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Parecer 4/2017, de 30 de Maio

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Sumário

Parecer sobre Perfil dos Alunos para o Século XXI

Texto do documento

Parecer 4/2017

Parecer sobre Perfil dos Alunos para o Século XXI

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Parecer elaborado pelos relatores Álvaro Almeida dos Santos e João Paulo Arriegas Correia Leal, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 19 de abril de 2017, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo assim o seu terceiro Parecer do ano de 2017.

Nota introdutória

O presente parecer responde a uma solicitação do Ministério da Educação ao Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre o Documento "Perfil dos alunos à saída da Escolaridade Obrigatória", elaborado pelo Grupo de Trabalho criado nos termos do Despacho 9311/2016, de 21 de julho.

A solicitação do parecer incide sobre um relatório de trabalho, o que permite ao CNE contribuir para uma reflexão em torno do documento base, que constitua uma valorização do mesmo. O CNE salienta a relevância da temática, presente em estudos, pareceres, recomendações e publicações, a nível nacional e internacional, ao longo das últimas três décadas, com particular incidência no período decorrente após a viragem para o século XXI.

O CNE sublinha, também, a importância do documento, que constitui um referencial estruturante para a educação escolar nos próximos anos, assim como a sua oportunidade, perante o alargamento da escolaridade obrigatória de doze anos.

O parecer estrutura-se em três partes: uma primeira em que se efetua uma contextualização, tão breve quanto possível, designadamente a nível internacional, bem como um enquadramento conceptual de "competências", com base no Relatório Técnico Perfil do aluno - competências para o século XXI, que acompanha o presente parecer. Procede-se, de seguida, a uma apreciação global do documento e apresentam-se algumas recomendações.

1 - Enquadramento

A discussão em torno das competências de que os alunos necessitam para o século XXI não constitui novidade, tendo mesmo dado origem a novos currículos em diversos sistemas educativos internacionais. Pensamento crítico e resolução de problemas, por exemplo, surgem como dimensões associadas ao desempenho académico e aos processos de ensino e aprendizagem, com ênfase na necessidade do seu desenvolvimento para a consecução do sucesso individual e coletivo.

O CNE tem participado ativamente desta discussão. Em 2004 realizou um estudo sobre Saberes Básicos de todos os cidadãos no séc. XXI e, em 2011, o Seminário Que Currículo para o séc. XXI?, em parceria com a Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República. Realça-se aqui o Debate Nacional sobre Educação (DNE), quer pela sua dimensão territorial e temporal, quer pela diversidade dos participantes e abrangência dos temas. Promovido pelo CNE em 2006, por incumbência da Assembleia da República, o DNE focou-se na pergunta como vamos melhorar a educação nos próximos anos, tendo em vista construir um Portugal mais moderno e mais justo?, sendo uma das questões fundamentais Que saberes, que competências serão necessários para o cidadão do século XXI?

O termo competência apresenta, no entanto, uma enorme diversidade conceptual e resulta, por vezes, da tradução de diferentes vocábulos da língua inglesa: skill, competence ou ainda competency. O recurso a este termo patenteia algumas dificuldades, em resultado de várias interpretações. Apesar de se poder configurar como um conceito "difuso" (fuzzy concept) e de não corresponder atualmente a uma definição consensual, as diversas perspetivas parecem apontar para uma formulação que pode ser genericamente considerada como a capacidade de mobilizar adequadamente os resultados da aprendizagem/conhecimentos prévios num determinado contexto. É para este sentido que o conceito de competências presente no documento do Perfil do aluno para o século XXI parece remeter.

O conhecimento surge assim como um elemento essencial para o desenvolvimento de competências. Não devem, portanto, ser entendidas como dimensões em oposição, porquanto se inter-relacionam. A valorização das várias vertentes do conhecimento (saber, saber fazer, saber ser) pela escola pode constituir um elemento importante de uma política de justiça social.

Como atrás referido, existem várias conceptualizações sobre a natureza das competências para o século XXI e diversas políticas educativas internacionais têm vindo a promover a integração destas competências nos seus currículos. Parece haver consenso entre os diferentes referenciais construídos, quanto a algumas dessas competências (e. g. P21, ATC21S, UE, UNESCO, OCDE), nomeadamente quanto às que se inscrevem nas áreas da colaboração, comunicação e tecnologias de informação e comunicação e aptidões sociais e/ou culturais, bem como nas áreas da criatividade, do pensamento crítico, da resolução de problemas e da iniciativa. Não há, contudo, consenso quanto à indicação de temas centrais (core subjects) nesses referenciais.

