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Acórdão 753/2014, de 18 de Dezembro

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Sumário

Não julga inconstitucional a artigo 23.º, n.º 7, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, na medida em que exclui a dedutibilidade da variação patrimonial negativa decorrente da alienação de ações próprias, entre entidades com relações especiais, em qualquer circunstância e sem consideração da situação concreta do sujeito passivo

Texto do documento

Acórdão 753/2014

Processo 247/2014

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - A Vodafone Portugal - Comunicações Pessoais, S. A., deduziu impugnação perante o Tribunal Tributário de Lisboa contra liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2003, resultante de não ter sido admitida pela Administração Tributária, nos termos do artigo 23.º, n.º 7, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), a inclusão da variação patrimonial negativa decorrente da alienação de ações próprias, no valor de (euro) 2.800.876,91, à Vodafone Group Plc como custo ou perda de exercício.

Tendo sido julgada improcedente a impugnação, nessa parte, por sentença de 5 de Dezembro de 2012, a impugnante recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo alegando, além do mais, que a aplicação automática do n.º 7 do artigo 23.º do CIRC, implicando a exclusão como custos ou perdas do exercício da transmissão onerosa de partes do capital a entidades com as quais o contribuinte mantenha relações especiais, sem possibilidade de demonstração da inexistência em concreto de prática de conduta abusiva, corresponde a uma violação desproporcionada do princípio da tributação de empresas segundo o seu rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição.

O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 8 de Janeiro de 2014, negou provimento ao recurso, vindo a entender que a desconsideração fiscal das menos-valias ou das variações patrimoniais negativas resultantes da transmissão onerosa de partes de capital entre entidades relacionadas entre si, correspondendo a práticas evasivas conhecidas e recorrentes tendentes à diminuição artificial do lucro tributável das entidades dominadas, independentemente da ponderação das concretas condições da operação, constitui uma faculdade que não está vedada ao legislador pela Lei Fundamental, designadamente à luz do princípio da tributação segundo o rendimento real e do princípio da proporcionalidade.

Desta decisão, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade do artigo 23.º, n.º 7, do CIRC, na redação dada pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, vigente à data dos factos tributários.

Tendo o processo prosseguido para conhecimento de mérito, a recorrente apresentou alegações em que formula as seguintes conclusões:

A) O presente Recurso vem interposto do acórdão proferido pelo STA que decidiu julgar improcedente o pedido formulado pela ora Recorrente de anulação das correções à matéria coletável relativas à dedutibilidade da variação patrimonial negativa registada no exercício de 2003, no valor de EUR 2.800.876,91, efetuadas com fundamento exclusivo no artigo 23.º/7 do CIRC

B) Em concreto, a questão que a Recorrente pretende que seja apreciada por este Venerando Tribunal é a inconstitucionalidade do artigo 23.º n.º 7 do CIRC efetivamente aplicado ao caso em apreço, o qual redunda numa afronta frontal dos princípios constitucionais da tributação segundo o lucro real, da igualdade, bem como o princípio da proporcionalidade, o que justifica a apresentação do presente recurso;

C) O n.º 7 do artigo 23.º do CIRC, na redação introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2003, dispunha à data dos factos que Não são, igualmente, aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º, ou a entidades com domicílio em país, território ou região com regime de tramitação claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação.

D) No caso sub judice e conforme resulta da prova documental efetuada nos presentes autos, a Recorrente vendeu ações próprias, no âmbito de uma aquisição potestativa lançada pela sociedade-mãe Vodafone Group Plc, na sequência de uma OPA bem-sucedida, através da qual esta sociedade havia logrado adquirir a totalidade do capital da Recorrente que se encontrava disperso em Bolsa.

E) A transmissão das ações próprias foi concluída pelo mesmo valor pelo qual as ações da Requerente foram transmitidas na OPA (8,5(euro)/ação).

F) Face a esta factualidade, forçoso será concluir que a transmissão das ações próprias entre entidades relacionadas foi concluída a preço de mercado, ou seja pelo mesmo valor que havia sido aceite pela totalidade dos investidores que era titulares de ações da Recorrente em mercado regulamentado de Bolsa.

G) De igual modo, importa salientar que a oportunidade da transação não foi manipulado pelas partes, uma vez que a transmissão ocorreu no âmbito de uma aquisição potestativa, pelo que inexistiu qualquer manipulação do preço ou da oportunidade da venda, uma vez que a mesma decorreu ao abrigo de uma imposição legal.

H) Inexistiu, pois, qualquer comportamento abusivo por parte da Requerente tendente à obtenção artificial de uma perda fiscalmente dedutível ou a tendente à redução da sua carga tributária.

I) Ora a questão cuja apreciação jurisdicional se requer a este Venerando Tribunal consiste em determinar se é conforme a Constituição da República Portuguesa, em especial face aos princípios constitucionais da tributação pelo lucro real - corolário do principio da igualdade - e, da proporcionalidade, a aplicação no caso concreto da norma antiabuso constante do n.º 7 do artigo 23.º do CIRC, que exclui, de forma automática, a dedutibilidade das variações patrimoniais negativas resultantes da venda de ações próprias a uma entidade relacionada, independentemente da prova realizada de inexistência de abuso, consubstanciando uma verdadeira presunção inilidível, que impõe um afastamento de tributação pelo lucro real a um determinado grupo de sujeitos passivos?

