de 28 de Julho
A crescente especialização dos profissionais de saúde, nomeadamente no sector médico, corresponde a uma necessidade derivada do progresso da medicina e do desenvolvimento, cada vez mais complexo, das técnicas terapêuticas. A própria especialização implica, no entanto, o incremento da função de clínico geral.Mesmo quando haja lugar a recurso a profissionais especializados, dificilmente se poderá substituir a actuação prévia do clínico geral, a quem cabe proceder às imprescindíveis tarefas de diagnóstico e de terapêutica iniciais e tantas vezes definitivas.
Compete, nomeadamente, ao clínico geral orientar os interessados através das diversas especialidades, assegurando uma concatenação conveniente entre diversas técnicas médicas, quando haja que recorrer a especialistas de vários sectores. Para além disso, o clínico geral constitui uma figura primordial no exercício personalizado da medicina, uma vez que, ao contrário do que normalmente ocorre com o especialista, ele pode acompanhar individualmente cada pessoa, independentemente de quaisquer circunstâncias pessoais, conhecendo-a e assistindo-a dentro do ambiente familiar e social em que esteja integrada. Essas mesmas considerações colocam-no numa posição privilegiada para o exercício de funções no âmbito da saúde pública.
Deste modo, a institucionalização da função de generalista a que agora se procede, na linha das mais recentes recomendações das instâncias internacionais votadas ao estudo de problemas de saúde, corresponde a uma aspiração dos utentes dos serviços e dos profissionais a eles afectos. Essa instituição não deve, porém, ser encarada por forma isolada, antes tendo em vista a sua integração na lógica de um serviço nacional de saúde que permita aliar a liberdade dos utentes na escolha dos profissionais de quem queiram receber prestações de saúde com uma cobertura integral do território, maleável e devidamente adaptada às circunstâncias de cada região.
O presente diploma é ditado pela necessidade conjuntural de solucionar a situação, encontrada pelo Governo, dos médicos que aguardam, neste momento, a sua integração definitiva em lugares médicos adequados. O regime estabelecido, norteado pela linha que preside à revisão, em estudo, das carreiras médicas hospitalar, de saúde pública e de clínico geral, corresponde, contudo, desde já, ao figurino que o futuro diploma das carreiras médicas irá assumir.
Ficam, assim, garantidas as situações dos médicos que queiram aceder à nova carreira.
A regulamentação a publicar, com a possível celeridade, deverá, nomeadamente, cobrir a situação dos clínicos gerais já em exercício, cuja acção é primordial na cobertura das necessidades de saúde das populações e cuja actividade deve ser enquadrada no regime ora instituído.
Na consagração legal da figura do clínico geral há que ter fundamentalmente em conta duas necessidades: a de criar condições para que os profissionais de saúde passem a exercer em todo o País, nomeadamente no interior, e a de instituir esquemas de trabalho que permitam à carreira de clínico geral competir com as carreiras de especialistas na mobilização de médicos.
Tais objectivos não podem ser prosseguidos por meio de uma carreira estadual, tal como fora idealizada pelo Decreto-Lei 519-N1/79, de 29 de Dezembro, e que por isso foi revogado pelo Decreto-Lei 81/80, de 19 de Abril.
Opta-se, por isso, por um tipo de carreira integrado em nova concepção: não uma carreira orgânica estadual, explicitada numa sucessão mecânica de graus, mas antes uma carreira pessoal, com a necessária estabilidade na relação com a população a que se destina, fundamentalmente informada, na sua progressão, pelo acumular de conhecimentos e experiência e concretizada no desenvolvimento dos curricula profissionais e científicos de cada um.
Uma carreira deste tipo não prejudica, mas antes consolida, as regalias e a estabilidade devidas aos profissionais que nela queiram ingressar.
As condições efectivas agora estabelecidas para a fixação de clínicos gerais nas zonas interiores do território conferem-lhes também uma posição privilegiada para actuação a nível de centros de saúde e de hospitais concelhios.
Assim, ao abrigo do artigo 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei 373/79, de 8 de Setembro:
Manda o Governo da República Portuguesa, pelos Ministros das Finanças e do Plano e dos Assuntos Sociais e pelo Secretário de Estado da Reforma Administrativa, o seguinte:
1.º
(Instituição)
É instituída uma nova modalidade de exercício profissional da medicina - a carreira de generalista -, consagrada ao exercício das funções de clínica geral regulamentada neste diploma.
