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Parecer 8/2018, de 25 de Maio

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Sumário

Parecer sobre Regime jurídico das instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento

Texto do documento

Parecer 8/2018

Parecer Sobre Regime jurídico das instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Parecer elaborado pela relatora Isabel Sá Correia o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 4 de abril de 2018, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo assim o seu terceiro Parecer do ano de 2018.

Sua Exa. o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior solicitou parecer ao Conselho Nacional de Educação sobre a Proposta de Lei 51/2018, de 14 de fevereiro, que estabelece o regime jurídico das instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento.

A iniciativa legislativa encontra a sua motivação na revisão e atualização do "Regime Jurídico das instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento tecnológico", de 1999 (aprovado pelo Decreto-Lei 125/99, de 20 de abril), e assume-se em convergência com recomendações apresentadas pela OCDE no início de fevereiro de 2018, em resultado da avaliação dos sistemas de ensino superior, ciência, tecnologia e inovação, desenvolvida durante 2016 e 2017, por solicitação do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

No geral, a proposta da, assim designada, "Lei da Ciência" vem permitir a necessária atualização do anterior decreto-lei do "Regime Jurídico das instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento tecnológico", publicado há quase duas décadas. Contempla também vários importantes aspetos requeridos pela atual conjuntura e está alinhada com a estratégia de inovação tecnológica e empresarial para Portugal 2018-2030, de acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/ 2018, de 8 de março. A Proposta de Lei estabelece o regime jurídico das instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento tecnológico (I&D), contemplando a sua tipologia (Capítulo I). Contempla também os princípios que devem nortear a investigação científica e desenvolvimento tecnológico (Capítulo II), a organização interna das referidas Instituições de I&D (Capítulo III), os princípios gerais para a avaliação (Capítulo IV), o seu financiamento (recurso humanos e bens patrimoniais) (Capítulo V) e, por fim, a observação e registo do sistema nacional de Ciência e Tecnologia (Capítulo VI).

Na generalidade:

A designação de Lei da Ciência, constante da exposição de motivos sugere que se trata de um diploma legal com alcance mais amplo e estratégico do que o anterior decreto-lei que regulava o regime jurídico das instituições de I&D.

Em primeiro lugar, uma proposta de lei com este alcance deve conter os aspetos de princípio e estratégicos do sistema de ciência e as grandes linhas do seu funcionamento, deixando para outro instrumento legal os aspetos de detalhe, forçosamente mais efémeros. Assim, não se compreende que esta proposta seja omissa quanto à tipologia da investigação contemplada no Manual Frascati (investigação fundamental, investigação aplicada e desenvolvimento experimental), nem que se encare o desenvolvimento experimental exclusivamente na dimensão do desenvolvimento tecnológico, considerando o contributo da investigação para o desenvolvimento e inovação societal.

Em segundo lugar, o aspeto central de uma Lei da Ciência deveria ser os princípios e finalidades que, na proposta de diploma, aparecem como capítulo II. A organização do sistema e a tipologia e natureza das instituições são instrumentais para as finalidades do sistema de ciência, pelo que se devem seguir aos princípios, e não o inverso.

Em terceiro lugar, numa lei da ciência, apenas deveriam constar os princípios organizativos de cada tipo de instituição, remetendo para diploma do Governo o detalhe organizativo, tendo embora em conta a autonomia de Instituições de Ensino Superior em que se integram muitas Instituições de I&D.

Sem prejuízo desta análise na generalidade, aprecia-se a totalidade da proposta do diploma.

Mais concretamente:

O Capítulo I diz respeito à caraterização das Instituições de investigação científica e desenvolvimento tecnológico (I&D), públicas e privadas.

