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Acórdão 673/2013, de 28 de Outubro

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Sumário

Julga procedente o recurso interposto pelo Partido Social Democrata quanto aos resultados da eleição para a assembleia de freguesia do Sistelo, concelho de Arcos de Valdevez, e julga improcedente o recurso interposto pelo CDS-Partido Popular.

Texto do documento

Acórdão 673/2013

Processo 1031/13 e n.º 1041/13

Acórdão, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, em que, relativamente ao Proc. n.º 1031/2013, é recorrente o Partido Social Democrata e recorrido o CDS - Partido Popular, foi interposto recurso contencioso, ao abrigo do artigo 156.º, n.º 1, da Lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais (aprovada pela Lei Orgânica 2/2001, de 14 de agosto, de ora em diante, LEOAL), da decisão da assembleia de apuramento geral dos resultados eleitorais do Concelho de Arcos de Valdevez, relativamente à assembleia de freguesia do Sistelo, proferida em 01 de outubro de 2013 (fls. 43 a 64) e afixada no dia 03 de outubro de 2013 (fls. 42).

O presente recurso foi enviado a este Tribunal, por correio eletrónico, às 09h39 do dia 04 de outubro de 2013.

2 - Em suma, o recorrente alega o seguinte:

"Dos factos

1.º

A mesa de voto da freguesia de Sistelo considerou nulo um voto para a assembleia de freguesia de Sistelo em virtude de a inscrição do eleitor se encontrar fora do quadrado reservado a tal, entre a denominação da lista CDS e a respetiva sigla conforme se pode aferir na cópia que se anexa (anexo I).

2.º

Da decisão da mesa da secção de voto foi apresentado protesto pela cabeça-de-lista do CDS à assembleia de freguesia de Sistelo.

3.º

A mesa, tendo apreciado o protesto, decidiu manter a decisão anterior.

4.º

A assembleia de apuramento geral de Arcos de Valdevez decidiu requalificar o voto em causa decidindo pela sua validade.

5.º

Da decisão da assembleia de apuramento geral foi apresentado um protesto pelo mandatário do Partido Social Democrático (anexo II.

6.º

Em relação ao protesto apresentado, a assembleia de apuramento geral decidiu manter a sua decisão anterior sobre a validade do voto.

7.º

O mandatário do Partido Social Democrata apresentou um segundo protesto, referente à segunda decisão da assembleia de apuramento geral. (anexo III)

Do direito

8.º

O artigo 133.º da LEAL - lei eleitoral das autarquias locais aprovada pela Lei Orgânica 1/2001 de 14 de Agosto, estabelece as situações suscetíveis de determinar a qualificação de um voto como sendo nulo.

9.º

De entre estas situações a que resulta do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 133.º pode aplicar-se ao caso presente. É nulo o boletim "no qual haja dúvidas quanto ao quadrado assinalado."

10.º

Dado que nenhum quadrado foi assinalado no boletim em causa e que este foi considerado válido pela AAG cabe perguntar se a inscrição da cruz no boletim é obrigatória - ou não - para o boletim poder ser considerado valido?

11.º

A própria norma atrás citada responderia a esta dúvida pois se o voto é nulo se existir dúvida sobre o quadrado assinalado, quer dizer que o legislador considera necessário conhecer o quadrado assinalado pelo votante, logo é obrigatório assinalar um quadrado.

12.º

Nesse sentido concorre também o artigo 115.º da LEAL que fixa os procedimentos que o eleitor deve seguir para votar. Destaque-se o disposto no n.º 4 deste artigo: "o eleitor deve assinalar a sua escolha com uma cruz, em cada boletim de voto, no quadrado correspondente à candidatura em que vota [...]."

13.º

O legislador utiliza o imperativo para estabelecer a forma como deve votar o eleitor. Não se trata portante de uma exemplificação de boas práticas. O legislador quer que o votante respeite os procedimentos fixados na LEAL. Estes procedimentos destinam-se a garantir a transparência do acto eleitoral.