J) Segundo o Acórdão 84/2003 deste Venerando Tribunal, o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade - o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério - preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário de tributação.

K) A ora Recorrente não ignora que o princípio constitucional da tributação segundo o lucro real não constitui um princípio absoluto, podendo sofrer desvios e mesmo derrogações em virtude do caráter preponderante de outros valores em conflito. Contudo, é evidente que os desvios e as derrogações a tal princípio, corolário do princípio da igualdade tributária, para que sejam constitucionalmente justificáveis e admissíveis, devem ser feitos de forma ponderada, proporcional e na medida estritamente necessária à proteção dos valores que visam atingir.

L) Esta necessária ponderação de valores é, aliás, uma exigência e uma decorrência direta do princípio constitucional da igualdade, cuja concretização exige a articulação entre o direito dos contribuintes serem tributados de acordo com a capacidade contributiva revelada e outros objetivos legítimos do sistema fiscal, como a busca pela simplificação dos tributos e o combate à fraude e à evasão fiscal;

M) Como já decidiu este Venerando Tribunal, Diga-se, desde logo, que tais análises de inconstitucionalidade têm de ser parametrizadas (e balanceadas) com a investigação jurídica do conteúdo e razão de ser dos preceitos em causa A análise dos preceitos jurídicos aplicáveis, no seu recorte, conteúdo e razão de ser iluminam e explicam a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos mesmos, face aos princípios orientadores de todo o sistema legal. - vide acórdão 137/2014;

N) Mais, no acórdão proferido no processo 137/2014, este Venerando Tribunal defendeu que, "Pode haver custos económicos sem reconhecimento fiscal - e com isso não se viola a Constituição (aliás, a tributação das empresas incidirá fundamentalmente - e não totalmente - sobre o lucro real - Cfr. artigo 104.º-2, da Constituição). Nestes casos, é mister que exista um fundamento adequado, necessário e proporcionado para justificar essa distorção";

O) No caso em análise, é pacífico que o legislador pretendeu combater as situações de abuso e fraude à lei, em que os sujeitos passivos procediam à alienação de participações sociais por valores inferiores aos de mercado ou como forma de realizar uma perda, que de outra forma, se manteria latente e sem relevância fiscal, pelo que admite-se a existência de um interesse público subjacente de reposição da distribuição igualitária da carga fiscal, que vinha sendo deturpada pela realização dos referidos negócios entre partes relacionadas.

P) Contudo, estando em causa da restrição de um princípio constitucional, é necessário averiguar, se a medida não é desproporcionada à luz dos três subprincípios em que se desdobra o princípio da proporcionalidade, a saber, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, sendo que a norma ora sindicada coloca em crise de forma irremediável o princípio da necessidade.

Q) De acordo com o referido principio, uma determinada medida restritiva pode ser admissível, se, sendo adequada e proporcional, for também a necessária, exigível, para prosseguir o fim em causa (i.e., o combate à ilisão fiscal nas situações descritas), por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato.

R) A norma em apreço não é necessária à obtenção dos fins visados pelos legislador, existindo no ordenamento tributário outros regimes menos restritivos dos direitos do contribuintes que permitem alcançar o mesmo fim, designadamente a aplicação da cláusula geral antiabuso, consagrada no n.º 2 do artigo 38.º da LGT e do regime dos preços de transferência, consagrado no artigo 63.º do CIRC.

S) Ainda que se admitisse que tais regimes não seriam suficientes para obstar a que os contribuintes lograssem, por exemplo, precipitar a realização de uma menos-valia (ou variação patrimonial negativa) que de outra forma continuaria latente, sem relevância fiscal, ou que se tomavam demasiado onerosos de aplicar, ainda assim, a medida que foi em concreto aplicada não seria a adequada porquanto, em qualquer caso, excede o necessário para obstar às situações de abuso, na medida em que não permite ao contribuinte a ilisão da presunção de abuso de que é alvo.

T) No máximo, poder-se-ia admitir que, por regra, as menos-valias realizadas com a alienação de partes de capital a entidades relacionadas não fosse dedutível, ressalvando-se a possibilidade de o contribuinte provar a inexistência de abuso, como aliás sucede no caso em discussão nos autos. Tal possibilidade de ilisão da presunção de abuso em nada prejudicaria a eficácia da norma e os fins por ela prosseguidos, na medida em que todo o ónus da prova recairia sobre o contribuinte (nisto se distanciando do regime de aplicação da cláusula geral antiabuso).

U) Não permitindo a ilisão da presunção de abuso, a medida adotada no n.º 7 do artigo 23.º do CIRC apresenta-se como excessiva e consequentemente inconstitucional por consubstanciar uma restrição desproporcional do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real e em última instância do princípio da igualdade, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 104.º e artigo 18.º da CRP.