No seu artigo 2.º, é definida terminologia para efeitos da presente lei, nomeadamente "emprego científico", "emprego qualificado" e "investigadores". Se bem que para os dois primeiros termos o grau académico dos envolvidos seja indicado, tal não sucede no caso dos "investigadores" que, para realizar essas funções, deverão ser doutorados. Acresce que, de acordo com definição usada, os gestores de ciência e os comunicadores de ciência são considerados investigadores. Ainda que haja investigadores que acumulam essas funções, há outros comunicadores e gestores de ciência que não fazem investigação. São também englobados na definição de investigador os profissionais de planeamento e gestão dos aspetos científicos e técnicos das atividades de I&D, o que abre a porta para serem considerados investigadores os administrativos associados a atividades de suporte (exemplo: compras e contabilidade) ou gestores de equipamentos, mesmo que não tenham atividade de investigação. Ainda que a atividade das Instituições de I&D necessite de profissionais das carreiras científica, técnica e administrativa, bem como de promotores e divulgadores da C&T, é necessária a devida clarificação do termo "investigador" numa Lei da Ciência.

A redação da definição das instituições públicas, no artigo 4.º, é confusa e, não sendo referidas as instituições de ensino superior no seu ponto 1, a referência a estas no ponto 2 parece fora do contexto.

No essencial, no Capítulo I são sumariamente caraterizadas cinco tipologias de Instituições de I&D (artigo 6.º, ponto 1). Três delas são de tipos já estabelecidos, como é o caso das Unidades de I&D, que são entendidas como constituindo a base da organização do sistema científico e tecnológico nacional, e os Laboratórios do Estado (LE) e Laboratórios Associados (LA). Estes últimos são também Unidades de I&D, individualmente ou enquanto combinação de várias Unidades de I&D. Relativamente aos LA, o artigo 9.º, ponto 2 a), indica que o estatuto de LA é atribuído a instituições privadas que gozem de estatuto de utilidade pública. Considerando que existem LA que não têm esse estatuto (são organizações privadas sem fins lucrativos), este é um ponto a necessitar de clarificação. Aos três tipos referidos de Instituições de I&D acrescem duas recentes configurações institucionais, os Laboratórios Colaborativos e os Centros de Interface. É prevista também a possibilidade de associação entre estas Instituições de I&D, através de redes e consórcios para partilha de recursos humanos e materiais e para o desenvolvimento de estratégias conjuntas (artigo 6.º, ponto 2), sendo essas redes e consórcios de ciência e tecnologia sumariamente apresentados no artigo 12.º

Os Laboratórios Colaborativos (CoLAB) são instituições de investigação científica e desenvolvimento, orientadas para a criação de valor económico e social (artigo 10.º) enquanto os Centros de Interface (CI) são entidades cujo objetivo é acelerar a integração de novos processos, serviços ou produtos baseados em conhecimento científico e tecnológico, de elevado valor acrescentado, nas empresas e indústria (artigo 11.º). De referir que a recente Resolução do Conselho de Ministros n.º 23/2018, de 8 de março, veio determinar o início do financiamento competitivo a CoLAB. Com estas duas novas tipologias de Instituições de I&D pretende-se, não só especializar e diversificar as instituições que se dediquem a I&D mas também estimular o investimento privado em atividades de I&D; pretende-se igualmente promover a cooperação com as empresas, o tecido produtivo, social e cultural em geral e a criação de mais emprego científico e qualificado nessas instituições.

O título de CoLAB é atribuído pela FCT, I. P., embora o acompanhamento, total ou parcial, dos Laboratórios Colaborativos possa ser delegado na Agência Nacional de Inovação (ANI), a quem compete a atribuição do título e o acompanhamento dos Centros de Interface. A ANI é uma empresa do setor empresarial do Estado, competindo-lhe prosseguir as linhas orientadoras para uma estratégia de inovação tecnológica e empresarial para Portugal, tendo a sua atividade sido reorientada na Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/2018, de 8 de março, que aprovou as linhas orientadoras para uma estratégia de inovação tecnológica e empresarial para Portugal.

