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Acórdão 643/2013, de 28 de Outubro

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Sumário

Concede provimento parcial ao recurso e revoga a deliberação da assembleia de apuramento geral do município da Lourinhã quanto a um de dois votos considerados nulos.

Texto do documento

Acórdão 643/2013

Processo 1022/2013

Acórdão, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, em que é recorrente o Partido Socialista e recorridos a Coligação "Mais Lourinhã» (PPD-PSD/CDS-PP) e a CDU - Coligação Democrática Unitária (PCP-PEV), foi interposto recurso contencioso, ao abrigo do artigo 156.º, n.º 1, da Lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais (aprovada pela Lei Orgânica 2/2001, de 14 de agosto, de ora em diante, LEOAL), da decisão da assembleia de apuramento geral dos resultados eleitorais do Concelho da Lourinhã, relativamente à assembleia de freguesia do Vimeiro, proferida em 01 de outubro de 2013 (fls. 11 a 17-verso) e afixada no dia seguinte (fls. 54).

2 - Em suma, o recorrente alega o seguinte:

"Dos factos:

1.º

De acordo com o resultado obtido a partir da Assembleia de Apuramento Local da freguesia do Vimeiro, Mesa 1A Toledo, o apuramento da votação para a Assembleia de Freguesia do Vimeiro indicia dois votos feitos a favor do PS, de forma expressa e inequívoca, sem que resulte dos boletins de voto em análise a intenção de os anular.

2.º

No entanto, a Assembleia de Apuramento de Voto Local, aquando do encerramento das umas e da contagem de votos, decidiu considerar os dois votos em causa como nulos.

3.º

Deste facto foi apresentada reclamação e ou protesto pela Delegada do Partido Socialista na referida Mesa de Voto, Cidália Santos Teodoro Fernandes, protesto este junto à ata e dela constante.

4.º

A Assembleia de Apuramento Geral decidiu, por votação, após alguma discussão, com três votos a favor da validação dos referidos boletins de voto a favor do Partido Socialista e cinco votos contra, pela nulidade dos aludidos boletins de voto, conforme consta da respetiva ata - vide doc 1.

5.º

Com esta votação, o Partido Socialista perde por um voto a Assembleia de Freguesia de Vimeiro, em benefício ilegal e ilegítimo, da "Coligação PPD/PSD - CDS/PP - Mais Lourinhã".

6.º

Significa isto, pois, que esta irregularidade e ou ilegalidade verificada no apuramento e na apreciação dos votos, por se estar perante uma diferença mínima de um ou dois votos, influi no resultado geral da eleição da Assembleia de Freguesia, em prejuízo do Partido Socialista.

7.º

Um voto só pode ser considerado nulo, nos termos constantes do disposto no art.º 133.º, n.os 1 e 2, da Lei Orgânica 1/2001.

8.º

Ora, dos boletins de voto em apreço resulta que os respetivos eleitores exprimiram de forma clara e inequívoca a sua intenção de voto a favor do Partido Socialista, sem que tenha havido qualquer vontade de fazer um voto noutra força partidária, nem de fazer um voto nulo, como se pode depreender dos próprios boletins de voto, que se requer a este douto Tribunal sejam requisitados a quem foram confiados, de harmonia com o disposto no artigo 159.º da mencionada Lei Orgânica.

Requer-se sejam requisitados os seguintes documentos, para correta sindicância dos factos vertidos no presente recurso:

a) Boletins de voto declarados nulos referidos neste recurso, da Assembleia de Freguesia de Vimeiro, Mesa 1 A Vimeiro (Toledo);

b) Ata da Mesa de Apuramento Local;

c) Reclamação/Protesto apresentado na Mesa de Apuramento Local com o n.º 028851, pela reclamante Cidália Santos Teodoro Fernandes, eleitora número A-113 da aludida Mesa.

