Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 6/2014/M
PROPOSTA DE LEI À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Plano Nacional de Ação para os Direitos da Criança
As crianças são encaradas como sujeitos de direitos, a partir do momento em que o seu bem-estar é concebido como uma consequência das decisões dos adultos, ou seja, quando, para a salvaguarda dos seus direitos legais, as decisões se baseiem no pressuposto de que os interesses da Criança devem ser protegidos através da imposição de deveres a outros (os adultos).
Como sujeito de direitos, de acordo com a Convenção dos Direitos da Criança, adotada a 20 de novembro de 1989 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Criança deverá usufruir de direitos de provisão, proteção e participação. Os direitos de provisão implicam a consideração dos programas que garantam o acesso de todas as crianças a direitos de saúde, educação, segurança social, cuidados físicos, vida familiar, recreio e cultura; os direitos de proteção implicam a consideração de uma atenção distinta às crianças, de um conjunto de direitos acrescidos, que, por motivos diversos, nomeadamente situações de discriminação, abuso físico e sexual, exploração, injustiça e conflito, se encontrem privadas ou limitadas no exercício dos seus direitos; os direitos de participação têm a ver com uma imagem de infância ativa, distinta da imagem de infância objeto das políticas assistencialistas, à qual estão assegurados direitos civis e políticos, ou seja, aqueles que abarcam: o direito da criança a ser consultada e ouvida, o direito ao acesso à informação, o direito à liberdade de expressão e opinião, o direito a tomar decisões em seu benefício, que deverão traduzir-se em ações públicas para a infância que considerem o ponto de vista das crianças.
A Convenção dos Direitos da Criança concebe as crianças como seres humanos detentores de direitos, ultrapassando a ideia das crianças como meros objetos de políticas assistencialistas, que acentuam a sua vulnerabilidade, e considerando, ao contrário, princípios de orientação baseados nos princípios da igualdade e da não discriminação. Sustenta ainda uma conceção das crianças como sujeitos de direitos de participação social, cultural e política, o que implica a garantia de condições de acesso destas à informação apropriada, bem como a liberdade de crenças e opiniões como condições básicas para que possam exercer os seus direitos.
Numa abordagem holística à promoção e proteção dos Direitos da Criança, que não se limite a proteger direitos específicos, e sem prejuízo de todos os decisivos esforços destinados a proteger os direitos mais particulares, é cada vez mais urgente assumir a conceção de uma política nacional para a Criança e para os Direitos da Criança. Requer-se um empenhamento global, mais amplo e consequente, destinado a que todas as crianças beneficiem da aposta do Estado Português na efetiva concretização de uma coerente política para a implementação dos direitos reconhecidos na Constituição da República Portuguesa e na Convenção sobre os Direitos da Criança. Uma aposta estratégica numa política nacional para a Criança implica uma visão articulada e integrada do seu estado e a conceção das políticas para as diversas áreas, por cada um dos ministérios, capaz de ter em conta a Criança enquanto referencial e na perspetiva do respeito intransigente pelos seus direitos e pelo interesse superior da Criança.
A necessidade de garantir uma proteção especial à Criança foi enunciada pela Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança, da então Sociedade das Nações, e pela Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Organização das Nações Unidas em 1959, e foi reconhecida pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (nomeadamente nos artigos 23º e 24º), pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (nomeadamente o artigo 10º) e pelos estatutos e instrumentos pertinentes das agências especializadas e organizações internacionais que se dedicam ao bem-estar da Criança.
Como indicado na Declaração dos Direitos da Criança, adotada em 20 de novembro de 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, "a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma proteção e cuidados especiais, nomeadamente de proteção jurídica adequada, tanto antes como depois do nascimento". Muitas outras disposições desenvolvem um corpo mais sistematizado sobre os Direitos da Criança, como as disposições da Declaração sobre os Princípios Sociais e Jurídicos Aplicáveis à Proteção e Bem-Estar das Crianças, com Especial Referência à Adoção e Colocação Familiar nos Planos Nacional e Internacional (Resolução 41/85 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 03 de dezembro de 1986), o Conjunto de Regras Mínimas das Nações Unidas relativas à Administração da Justiça para Menores, também conhecido como "Regras de Beijing" (Resolução 40/33 da Assembleia Geral, de 29 de novembro de 1985) e a Declaração sobre Proteção de Mulheres e Crianças em Situação de Emergência ou de Conflito Armado (Resolução 3318 (XXIX) da Assembleia Geral, de 14 de dezembro de 1974).
