou reagir pelos meios adequados a qualquer agressão ou ameaça externas;
Assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz em condições que correspondam aos interesses nacionais.
Estes objectivos são subsumíveis a um único: a garantia da soberania e da independência nacional, princípio este orientador da estratégia global do Estado, tal como foi fixado nas grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional.
II - A defesa tem assim um carácter intrínseco de unidade, cobrindo e obrigando imperiosamente de modo uniforme todo o território e toda a população nacional.
A Nação é portanto o valor estratégico fundamental que determina, para a estratégia global do Estado em matéria de defesa nacional, as seguintes linhas de acção essenciais:
1) O reforço da coesão interna, através do fortalecimento da consciência nacional e do desenvolvimento dos valores éticos, morais e culturais que historicamente a formam o lhe dão razão de ser. Em síntese, é essencial a manutenção e o reforço da vontade nacional visando a independência e a determinação da Nação em bater-se pela mesma sempre que necessário.
Neste contexto, a defesa nacional deve, num país multissecular, orientar-se pelo princípio da unidade do Estado enquanto comunidade política, cuja relevância se manifestará em particular e de forma exemplar na solidariedade entre os portugueses residentes no todo nacional disperso geograficamente ou no estrangeiro;
2) A afirmação do primado do interesse nacional nas relações externas, fundado numa vontade nacional firme e no conhecimento e assunção da importância estratégica dos factores geográfico e cultural portugueses no plano internacional.
Neste sentido, a defesa nacional orientar-se-á pelo princípio da independência política, que postula a necessidade de afirmação dos interesses próprios e a salvaguarda de uma capacidade de decisão autónoma no quadro das interdependências económicas e militares;
3) A garantia de um quadro de alianças adequado que possibilite suprir ou reduzir ao mínimo as vulnerabilidades, salvaguardando e promovendo ao máximo as potencialidades nacionais.
Em conformidade, a defesa nacional, sem deixar de considerar que o desarmamento equilibrado e a dissolução segura dos blocos político-militares são condições de uma paz mundial efectiva, deve orientar-se pelo princípio do alinhamento ocidental, que reúne o consenso da opinião pública e é a expressão de um compromisso internacional realista capaz de contribuir para a independência política, a estabilidade das instituições democráticas e a identidade cultural portuguesa no espaço euro-atlântico que lhe é próprio. Estes princípios da unidade do Estado, da independência política e do alinhamento ocidental devem ser prosseguidos através da observância de regras de eficácia que impõem, dentro dos parâmetros definidos, a procura das soluções de melhor relação custo-eficácia;
4) A garantia da independência nacional deve ser conseguida através da acção político-militar e pela intervenção na ordem económica, social e cultural do Estado, devendo ser ponderada a partir da posição relativa do Estado no seio da comunidade internacional.
III - A estratégia de defesa nacional deverá desenvolver-se de forma coerente, em obediência aos princípios e objectivos enunciados.
Destacam-se as seguintes grandes áreas de intervenção:
1) No plano político geral, privilegiando a existência de um ideal nacional e de uma determinação política fortes, que fundamentam uma sólida vontade de defesa, devem ser desenvolvidos e fortalecidos:
a) A consciência da identidade nacional e a consciência cívica de toda a população, em especial da juventude, enquadradas numa opinião pública nacional esclarecida e motivada em matéria de segurança e de defesa;
b) A autoridade democrática do Estado e a solidariedade entre os órgãos de soberania em torno dos interesses nacionais e no respeito das instituições democráticas e das formas constitucionais do poder político;
c) A participação equilibrada e efectiva da comunidade nacional dentro do espaço português (continente e Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira) e fora dele, na consecução dos grandes objectivos nacionais, designadamente os de defesa;
d) A eficácia e o prestígio das Forças Armadas como instituição nacional ao serviço do povo português e indispensável à afirmação nacional no seio das nações;
e) A gestão dos recursos disponíveis, por forma a adequar a capacidade da Nação para enfrentar e para responder satisfatoriamente a situações de crise ou emergência grave, tendo como uma das referências o planeamento civil de emergência.
