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Acórdão 642/2013, de 28 de Outubro

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Sumário

Concede provimento ao recurso e revoga a deliberação da assembleia de apuramento geral do município de Marvão que considerou um voto nulo.

Texto do documento

Acórdão 642/2013

Processo 1015/2013

Acordam em Plenário do Tribunal Constitucional:

1 - Fernando José Machado Gomes, na qualidade de mandatário da candidatura do Partido Socialista - PS, interpôs recurso, ao abrigo do artigo 156.º da lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto (LEOAL), da deliberação da assembleia de apuramento geral para a eleição dos órgãos das autarquias locais do município de Marvão, que considerou nulo um voto a favor do Partido Socialista na eleição para a Assembleia de Freguesia de Santa Maria de Marvão, nas eleições autárquicas de 29 de setembro de 2013.

Alega, em síntese, que, como reconhecido pelo próprio Presidente da assembleia de apuramento geral, por referência ao boletim de voto controvertido, nele "existe uma declaração que assinala inequivocamente a vontade do eleitor em votar no Partido Socialista», não constituindo o risco/traço que dele consta causa de nulidade do voto, pois que não representa, para o efeito do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 133.º da LEOAL, "corte, desenho ou rasura», tudo indicando, aliás, que se tratou de um ato involuntário.

Os restantes partidos políticos intervenientes na eleição, notificados, na pessoa dos respetivos representantes, nos termos e para o efeito do disposto no n.º 3 do artigo 159.º da LEOAL, responderam, tendo a CDU pugnado pela procedência do recurso, por considerar válido o voto controvertido, e o PSD pela sua improcedência, invocando, no essencial, que, não tendo o recorrente deduzido qualquer reclamação, carece de legitimidade para interpor o presente recurso, devendo o boletim de voto em causa, de todo o modo, ser julgado nulo, pois que, para além da cruz aposta no quadrado correspondente ao PS, contém um risco/traço junto do quadrado e símbolo do PSD, que a lei não consente.

Requisitou-se o original do boletim de voto sobre que versa o presente recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

2 - O recurso foi tempestivamente interposto por quem tem legitimidade para o efeito (artigos 157.º e 158.º da LEOAL) e foi oportunamente deduzido protesto (artigo 156.º, n.º 1, da LEOAL), pelo que inexistem obstáculos processuais ao seu conhecimento.

3 - Está assente, com relevância para a apreciação do recurso, e atento o teor dos documentos constantes dos autos, a seguinte factualidade:

a) Relativamente à eleição para a Assembleia de Freguesia de Santa Maria de Marvão, a que concorreram as listas da CDU, do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, a assembleia de apuramento geral deliberou, com voto de qualidade do respetivo Presidente, e deferindo reclamação com tal objeto, considerar nulo um boletim de voto - que havia sido contado pela assembleia de apuramento local na lista do Partido Socialista -, do que resultou o apuramento de 7 votos para a Lista da CDU, 134 votos para a Lista do PS e 134 votos para a Lista do PSD, determinando-se, em consequência, a repetição das eleições para esse órgão autárquico;

b) O boletim de voto considerado nulo contém uma cruz no quadrado correspondente ao Partido Socialista e um risco ou traço, com menos de 1 cm e forma não retilínea (angular), localizado na linha correspondente ao Partido Social Democrata, próximo do canto superior direito do respetivo quadrado, mas exterior a ele, efetuado a tinta azul, como a da cruz, mas com menor intensidade.

4 - Apenas cumpre decidir, no presente recurso, se o traço/risco aposto no referido boletim de voto deve ser considerado corte, desenho ou rasura, para o efeito de determinar a sua nulidade, nos termos do disposto no artigo 133.º, n.º 1, alínea d), da LEOAL.

Regulando o modo de manifestação do voto, determina o n.º 4 do artigo 115.º da LEOAL que o eleitor "assinala com uma cruz, em cada boletim de voto, no quadrado correspondente à candidatura em que vota», não sendo considerado voto nulo o do boletim de voto em que "a cruz, embora não sendo perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado, assinale inequivocamente a vontade do eleitor (artigo 133.º, n.º 2, da LEOAL).

Mas nada mais se deve acrescentar no boletim de voto, sendo nulo o boletim de voto que, para além da referida cruz, contenha "qualquer corte, desenho ou rasura» ou em que seja escrita "qualquer palavra» [artigo 133.º, n.º 1, alíneas d) e e), da LEOAL].