V) Analisando o caso objeto dos presentes autos, o juízo de censura subjacente à criação do mecanismo previsto no n.º 7 do artigo 23.º do CIRC não é transponível para o caso em apreço porquanto: (i) a venda das ações próprias ocorreu no âmbito de uma aquisição potestativa das ações da Recorrente; (ii) o preço praticado das ações próprias, correspondeu à oferta considerada adequada pelo mercado no âmbito da OPA e é a contrapartida justa nos termos da lei, (iii) o momento em que a transmissão foi efetuado não é manipulável pelas partes, dado que depende do resultado de uma OPA lançada sobre cerca de 40 % do capital da Recorrente;

W) Inexistindo, em concreto, quaisquer razões de prevenção à fraude e evasão fiscal, a aplicação automática de uma norma antiabuso redunda numa contração ilegítima do reconhecimento da perda verificada, pelo que a admitir-se a aplicação automática do n.º 7 do artigo 23.º do CIRC, tal resulta numa afronta frontal dos princípios constitucionais da tributação segundo o lucro real como corolário do princípio da igualdade e do princípio da proporcionalidade;

X) Face a estes factos, resulta de forma evidente (i) o tratamento desigual conferido à Recorrente, em manifesta disrupção do princípio da tributação pelo lucro real enquanto princípio medida do princípio da igualdade tributária e a (ii) a total ausência de abuso que possa justificar a aplicação de uma tal norma restritiva destinada exatamente a combater um abuso.

Y) Fica, assim, demonstrado que a norma não é a adequada para combater os fins a que se propõe, mas antes manifestamente excessiva e por isso inconstitucional, impondo um desvio ao princípio da tributação segundo o lucro real que não se encontra justificado pela proporcional prossecução de um interesse público superior.

Z) Este entendimento encontra-se. igualmente, suportado no intenso labor jurisprudencial que tem sido desenvolvido pelo TJUE, relevante para o efeito, atenta a identidade de princípios aplicáveis.

AA) Com efeito, conforme amplamente defendido pelo TJUE, as normas antiabuso apenas poderão ser admissíveis na medida em que sejam adequadas a garantir a realização do objetivo que prosseguem e não ultrapassem o que é necessário para atingir esse objetivo (ver designadamente acórdãos de 15 de maio de 1997, Futura Participations & Singer, C-250/95, Colect., p. 1-2471, n.º 26, e de 6 de junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., p. 1-4071, n.º 43).

BB) Como bem defendeu o TJUE, o caráter abusivo de uma operação para efeitos de aplicação de uma disposição antiabuso não pode advir simplesmente da existência de relações especiais entre as partes envolvidas, a constatação da existência de uma prática abusiva não resulta da natureza das transações comerciais normalmente efetuadas pelo autor das operações em causa, mas do objeto, da finalidade e dos efeitos dessas mesmas operações. - cf. Acórdão C-103/09, de 22 de dezembro de 2010;

CC) Constitui, assim, jurisprudência assente do TJUE que não poderão ser admitidas normas anti- abuso automáticas, que assentem numa presunção inilidível de abuso, como a que se discute no presente processo.

DD) Por fim, uma nota final para salientar que a jurisprudência deste Venerando Tribunal constante do acórdão 85/2010, de 3 de março em nada contradiz as conclusões da Requerentes, na medida em que as normas constantes do n.º 3 do artigo 42.º e do n.º 7 do artigo 23.º são estruturalmente distintas, o que justifica diferentes juízos sobre a constitucionalidade dos preceitos em análise.

EE) Com efeito, no caso do artigo 42.º do CIRC, estamos perante uma norma geral e abstrata aplicável à generalidade dos contribuintes, sem que haja, como tal, a identificação de qualquer comportamento legalmente rotulado de potencialmente lesivo ou abusivo, pelo que se mostra legitimada a opção legislativa face ao princípio da tributação segundo o lucro real.

FF) Termos em que se conclui pela inconstitucionalidade da norma constante do n.º 7 do artigo 23.º do CIRC, na medida em que exclui a dedutibilidade da variação patrimonial negativa decorrente da alienação de ações próprias por parte da Recorrente - sem consideração da situação concreta do sujeito passivo e perante a evidência da inexistência de qualquer abuso - por violação dos artigos 18.º e n.º 2 do 104.º da CRP, o que motivará a procedência do presente recurso e a revogação da decisão ora recorrida, tudo com as devidas consequências legais.

Não houve contra-alegações.

Cabe apreciar e decidir.

II - Fundamentação

2 - Da matéria de facto dada como assente pelas instâncias resultam os seguintes factos relevantes:

a) Na sequência de uma Oferta Pública de Aquisição lançada pela Vodafone Group Plc sobre a Vodafone Portugal, ora recorrente, esta alienou 83.046.795 de ações próprias representativas de 38 % dos direitos de voto, pelo valor unitário de (euro) 8,5;

b) À data do lançamento da OPA, cujo registo na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) foi efetuado em 27 de Fevereiro de 2003, 61,37 % dos direitos de voto da recorrente eram já detidos pela Vodafone Holdings Portugal, uma sociedade holding totalmente controlada pela Vodafone Group Plc;

c) Posteriormente, através de uma operação de aquisição potestativa, registada na CMVM em 2 de Maio de 2003, a Vodafone Group Plc adquiriu, pelo mesmo valor unitário de (euro) 8,5, as acções próprias remanescentes da Vodafone Portugal;

d) Da alienação das ações próprias, na sequência das referidas operações, resultou para a recorrente uma perda no valor de (euro) 2.800.876,91, que esta inscreveu, como variação patrimonial negativa, no campo 22 do quadro 7 da declaração Modelo 22 de IRC;

e) A Administração Tributária, em aplicação do artigo 23.º n.º 7, do CIRC, e tendo em conta a existência de relações especiais entre a Vodafone Group Plc e a Vodafone Portugal, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 58.º do CIRC, considerou não poderem ser aceites para efeitos fiscais os custos ou perdas resultantes da transmissão onerosa de partes do capital e determinou a não inclusão dessa variação patrimonial como componente negativa do cálculo do lucro tributável.