14.º

Chamado a pronunciar-se diversas vezes no passado sobre a validade dos boletins de voto o Tribunal Constitucional expressou em numerosos acórdãos o entendimento que faz das regras fixadas na lei eleitoral. Destacamos um acórdão mais recente, o acórdão 602/2001.

15.º

Mas outros acórdãos antes deste já tinham fixado uma orientação segura sobre a validade do voto. O acórdão 319/85, por exemplo, esclarece o significado da inscrição do voto dentro do quadrado. "A função identificadora no boletim de voto respetivo só é cumprida por uma cruz, colocada sobre o quadrado que se deseja assinalar,"

16.º

O acórdão 320/85 pormenoriza situações, mantendo todavia a orientação do acórdão anterior. "... a declaração de vontade em que se traduz o voto tem de ser feita através de uma cruz assinalada num quadrado, em principio inscrita nela, valendo todavia como tal a cruz que não seja perfeitamente desenhada ou exceder os limites do quadrado, desde que, nestes dois casos assinale Inequivocamente a vontade do eleitor."

17.º

O acórdão 326/85 fixa em definitivo a necessidade da inscrição do voto no quadrado reservado a tal: "não podem considerar-se assinalados de forma legalmente válida os boletins de voto que tenham sido marcados fora do local a isso destinado [...]."

18.º

Não restam pois dúvidas sobre a interpretação que o Tribunal Constitucional faz da obrigação de inscrição de uma cruz no quadrado reservado a tal, na linha do boletim de voto correspondente à escolha do votante.

19.º

Também a alínea d) do n.º 1 do artigo 133.º da LEOAL se pode aplicar ao voto em apreço. É nulo "o voto no qual tenha sido feito qualquer corte, desenho ou rasura."

20.º

Não podendo o voto em causa ser validado, por não cumprir o requisito de inscrição do voto no quadrado reservado a tal, a qualificação da cruz desenhada no voto só pode ser entendida como um desenho ou uma rasura.

Considerando os factos expostos e a demonstração que sobre os mesmos foi realizada, o Partido Social Democrata entende que o Douto Tribunal deve anular a decisão da assembleia de apuramento geral que considerou válido o voto em causa e determinar-lhe a correção da respetiva acta. Requer-se ao Douto Tribunal que seja requisitada a acta de apuramento geral.» (fls. 2 a 6)

3 - Notificado, nos termos do n.º 3 do artigo 159.º, da LEOAL, o recorrido CDS - Partido Popular deixou esgotar o prazo sem que tenha vindo aos autos apresentar qualquer resposta.

4 - Aprecia-se, igualmente, nos presentes autos, o recurso relativo ao Proc. n.º 1041/2013, o qual foi apensado ao Proc. n.º 1031/2013, em que é recorrente o CDS - Partido Popular e recorrido o Partido Social Democrata, e que foi interposto, ao abrigo do artigo 156.º, n.º 1, da Lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais (aprovada pela Lei Orgânica 2/2001, de 14 de agosto, de ora em diante, LEOAL), da decisão da assembleia de apuramento geral dos resultados eleitorais do Concelho de Arcos de Valdevez, relativamente à mesma assembleia de freguesia do Sistelo, proferida em 01 de outubro de 2013 (fls. 43 a 64) e afixada no dia 03 de outubro de 2013 (fls. 42).

O presente recurso foi enviado a este Tribunal, por telefax, às 15h05 do dia 04 de outubro de 2013.

5 - Em suma, o recorrente alega o seguinte:

"Dos Factos:

1 - No pretérito dia 01 de Outubro 2013, 3.ª feira, pelas 09h00, reuniu-se no edifício da Câmara Municipal a Assembleia de Apuramento Geral destinada a proceder às operações de apuramento dos resultados das eleições aos órgãos autárquicos do Município de Arcos de Valdevez ocorrida no dia 29 de Setembro de 2013.

2 - O representante da lista ora recorrente assistiu devidamente identificado aos trabalhos da assembleia de apuramento geral.

