Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 4/2019/M
Proposta de Lei à Assembleia da República
8.ª Alteração ao Decreto-Lei 276/2001, de 17 de outubro, que estabelece as medidas das disposições da Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia
A situação de animais permanentemente acorrentados determina a sua proibição, tal é a dimensão que atingiu, podendo, comprovadamente, causar danos na saúde, físicos e comportamentais permanentes nos animais afetados, como agressividade, como resposta defensiva, dado que esta pode ser reflexa do ambiente em que o animal é criado.
Os maus tratos aos animais são múltiplos, e vão desde animais presos em gaiolas minúsculas, sem condições de higiene, a cães presos em correntes curtas o dia todo, com alimentação precária e falta de exercício.
A legislação portuguesa já determinou que os animais não são «simples» coisas desprovidas de vida, pelo que o desequilíbrio de todo o ecossistema em que se exacerba o antropocentrismo é mesmo uma contradição do processo de avanço civilizacional, pois os factos históricos demonstram que ao longo de milhares de anos os animais desenvolveram grandes laços, primeiro laborais, mas depois, sobretudo, afetivos com os homens.
Mas a verdade é que os animais domésticos ou domesticados, e no caso particular dos cães, ainda são tratados de forma ambivalente na nossa sociedade. Se, por um lado, são estimados e considerados, por outro, sofrem maus tratos, que incluem desde o abandono à tortura, e que também passam pelo seu aprisionamento com correntes curtas durante todo o dia.
Numa sociedade que se pretende progressista e solidária, e à luz dos nossos dias, parece óbvio que a menorização de todo e qualquer sofrimento dos animais, é no mínimo, um exercício de cidadania, mas, sobretudo, um princípio de ética e solidariedade interespécies.
No caso dos animais acorrentados, há que desenvolver campanhas de sensibilização da comunidade, sobretudo em localidades e regiões onde a taxa de cães acorrentados seja maior, dado que muitas vezes este fenómeno ocorre por ignorância dos tutores da capacidade de senciência dos seus animais, ou por costumes ou tradição, e não propriamente por crueldade.
A legislação portuguesa já oferece alguma proteção aos animais de companhia, mas nem sempre a mesma é cumprida e há mesmo interpretações à lei que suscitam dúvidas quanto à própria definição de «mau trato», inclusive por autoridades que recolhem denúncias de situações de animais acorrentados. Estas situações à luz do Decreto-Lei 276/2001, de 17 de outubro, na sua redação atual, constitui uma violação do artigo 8.º onde são claras as disposições de que os animais devem dispor de um espaço adequado às suas necessidades etológicas, que lhes permita a prática de exercício adequado e a sua natural interação social, o que não se compagina com uma situação de permanente acorrentamento.
Por todo o país são milhares os animais condenados a um acorrentamento perpétuo, muitos em condições deploráveis de higiene, sem abrigo de condições climatéricas extremas, sem água fresca e alimento à disposição, ou sem passeios regulares. Esta situação de «prisão perpétua» comprovadamente, tem reflexos no comportamento, temperamento e saúde do animal, pois um animal (sobretudo cães e gatos) é naturalmente um ser social e estar acorrentado suprime o seu instinto natural, e os seus movimentos.
Entre os danos e sofrimento causados aos animais acorrentados, incluem-se sequelas comuns e visíveis em todos que vão desde lesões e infeções de pele, sobretudo no pescoço, mas também no restante corpo constantemente em contacto com o solo e exposto ao sol, frio, chuva, calor, podendo mesmo ocasionar outras doenças, que a exiguidade dos espaços onde estão confinados, e onde comem, dormem e simultaneamente defecam, facilita. Nestes cenários, não são incomuns histórias de mortes dos animais por asfixiamento ou estrangulamento com as correntes que facilmente se podem enrolar em postes ou outros objetos. Além dos danos físicos, estes animais inevitavelmente por via deste confinamento e solidão físicos, desenvolvem, comprovadamente, danos psicológicos e comportamentais, podendo tornar-se ansiosos, deprimidos, neuróticos, medrosos, e até agressivos, podendo inclusive agredir o próprio tutor. Um estudo efetuado pelo Center for Disease Control, nos EUA, concluiu que os cães acorrentados têm uma probabilidade 2,8 vezes maior de morder, e que a maioria das vitimas destes ataques são tragicamente crianças.