2.º
(Funções)
O médico de clínica geral exerce todas as funções no domínio das prestações de cuidados de saúde para que se encontre legalmente habilitado e, em especial:a) Presta cuidados personalizados aos indivíduos e famílias, intervindo em quaisquer situações clínicas dentro do seu âmbito;
b) Assegura os referidos cuidados em termos de continuidade;
c) Acompanha na utilização dos diversos serviços de saúde as pessoas que a ele tenham recorrido;
d) Coopera com outros profissionais de saúde, médicos e não médicos;
e) Promove a saúde dos assistidos e suas famílias;
f) Intervém e actua, em situações de urgência, de acordo com as circunstâncias de cada caso;
g) Pode prestar serviço nas unidades periféricas de saúde pública, no âmbito da assistência directa às populações;
h) Pode actuar no âmbito dos hospitais concelhios, quer acompanhando os seus doentes, quer ao serviço geral do hospital;
i) Colabora com outras entidades prestadoras de cuidados de saúde, nomeadamente com outros clínicos gerais, tendo em vista uma boa eficiência de serviço.
3.º
(Independência)
Os clínicos gerais desempenham as suas funções em total independência técnica.
4.º
(Deveres)
O médico de clínica geral deve, em geral, acatar as normas inerentes à profissão, à legislação em vigor e os deveres assumidos pela adesão à presente carreira e, em especial:a) Manter uma disponibilidade de tempo para atendimento de doentes durante um horário semanal publicamente expresso e correspondente ao horário definido para a carreira hospitalar, em tempo completo;
b) Exercer funções de saúde pública, nomeadamente nos competentes centros e postos de saúde;
c) Assegurar os cuidados de que seja incumbido nos centros de saúde dotados de serviços de internamento e hospitais concelhios;
d) Actuar, fora dos períodos normais de serviço, em quaisquer situações de emergência, dentro das normas deontológicas e nos termos regulamentares, organizando-se entre os clínicos gerais da mesma zona a assistência à população nos domingos, feriados, períodos nocturnos e períodos normais de ausência.
5.º
(Direitos)
Os médicos de clínica geral que adiram à presente carreira têm, em especial, as prerrogativas seguintes:a) Vencimento correspondente ao exercício de actividades nos centros e postos de saúde e nos hospitais concelhios, de acordo com o número semanal de horas de serviço prestado na base das remunerações atribuídas pela tabela anexa ao Decreto-Lei 373/79 a subdelegado de saúde e a médico de hospital concelhio, respectivamente;
b) Remuneração correspondente ao somatório das prestações de saúde efectuadas, cujo valor é calculado nos termos do n.º 13.º;
c) Garantia de uma remuneração mínima que, integrando a remuneração referida nas alíneas a) e b), permita atingir o equivalente às remunerações atribuídas, em cada momento, às categorias de chefe de clínica, de especialista e de interno de especialidades, consoante a categoria profissional respectiva definida nos termos do n.º 8.º;
d) Subsídios de férias e de Natal correspondentes à remuneração mínima referida na alínea c);
e) Subsídios de fixação, periodicamente revistos e actualizados, e fornecimento de instalações necessárias para o exercício das suas funções, a atribuir eventualmente com o concurso das autarquias locais.
6.º
(Segurança social)
Os médicos generalistas beneficiam do regime estabelecido no artigo 24.º do Decreto-Lei 373/79, de 8 de Setembro, para efeitos de segurança social.
7.º
(Acesso)
1 - Podem integrar-se na carreira os médicos que tenham concluído o período de exercício de medicina tutelada e o serviço médico na periferia, enquanto existir, sem prejuízo do disposto no número seguinte.2 - Constituem critérios de preferência na colocação:
a) Aprovação no concurso de admissão ao internato de especialidade, de acordo com as classificações obtidas;
b) Informação respeitante ao internato de policlínica;
c) Quaisquer outros elementos de valorização profissional.
8.º
(Categorias)
1 - As funções de clínico definidas no n.º 2.º podem ser cometidas a médicos com as categorias profissionais de clínicos gerais, especialistas em clínica geral (generalistas) e clínico geral consultor.2 - Têm a categoria de clínico geral os médicos que acedam à carreira nos termos do n.º 7.º 3 - A obtenção da categoria da especialidade em clínica geral depende da concretização do curriculum e da efectivação das provas adequadas, organizados nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 373/79, de 8 de Setembro.
