I - Relatório 1 - O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão 393/2011, julgou não prestadas as contas anuais de 2010 do Partido Popular Monárquico (PPM) e do Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP). Reconhecendo aquele Acórdão a violação, pelos aludidos Partidos, do dever estatuído no artigo 26.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho, foi ordenada a notificação do Ministério Público, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro, para promover a aplicação das respetivas coimas. Na sequência, o Ministério Público promoveu que se apliquem medidas sancionatórias do referido incumprimento em relação aos citados Partidos e aos respetivos responsáveis, Valdemar Pedro Cabral da Câmara Almeida (Secretário-geral do PPM) e Domingos António Caeiro Bulhão (membro do Comité Central do PCTP/MRPP).
2 - Nenhum dos responsáveis a quem a Promoção imputa responsabilidades contraordenacionais respondeu e o PCTP/MRPP limitou-se a informar que «o responsável pela elaboração e apresentação das contas anuais do Partido relativas ao ano de 2010 é o Sr. Domingos António Caeiro Bulhão».
II - Fundamentação 3 - O Tribunal aplicou coimas pela não apresentação de contas anuais, mais recentemente, no Acórdão 104/11. Neste Acórdão teve oportunidade de se pronunciar sobre algumas questões gerais respeitantes à imputação subjetiva da infração em causa, nomeadamente sobre os critérios de imputação da responsabilidade «dos dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem na infração», sobre a punibilidade como contraordenação da referida não apresentação e sobre o elemento subjetivo das contraordenações em questão. Tendo presente tudo quanto então se disse sobre estas matérias, vejamos agora a contraordenação concretamente imputada na Promoção do Ministério Público (doravante Promoção), elaborada na sequência do Acórdão 393/2011.
4 - Da falta de apresentação de contas anuais dos partidos A ilegalidade verificada no Acórdão 393/2011 consistiu na falta de apresentação, nos termos do artigo 26.º, n.º 1, da Lei 19/2003, das contas anuais de 2010, falta essa sancionada pelos n.os 1 e 2 do artigo 29.º da mesma lei.
4.1 - O Ministério Público promove a aplicação de coimas ao Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP) e ao membro do Comité Central do Partido Domingos António Caeiro Bulhão pela citada omissão. Este último não apresentou resposta, limitando-se o PCTP/MRPP a indicar que o referido dirigente era o «responsável pela elaboração e apresentação das contas anuais do Partido relativas ao ano de 2010».
4.1.1 - Em relação ao PCTP/MRPP, face ao que consta dos autos e ao que ficou julgado no Acórdão 393/2011, na ausência de qualquer justificação, procede a imputação da violação do dever de entrega das contas anuais de 2010.
4.1.2 - Já quanto ao dirigente a quem a Promoção imputa responsabilidade pessoal pela prática da infração, o próprio Partido identificou Domingos António Caeiro Bulhão como o responsável pela elaboração e entrega das contas anuais. Sobre esta exata questão pronunciou-se este Tribunal no Acórdão 301/2011, reproduzindo o que fora afirmado no Acórdão 198/2010, onde se concluía que:
«[...] o efeito verdadeiramente produzido foi o da concentração na figura de Domingos Bulhão de poderes que, embora de forma partilhada, este já exercia. Assim caracterizável, o acto em presença parece corresponder, pois, a algo que os estatutos do partido expressamente não prevêem mas a que também se não opõem, quer de forma directa, quer indirectamente por incompatibilidade de sentido com outras das soluções neles consagradas. E, deste ponto de vista, parece poder aceitar-se que a referida delegação, correspondendo a prática auto-reguladora compatível com o enquadramento estatutário do partido, conduziu a que, materialmente, tal dever tivesse passado a caber apenas ao Sr. Domingos Bulhão e, portanto, que só este responda pela respectiva erosão.» Porque nestes autos a situação é em tudo idêntica, vale o que ficou reproduzido, sendo sobre o identificado dirigente que recai, em especial, o dever de garante do cumprimento das regras aplicáveis ao financiamento partidário e, nomeadamente, do dever de apresentação das contas do Partido ao Tribunal.
4.2 - O Ministério Público promove também a condenação do Partido Popular Monárquico (PPM), bem como do respetivo Secretário-geral, Valdemar Pedro Cabral da Câmara Almeida, pela citada omissão. O PPM e o indicado responsável nada disseram.
4.2.1 - Quanto ao PPM, face ao que consta dos autos e ao que ficou julgado no Acórdão 393/2011, na ausência de qualquer justificação, procede a imputação da violação do dever de entrega das contas anuais de 2010.
4.2.2 - Já quanto ao dirigente a quem a Promoção imputa responsabilidade pessoal pela prática da infração, tratando-se do incumprimento da obrigação de entrega das contas, apenas podem ser responsabilizados os dirigentes que, pelos estatutos do Partido ou por decisão válida dos seus órgãos, estavam efetivamente obrigados a garantir tal entrega. Ora, o atual n.º 1 do artigo 30.º dos Estatutos do PPM define a Comissão Política Nacional como o órgão de direção política permanente do Partido. E de entre os membros que compõem aquela Comissão, assume particular relevância, em matéria de contas, a competência do Secretário-geral, já que, de acordo com a alínea e) do n.º 5 do referido artigo 30.º dos Estatutos, compete ao Secretário-geral elaborar e submeter à Comissão Política Nacional o orçamento e as contas do Partido. Ou seja, resulta evidente dos Estatutos do PPM que o Secretário-geral, que dirige os serviços centrais, tem responsabilidades específicas em matéria de contas do Partido, de sorte que tal dirigente não ignorava a imperativa necessidade de as contas anuais serem elaboradas e tempestivamente apresentadas ao Tribunal. Assim sendo, a omissão da respetiva entrega não pode deixar de onerar o Secretário-geral, Valdemar Pedro Cabral da Câmara Almeida, por ter faltado ao dever de garantir que tais contas fossem efetivamente entregues. Procede, portanto, quanto ao indicado dirigente, a imputação da violação do dever de entrega das contas anuais de 2010.