Ainda que os objetivos estratégicos destas novas tipologias de Instituições de I&D, devidamente integradas numa estratégia mais global de inovação tecnológica e empresarial sejam de saudar, relativamente aos CoLAB, dada a colaboração prevista de entidades do tecido produtivo, social e cultural em articulação com as instituições de ensino superior (artigo 10.º, 2.d)), a relação do CoLAB, enquanto empresa ou associação de direito privado sem fins lucrativos, a criar com as Universidades e outras Instituições de I&D já existentes, recorrendo a financiamento público, deverá ser definida com muito cuidado. Entre outras questões não menos importantes que deverão ser acauteladas, são de referir: i) a cedência pelas Universidades ou pelos Institutos Politécnicos de parte do tempo de professores ao CoLAB, ii) a relação entre as Instituições de I&D preexistentes onde esses professores desenvolvem a sua investigação e o CoLAB, incluindo as condições de utilização de equipamentos e outros recursos, iii) a detenção da propriedade intelectual. Tendo em atenção a situação atual de subfinanciamento e carência de recursos das instituições de ensino superior e os problemas com a irregularidade de obtenção de financiamento com que se debatem as atuais Instituições de I&D onde os professores do ensino superior têm os seus Laboratórios de investigação, todas aquelas questões não poderão ser ignoradas e têm que ser devidamente acauteladas.

O Capítulo I termina com referência aos Centros de difusão e promoção de Ciência, estabelecendo a missão e o quadro normativo aplicável ao Ciência Viva - Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, aos Centros Ciência Viva e Rede Centros Ciência Viva (artigo 13.º), todos já no terreno, dando consistência a um dos objetivos deste projeto de Lei da Ciência, que é o de divulgar e promover a ciência e a atividade científica.

Estranha-se que o Centro Académico Clínico não seja também considerado entre as novas tipologias de Instituições de I&D.

O Capítulo II elenca os princípios que deverão reger a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico: liberdade de investigação, responsabilidade, emprego científico, boas práticas científicas, ciência aberta, promoção da cultura científica e tecnológica, cooperação, ciência em Português e interação ciência-inovação. Este capítulo é muito bem acolhido pela sua importância com vista a nortear a atividade científica e de desenvolvimento experimental ao nível dos princípios.

Existem algumas preocupações com a redação do artigo 17.º Aparentemente, só existe liberdade de "auto-organização, de autorregulação, de determinação dos seus objetivos e de escolha dos seus projetos de investigação" no caso de instituições privadas de investigação. Se uma Instituição for considerada pública não poderá escolher os seus projetos de investigação?

De salientar, com agrado, o artigo 21.º sobre boas práticas científicas no qual é considerada responsabilidade das instituições de I&D pautar a sua atividade por princípios de boa prática científica e integridade institucional e obrigação dos investigadores atuar com responsabilidade social e integridade individual e combater todas as formas de fraude académica e científica.

No caso do artigo 25.º sobre "Ciência em Português", não se entende o alcance da frase "A língua portuguesa deve ser incentivada como língua de trabalho em ciência", no caso de atividades de I&D em Ciência e Tecnologia em que a língua franca é o inglês e em que a internacionalização das Instituições de I&D é um objetivo e um desafio. Este assunto necessita de clarificação e de ser devidamente colocado no contexto dos afirmados objetivos de promoção da cooperação científica e tecnológica internacional e de internacionalização das atividades de I&D.

O Capítulo III é dedicado à organização interna e representação institucional das várias Instituições de I&D. Relativamente à estrutura orgânica das Instituições de I&D, ainda que a proposta de lei permita que cada uma faça o seu regulamento interno (artigo 27.º, ponto 4), aparentemente, a flexibilidade é muito limitada.