Em causa estão, como se ponderou no acórdão recorrido, as variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do exercício resultantes da alienação de ações próprias, que, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1 do CIRC, concorrem para a formação do lucro tributável «nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas».

Por efeito da remissão constante desse dispositivo, torna-se aplicável à referida operação o regime de não dedutibilidade que resulta do artigo 23.º, n.º 7, do CIRC.

Esta disposição, na redação vigente à data dos factos tributários, prescrevia o seguinte:

Artigo 23.º

Custos ou perdas

[...]

7 - Não são, igualmente, aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º, ou a entidades com domicílio em país, território ou região com regime de tributação claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação.

Por sua vez, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do CIRC, consideram-se existir relações especiais entre duas entidades, sempre que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, «entre uma entidade e os titulares do respetivo capital, sempre que estes detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 10 % do capital ou dos direitos de voto da referida entidade».

Tendo em conta o teor destas disposições e a factualidade tida como assente, a Administração Tributária considerou que, sendo a Vodafone Portugal controlada direta ou indiretamente pelo Vodafone Group Plc, através da participação do capital e dos direitos de voto, em termos de se considerar preenchido o requisito da existência de relações especiais entre as empresas, a alienação de ações à empresa dominante não é dedutível como custos ou perdas para efeito da determinação do lucro tributável.

E essa asserção foi confirmada, em sede jurisdicional, pelo acórdão recorrido que, na linha de anterior jurisprudência (cf. acórdão do STA de 11 de Fevereiro de 2009, Processo 862/08), decidiu que o n.º 7 do artigo 23.º do CIRC assume a natureza de uma norma específica anti-abuso, de combate à evasão fiscal, o que conduz a considerar a transmissão onerosa de partes de capital entre entidades relacionadas, em si mesma, e independentemente da ponderação das concretas condições da operação, como uma prática tendente à diminuição artificial do lucro tributável e, como tal, destituída de relevo fiscal.

3 - No requerimento de interposição de recurso, a recorrente identifica como seu objeto a norma do artigo 23.º, n.º 7, do CIRC, enquanto nas alegações de recurso para o Tribunal Constitucional, tal como nas alegações de recurso para o STA, em que é suscitada a questão de constitucionalidade, a questão é colocada em função da aplicação automática e incondicional da norma, em termos de impedir que se demonstre no caso concreto a substância económica do negócio e se afaste a presunção da existência de um comportamento abusivo.

Não há aqui, no entanto, uma verdadeira discrepância relativamente ao objeto do recurso. O que a recorrente discute é a amplitude da formulação da norma do artigo 23.º, n.º 7, do CIRC, no ponto em que exclui a dedutibilidade da variação patrimonial negativa decorrente da alienação de ações próprias, entre entidades com relações especiais, em qualquer circunstância e sem consideração da situação concreta do sujeito passivo.

Deste modo, a recorrente insurge-se, não contra uma certa interpretação normativa que tenha sido utilizada pelo tribunal recorrido, mas contra o efeito de direito que resulta da norma sempre que se verifique uma transmissão onerosa de partes de capital entre entidades entre as quais existam relações especiais.

Neste plano, a recorrente argumenta que o disposto no artigo 23.º, n.º 7, do CIRC constitui um desvio desproporcionado ao princípio da tributação segundo o lucro tributável da empresa, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, na medida em que contempla uma norma anti-abuso concebida de forma ampla de modo a abranger, não apenas as operações suscetíveis de gerar um resultado fiscal abusivo ou desconforme ao ordenamento jurídico, mas também comportamentos legítimos dos contribuintes que tenham sido adotados no âmbito da sua liberdade de iniciativa económica.

Seria este o caso quando a alienação de ações pela empresa controlada ocorre no âmbito de uma oferta pública de aquisição e, depois, através de uma operação potestativa de aquisição regulada na lei (artigo 490.º do Código das Sociedades Comerciais) e o valor auferido pela venda corresponde ao valor de mercado (artigo 194.º do Código dos Valores Mobiliários).

É esta a questão que cabe dilucidar.

4 - Em matéria de tributação de pessoas coletivas, a Constituição consagrou expressamente o princípio segundo o qual «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real» (artigo 104.º, n.º 2).

Este princípio reflete o direito do contribuinte de ser tributado sobre os lucros efetivamente verificados, e que são variáveis de ano para ano, e não sobre os lucros normais, isto é, sobre os lucros que a empresa poderia obter operando em condições normais e que poderiam exceder ou ficar aquém dos efetivamente obtidos. Neste sentido, o preceito constitucional constitui uma concretização dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal.