5 - Resta salientar que os factos em que se consubstanciam as ilegalidades supra verificadas devem ser imputados ao PTCP/MRPP e ao membro do Comité Central do Partido Domingos António Caeiro Bulhão, bem como ao PPM e ao seu Secretário-geral, Valdemar Pedro Cabral da Câmara Almeida, a título de dolo: está em causa o cumprimento de regras específicas relativas ao financiamento dos partidos políticos que estes e os seus responsáveis não podem, em consciência, deixar de conhecer, pelo que o incumprimento dos deveres que para os partidos e dirigentes responsáveis decorrem da Lei 19/2003 deve, na ausência de motivos justificativos, que no caso não foram apresentados, ser-lhes imputado a título de dolo, já que não podiam deixar de conhecer e representar não só as exigências legais quanto à apresentação das contas mas também as consequências decorrentes da omissão do cumprimento de tal dever.
6 - Das consequências jurídicas das contraordenações Nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003, as coimas aplicáveis aos agentes das contraordenações supra verificadas são as seguintes:
i) Os partidos políticos que não cumprirem as obrigações impostas são punidos com coima que varia entre 10 e 400 salários mínimos mensais nacionais (SMMN), além da perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos;
ii) Os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem na infração são punidos com coima que varia entre 5 e 200 SMMN.
Por sua vez, de acordo com o disposto no Decreto-Lei 143/2010, de 31 de dezembro, o valor da remuneração mínima mensal nacional vigente no ano de 2011, ano do cumprimento da obrigação da entrega das contas, ascendia a (euro)485,00. Da conjugação das referidas normas resulta que:
i) A coima a aplicar aos partidos oscila entre (euro)4.850,00 e (euro)194.000,00;
ii) A coima a aplicar aos dirigentes dos partidos oscila entre (euro)2.425,00 e (euro)97.000,00.
6.1 - A determinação da medida concreta das coimas dentro destas molduras legais seguirá o critério previsto no artigo 18.º do RGCO, ou seja, será feita em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício que este haja retirado da prática da contraordenação. Quanto às circunstâncias concretas que contextualizam as contas em causa, impõe-se frisar que a obrigação de apresentação das contas é essencial ao controlo da legalidade do financiamento dos partidos políticos, pelo que não pode a mesma ser ignorada ou menosprezada pelos partidos. Por outro lado, se é certo que partidos mais pequenos podem ter meios mais escassos, tal não os isenta da obrigação de apresentar contas, tanto mais que as suas contas serão, à partida, bem menos complexas e extensas que as de um partido de maior dimensão.
6.2 - Assim sendo, considera-se que a violação do artigo 26.º, n.º 1, da Lei 19/2003 deve ser sancionada nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 29.º da mesma lei, do seguinte modo:
A) Ao PPM, pela falta de apresentação das contas de 2010 e considerando que havia já omitido a entrega das contas de 2009, a coima a aplicar deve ser fixada em (euro)15.000,00;
Ao Secretário-Geral do PPM, Valdemar Pedro Cabral da Câmara Almeida, uma vez que estão em causa os mesmos factos (embora, no caso, não fosse Secretário-Geral à data da omitida entrega das contas de 2009), a coima a aplicar deve ser fixada em (euro)3.000,00.
B) Ao PCTP/MRPP, pela falta de apresentação das contas de 2010, a coima a aplicar deve ser fixada em (euro)12.000,00;
Ao membro do Comité Central do Partido, responsável pela elaboração e entrega das contas, Domingos António Caeiro Bulhão, uma vez que estão em causa os mesmos factos, a coima a aplicar deve ser fixada em (euro)3.000,00.
III - Decisão 6 - Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
a) Condenar o Partido Popular Monárquico (PPM), pela prática da contraordenação prevista no n.º 1 do artigo 29.º da Lei 19/2003, na coima de (euro)15.000,00;
*b) Condenar o Secretário-Geral do PPM, Valdemar Pedro Cabral da Câmara Almeida, pela prática da contraordenação prevista no n.º 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003, na coima de (euro)3.000,00;
*c) Condenar o Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP), pela prática da contraordenação prevista no n.º 1 do artigo 29.º da Lei 19/2003, na coima de (euro)12.000,00;
*d) Condenar o membro do Comité Central do PCTP/MRPP, Domingos António Caeiro Bulhão, pela prática da contraordenação prevista no n.º 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003, na coima de (euro)3.000,00.
* Retificado conforme despacho em Plenário de 30 de maio de 2012.
Lisboa, 15 de fevereiro de 2012. - Gil Galvão - João Cura Mariano - Ana Maria Guerra Martins - Catarina Sarmento e Castro - Joaquim de Sousa Ribeiro - Vítor Gomes - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria Lúcia Amaral - J. Cunha Barbosa - Maria João Antunes - Carlos Fernandes Cadilha - Rui Manuel Moura Ramos.
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