Do direito:

10.º

Do que supra vai exposto, resulta a violação do artigo 133.º, n.os 1 e 2, da Lei Orgânica 1/2001, devendo os votos em apreço ser considerados válidos e, como tal, inseridos na contagem dos votos a favor do Partido Socialista.

Nestes termos e nos melhores do direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso declarando-se a ilegalidade da deliberação de declaração de nulidade dos boletins de voto em apreço, devendo tais votos ser considerados votos expressos a favor do Partido Socialista.» (Fls. 2 a 5.)

3 - Notificada, nos termos do n.º 3 do artigo 159.º, da LEOAL, a recorrida Coligação "Mais Lourinhã» (PPD-PSD/CDS-PP) veio aos autos apresentar a seguinte resposta, em 04 de outubro de 2013:

"Dos factos:

1.º

O Partido Socialista alega que no apuramento local da Freguesia do Vimeiro, Mesa 1.ª Toledo, "o apuramento indicia dois votos feitos a favor do PS, de forma expressa e inequívoca, sem que resulte dos boletins de voto em análise a intenção de os anular."

2.º

A Assembleia de Apuramento Local decidiu considerar esses dois votos nulos e enviá-los para a Assembleia de Apuramento Geral, para reapreciação, a qual por sua vez decidiu manter a qualificação dada anteriormente considerando esses mesmos votos nulos.

3.º

O recorrente não se conformando com a decisão considera que essa atitude favoreceu a coligação eleitoral Mais Lourinhã - PPD/PSD.CDS-PP que venceu a eleição por um voto.

4.º

Alega o Partido Socialista que só pode ser considerado voto nulo, nos termos do disposto no artigo 133.º, n.os 1 e 2, da Lei Orgânica 1/2001."

Do direito:

4.º [sic]

Ora, a questão em apreço terá necessariamente de ser analisada à luz do artigo 133.º da LEOAL designadamente do seu n.º 1, alínea d), nos termos da qual deverá ser considerado voto nulo o boletim de voto no qual tenha sido feito qualquer corte, desenho ou rasura.

5.º

Sobre o sinal identificador da opção de voto e a propósito deste artigo atente-se na jurisprudência que tem vindo a ser emanada pelo TC através de vários acórdãos nomeadamente o n.º 602/2001, DR 2.ª série, n.º 44, de 21/02/2002, o n.º 319/85, DR 2.ª série de 15.04.86 ou n.º 320/85, DR 2.ª série de 15.04.86.

6.º

Da análise dos boletins em causa é evidente que os mesmos contêm elementos não permitidos por lei, os quais podem constituir uma marca ou sinal que aí não deveriam estar, pelo que o boletim em causa deverá ser qualificado como nulo.

7.º

A função identificadora no boletim de voto só é cumprida por uma cruz colocada sobre o quadrado que se deseja assinalar (Acórdão TC n.º 319/85, DR 2.ª série de 15.04.86). Toda a marca, corte, sinal, desenho ou rasura que extravase esse quadrado deverá anular o respetivo boletim de voto nos termos da alínea d) do referido artigo 133.º da LEOAL.

8.º

Também os Acórdãos n.os 862/93 e 728/97 referem que um outro traço que assinale, de modo mais ou menos evidente, um outro quadrado que não o marcado ou quaisquer outras cruzes ou sinais noutro qualquer local do boletim, não poderão deixar de ser consideradas como desenho ou rasura, tornando o boletim nulo.

8.º [sic]

E é assim que se consegue garantir a certeza na interpretação da vontade do eleitor, mas também o próprio segredo do voto, pois que, ao eleitor é expressamente vedado fazer outros sinais no boletim de voto, além da cruz no local próprio (Acórdão TC n.º 541/2009).

Termos em que e nos mais de direito deve o recurso Interposto pelo Partido Socialista ser Julgado improcedente, confirmando-se a decisão da Assembleia de Apuramento Geral e legais consequências.» (Fls. 43 a 46.)