A tributação segundo o lucro real pressupõe que a determinação do lucro tributável seja efetuada de acordo com a contabilidade da empresa, com base na documentação e comprovação das receitas e dos custos do sujeito passivo, e, por isso, exige um sistema fiável de informação sobre os resultados empresariais. Não sendo possível determinar o rendimento real da empresa através de métodos contabilísticos, a base da tributação terá de ser definida, não através dos lucros efetivamente auferidos, mas dos lucros presumivelmente realizados, assim se compreendendo que a norma constitucional explicite que a tributação incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4.ª edição, Coimbra, pág. 1100).

Por outro lado, a tributação segundo o lucro real não impede que a Administração Tributária possa efetuar correções administrativas à declaração do sujeito passivo que possam levar à desconsideração de custos comprovados como custos fiscais e à consequente alteração da quantificação do lucro tributável (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, págs. 368-369).

5 - O proémio do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, ao dispor que «[p]ara a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC», vem a consagrar como regra geral o princípio da dedutibilidade de todos os custos que sejam indispensáveis à actividade social de uma determinada empresa.

Nesses termos, os custos e as perdas realizadas por uma sociedade numa determinada transacção comercial concorrem, como componentes negativas, para a formação do lucro tributável do respectivo exercício, incluindo as menos-valias ou perdas apuradas com a venda de participações sociais, desde que se encontre preenchido o requisito geral da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.

A regra da dedutibilidade dos custos e perdas comporta, no entanto, diversas exceções entre as quais se conta a prevista no n.º 7 do artigo 23.º do CIRC, já anteriormente transcrito.

Como é geralmente entendido na doutrina, essa constitui uma norma anti-abuso especial que se destina especificamente a prevenir ou reprimir a obtenção de vantagens fiscais no âmbito das transações de participações sociais entre sociedades que se encontrem em relação de grupo. E o que resulta do contexto verbal da norma - aspeto para o qual a recorrente chama particularmente a atenção - é que se tornam fiscalmente irrelevantes todos e quaisquer custos decorrentes de transmissões onerosas de partes de capital entre sociedades especialmente relacionadas, independentemente de o preço praticado corresponder ao preço do mercado e de a operação ter decorrido nas condições que seriam praticadas, em situação similar, entre entidades independentes.

O regime do n.º 7 do artigo 23.º do CIRC diferencia-se daquele que se encontra previsto, em geral, no artigo 58.º, n.º 1, para as operações comerciais ou financeiras entre sociedades em situação de relações especiais. Este último preceito, sob a epígrafe «Preços de transferência», na parte que agora mais interessa considerar, prescreve o seguinte:

Artigo 58.º

Preços de transferência

1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 - O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes das empresas envolvidas, as funções por elas desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco.

3 - Os métodos utilizados devem ser:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fracionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

Daqui resulta, como regra, para todas as transações entre sociedades com relações especiais, a possibilidade de dedução de custos relativos a transações desde que correspondam aos valores que seriam praticados entre sujeitos independentes, tomando-se como referência para a aceitação do custo o preço normal de mercado (cf. Gustavo Lopes Courinha, o artigo 23.º, n.º 7, do CIRC, a Constituição e o Regime de Preços de Transferência das Convenções sobre Dupla Tributação, in «Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal», Coimbra, 2009, pág. 142).

Como é possível concluir, embora ambas as disposições se reportem a transações realizadas entre sociedades entre as quais existam relações especiais (segundo o conceito descrito no n.º 4 do artigo 58.º), a do artigo 23.º, n.º 7, constitui uma norma especial em relação àquela outra disposição: por um lado, respeita apenas a transações sobre participações sociais e possui, por isso, um âmbito de aplicação mais restrito; por outro lado, comina uma consequência mais gravosa no ponto em que determina a não aceitação fiscal, pura e simples, das menos-valias realizadas, em contraposição com o disposto no artigo 58.º que estabelece um princípio geral de correção, pela Administração Fiscal, do preço de transferência quando este não corresponda ao que seria normalmente acordado entre entidades independentes.

A opção legislativa relativamente a essa disposição do artigo 23.º, n.º 7, é explicada por Gustavo Lopes Courinha nos seguintes termos (ob. cit., pág. 139):

O pressuposto desta norma é, pois, claramente o de combater a elisão fiscal ou planeamento fiscal abusivo, derivado de vendas que têm lugar em determinados termos ou circunstâncias, porque o adquirente se encontra na órbita de um determinado grupo societário ou, em termos mais genéricos, porque detém "relações especiais" com o alienante, v.g. as situações infra grupo.

O legislador fiscal parece entender que a venda de participações sociais a entidades relacionadas será sempre artificiosa e motivada por razões eminentemente fiscais, e despida, portanto, de outras razões que a validem no quadro da atividade normal de uma empresa. Por isso, o legislador decidiu não reconhecer sequer aqueles casos em que tais operações possam ser praticadas em condições normais de mercado e perfeitamente legitimadas por um propósito comercial adequado e no melhor interesse da empresa, desconsiderando ao invés, pura e simplesmente, toda e qualquer menos-valia assim realizada.