3 - No início dos seus trabalhos, a assembleia de apuramento geral decidiu sobre os boletins de voto em relação aos quais houve reclamação ou protesto e verificou os boletins de voto considerados nulos.

4 - Relativamente à eleição para a Assembleia de Freguesia do Sistelo foram considerados nulos pela assembleia de voto três (3) boletins de voto, conforme acta de apuramento local que se encontra apensa à Acta de apuramento geral, documento que se junta em anexo e que se dá por integralmente reproduzido.

5 - O delegado da candidatura do CDS presente na assembleia de voto reclamou da deliberação da mesa de voto que considerou como "nulo» os boletins de voto em causa, conforme resulta dos anexos que integram a mesma acta de apuramento local que se encontra apensa à acta de apuramento geral.

6 - No decurso das operações de apuramento geral de dia 01 de Outubro, face votos "nulos» e debruçando-se sobre a reclamação apresentada, a assembleia apuramento geral decidiu manter a qualificação como nulos dois (2) dos boletins de voto.

7 - Consequentemente, o representante da candidatura ora recorrente reclamou desta deliberação da assembleia de apuramento geral.

8 - Tendo, face ao indeferimento da reclamação por si apresentada, apresentado imediato protesto.

9 - Em função destas operações, a assembleia de apuramento geral corrigiu o apuramento, resultando que a lista do CDS-Partido Popular, CDS-PP, concorrente à Assembleia de Freguesia do Sistelo do Concelho de Arco de Valdevez obteve assim noventa (90) votos válidos na contagem total das m de voto daquela freguesia, e a lista do Partido Social Democrata, PSD concorrente à Assembleia de Freguesia do Sistelo do Concelho de Arco de Valdevez obteve noventa (90) votos válidos na contagem total das mesas de voto daquela freguesia.

10 - Para a respectiva eleição da Assembleia de Freguesia apenas concorreram estas duas forças politicas.

11 - A reclamação perante a mesa de voto, a reclamação e o protesto apresentados perante a assembleia de apuramento geral e os "votos nulos» constam da acta da assembleia de apuramento geral cuja certidão se junta em anexo, fazendo prova plena dos factos praticados (artigos 369.º e 370.º do CC e 122.º do CPA).

Do Direito

12 - As irregularidades ocorridas durante as operações de apuramento geral podem ser apreciadas em recurso contencioso pelo Tribunal Constitucional, desde que hajam sido objecto de reclamação ou de protesto apresentado no acto (artigo 143.º).

13 - O juízo por parte das assembleias de apuramento sobre se determinado boletim de voto contém um "voto nulo» implica ou pode implicar a desconsideração de uma manifestação de vontade do eleitor que, embora sujeito a uma enunciação legal taxativa, não está imune a erros de interpretação ou apreciação pelos membros das respectivas assembleias.

14 - Atenta a margem de subjetividade, a Lei Eleitoral determina que os boletins de voto considerados "votos nulos» estão sujeitos a reexame da assembleia de apuramento geral, e devem ser analisados primacialmente à luz dos parâmetros legais.

15 - Tudo isto para que se considerem nulos aqueles boletins de voto que manifesta e taxativamente o sejam.

16 - Já que um voto "nulo» é sempre um voto não-válido, que por regra, no conjunto dos seus elementos caracterizadores, não permite a identificação do voto ou que para a sua identificação, poria em causa o sigilo do eleitor.

17 - Por essa razão, a assembleia de apuramento geral, enquanto órgão de administração eleitoral, deve ter presente na ponderação concreta da qualificação dos boletins de voto, os parâmetros legalmente definidos e a manifestação vontade política do eleitor, salvaguardando-se o princípio do sufrágio secreto.

18 - Por essa razão, e após a enunciação legal taxativa das situações em que verifica objetivamente um "voto nulo», dispõe o n.º 2 do artigo 133.º que "não é considerado voto nulo o do boletim de voto no qual a cruz, embora não perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado, assinale inequivocamente a vontade do eleitor».