4 - Igualmente notificada, nos termos do n.º 3 do artigo 159.º, da LEOAL, a recorrida CDU - Coligação Democrática Unitária (PCP-PEV) deixou esgotar o prazo sem que tivesse vindo aos autos apresentar qualquer resposta.

5 - Para boa decisão da questão em apreço nos autos, foram apreciados os seguintes documentos que dele constam:

- Ata da assembleia geral de apuramento do Concelho da Lourinhã (fls. 11 a 17-verso);

- Mapas dos resultados eleitorais (fls. 18 a 26);

- Mapas dos mandatos e candidatos eleitos (fls. 27 a 36);

- Certidão da afixação do edital contendo os resultados do apuramento geral (fls. 54);

- Dois boletins de voto considerados nulos, relativos à Assembleia de Freguesia de Vimeiro, Mesa 1 A Vimeiro - Toledo (apensos aos autos por linha e resguardados no interior de uma mica);

- Ata da mesa de apuramento local (fls. 48 a 53);

- Reclamação apresentada pela delegada do Partido Socialista, Cidália Santos Teodoro Fernandes, perante a mesa de apuramento local (apensa aos autos por linha e resguardada no interior de uma mica).

Cumpre, então, apreciar e decidir.

II - Fundamentação

6 - Importa começar por averiguar se estão preenchidos os pressupostos processuais indispensáveis ao conhecimento do objeto do presente recurso.

Em primeiro lugar, o recurso contencioso é tempestivo, na medida em que cumpriu o prazo estipulado pelo artigo 158.º da LEOAL, a contar da afixação do edital que contém os resultados eleitorais, a qual ocorreu em 02 de outubro de 2013. Tendo o recurso sido interposto em 03 de outubro de 2013, considera-se o mesmo por tempestivo.

Em segundo lugar, o recorrente goza de legitimidade processual ativa, nos termos previstos no artigo 157.º da LEOAL, pois trata-se de um partido político que interveio no respetivo procedimento eleitoral, tendo apresentado uma lista candidata à referida Assembleia de Freguesia do Vimeiro.

Em terceiro lugar, importa verificar o preenchimento do ónus de prévia dedução de reclamação relativa à nulidade dos dois boletins de voto - que ora se pretende discutir e reapreciar -, pois o n.º 1 do artigo 156.º da LEOAL determina que as eventuais irregularidades ocorridas no decurso de atos eleitorais só podem ser apreciadas, pelo Tribunal Constitucional, "desde que hajam sido objeto de reclamação ou protesto apresentado no ato em que se verificam».

Dos documentos juntos aos autos, constata-se que foram deduzidas reclamações acerca da decisão de nulidade dos referidos dois boletins de voto, quer perante a mesa de apuramento local, quer perante a assembleia de apuramento geral. Com efeito, foi apresentada, junto da mesa de apuramento local, a seguinte reclamação:

"Foram contados 2 votos como nulos no PS, só porque havia um pequeno traço de caneta no boletim de voto, mas os votos estavam bem assinalados no quadrado na Assembleia de Freguesia (boletins brancos» (apensa aos autos por linha e resguardada no interior de uma mica).

Por sua vez, da ata da assembleia de apuramento geral consta que foi deduzida uma reclamação quanto à decisão de nulidade dos dois boletins de voto para a assembleia de freguesia do Vimeiro - respetivamente à mesa da 2.ª Secção A1, Toledo:

"2.º Secção A1 - Toledo: Constatou-se, pela leitura da ata das operações eleitorais, que: a) Os resultados apurados nesta secção são os constantes do mapa que se anexa à presente Ata, e que irá fazer parte integrante da mesma, sendo rubricado por todos os intervenientes; b) Existe referência a reclamações ou protestos, uma respeitante a dois votos considerados nulos para a Assembleia de Freguesia e outra respeitante a 2 votos considerados nulos para a Assembleia Municipal e Câmara Municipal, respetivamente. Tendo sido colocados a votação os 2 votos nulos respeitantes à eleição para a Assembleia de Freguesia, deliberou a Assembleia de Apuramento indeferir a reclamação ou protesto, com 5 votos a favor e 3 votos contra. De seguida, procedeu-se à votação dos 2 votos nulos relativos à eleição para a Assembleia Municipal e Câmara Municipal tendo" sido decidido o indeferimento da reclamação ou protesto com 8 votos a favor, no caso do voto relativo à eleição para a Câmara Municipal e 6 votos a favor e 2 contra no caso do voto relativo à eleição para a Assembleia Municipal.