Em Portugal, tem-se procurado enunciar um conjunto de direitos da Criança cuja violação ou desrespeito permite antever uma situação de prejuízo ou perigo, por forma a ponderar se a sua verificação merece, designadamente, a aplicação de medidas de proteção que afastem o perigo para a saúde, segurança, formação moral ou educação da Criança, sempre visando a prossecução do seu desenvolvimento integral, bem jurídico garantido pelo artigo 69º da Constituição da República. São medidas limitativas, hoje previstas na Lei de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei 147/99, de 1 de setembro e visam a promoção dos direitos da Criança e a sua proteção. A Lei de Proteção atribui ao Ministério Público amplos poderes funcionais, designadamente no que tange à iniciativa processual. É, sem dúvida uma lei inovadora na busca da definição de princípios orientadores da intervenção, que se fundam na promoção dos direitos da Criança, procurando também enunciar, de uma forma aberta, um conjunto de situações reveladoras de perigo, as quais, por consubstanciarem sempre violação ou perigo de violação de direitos da Criança, legitimam a intervenção do Estado na família. Tais princípios orientadores são hoje aplicáveis a todos os Processos Tutelares Cíveis, por força do disposto na Organização Tutelar de Menores.
Reconhecendo que está por assegurar o pleno cumprimento dos Direitos da Criança em Portugal, e sem menosprezar a relevância do conjunto de projetos, programas e ações desenvolvidos em prol da Criança, destacando os esforços levados a cabo por entidades públicas e privadas visando contribuir para os progressos quanto ao cumprimento dos Direitos da Criança, importa considerar o fundamental desempenho que advirá do conjunto de medidas de natureza transversal e de âmbito nacional. O Plano Nacional de Ação para os Direitos da Criança pretende corresponder a esse necessário esforço mais amplo e coerente destinado a que Portugal adote medidas ainda mais apropriadas e ambiciosas quanto à implementação dos direitos reconhecidos na Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Estado Português a 21 de setembro de 1990.
Com o presente diploma pretende-se contribuir para o desenvolvimento integral da Criança em Portugal, na defesa e promoção dos seus direitos, comprometendo o Estado, mais ainda, com a procura de novas e globais respostas para os problemas da Criança em Portugal.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, nos termos no disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 227º e na alínea b) do nº 1 do artigo 37º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 05 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei 130/99, de 21 de agosto e nº 12/2000, de 21 de junho, apresenta à Assembleia da República a seguinte Proposta de Lei:
Artigo 1º
Objeto
O presente diploma estabelece e define as bases do Plano Nacional de Ação para os Direitos da Criança, adiante designado por Plano.
Artigo 2º
Aplicação das medidas
As medidas de ação previstas no presente Plano aplicam-se a todo o território nacional.
Artigo 3º
Definições
Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) "Criança": qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos;
b) "Direitos da Criança": os direitos previstos na Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990;
c) "Disposições mais favoráveis à realização dos direitos da Criança": o respeito pelas normas estabelecidas, prevalecendo sempre qualquer disposição relativa aos direitos da Criança que figure no direito nacional que seja mais favorável do que a disposição análoga na Constituição.
Artigo 4º
Plano
O Plano é constituído pelas seguintes componentes:
a) Definição dos grandes objetivos e de um relatório que sintetiza as linhas de orientação estratégica, identificando as opções setoriais e os objetivos a alcançar;
b) Discriminação das medidas estruturantes mais especificamente destinadas à Administração Pública e que comprometem e abrangem todos os ministérios;
c) Explicitação desenvolvida das medidas por grandes áreas de intervenção para além do Estado, valorizando e potenciando o desempenho dos agentes sociais, e a cooperação com as organizações não governamentais, com as associações e outras organizações da sociedade civil, com os parceiros sociais e as empresas;
d) Consagração dos instrumentos regulamentares e financeiros necessários à implementação das atividades de planeamento, da formulação das políticas específicas e das linhas de orientação estratégica aprovadas no Plano;
e) Identificação dos mecanismos de avaliação, de levantamento gradual dos progressos da execução, que permitam proceder ao acompanhamento da implementação das ações e recomendações do Plano, que possibilitem a avaliação do seu desempenho e impactos, que garantam os eventuais processos de revisão do Plano.