19 - Donde, e em síntese, é seguro alcançar um critério legal segundo o qual não são considerados nulos os boletins de voto em que, não se verificando qualquer outra causa de invalidação prevista na lei e tendo sido assinalada uma cruz ainda que imperfeitamente expressa, se revele inequivocamente a vontade política do eleitor.

Ora,

20 - Da conferência dos boletins de voto considerados nulos e das causas de invalidação previstas na lei, resulta que:

a) Os boletins manifestam uma única opção de voto;

b) Assinalam uma única cruz;

c) Não contêm outro sinal ou palavra;

d) Não há qualquer corte, desenho ou ranhura;

e) Não é comprometido o segredo do voto.

f) Identificam a sua intenção de voto.

g) Manifestam uma inequívoca opção política do eleitor pela força concorrente ao respectivo órgão, ainda que imperfeitamente expressa.

Porém,

21 - Ao contrário do que seria assim pacificamente expectável face à caraterização dos mesmos, a assembleia de apuramento geral deliberou manter a qualificação dos dois boletins de voto considerados nulos sobre os quais recaía reclamação.

22 - Descurando que não do considerados nulos os boletins de voto em que, não se verificando qualquer outra causa de invalidação prevista na lei e tendo sido assinalada uma cruz, se revele inequivocamente a vontade política do eleitor, ainda que imperfeitamente expressa,

23 - Descurando a configuração gráfica do boletim de voto e a suscetibilidade do erro.

24 - Descurando o conhecimento de que a grande maioria dos cidadãos eleitores que exerceram o seu direito (e dever) de participar politicamente, através do voto nos destinos da sua freguesia de Sistelo, são maioritariamente pessoas honradas mas simples da sua terra, com mais de 65 anos de idade e que tal facto pode influir na imperfeita materialização da sua opção politica.

25 - De facto, Sistelo é uma das 36 freguesias do município de Arcos de Valdevez predominantemente rural, ocupando uma área de 26.23 km2, o que corresponde a 5.86 % do território do concelho.

26 - Que de acordo com os últimos dados disponibilizados pelo INE - Instituto Nacional de Estatística (CENSUS 2011) e se revela aferível pelos cadernos eleitorais, é habitada por 273 pessoas (1.19 % dos habitantes no concelho), dos quais 51.65 tem mais de 65 anos e 5.86 são crianças ou adolescentes.

Ora,

27 - Tais factos "existenciais» que caracterizam objetivamente o "eleitor médio" não podem ser ignorados na ponderação do grau de perfeição exigível para a expressão do voto.

28 - Devendo os examinadores velar que a exigência legal - os requisitos mínimos legais de admissibilidade do voto como taxativamente resultam da lei, seja conjugada tanto quanto possível com a realidade concreta do eleitor e as suas circunstâncias e do voto expresso, com a configuração do boletim de voto e os elementos de identificação dos Partidos que nele figuram, e sobremaneira com a inequívoca manifestação de vontade política do eleitor que concretizou uma única opção de voto, assinalado com uma única cruz, que não contém outro sinal ou palavra, que não disfere qualquer corte, desenho ou ranhura, que compromete o segredo do voto, que identifica a sua intenção de voto, e que manifesta uma inequívoca opção política pela força concorrente ao respetivo órgão, ainda que imperfeitamente expressa.

29 - Factos que resultam de forma evidente dos boletins de voto em juízo e que traduzem um simples e compreensível lapso de visão do eleitor e não equívoca manifestação de vontade.

30 - Sob pena de se aniquilar completamente a vontade politica do eleitor que, não bastando as dificuldades que a vida naturalmente lhe vai acumulando, como seja uma visão humana já enfraquecida ou a suscetibilidade do erro provocada pelo boletim de voto, vê o seu voto - mediante o qual de forma clara e inequívoca materializou a sua opção política, ser anulado porque "imperfeitamente expressa".

31 - Interpretação que a admitir extravasaria o sentido de proteção e salvaguardar que a lei visa tutelar.

32 - Interpretação que a admitir representaria o apagamento total e completo de vontade do eleitor e das concretas circunstâncias.