Nestes termos foi feito o apuramento geral para a Assembleia de Freguesia do Vimeiro, conforme mapa que se anexa à presente ata, e que irá fazer parte integrante da mesma.» (Fls. 11-verso.)

Além disso, ali expressamente se reduziu a escrito a reclamação então deduzida, perante a própria assembleia de apuramento geral, pelo mandatário da candidatura do ora recorrente:

"[...]

Terminados estes trabalhos foi solicitado pelo mandatário do PS ao Presidente da Assembleia de Apuramento Geral a apresentação de uma reclamação ou Protesto, quanto ao resultado da votação relativa aos 2 votos nulos objeto da reclamação elaborada na secção e voto A1 - Toledo. Deferida esta pretensão, foi ditada para a ata, a seguinte reclamação ou protesto:

"O mandatário do PS vem apresentar reclamação e ou protesto quanto ao resultado da decisão da Assembleia de Apuramento Geral proferida quanto aos votos nulos da assembleia de Freguesia do Vimeiro. Designadamente, quanto à decisão da assembleia de Apuramento Geral por ter considerado como 'nulos' 2 dos boletins de voto apresentados. Decisão esta que, não foi unânime, tendo sido votada com 3 votos a favor e 5 contra.

O mandatário do PS tem legitimidade para apresentar a reclamação e ou protesto nos termos do disposto no artigo 157.º da LEOAL.

A presente reclamação e ou protesto é apresentada nos termos e para os efeitos do disposto nos art.os 156.º, 157.ºe 159.ºda mesma lei."

Tendo sido deliberado pela assembleia, todos os membros referiram manter o sentido de voto anteriormente expressado.

Pelo Presidente da Assembleia de Apuramento Geral foi dito:

"Tendo em conta que a presente reclamação se legitima no artigo 143.º da LEOAL (e não no artigo 157.º como erradamente se referiu), não são aduzidos quaisquer fundamentos que possam alterar o sentido da anterior decisão. Pelos membros da presente Assembleia foi dito manterem o sentido de voto anteriormente decidido quando foram apreciadas as reclamações anteriormente apresentadas relativamente aos 2 votos para a Assembleia de Freguesia do Vimeiro (secção A1 Toledo).

Notifique"» (Fls. 17.)

Assim sendo, pode concluir-se que o recorrente - quer por intermédio do seu mandatário, quer por intermédio de uma das suas candidatas - deduziu sempre, em tempo oportuno, reclamações quanto às sucessivas decisões de invalidação dos dois boletins de voto ora em discussão, pelo que se passará ao conhecimento do objeto do recurso.

6 - O artigo 133.º da LEOAL estabelece o seguinte:

"Artigo 133.º

Voto nulo

1 - Considera-se "voto nulo» o correspondente ao boletim:

a) No qual tenha sido assinalado mais de um quadrado;

b) No qual haja dúvidas quanto ao quadrado assinalado;

c) No qual tenha sido assinalado o quadrado correspondente a uma candidatura que tenha sido rejeitada ou desistido das eleições;

d) No qual tenha sido feito qualquer corte, desenho ou rasura;

e) No qual tenha sido escrita qualquer palavra.

2 - Não é considerado voto nulo o do boletim de voto no qual a cruz, embora não sendo perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado, assinale inequivocamente a vontade do eleitor.