De igual modo, em defesa dos animais permanentemente acorrentados, o United States Department of Agriculture - USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) afirmou: «A nossa experiência em aplicar o Animal Welfare Act levou-nos a concluir que o confinamento contínuo dos cães com uma corrente é desumano. Uma corrente reduz significativamente o movimento dos cães. Uma corrente pode também ficar emaranhada ou enganchada na estrutura do abrigo do cão ou outros objetos, restringindo ainda mais o seu movimento e causando potenciais lesões.»
Os animais, na salvaguarda do seu bem-estar e da atual proteção jurídica dos maus tratos, devem viver livres de stresse, dor, fome, sede ou doenças, mas também podendo expressar livremente o comportamento natural da sua espécie, o que não é permitido pelo acorrentamento permanente. O acorrentamento só pode ser admissível quando temporário e só por um curto período de tempo estritamente necessário, quando não há outra alternativa, por exemplo, quando há risco de fuga do animal ou perigo de agressão por parte do mesmo a alguém, mas sempre recorrendo ao uso de materiais seguros e apropriados para a pele do animal, e com vários metros de cumprimento, para lhe permitir a maior mobilidade possível. Porém, a melhor maneira de confinar um cão é sempre colocá-lo ou dentro de casa ou num espaço amplo com uma vedação.
O acorrentamento de animais, no caso particular dos cães, não está diretamente previsto na nossa legislação de proteção e defesa do bem-estar animal. No entanto, é facto que esta situação de acorrentamento incorre no não cumprimento das disposições dos artigos 8.º e 9.º do Decreto-Lei 276/2001, de 17 de outubro, na sua redação atual, pelo que deve ser alterado o conteúdo do primeiro por forma a obter uma redação mais clara nesse sentido.
Assim, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de junho, revisto e alterado pelas Leis 130/99, de 21 de agosto e 12/2000, de 21 de junho, a Assembleia Legislativa da Madeira, apresenta à Assembleia da República a seguinte Proposta de Lei:
Artigo 1.º
Alteração ao Decreto-Lei 276/2001, de 17 de outubro, na sua atual redação
O artigo 8.º do Decreto-Lei 276/2001, de 17 de outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 315/2003, de 17 de dezembro, 265/2007, de 24 de julho, pela 312/2003, de 17 de Dezembro e 313/2003, de 17 de Dezembro, e altera (segunda alteração) o Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, que estabelecem o regime jurídico de detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos, de identificação e registo de caninos e felinos e de aplicação da Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia.">Lei 49/2007, de 31 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 255/2009, de 24 de setembro, 260/2012, de 12 de dezembro, pela Lei 95/2017, de 23 de agosto, e pelo Decreto-Lei 20/2019, de 30 de janeiro, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 8.º
Condições dos alojamentos e acorrentamento
1 - [...]
a) [...];
b) [...];
c) Nenhum animal deve ser permanentemente acorrentado por forma a garantir plenamente os requisitos das alíneas anteriores do presente artigo, e do artigo 7.º;
d) Em caso de necessidade de acorrentamento, por razões de segurança de pessoas, do próprio animal ou de outros animais, e não havendo alternativa, o acorrentamento deve ser temporário, e limitado a um período de tempo o mais curto possível e estritamente necessário, salvaguardando na maior parte desse tempo a possibilidade de exercício e lazer do animal;
e) As vedações com ampla área, e o interior das casas são sempre preferíveis em situações em que se verifique necessário o confinamento temporário dos animais;
f) O não cumprimento das alíneas anteriores configura mau trato ao animal, criminalizado de acordo com o inscrito no Código Penal para os maus tratos físicos a animais de companhia.
2 - [...]
3 - [...]
4 - [...]
5 - [...].»
Artigo 2.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor logo após a sua publicação.
Aprovada em sessão plenária da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 30 de janeiro de 2019.
O Presidente da Assembleia Legislativa, José Lino Tranquada Gomes.
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