33 - Interpretação que a admitir tem no resultado eleitoral final uma direta influência que não terá correspondência na opção política do eleitorado, num processo eleitoral para as autarquias locais que se deseja democrático.

34 - Donde é forçoso concluir que, não preenchendo nenhuma das circunstancias objetivas que precludiriam a sua invalidade e, em contrapartida, revelando a manifesta e inequívoca vontade política do eleitor, ainda que imperfeitamente expressa, uma deliberação assim adotada é manifestamente irregular desproporcionada e deve ser corrigida.

Pelo que, e nestes termos, atendendo que se encontra devidamente justificado a validade dos boletins de voto considerados como "votos nulos» cremos que se faz prova de que está superado o erro de interpretação que motivou a deliberação de rejeição da reclamação apresentada contra a consequente manutenção da qualificação do voto, procedendo-se em consequência à revogação da deliberação, à sua substituição por outra que reconheça a validade dos boletins de voto em causa e à correção do apuramento, assim se fazendo justiça.» (fls. 2 a 5)

6 - Notificado, nos termos do n.º 3 do artigo 159.º, da LEOAL, o recorrido Partido Social Democrata deixou esgotar o prazo sem que tenha vindo aos autos apresentar qualquer resposta.

7 - Para boa decisão da questão em apreço nos autos, foram apreciados os seguintes documentos que dele constam:

- Ata da assembleia geral de apuramento do Concelho de Arcos de Valdevez (fls. 43 a 64);

- Mapas dos resultados eleitorais (fls. 48 a 54);

- Mapas dos mandatos e candidatos eleitos (fls. 55 a 63);

- Certidão da afixação do edital contendo os resultados do apuramento geral (fls. 42);

- Boletim de voto considerado válido, com sentido de voto expresso a favor da lista proposta pelo CDS - Partido Popular, relativos à Assembleia de Freguesia de Sistelo (fls.7);

- Dois boletins de voto considerados nulos, relativos à Assembleia de Freguesia de Sistelo (fls. 34);

- Ata da mesa de apuramento local (fls. 8 do Proc. 1041/13);

- Reclamação apresentada pelo delegado do Partido Social Democrata, perante a mesa de apuramento local, em 29 de setembro de 2013 (fls. 8);

- Reclamação apresentada pelo mandatário concelhio do CDS - Partido Popular, perante a mesa de apuramento local, em 29 de setembro de 2013 (fls. 65);

- Reclamação apresentada pelo mandatário concelhio do Partido Social Democrata, perante a mesa de apuramento geral (fls. 66).

- Reclamação apresentada pelo mandatário concelhio do CDS - Partido Popular, perante a mesa de apuramento geral (fls. 67).

Cumpre, então, apreciar e decidir.

II - Fundamentação

8 - Importa começar por averiguar se estão preenchidos todos os pressupostos processuais indispensáveis ao conhecimento do objeto dos presentes recursos.

Note-se, em primeiro lugar, que os recursos contenciosos são tempestivos, na medida em que cumpriram o prazo estabelecido no artigo 158.º da LEOAL, uma vez que o edital que contém os resultados eleitorais apurados foi afixado, em 03 de outubro de 2013, e os recursos foram interpostos, em 04 de outubro de 2013, respetivamente às 09h39 e às 15h05 - ou seja, antes do encerramento ao público da Secretaria.

Em segundo lugar, ambos os recorrentes gozam de legitimidade processual ativa, nos termos previstos no artigo 157.º da LEOAL, pois trata-se de partidos políticos que intervieram no respetivo procedimento eleitoral, tendo apresentado listas candidatas à referida Assembleia de Freguesia do Sistelo.

Em terceiro lugar, importa verificar o preenchimento do ónus de prévia dedução de reclamação relativa à nulidade dos três boletins de voto - que ora se pretende discutir e reapreciar -, pois o n.º 1 do artigo 156.º da LEOAL determina que as eventuais irregularidades ocorridas no decurso de atos eleitorais só podem ser apreciadas, pelo Tribunal Constitucional, "desde que hajam sido objeto de reclamação ou protesto apresentado no ato em que se verificam".