Os Laboratórios do Estado devem possuir pelo menos seis órgãos (Direção, Conselho de orientação, Conselho científico, Unidade de acompanhamento, Comissão de fiscalização, Comissão paritária) (artigo 27.º, ponto 3) os quais coincidem com os já indicados e descritos no Decreto-Lei 125/99. Todas as outras Instituições de Investigação devem possuir Direção, Conselho Científico e Unidade de acompanhamento, devendo os Laboratórios Associados e os Colaborativos ter ainda um órgão de fiscalização (financeira) (artigo 27.º, pontos 1 e 2). A designação de unidade de acompanhamento, já presente no Decreto-Lei 125/99, sugere tratar-se de uma unidade orgânica da instituição. Sendo composta por especialistas e individualidades externas, a designação mais consentânea seria a de comissão ou, eventualmente, conselho.

Relativamente à composição do Conselho Científico, a redação da proposta de Lei permite, não só que os membros doutorados integrados na Instituição de I&D dele façam parte como alarga esta possibilidade aos membros doutorados colaboradores (que não cumprem certos requisitos) ou a alguns outros que exerçam atividade na instituição. Competindo ao Conselho Científico emitir parecer sobre o orçamento, o plano e o relatório anual de atividades da instituição, a composição do Conselho Científico deveria ser restringida aos membros doutorados integrados na Instituição de I&D e, entre esses, só aos que tenham posições mais permanentes. Acresce que as dificuldades inerentes ao funcionamento de forma eficiente de um Conselho Científico com um expectável elevado número de membros são percecionadas na Proposta de Lei pelo que é admitido que, de acordo com o regulamento interno do Conselho Científico, este venha a poder funcionar com base numa Comissão Coordenadora. É muito apreciada tal abertura que deveria mesmo ser mais assumida pois é de temer que, de outro modo, o funcionamento regular de qualquer Instituição de I&D venha a ser prejudicado. No caso dos Laboratórios Colaborativos ou Centros de Interface, os seus planos de desenvolvimento e os orçamentos têm também que ser aprovados em Conselho Científico, composto por todos os doutorados, mesmo os colaboradores. Não se entende como é que tal se enquadra na sua tipologia, sobretudo quando assume a forma de empresa.

No que respeita à representação Institucional das Instituições de I&D no Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), um órgão consultivo do Governo em matérias de ciência, tecnologia e inovação, estranha-se a sub-representação das Unidades de I&D por, reconhecidamente, constituírem a base da organização do sistema científico e tecnológico nacional (artigo 7.º). Muitas dessas Unidades desenvolvem programas de investigação com relevância económica, social e cultural, em convergência com objetivos e agendas de política nacional e obtiveram as duas mais elevadas classificações no último processo de avaliação concluído, conduzido pela FCT. No entanto, só estão previstos quatro representantes das centenas de unidades de I&D ativas, face, por exemplo, aos dois representantes dos Centros Académicos Clínicos ou dos Laboratórios Colaborativos e aos sete empresários e empreendedores a título individual (ponto 3 do artigo 35.º). Tal constitui uma clara sub-representação das Unidades de I&D. Acresce ainda o facto de as Unidades de I&D estarem omissas nas comissões de trabalho do CNCTI designadas na Proposta de Lei (ponto 6 do artigo 35.º), sendo pois de temer a sua menorização.

Neste capítulo também se encontra previsto o acompanhamento parlamentar dos processos de mudança tecnológica e novos conhecimentos com impacto em políticas públicas ou com implicações sociais relevantes (artigo 36.º), consistente com um dos objetivos desta Proposta de Lei, de estimular o acompanhamento parlamentar dos processos de mudança tecnológica.

O Capítulo IV é dedicado à Avaliação de Ciência e Tecnologia, sendo considerado dever do Estado promover um sistema coerente e transparente de avaliação externa de pessoas, instituições, projetos e programas, procurando as condições adequadas de avaliação e financiamento pelo Estado. Nele se considera que as instituições, quer públicas quer privadas, beneficiárias de programas de financiamento público institucional devem ser objeto de avaliação externa e que deverão também dispor de mecanismos regulares de autoavaliação do seu desempenho científico e acompanhamento interno (artigo 37.º, pontos 2 e 3).