Por via do estatuído no artigo 23.º, n.º 7, o legislador concebeu uma norma anti-abuso de aplicação automática com o alcance de impedir a dedução de menos-valias ou perdas resultantes da alienação de participações sociais entre sociedades com relações especiais, independentemente de ter sido praticado o preço de mercado e de a operação ter sido realizada nas condições que seriam praticadas por entidades independentes.

Neste contexto, a questão de constitucionalidade que a recorrente começa por colocar é a de saber se a desconsideração fiscal dos custos sem a possibilidade de contraprova, por parte do sujeito passivo, de que não existiu uma vantagem fiscal abusiva não viola desproporcionadamente o direito do contribuinte à tributação segundo o lucro real.

6 - Não pode deixar de reconhecer-se que a dedutibilidade dos custos e perdas de uma sociedade, ainda que decorrentes da alienação de participações sociais, releva para a aplicação do princípio da tributação segundo o lucro real, na medida em que se trata de variações patrimoniais negativas que intervêm na formação do lucro tributável.

A norma do artigo 23.º, n.º 7, do CIRC, visando impedir a dedução dos custos para efeitos fiscais em caso de transmissão onerosa de participações sociais entre sociedades em relação de grupo, terá de ser entendida como uma cláusula anti-abuso específica relativa à reestruturação das empresas agrupadas ou dos laços intersocietários e que se encontra vocacionada para combater situações de elisão e fraude fiscal que resultem do planeamento fiscal que é proporcionado «pela sua típica estrutura jurídica policêntrica e pela submissão dos respectivos componentes a uma estratégia empresarial única» (José Engrácia Antunes, A Tributação dos Grupos de Sociedades, in Fiscalidade, n.º 45, Janeiro-Março de 2011, pág. 25).

A recorrente invoca a restrição desproporcionada do direito do contribuinte à tributação segundo o lucro real, colocando a ênfase na vertente da necessidade ou exigibilidade da medida, por considerar que o mesmo fim poderia ser alcançado de modo igualmente eficaz através da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária ou por via dos mecanismos de correcção da matéria colectável aplicáveis aos preços de transferência (artigo 58.º do CIRC) e ainda porque a norma não permite ao contribuinte a ilisão da presunção da existência de conduta abusiva.

A argumentação tem pressuposta a ideia (expressa na alínea O) das conclusões do recurso) de que a cláusula anti-abuso em apreço pretendeu combater as situações de abuso e fraude à lei quando os sujeitos passivos procediam à alienação de participações sociais por valores inferiores aos de mercado ou como forma de realizar uma perda que, de outra forma, se manteria latente e sem relevância fiscal.

Mas o objetivo do legislador parece ter sido um outro.

A norma não visa evitar a evasão fiscal em situações em que exista um risco de concertação de preços. Tem antes em vista evitar que a venda de partes de capital entre sociedades do grupo, de modo recíproco e sucessivo, permita imputar artificialmente às diversas empresas alienantes as perdas decorrentes de cada uma dessas operações. A norma tem pois como alvo a transação em si mesma, e não o preço praticado pelas partes, e serve para reprimir as operações de venda de participações sociais que são realizadas com uma finalidade exclusivamente fiscal, visando obter um custo dedutível.

Daí que tivesse havido necessidade de instituir esse regime especial que não poderá ser consumido por outras disposições já existentes, como a relativa aos preços de transferência (artigo 58.º), que apenas visam permitir meras correções administrativas do valor das transações.

Por outro lado, e por identidade de razão, não tem relevo a consideração de que o fim visado pelo legislador poderia ser obtido por meios menos onerosos para o contribuinte mediante o recurso à cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.

Esta norma permite considerar ineficazes, no âmbito tributário, os atos ou negócios jurídicos praticados com abuso de formas jurídicas e essencial ou principalmente dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal dos tributos que seriam devidos em resultado de atos ou negócios equivalentes. Trata-se ainda de uma norma cuja aplicação está dependente da abertura de um procedimento próprio, regulado no artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e que permite a apresentação de prova que o contribuinte entender pertinente (n.º 6).

Sucede que o recurso a essa cláusula geral anti-abuso, ainda que permitisse a contraprova por parte do sujeito passivo de que a operação foi realizada nas condições normais de mercado e de acordo com o valor de cotação das ações no mercado bolsista, não teria qualquer efeito prático, visto que - como se deixou exposto - o que está em causa não é a possível concertação de preços mas a realização de transações que envolvam participações sociais entre partes relacionadas. E, nesses termos, o sujeito passivo não obteria qualquer vantagem com a demonstração de que a transação foi efetuada ao preço de mercado, nem essa demonstração seria suficiente para validar a substância económica da operação.

7 - Poderia, no entanto, ainda dizer-se que a norma do artigo 23.º, n.º 7, do CIRC, na medida em que impõe a irrelevância fiscal das variações patrimoniais negativas resultantes da transmissão de partes do capital entre sociedades relacionadas, não deixa de constituir uma presunção sujeita a não admissão de prova, que, como tal, poderia violar o princípio da capacidade contributiva.