Artigo 5º
Princípios
A conceção e implementação do Plano implicam a observância dos seguintes princípios:
a) Princípio da subsidiariedade: no relacionamento entre os órgãos do Estado aplica-se o princípio da subsidiariedade, segundo o qual a intervenção pública faz-se preferencialmente pelo nível da administração que estiver mais próximo e mais apto a intervir, a não ser que os objetivos concretos da ação em causa não possam ser suficientemente realizados senão pelo nível de administração superior;
b) Princípio da integração: na definição das orientações e medidas relativas aos Direitos da Criança, são garantidas as correspondentes integrações noutras decisões políticas, designadamente de carácter económico, social, educativo, de saúde e de justiça;
c) Princípio da responsabilidade política: deve existir no Governo um Ministério que tutele diretamente a política nacional para a Criança e sobre os Direitos da Criança, e que tenha a responsabilidade de aplicar, entre outros, os princípios da subsidiariedade e da integração e a coordenação e apoio aos agentes públicos e privados.
Artigo 6º
Objetivos gerais
São objetivos gerais do Plano:
a) Desenvolver uma política nacional para a Criança e sobre os Direitos da Criança;
b) Fomentar a promoção de uma cultura de proteção e defesa dos Direitos da Criança;
c) Assegurar que o Estado garante à Criança cuidados e apoios adequados, e que todas as decisões que digam respeito à Criança devem ter plenamente em conta o seu interesse superior;
d) Articular e integrar as diversas políticas, programas, projetos, serviços e ações públicas para a promoção, proteção e defesa dos Direitos da Criança;
e) Potenciar os contributos e papéis dos diferentes serviços, instituições e entidades na promoção, proteção e defesa dos Direitos da Criança;
f) Estabelecer a coordenação, colaboração e articulação entre os diferentes organismos e instituições que intervêm na promoção, proteção e defesa dos Direitos da Criança.
Artigo 7º
Entidade competente
A execução e gestão do Plano competem ao Ministério com a tutela da Segurança Social.
Artigo 8º
Competências
Compete à entidade competente para a execução e gestão, prevista no artigo anterior, elaborar e executar o Plano, promover o necessário apoio técnico, supervisionar e assegurar a sua coordenação, o desenvolvimento e a implementação do Plano.
Artigo 9º
Comissão de Acompanhamento
1 - Para o acompanhamento e avaliação da eficácia do Plano, para identificar e mensurar os resultados, efeitos e impactos dos objetivos e ações previstas antes, durante e depois da sua implementação, é constituída a Comissão de Acompanhamento do Plano.
2 - A Comissão de Acompanhamento do Plano é nomeada por Despacho do Ministério com a tutela da Justiça.
3 - A Comissão de Acompanhamento é composta por peritos independentes com comprovado trabalho relevante já realizado sobre os Direitos da Criança e o interesse superior da Criança.
4 - A Comissão de Acompanhamento elabora e torna público, anualmente, um relatório de avaliação contínua sobre a implementação do Plano e evolução das etapas para a consecução dos objetivos previstos.
5 - Os membros da Comissão de Acompanhamento são nomeados no prazo de 15 dias após a publicação do presente diploma.
Artigo 10º
Aplicação às regiões autónomas
Os atos e procedimentos necessários à execução do Plano nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira competem aos respetivos conselhos de Governo Regional.
Artigo 11º
Aspetos financeiros
Os custos inerentes à aplicação do Plano são suportados pelo Estado e, com a entrada em vigor do presente diploma, o Orçamento do Estado garante os correspondentes meios financeiros.
Artigo 12º
Norma interpretativa
Na conceção e execução do Plano prevalecem sempre as disposições mais favoráveis à garantia e concretização dos Direitos da Criança.
Artigo 13º
Regulamentação
O Governo procederá, no prazo de 90 dias após a entrada em vigor do presente diploma, à sua regulamentação.
Artigo 14º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor após a publicação do Orçamento do Estado posterior à publicação deste diploma.
Aprovada em sessão plenária da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 3 de junho de 2014.
O Presidente da Assembleia Legislativa, José Miguel Jardim Olival de Mendonça.