São elencados os princípios fundamentais (artigo 38.º) e os fatores (artigo 40.º) a ter em conta na avaliação, fazendo depender a manutenção dos financiamentos públicos dos resultados dessa avaliação (artigo 40.º, pontos 3 e 4). É de realçar a orientação de que a avaliação deve contribuir para o desenvolvimento, reconhecimento, promoção e valorização do sistema de C&T, bem como respeitar os princípios da transparência, isenção, imparcialidade e do contraditório, e a vontade de criar uma cultura de avaliação rigorosa e isenta pautada pelos mais altos padrões internacionais nessa matéria. Relativamente ao artigo 39.º sobre "Avaliação Externa", não está explícito quem é responsável pela avaliação, quem escolhe os painéis de avaliação, qual a periodicidade da avaliação, quais as disposições sobre direito de recurso, quer quanto à seleção dos membros dos painéis, quer quanto aos resultados da avaliação.

O Capítulo V é dedicado aos recursos humanos e patrimoniais. No que respeita aos recursos humanos, indispensáveis às atividades de I&D, esta Proposta de Lei favorece o emprego científico e o emprego qualificado nas instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento tecnológico, sujeito a contratos de diferente natureza (artigo 41.º, ponto 1), regidos pelos estatutos das respetivas carreiras (Estatuto da Carreira de Investigação Científica, Estatuto de Carreira Docente Universitária - e não do Pessoal Docente do Ensino Superior como consta do texto - e Estatuto do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico) ou pela Lei de Trabalho em Funções Públicas (LTFP) ou pelo Código do Trabalho (artigo 41.º, ponto 2). Estão também previstas bolsas de I&D no contexto de planos de formação (artigo 41.º ponto 1 d). Deveria ser explicitado que essas também incluem bolsas de pós-doutoramento, como é de esperar. No que respeita à responsabilidade das Instituições de I&D de garantirem o emprego científico estável, a necessidade de concorrer de cinco em cinco anos a financiamento público e a irregularidade e imprevisibilidade desse mesmo financiamento não casam bem com essa responsabilidade.

É valorizada e garantida a otimização e flexibilização da utilização dos recursos humanos das instituições de I&D, afetados a programas de investigação e projetos, e a interação e mobilidade interinstitucional (artigo 42.º). É também prevista a mobilidade "entre as carreiras de investigação e docente do ensino superior e docente ensino superior politécnico" (artigo 43.º), ainda a ser regulamentada. Ou seja, é essencial clarificar os objetivos, os incentivos e como será regulada a essa mobilidade inter e intrainstitucional e/ou carreiras.

No que respeita ao indispensável financiamento público às atividades de I&D de mérito, a Proposta de Lei entende, e bem, que este deve em regra ser atribuído de forma competitiva e exige que seja utilizado de forma eficaz e otimizada pelas Instituições de I&D (artigos 44.º e 45.º). No entanto, pode ser considerada como vaga a referência à utilização "eficaz" de recursos (artigo 45.º) uma vez que deixa em aberto a definição do que são os recursos "adequadamente utilizados" e quem é responsável por essa avaliação. Preconiza ainda a promoção de estratégias que permitam aumentar o financiamento para I&D e para a ciência e o ensino superior, designadamente através do acesso a fontes diversificadas de financiamento, quer públicas quer privadas (ponto 3 do artigo 44.º).

É também identificada a Rede de Financiamento público à Ciência que deve ser centrado no mérito e na qualidade científica (artigo 46.º). Esta rede envolve não só a Fundação para a Ciência e Tecnologia I. P., e a Agência Nacional para a Inovação (ANI), que não financia a ciência mas tem por missão o desenvolvimento de ações destinadas a apoiar a inovação tecnológica e empresarial em Portugal, prosseguindo as linhas orientadoras da Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/2018, bem como as comissões de coordenação e desenvolvimento regionais. Visto que a disponibilização de financiamento deve ser baseada no mérito e na qualidade científica e há que garantir a eficácia do financiamento de C&T e assim a competitividade das atividades de I&D, sendo de apoiar a decisão de atribuir a avaliação a nível nacional à Fundação para a Ciência e Tecnologia I. P., bem como as recomendações que constam no artigo 46.º:

"1 - A Fundação para a Ciência e Tecnologia I. P., a Agência Nacional para a Inovação e as comissões de coordenação e desenvolvimento regionais e/ou entidades congéneres das Regiões Autónomas articulam-se de modo a que a implementação de instrumentos de financiamento público à ciência seja centrada no mérito e na qualidade científica, como tal avaliada nacionalmente pela Fundação para a Ciência e Tecnologia I. P., de acordo com o princípio da simplificação administrativa e tendo por objetivo a eficácia do financiamento da C&T e das atividades de I&D.

2 - Na definição de mecanismos de gestão, deve ser especialmente observado o princípio da proporcionalidade face aos objetivos e à natureza das intervenções financiadas, o que pode incluir a aplicação de metodologias de custos simplificados, devendo ser adotadas as melhores práticas internacionais para o financiamento e o cofinanciamento."

Não é clarificado o que será esse cofinanciamento, que parece irrealista no contexto do financiamento atual à investigação científica, sobretudo a de cariz mais fundamental.

Ainda que, tal como preconizado na Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/2018, a adoção de "...um conjunto de medidas destinadas a dinamizar a inovação e a adoção de tecnologia pelas empresas e pela sociedade em geral, reforçando a promoção da cultura científica e tecnológica, os instrumentos de internacionalização do conhecimento, o aumento de emprego científico para jovens doutorados e a estabilidade do financiamento das instituições científicas e tecnológicas",

seja uma importante estratégia nacional e que haja necessidade de aproveitar o melhor possível as fontes de financiamento alternativo disponíveis, não se pode deixar de lamentar a inexistência de qualquer referência nesta "Lei da Ciência" ao financiamento da Ciência fundamental em Instituições de I&D. A investigação de qualidade em Ciência fundamental é importante para toda a sociedade, embora não seja, aparentemente, do interesse de um investidor específico; é o alicerce e a alavanca do desenvolvimento tecnológico; permite realizar a formação avançada de investigadores bem preparados para ingressar na indústria ou no mercado de trabalho em geral. A investigação fundamental é importante, quer do ponto de vista cultural, quer económico, embora o retorno económico gerado e os benefícios sociais sejam de longo prazo e imprevisíveis. A investigação fundamental é um investimento estratégico, já que é a melhor forma de capacitar um país e de desenvolver uma sólida cultura de investigação aplicada, podendo conduzir, de forma inesperada, a descobertas revolucionárias.

Apesar de ser identificado como um dos objetivos principais desta Proposta de Lei garantir condições adequadas de flexibilidade da gestão financeira e patrimonial, há que notar as várias as dificuldades com que as instituições de I&D se vêm debatendo na utilização dos financiamentos que conseguem obter. Tal resulta da inadequação dos processos administrativos de aquisição de bens e serviços, da não elegibilidade de despesas com contratos de manutenção de equipamentos, entre outros. A entrada em vigor do Decreto-Lei 111-B/2017, de 31 de agosto, que procedeu a mais outra alteração ao Código dos Contratos Públicos (CCP), veio limitar drasticamente as atividades de I&D. Como os procedimentos gerais são inadequados, implicando a redução da capacidade para executar financeiramente projetos, bem como a competitividade da atividade de C&T, numa Lei da Ciência deveria ser tido na devida consideração o contributo e a especificidade das Instituições de I&D no contexto da Administração Pública, bem como a importância da respetiva autonomia para o devido cumprimento da sua missão.