3 - Considera-se ainda como nulo o voto antecipado quando o sobrescrito com o boletim de voto não chegue ao seu destino nas condições previstas nos artigos 118.º e 119.º ou seja recebido em sobrescrito que não esteja adequadamente fechado.»

Conforme resulta da jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional (a mero título de exemplo, ver os Acórdãos n.º 614/89, n.º 864/93, n.º 565/2005, n.º 530/2009, e n.º 541/2009, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordãos/), apenas pode considerar-se como voto nulo aquele que suscite fundadas e manifestas dúvidas quanto à expressão da vontade do sentido de voto do eleitor, não podendo ser julgados nulos aqueles boletins de voto em que a respetiva cruz num dos quadrados possa não ter sido perfeitamente desenhada ou mesmo que exceda os limites do quadrado.

Nos presentes autos, importa porém determinar se os traços/riscos apostos nos dois boletins de voto julgados nulos devem ser considerados como cortes, desenhos ou rasuras, para o efeito de determinar a sua nulidade, nos termos do disposto no artigo 133.º, n.º 1, alínea d), da LEOAL.

A jurisprudência constitucional tem vindo a considerado que o boletim de voto, além da cruz marcada no quadrado correspondente à candidatura escolhida, não pode conter qualquer outro sinal (corte, desenho ou rasura), não podendo deixar de ser havido como desenho, determinante da nulidade do voto, qualquer outro traço separado que figure noutro lugar do boletim, que não no quadrado marcado pela cruz. Tal leitura restritiva visa garantir quer o rigor na aferição da vontade expressa pelo eleitor, quer o próprio sigilo do voto, evitando que um qualquer sinal aposto no boletim possa servir para desvendar a identidade do eleitor, perante aqueles que participam no procedimento de apuramento eleitoral (cf., entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 614/89, n.º 438/2000, n.º 21/2002 e n.º 530/2009, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).

Assim, já se consideraram nulos:

i) Votos que apresentavam uma cruz, no quadrado correspondente a determinada candidatura, e destacada desta, mas dentro do mesmo quadrado, um desenho com a forma da letra "P» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 541/2009);

ii) Votos em cujos boletins foram apostas cruzes sobre o símbolo de um partido e ou fora dos quadrados reservados à sua aposição (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 614/89, n.º 863/93, n.º 602/2001, n.º 563/20005, n.º 565/20005, n.º 11/2002, n.º 2/2008 e n.º 523/2009);

iii) Votos em cujo boletim consta, para além da cruz no quadrado a ela destinado, um traço vertical dentro do quadrado de outro partido (Acórdãos n.º 6/98 e n.º 438/2000);

iv) Voto em cujo boletim foi aposto traço que assinala, de modo mais ou menos evidente, um outro quadrado para além daquele que é marcado pela cruz aposta no quadrado correspondente (Acórdão 6/98);

v) O boletim de voto no qual existe, para além de uma cruz clara e perfeitamente assinalada num dos quadrados, marcada com um traço muito firme, de cor azul, uma linha ténue, também de cor azul, atravessando a parte inferior direita do quadrado respeitante a outro partido (Acórdão 21/2002);

vi) Boletins de voto assinalados no quadrado reservado a determinado partido político e com um leve traço no quadrado reservado a outro partido político (Acórdão 11/2002).

Em todos os casos descritos se julgaram, pois, comprometidos, ou os valores normativos de inequivocidade da vontade eleitoral, pela ambivalência evidenciada pelos sinais apostos no boletim de voto, ou o sigilo do voto, pela virtualidade identificativa contida nos sinais em apreciação.

Transpondo estas considerações para o caso em apreço nos presentes autos, importa proceder a uma distinção entre os dois boletins de voto considerados nulos pela assembleia de voto local e pela assembleia de apuramento geral. Quanto ao primeiro boletim de voto - que se identifica por contar um traço ténue manuscrito, em caneta, exclusivamente aposto ao lado esquerdo do quadrado destinado à expressão de voto na lista proposta pelo Partido Socialista -, não se pode concluir que o boletim de voto ora em apreciação padeça, em razão do traço/risco nele aposto, de vício que, nos termos da lei, possa objetivamente comprometer os valores cuja tutela se pretendeu garantir com o regime legal vigente, em matéria de manifestação do voto e sua validade.