O robustecimento dos podem públicos deverá assegurar a satisfação das necessidades nacionais de segurança no respeito e através das instituições democráticas, com salvaguarda das liberdades individuais, do pluralismo de expressão social e das regras e formas constitucionais de exercício do poder político;
2) No plano económico, social e cultural serão criadas as condições essenciais para a independência por meio de:
a) Desenvolvimento das forças produtivas e criadoras, nomeadamente o desenvolvimento industrial, científico e tecnológico nos sectores mais carecidos e mais relevantes em termos estratégicos, em ordem a diminuir a dependência, em relação ao exterior;
b) Desenvolvimento económico em termos de justiça social e de qualidade de vida, através de uma distribuição mais equitativa e equilibrada da riqueza e do fomento do progresso a nível individual e no todo nacional, visando a eliminação progressiva das assimetrias existentes;
c) Desenvolvimento da ciência, da educação e do ensino de forma a contribuir para a consciência colectiva da importância e do significado dos valores históricos e culturais da Nação, bem como para incentivar o florescimento livre da cultura portuguesa enquanto traço de união e sinal de coesão e de identidade nacional;
d) Desenvolvimento das comunicações e transportes internos e externos, respectivamente como elemento essencial de união e de fortalecimento da identidade nacional num território geograficamente disperso e como factor indispensável no abastecimento e trocas com o exterior;
e) Constituição de reservas estratégicas em áreas vitais, em especial de alimentação, combustíveis e matérias-primas essenciais, a fim de melhorar as capacidades de sobrevivência e de resistência em caso de conflito;
3) No plano da política externa geral, as relações internacionais deverão ter em conta a realidade geostratégica do País, como espaço euro-atlântico, e privilegiar as suas áreas tradicionais de influência.
Neste sentido:
a) A posição de Portugal quanto à sua inserção nas Comunidades Europeias tomará em consideração os elementos internos e externos da política de defesa nacional, nomeadamente no que toca ao desenvolvimento económico, científico e tecnológico;
b) A inserção em organizações ou espaços supranacionais e, em geral, a cooperação internacional serão determinadas, para além de razões económicas e técnicas, pela necessidade concreta de preservar a soberania nacional contra todas as ameaças;
c) A cooperação económica, científica, cultural, diplomática e militar com os países de expressão portuguesa, com os países onde existam as principais comunidades portuguesas e, em geral, com todos os países do espaço euro-atlântico e africano será intensificada com o objectivo de favorecer a influência de Portugal de forma relevante;
4) No plano político-militar externo, procurar-se-á garantir que a participação portuguesa na OTAN reforce a capacidade de defesa autónoma e seja compatível com esta.
Assim:
a) A participação militar portuguesa na defesa colectiva da OTAN deve ser articulada por forma a reforçar a capacidade de defesa autónoma em termos que permitam, quanto possível, a utilização dos mesmos meios e capacidades para a realização desse duplo objectivo, assumindo Portugal prioritariamente obrigações no seu espaço nacional e nos espaços confinantes de claro interesse nacional;
b) A participação militar portuguesa na defesa colectiva deve ser desenvolvida em todas as circunstâncias, em particular no quadro da Aliança, de forma a não pôr em perigo a unidade, nem enfraquecer a soberania nacional, assumindo Portugal responsabilidades especiais de comando nas situações em que estejam em causa interesses vitais próprios; deve ter em conta a caracterização geostratégica do território português, apoiando-se numa estratégia de defesa avançada ou à distância adequada ao interesse nacional;
c) A utilização de facilidades em território nacional por outros países da Aliança, sendo origem de riscos acrescidos, deve ser compensada por ajuda militar e ou de outras naturezas que contribuam para o desenvolvimento das capacidades militares e tecnológicas nacionais que reforcem as potencialidades da comunidade nacional;
d) A política militar externa de defesa deverá sempre ter em consideração especial o carácter descontínuo do território e a importância estratégica essencial das fronteiras e áreas marítimas e do espaço interterritorial, quer para a garantia da sobrevivência e afirmação da Nação Portuguesa como Estado independente, quer para a defesa do Ocidente;
5) No plano político-militar interno será acentuada a componente de defesa autónoma eficaz, com capacidade de sobrevivência e dissuasão das ameaças à integridade nacional, tendo em vista:
a) Assegurar uma capacidade militar própria que desencoraje a agressão e facilite, em caso de conflito, o restabelecimento da paz em condições que correspondam aos interesses nacionais;
b) Organizar a indispensável capacidade dissuasora, de modo a permitir a defesa do território nacional, procurando ainda, em face da sua dispersão geográfica e falta de profundidade do território continental, exercer presença e vigilância aérea e marítima no espaço interterritorial e assegurar capacidades de reforço e de intervenção rápida em qualquer área;
c) Estruturar o serviço militar obrigatório enquanto modo de participação directa dos cidadãos na actividade da defesa militar e organizar a resistência dos cidadãos face à eventualidade de uma invasão previsível;
d) Incentivar e racionalizar a indústria de defesa como factor essencial à capacidade de defesa autónoma e ao desenvolvimento económico e tecnológico.
IV - A estratégia global do Estado pode, por último, resumir-se à definição de duas missões históricas:
O fortalecimento do Estado na ordem interna que o torne capaz, em meios e vontades, de reconhecer e reagir à ameaça;
O fortalecimento do Estado na ordem externa (comunidade internacional) pela afirmação da sua capacidade negocial, pela definição inequívoca dos seus interesses e pela maximização das suas potencialidades políticas, histórico-culturais e geostratégicas ao serviço da sua defesa, alicerçada numa capacidade militar mínima de conteúdo dissuasor credível.