O último Capítulo, o VI, é dedicado à observação e registo das atividades de I&D e tem como objetivo garantir a observação e manutenção pelo Estado de um sistema de produção e análise estatística sobre a Ciência e Tecnologia, na sua globalidade, envolvendo os recursos humanos, as instituições, a atividade e produção científica, projetos, programas e financiamento (artigo 47.º). São definidos dois instrumentos, o Observatório das Competências Digitais (artigo 51.º) e o Observatório do Emprego Científico (artigos 52.º e 53.º) e a utilização do inquérito "Rebides/Indez" de modo a agregar, numa única plataforma, a recolha obrigatória das informações sobre os recursos humanos (que além do pessoal docente, incluiu o pessoal investigador, não docente e não investigador) de todas as Instituições de Ensino Superior públicas (artigos 57.º-61.º). Considerando os objetivos indicados, deveria ser utilizado o inquérito "Rebides" para abarcar as informações correspondentes para as Instituições de Ensino Superior privadas.

A Proposta de Lei 51/2018 vem dar resposta à necessidade de atualizar o regime jurídico das instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento tecnológico bem como a outros assuntos relacionados com o sistema de ciência. A Proposta de Lei alarga e diversifica a estrutura dessas instituições, adicionando às Unidades de ID, Laboratórios de Estado e Laboratórios Associados, os Laboratórios Colaborativos e os Centros de Interface. Os objetivos são vários e relevantes: favorecer a aproximação da comunidade científica da economia e da sociedade, aumentar e diversificar as fontes de financiamento, estimular o investimento privado em atividades de I&D e a cooperação institucional entre as empresas, o tecido produtivo, social e cultural em geral e as instituições que se dedicam a I&D e incrementar o emprego científico e qualificado. Esta proposta de "Lei da Ciência" vem acompanhada de Resoluções do Conselho de Ministros, a n.º 25/2018 que aprova as linhas orientadoras para uma estratégia de inovação tecnológica e empresarial para Portugal no período de 2018-2030 e a n.º 23/2018 que determina o início do financiamento competitivo a Laboratórios Colaborativos. Surge, pois, integrada nessa estratégia em que a competência científica e tecnológica instalada, ou a instalar, nas Instituições de I&D é chamada a contribuir para o desenvolvimento e competitividade da Economia Nacional. Se este chamamento deve ser aproveitado pelas Instituições de I&D e se a promoção de atividades de investigação de interesse público não pode ser questionada, uma Lei da Ciência não deveria ignorar as condições para o funcionamento adequado bem como o apoio e o financiamento a dar à investigação de qualidade de índole mais fundamental realizada nas Instituições de I&D. Esta investigação é essencial, quer do ponto de vista cultural quer como investimento estratégico já que é o alicerce e a alavanca do desenvolvimento tecnológico, a melhor forma de capacitar um país e de desenvolver uma sólida cultura de investigação aplicada.

Embora existam claramente interfaces entre a ciência, a tecnologia e a inovação, esta Proposta de Lei não parece separar com clareza diversas realidades, para as quais há que definir objetivos, missões e estratégias diferentes. Acresce ser necessário fazer o devido enquadramento das Instituições de I&D com novas tipologias no contexto das Instituições do ensino superior, sejam estas Universitárias ou Institutos Politécnicos, bem como com as Instituições de I&D onde a comunidade científica se encontra presentemente integrada. Sendo a autonomia das Instituições de Investigação Científica essencial, pois a sua falta é fortemente limitadora das suas atividades, algum estatuto especial para as atividades de investigação científica deveria também ser salvaguardado. Nesta Proposta de Lei são definidas linhas gerais e direções a seguir, algumas de saudar, mas são também deixadas muitas questões em aberto que necessitam de ser esclarecidas, clarificadas ou revistas, conforme detalhado neste Parecer.

4 de abril de 2018. - A Presidente, Maria Emília Brederode Santos.

311355141

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/3351162.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1999-04-20 - Decreto-Lei 125/99 - Ministério da Ciência e da Tecnologia

    Estabelece o quadro normativo aplicável às instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento tecnológico.

  • Tem documento Em vigor 2017-08-31 - Decreto-Lei 111-B/2017 - Planeamento e das Infraestruturas

    Procede à nona alteração ao Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, e transpõe as Diretivas n.os 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 e a Diretiva n.º 2014/55/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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