O Tribunal Constitucional pronunciou-se já no sentido da inconstitucionalidade de disposições fiscais que estabeleciam presunções inilidíveis, como sucedeu em relação à norma do artigo 14.º § 2 do Código do Imposto de Capitais, na redação do Decreto-Lei 197/82, de 21 de Maio, que não permitia a ilisão da onerosidade dos mútuos feitos pelas sociedades a favor dos respectivos sócios (acórdão 348/97), e à norma do artigo 26.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, na redação do Decreto-Lei 308/91, de 17 de Agosto, que consignava, nas transmissões por morte, não ocorrendo "arrolamento judicial dos mobiliários", uma presunção sem admissão de prova em contrário da existência de uma determinada quota de "mobílias, dinheiro, joias, e mais objetos de uso pessoal ou doméstico".

Esse entendimento tem sido também sufragado pela doutrina, considerando-se que essa técnica legislativa, movida por legítimas preocupações de simplificação e de praticabilidade das leis fiscais e de combate à evasão e fraude fiscais, «tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto» (Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra, 1998, pág. 498).

No entanto, no caso vertente, é, desde logo, discutível que a norma do artigo 23.º, n.º 7, do CIRC configure uma presunção para efeitos fiscais.

As presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Tratando-se de uma presunção legal, quem tem a seu favor a presunção escusa de provar o facto a que ela conduz, implicando a inversão do ónus da prova (artigos 349.º e 350.º do Código Civil). A presunção é por isso um meio de prova, cabendo à parte fazer a prova do facto conhecido (base da presunção) para dele permitir inferir o facto desconhecido (facto presumido). O reconhecimento do facto que se extrai da inferência só pode ser posto em causa através da prova em contrário, se a lei a admitir.

As presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, quando são reveladas pelo uso da expressão «presume-se» ou de expressão de idêntico significado, mas podem também resultar implicitamente do enunciado linguístico da norma, o que sucede quando se considera como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis no pressuposto de que são esses valores que correspondem à realidade, prescindindo-se do apuramento do valor real ou do valor que tiver sido declarado pelo sujeito passivo. É o que ocorre com a disposição do artigo 58.º, n.º 1, do CIRC, que, no âmbito das operações comerciais ou financeiras efetuadas entre um sujeito passivo e outra entidade com quem mantenha relações especiais, admite a dedução de custos por referência aos preços que seriam praticados, em operações comparáveis, entre entidades independentes. Ou ainda com a norma do artigo 21.º, n.º 2, que em matéria de variações patrimoniais positivas, considera como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado (cf. Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª edição, Lisboa, págs. 651-652).

Não é esse o caso do artigo 23.º, n.º 7. A norma não ficciona um determinado valor para a transação de participações sociais entre entidades que se encontrem em relações especiais, para assim fixar o montante dedutível a título de variações patrimoniais negativas, mas veio antes impedir o reconhecimento das perdas criadas pela realização de menos-valias em operações desse tipo, independentemente da verificação do valor praticado e da justificação do custo. Assim, a lei não permite considerar um qualquer valor presumível, em substituição do valor praticado ou declarado, mas determina antes a impossibilidade de deduções à matéria coletável que tenham por base a transmissão onerosa de participações entre sociedades relacionadas. A norma não funciona, por isso, como meio de prova para obter um certo valor de custos ou perdas que deva ser considerado para o apuramento do lucro tributável.

Poderia dizer-se que o regime legal assenta na ideia de que as operações efetuadas nessas circunstâncias têm uma finalidade puramente fiscal e não económica. Mas essa poderá ser a razão de política legislativa que levou o legislador a declarar indedutíveis os custos realizados nesse tipo de transações. Não há aqui uma presunção em sentido próprio. A norma não permite presumir um qualquer facto tributário, a partir da ocorrência de transacções de partes de capital entre empresas em relação de grupo, que o sujeito passivo pudesse contraditar através de um procedimento de prova. Limita-se a desqualificar como custo os resultados negativos que provenham dessas transações.

Certo é que essa desqualificação pode determinar um aumento do imposto a liquidar por virtude de não ser possível refletir na matéria coletável as perdas imputáveis à operação. Mas essa é a necessária decorrência de um mecanismo legal de funcionamento automático que incide sobre os critérios de dedutibilidade dos custos ou perdas. Tratando-se de um critério legal de apuramento da matéria coletável, e não de um facto tributário presumível que seja imputável ao sujeito passivo, não tem cabimento a admissão da prova em contrário.

8 - A questão que se coloca é a de saber se a não dedutibilidade dos custos, nos termos previstos, não constitui uma restrição inaceitável ao direito de ser tributado segundo o lucro real.

Deste ponto de vista, e contrariamente ao que defende a recorrente, não é inteiramente despicienda a abordagem feita no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 85/2010, que julgou não inconstitucional a norma do artigo 42.º, n.º 3, do CIRC na medida em que se veio a declarar dedutível apenas em metade do seu valor as menos valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, independentemente das condições da sua realização.

Há seguramente uma relação de especialidade entre as normas dos artigos 23.º, n.º 7, e 42.º, n.º 3, sendo a particular circunstância de a operação ser realizada entre empresas que se encontram numa relação de dependência entre si que justifica o regime de indedutibilidade total das perdas, por contraposição ao critério geral resultante do disposto no artigo 42.º, n.º 3, que é aplicável às transações efetuadas entre entidades independentes.