A jurisprudência constitucional, sublinhando a estrita exigência com que a lei regula o ato de comunicação da vontade eleitoral, tem considerado que "o boletim de voto, além da cruz marcada no quadrado correspondente à candidatura escolhida, não pode conter qualquer outro sinal (corte, desenho ou rasura)», não podendo deixar de ser havido como desenho, determinante da nulidade do voto, "qualquer outro traço separado que figure noutro lugar do boletim, que não no quadrado marcado pela cruz. Segundo a mesma jurisprudência, "a finalidade visada pelo legislador com as normas de qualificação dos votos como nulos não é apenas a de assegurar com rigor a determinação da vontade do eleitor, mas também garantir a tutela do sigilo de voto, pelo que todo o sinal que sirva ou possa servir para determinar a pessoa do eleitor deve conduzir à nulidade do voto» (cf., entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 614/89, 438/00, 21/02 e 530/09).

Assim, consideraram-se nulos votos que apresentavam uma cruz, no quadrado correspondente a dada candidatura, e destacada desta, mas dentro do mesmo quadrado, um desenho com a forma da letra P (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 541/09); votos em cujos boletins foram apostas cruzes sobre o símbolo de um partido e ou fora dos quadrados reservados à sua aposição (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 614/89, 863/93, 602/01, 563/05, 565/05, 11/02, 2/08 e 523/09); votos em cujo boletim consta, para além da cruz no quadrado a ela destinado, um traço vertical dentro do quadrado de outro partido (Acórdãos n.º 6/98 e 438/00); voto em cujo boletim foi aposto traço que assinala, de modo mais ou menos evidente, um outro quadrado para além daquele que é marcado pela cruz aposta no quadrado correspondente (Acórdão 6/98); o boletim de voto no qual existe, para além de uma cruz clara e perfeitamente assinalada num dos quadrados, marcada com um traço muito firme, de cor azul, uma linha ténue, também de cor azul, atravessando a parte inferior direita do quadrado respeitante a outro partido (Acórdão 21/02); boletins de voto assinalados no quadrado reservado a dado partido político e com um leve traço no quadrado reservado a outro partido político (Acórdão 11/02).

Em todos os casos descritos se julgaram, pois, comprometidos, ou os valores normativos de inequivocidade da vontade eleitoral, pela ambivalência evidenciada pelos sinais apostos no boletim de voto, ou o sigilo do voto, pela virtualidade identificativa contida nos sinais em apreciação.

Não se afigura que o boletim de voto ora em apreciação padeça, em razão do traço/risco nele aposto, de vício que, nos termos da lei, possa objetivamente comprometer os valores cuja tutela se pretendeu garantir com o regime legal vigente, em matéria de manifestação do voto e sua validade.

Com efeito, parece claro que o traço/risco constante do boletim de voto invalidado pela assembleia de apuramento geral, como aliás reconhecido pelo seu presidente, não é de molde a lançar qualquer dúvida sobre a opção de voto evidenciada pela nítida e incontroversa aposição de uma cruz no quadrado correspondente ao Partido Socialista. Além de que tudo indicia que aposição do traço/risco resultou de um gesto involuntário, o certo é que, quer pela sua localização (exterior a qualquer dos restantes quadrados, ainda que no final da linha correspondente ao PSD e próxima do respetivo quadrado), quer pelas suas características manifestamente inexpressivas, não só não compromete objetivamente a interpretação da vontade eleitoral do votante - que, no descrito contexto, se revela unívoca - como se mostra incapaz de identificar, seja sob que perspetiva for, a identidade do eleitor votante (cf., apreciando caso substancialmente idêntico, Acórdão 530/09).

O risco/traço constante do boletim de voto ora em apreciação não configura, pois, pelas descritas razões - que, no essencial, assentam numa ideia de adequação e proporcionalidade a que o regime em causa, ainda que de legalidade estrita, não pode ser alheio - corte, desenho ou rasura determinante da anulação do voto nele contido, pelo que se impõe a procedência do recurso, com a consequente revogação da deliberação recorrida, sendo certo que também não constitui causa invalidante do voto, como é evidente, a circunstância de terem sido posteriormente apostas na frente do respetivo boletim, e não no verso, as rubricas a que alude o disposto no n.º 1 do artigo 137.º da LEOAL, como decorre dos autos.

5 - Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar procedente o recurso, revogando, em consequência, a deliberação recorrida.

Lisboa, 7 de outubro de 2013. - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Guerra Martins - Pedro Machete - Maria João Antunes (votei o conhecimento do objeto do recurso, porque, contrariamente ao sustentado, a lei não exige a prévia reclamação pelo próprio recorrente. No caso, foi apresentada reclamação, a mesma foi decidida e dela interposto o presente recurso) - Maria de Fátima Mata-Mouros - José da Cunha Barbosa - Catarina Sarmento e Castro - Maria José Rangel de Mesquita - João Cura Mariano - Fernando Vaz Ventura - Maria Lúcia Amaral - Lino Rodrigues Ribeiro - Joaquim de Sousa Ribeiro.

207324452

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/312718.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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