Dos documentos juntos aos autos, verifica-se que ambos os recorrentes deduziram reclamações acerca da decisão de nulidade/validade dos referidos boletins de voto, quer perante a mesa de apuramento local, quer perante a assembleia de apuramento geral.

Assim sendo, pode concluir-se que os recorrentes deduziram sempre, em tempo oportuno, reclamações quanto às sucessivas decisões de invalidação/validação dos três boletins de voto ora em discussão. Razão pela qual se passará ao conhecimento do objeto do recurso.

9 - A lei eleitoral fixa expressamente o modo como cada eleitor deve expressar o seu sentido de voto:

"Artigo 115.º

Modo como vota cada eleitor

...

4 - Em seguida, o eleitor dirige-se à câmara de voto situada na assembleia e aí, sozinho, assinala com uma cruz, em cada boletim de voto, no quadrado correspondente à candidatura em que vota, após o que dobra cada boletim em quatro.»

Além disso, o artigo 133.º da LEOAL estabelece:

"Artigo 133.º

Voto nulo

1 - Considera-se "voto nulo» o correspondente ao boletim:

a) No qual tenha sido assinalado mais de um quadrado;

b) No qual haja dúvidas quanto ao quadrado assinalado;

c) No qual tenha sido assinalado o quadrado correspondente a uma candidatura que tenha sido rejeitada ou desistido das eleições;

d) No qual tenha sido feito qualquer corte, desenho ou rasura;

e) No qual tenha sido escrita qualquer palavra.

2 - Não é considerado voto nulo o do boletim de voto no qual a cruz, embora não sendo perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado, assinale inequivocamente a vontade do eleitor.

3 - Considera-se ainda como nulo o voto antecipado quando o sobrescrito com o boletim de voto não chegue ao seu destino nas condições previstas nos artigos 118.º e 119.º ou seja recebido em sobrescrito que não esteja adequadamente fechado.»

Conforme resulta da jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional (a mero título de exemplo, ver os Acórdãos n.º 614/89, n.º 864/93, n.º 565/2005, n.º 530/2009, e n.º 541/2009, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordãos/), apenas pode considerar-se como voto nulo aquele que suscite fundadas e manifestas dúvidas quanto à expressão da vontade do sentido de voto do eleitor, não podendo ser julgados nulos os boletins de voto em que a respetiva cruz num dos quadrados possa não ter sido perfeitamente desenhada ou mesmo que exceda os limites do quadrado.

Do cotejo entre as supra transcritas normas legais e a jurisprudência consolidada resulta que a expressão do sentido de voto implica uma sinalização dessa vontade através de uma cruz aposta no quadrado correspondente que consta do boletim de voto, ainda que essa aposição possa não ter sido perfeitamente desenhada ou até exceda os limites do quadrado. Imperioso, porém, é que a cruz que visa assinalar o sentido de voto seja (ainda que parcial ou excessivamente) aposta no respetivo quadrado. Caso a aposição da respetiva cruz tenha lugar integralmente fora do quadrado, então mais não resta que considerar nulo o referido voto. Nesse sentido, já se pronunciaram expressamente os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 614/89, n.º 863/93, n.º 602/2001, n.º 563/20005, n.º 565/20005, n.º 11/2002, n.º 2/2008 e n.º 523/2009 (todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt).

Aliás, sobre questão idêntica à que está em apreço nos presentes autos, o Acórdão 539/2009 decidiu que:

"Sobre a matéria de votos nulos, o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme e uniforme no sentido de que o boletim de voto, além da cruz marcada no quadrado correspondente à candidatura escolhida, não pode conter qualquer outro sinal (corte, desenho ou rasura), definindo-se a cruz como a intersecção de dois segmentos de recta, sendo considerado o voto válido se e quando a intersecção ocorrer dentro das linhas que delimitam o quadrado (veja-se a este respeito v.g. os Acórdãos n.º 614/89, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.º Vol., pág. 635, n.º 864/93, in Diário da República, 2.ª série, de 31 de Março de 1994, e n.º 565/05, ATC, 65.º vol., pág. 819).