4 - A obtenção da categoria de consultor depende de apreciação curricular, a realizar entre os especialistas, em termos a regulamentar.
9.º
(Coordenação)
1 - Para efeitos técnico-administrativos, devem ser instruídos esquemas de coordenação de clínicos gerais, de acordo com zonas de actuação, em termos a regulamentar.2 - As zonas de actuação, definidas segundo a densidade populacional e o número de clínicos em exercício, são providas de médicos coordenadores de zona.
3 - As funções de coordenador de zona são desempenhadas por especialistas em clínica geral, em termos a regulamentar.
10.º
(Aperfeiçoamento profissional)
1 - Tendo em vista a dignificação da carreira e o aperfeiçoamento técnico-científico dos clínicos gerais, devem ser instituídos cursos adequados de formação profissional, com incidência no domínio das diversas especialidades.2 - A frequência e aproveitamento dos cursos referidos no número anterior constituem elementos de valorização profissional, para todos os efeitos, nomeadamente os previstos no n.º 12.º
11.º
(Articulação hospitalar e com os serviços de saúde pública)
1 - A actividade de generalista desenvolve-se em estreita consonância com a rede hospitalar e com os serviços de saúde pública da zona, competindo aos hospitais distritais e aos centros de saúde a assistência e o apoio técnico aos clínicos gerais.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, devem ser colocados nos hospitais distritais os especialistas necessários.
3 - Os clínicos gerais podem actuar periodicamente nos hospitais distritais em períodos de tirocínio diversificado, devidamente orientados, mas não podem acumular a carreira com qualquer lugar nos quadros hospitalares.
12.º
(Transferências)
1 - Os clínicos gerais podem solicitar a transferência para outros locais, de acordo com as vagas existentes.2 - Em caso de insuficiência de vagas para efeitos de transferência, há que atender, em termos a regulamentar:
a) À obtenção do grau de especialistas em clínica geral (generalista);
b) À antiguidade de serviço;
c) À inospitabilidade da colocação anterior;
d) Ao curriculum vitae;
e) À frequência e aproveitamento dos cursos referidos no artigo 9.º
13.º
(Condições de adesão)
Com o acordo da Ordem dos Médicos, serão definidas as seguintes condições de adesão à função de clínico geral:a) A retribuição correspondente a cada prestação de saúde efectuada;
b) Subsídios de fixação e as comparticipações nas despesas com as instalações necessárias locais, podendo, nesse sentido, ser celebrados acordos sectoriais com as autarquias locais;
c) Cláusulas penais;
d) Quaisquer outras cláusulas que se afigurem necessárias e sejam acordadas pelas partes.
14.º
(Preenchimento dos lugares)
Os lugares de clínico geral, de acordo com as regras previstas nesta portaria, serão preenchidos gradualmente, consoante as necessidades concretas da população e tendo especialmente em conta as regras seguintes:a) Deve ser dada prioridade aos concelhos nos quais, existindo já uma suficiente cobertura hospitalar em meios técnicos e humanos, não esteja assegurada a cobertura das necessidades de saúde extra-hospitalares das populações, por forma a atingir uma relação de um médico da carreira de generalista para cada dois mil habitantes;
b) Nos restantes concelhos, devem ser preenchidos os lugares existentes à medida que se revelarem insuficientes ou forem substituídas as unidades extra-hospitalares existentes.
15.º
(Fiscalização e sanções)
1 - A fiscalização do cumprimento dos deveres assumidos pelos clínicos gerais é assegurada, em geral, pelos organismos estaduais e profissionais competentes.2 - Sem prejuízo das responsabilidades civil ou criminal que ao caso caibam, os clínicos gerais que violem os deveres assumidos incorrem nas penas previstas nas condições gerais referidas no n.º 13.º
16.º
(Dúvidas)
As dúvidas que se suscitem na execução deste diploma são solucionadas por despacho do Secretário de Estado da Saúde.Presidência do Conselho de Ministros e Ministérios das Finanças e do Plano e dos Assuntos Sociais, 10 de Julho de 1980. - O Ministro das Finanças e do Plano, Aníbal António Cavaco Silva. - O Ministro dos Assuntos Sociais, João António Morais Leitão. - O Secretário de Estado da Reforma Administrativa, Carlos Martins Robalo.