Com efeito, parece claro que o traço/risco constante do boletim de voto invalidado pela assembleia de apuramento geral não é passível de suscitar qualquer dúvida sobre a opção de voto evidenciada pela nítida e incontroversa aposição de uma cruz no quadrado correspondente ao Partido Socialista. Além de que tudo indicia que aposição do traço/risco resultou de um gesto involuntário, o certo é que, quer pela sua localização (exterior a qualquer dos restantes quadrados ou designações identificativas das demais candidaturas), quer pelas suas características manifestamente inexpressivas, não só não compromete objetivamente a interpretação da vontade eleitoral do votante - que, no descrito contexto, se revela inequívoca - como se mostra incapaz de identificar, seja sob que perspetiva for, a identidade do eleitor votante (cf., apreciando caso substancialmente idêntico, Acórdão 530/2009).

O risco/traço constante do boletim de voto ora em apreciação não configura, pois, pelas descritas razões - que, no essencial, assentam numa ideia de adequação e proporcionalidade a que o regime em causa, ainda que de legalidade estrita, não pode ser alheio - desenho ou rasura determinante da anulação do voto nele contido, pelo que se impõe a procedência do recurso, com a consequente revogação da deliberação recorrida.

Já quanto ao outro boletim de voto - que se identifica por conter um risco/traço que se inicia no quadrado destinado à expressão de voto na lista candidata pela coligação Mais Lourinhã e que percorre a linha destinada à identificação da lista candidata pela CDU até passar, parcialmente, sobre o canto inferior esquerdo do quadrado destinado à expressão de voto na lista proposta pelo Partido Socialista -, não pode concluir-se, com absoluta certeza sobre a vontade livremente manifestada pelo eleitor, na medida em que o mesmo ocupa o espaço gráfico destinado às três listas candidatas ao ato eleitoral. Além disso, o formato em forma angular não se resume a um mero risco/traço, de formação mais ou menos contínua, pelo que subsistem dúvidas sobre se poderia colocar em causa o sigilo do voto, mediante a identificação da pessoa do concreto eleitor que exerceu o direito de voto. Assim sendo, considera-se o mesmo como nulo, para os efeitos conjugados da alínea d) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 133.º da LEOAL.

Em suma, julga-se o presente recurso parcialmente procedente, julgando-se como validamente expresso o voto resultante do boletim de voto que se identifica por contar um traço ténue manuscrito, em caneta, exclusivamente aposto ao lado esquerdo do quadrado destinado à expressão de voto na lista proposta pelo Partido Socialista.

III - Decisão

Pelos fundamentos supraexpostos e nos termos do n.º 4 do artigo 159.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto, decide-se julgar o presente recurso parcialmente procedente, com a consequente revogação da decisão recorrida.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

Lisboa, 7 de outubro de 2013. - Ana Guerra Martins - Pedro Machete - Maria João Antunes - Maria de Fátima Mata-Mouros - José da Cunha Barbosa - Catarina Sarmento e Castro - Maria José Rangel de Mesquita - João Cura Mariano - Fernando Vaz Ventura - Maria Lúcia Amaral - Lino Rodrigues Ribeiro - Carlos Fernandes Cadilha - Joaquim de Sousa Ribeiro.

207324469

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/312719.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-25 - Lei Orgânica 2/2001 - Assembleia da República

    Alarga a possibilidade de voto antecipado nas leis eleitorais para a Assembleia da República, o Presidente da República, as Assembleias Legislativas Regionais e as autarquias locais aos membros que integram comitivas oficiais de representantes de selecção nacional.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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