No caso em apreço verifica-se que no boletim de voto em questão foi apenas aposta uma cruz sobre o símbolo do Partido Socialista, pelo que, não tendo esse sinal sido efectuado em nenhum dos quadrados reservados à sua aposição, revela-se correcta a decisão de considerar este voto nulo.»

10 - Transpondo estas considerações para os presentes autos, importa começar por aferir da validade do boletim de voto considerado válido pela assembleia de apuramento geral de Arcos de Valdevez, cuja nulidade é invocada pelo recorrente Partido Social Democrata. O referido boletim de voto contém uma cruz percetível e integralmente desenhada, mas assinalada fora do quadrado destinado à expressão de voto na lista proposta pelo CDS - Partido Popular, mais precisamente na linha gráfica identificativa dessa lista, logo a seguir ao nome do partido proponente. O boletim de voto em causa não contém qualquer outro corte, desenho ou rasura.

Apesar de o boletim de voto em causa poder indiciar uma opção de voto evidenciada pela nítida e incontroversa aposição de uma cruz na linha gráfica da lista proposta pelo CDS - Partido Popular, certo é essa aposição ocorreu integralmente fora do quadrado destinado à expressão de voto na lista proposta, ou seja, ao arrepio do modo expressamente fixado pelo n.º 4 do artigo 115.º da LEOAL. Assim sendo, impõe-se concluir pela nulidade do voto assim expresso, com isto concedendo-se provimento ao recurso interposto pelo Partido Social Democrata.

11 - Quanto ao recurso interposto pelo CDS - Partido Popular, no âmbito do Proc. n.º 1041/2013, verifica-se que os dois boletins de voto considerados nulos pela assembleia de apuramento geral contêm um cruz aposta dentro do próprio quadrado que faz parte integral do símbolo daquele partido político e que se encontra situado ao lado esquerdo do quadrado destinado à expressão de voto na lista proposta pelo CDS - Partido Popular. Assim sendo, o referido quadrado permanece em branco, sem qualquer sinalização de expressão de voto, encontrando-se desenhada uma intersecção de duas linhas sobre o próprio símbolo partidário.

À semelhança do que já supra se demonstrou, a expressão do sentido de voto pressupõe uma sinalização mínima dessa vontade através de cruz aposta no quadrado destinado à expressão de voto numa das listas apresentadas ao ato eleitoral. Independentemente da discussão acerca da vontade presumida dos dois eleitores em causa, certo é que os mesmos não cumpriram, por mínimo que fosse, a exigência legal decorrente do n.º 4 do artigo 115.º da LEOAL. Como tal, em estrita aplicação da jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional, conclui-se pela nulidade dos dois boletins de voto, assim se confirmando a decisão da assembleia de apuramento geral, quanto a esta parte.

III - Decisão

Pelos fundamentos supra expostos e nos termos do n.º 4 do artigo 159.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto, decide-se:

a) Julgar procedente o recurso interposto pelo Partido Social Democrata, com a consequente revogação da decisão recorrida na parte em que considerou válido o voto impugnado;

b) Julgar improcedente o recurso interposto pelo CDS - Partido Popular.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

Lisboa, 9 de outubro de 2013. - Ana Guerra Martins - Pedro Machete - Maria João Antunes - Maria de Fátima Mata-Mouros - José da Cunha Barbosa - Catarina Sarmento e Castro - Maria José Rangel de Mesquita - João Cura Mariano - Fernando Vaz Ventura - Maria Lúcia Amaral - Lino Rodrigues Ribeiro - Carlos Fernandes Cadilha - Joaquim de Sousa Ribeiro.

207324493

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/312721.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-25 - Lei Orgânica 2/2001 - Assembleia da República

    Alarga a possibilidade de voto antecipado nas leis eleitorais para a Assembleia da República, o Presidente da República, as Assembleias Legislativas Regionais e as autarquias locais aos membros que integram comitivas oficiais de representantes de selecção nacional.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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