Em qualquer dos casos, a não dedutibilidade de encargos para efeitos fiscais, que consta do artigo 42.º do CIRC, podendo representar potencialmente uma limitação ao princípio da tributação segundo o lucro real, encontra justificação em diversas ordens de razões, que poderão relacionar-se com a quantificação técnica do imposto ou com a dificuldade de inserção da despesa na esfera empresarial ou na atividade lucrativa (quanto a estes aspetos, Saldanha Sanches, ob. cit., págs. 393-394)

E ainda que, em tese geral, o princípio da capacidade contributiva implique que deva ser considerado como tributável apenas o rendimento líquido, com a consequente exclusão de todos os gastos necessários à produção ou obtenção do rendimento, o certo é que não pode deixar de reconhecer-se ao legislador - como admite a doutrina - «uma certa margem de liberdade para limitar a certo montante, ou mesmo excluir, certas deduções específicas, que, embora relativas a despesas necessárias à obtenção do correspondente rendimento, se revelem de difícil apuramento» (Casalta Nabais, ob. cit., pág. 521). O ponto é que tais limitações ou exclusões tenham um fundamento racional adequado e se apliquem à generalidade dos rendimentos em causa.

Trata-se de opções de política fiscal que assentam numa ideia de praticabilidade, que exige ao legislador a elaboração de leis cuja aplicação e execução seja eficaz e económica ou eficiente, e que conduzam a resultados consonantes com os objetivos pretendidos. Com essa finalidade, com que se pretende também assegurar os princípios materiais da igualdade e da justiça fiscal, é constitucionalmente justificável que o legislador possa recorrer não apenas às referidas presunções legais, mas também a técnicas de tipificação e de simplificação, que permitam disciplinar certos aspetos do direito dos impostos segundo critérios de normalidade, afastando as situações atípicas ou anormais (idem, págs. 622-623).

No que se refere à situação regulada no artigo 23.º, n.º 7, o que o legislador parece ter considerado é que as perdas resultantes de transmissão de partes de capital entre empresas relacionadas não são normalmente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, permitindo-se prevenir, do mesmo passo, o risco de criação artificiosa de menos-valias, com o consequente efeito de evasão fiscal, e prover ainda à dificuldade de verificação, por parte Administração Tributária, da existência de um efetivo interesse económico na transação (para o que não bastaria a mera demonstração de que foram praticados os valores de mercado).

Por outro lado, tendo a lei consignado, em regra, a dedutibilidade das menos valias, resultantes da transmissão onerosa de partes de capital, apenas em metade do seu valor (artigo 42.º, n.º 3) - norma que não foi julgada inconstitucional -, não se afigura ser excessivo ou desproporcionado, face ao objetivo central de combate à evasão e fraude fiscal, que se tenha adotado um critério mais apertado naquelas situações em que se verifique um especial risco de planeamento fiscal por se tratar de operações realizadas no seio de grupos societários. Relevando também aqui razões de normalidade e viabilidade prática.

Como se deixou exposto num outro momento, o artigo 104.º, n.º 2, não institui um critério absoluto e rigoroso de tributação das empresas segundo o lucro real, apontando antes para uma aproximação tendencial entre a matéria coletável e os lucros efetivamente auferidos, sem excluir o recurso a rendimentos presumidos e a métodos indiciários. Além disso, como vimos, a dedução de custos e perdas está estritamente associada à sua indispensabilidade para a atividade económica da empresa.

Perante o efetivo risco de regulação tributária nos grupos societários por efeito de uma estratégia de transferência de capital social entre empresas, a não dedutibilidade dos gastos apurados nessas transações mostra-se justificada pela relevância dos interesses que determinam a restrição.

Não se verifica nestes termos a invocada violação do direito à tributação segundo o lucro real ainda que por referência ao princípio da proporcionalidade.

III - Decisão

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.

Lisboa, 12 de novembro de 2014. - Carlos Fernandes Cadilha - Lino Rodrigues Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro - Maria José Rangel de Mesquita - Maria Lúcia Amaral.

208293212

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/3771030.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-05-21 - Decreto-Lei 197/82 - Ministério das Finanças e do Plano - Secretaria de Estado do Orçamento

    Altera o Código do Imposto de Capitais.

  • Tem documento Em vigor 1991-08-17 - Decreto-Lei 308/91 - Ministério das Finanças

    ALTERA A DESIGNAÇÃO DO CODIGO DA SISA E DO IMPOSTO SOBRE AS SUCESSÕES E DOAÇÕES PARA 'CODIGO DO IMPOSTO MUNICIPAL DE SISA E DO IMPOSTO SOBRE AS SUCESSÕES E DOACOES'. DA NOVA REDACÇÃO AOS ARTIGOS 16, 17, 91, 115 E 183 E ADITA O ARTIGO 17-A DO DECRETO LEI NUMERO 41 969, DE 24 DE NOVEMBRO DE 1958, QUE APROVOU O REFERIDO CODIGO.

  • Tem documento Em vigor 2002-12-30 - Lei 32-B/2002 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2003.

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