Além disso, verifica-se uma diversidade de abordagens desenvolvidas pelos países, por exemplo baseadas em habilidades/aptidões ou competências; em matérias/disciplinas; em objetivos e princípios; através de grandes questões da sociedade ou do desenvolvimento de qualidades pessoais; ou mistas. A maioria destes referenciais enfatiza as aptidões e competências que os alunos devem adquirir (learning outcomes) e evidencia a importância do papel dos professores e do seu desenvolvimento profissional, assim como do envolvimento de outros intervenientes, tais como autoridades locais, investigadores, pais e família, organizações profissionais.

As finalidades de um sistema educativo, que estão subjacentes a muitos dos quadros de referência analisados, contemplam três dimensões: de desenvolvimento pessoal (capacidades de saber questionar o adquirido e de saber pensar, de gerir emoções e negociar conflitos), de cidadania (ativa e participativa - princípio da civilidade e ética da responsabilidade para com os outros e a sociedade) e profissional (na trilogia de conhecimento, habilidades/aptidões e atitudes, indispensável à aquisição de qualificações), exigindo uma capacidade de adaptação e de resposta aos desafios de um mundo global.

Os diferentes países procuram reforçar os princípios de qualidade e equidade (igualdade de oportunidades, com sentido de justiça), proporcionando condições de progressão nos sistemas de educação e formação às crianças e jovens, de modo a que completem a sua escolaridade obrigatória com as competências necessárias a uma aprendizagem ao longo da vida.

Muitos são os documentos emanados do CNE que referem as finalidades da educação e salientam a importância de uma escola autónoma, livre e responsável. No Parecer 2/2004 diz-se, por exemplo, que "A educação, como processo de nos tornarmos pessoas ou de nos fazermos a nós próprios, exige contextos ou espaços favoráveis, desde logo espaços pautados pelo exercício da autonomia, da liberdade e da responsabilidade". Mas acrescenta que a escola precisa de todos os outros recursos educativos das comunidades locais para que os seus fins sejam plenamente atingidos, sem esquecer o papel central dos professores no processo de ensino e aprendizagem: "A literatura científica e vários documentos de política internacional têm vindo a sublinhar o reconhecimento do papel central da ação docente e a sua relevância na qualidade da educação e do ensino" (Parecer 4/2016).

A ideia de que o foco deve estar numa educação de qualidade para todos, assente em percursos diferenciados, é mencionada em diversos pareceres, nomeadamente no Parecer 3/2016, que refere "A promoção da qualidade do ensino e das aprendizagens para todos e com todos, entendendo-a aqui na sua multidimensionalidade, tem de se traduzir em proporcionar percursos de qualidade para cada aluno" e "Todos podem aprender e progredir, realizando aprendizagens significativas e que tenham bem vivo o seu sentido de utilidade, e promovendo a aquisição real de saberes e de competências, devidamente incluídas em atividades programadas e curricularmente enriquecidas".

Importa igualmente ter presente o que a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), enquanto referências primeiras e incontornáveis, estabelecem sobre a matéria.

Da Lei Fundamental resulta que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, deve contribuir para o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade dos indivíduos (n.º 2 do artigo 73.º da CRP). Por sua vez, a LBSE define, em consonância com a CRP, o sistema educativo como o conjunto de meios pelo qual se concretiza o direito à educação, que se exprime pela garantia de uma permanente ação formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade. Identifica como princípio geral do sistema o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho. Acrescenta que a educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva (artigo 1.º e n.os 4 e 5 do artigo 2.º da LBSE).

Na definição das regras que concretizam aqueles princípios e objetivos fundacionais e que garantem o exercício efetivo daqueles direitos fundamentais, impõe-se considerar a dimensão que a CRP denomina desenvolvimento da personalidade e a LBSE desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, isto é, considerar a formação da pessoa como a principal finalidade do sistema educativo. Tal dimensão envolve diversos conceitos e atributos identificados nos normativos, designadamente, liberdade, autonomia, civilidade, disciplina, respeito, tolerância, solidariedade e espírito crítico.

Contudo, a execução dos princípios e objetivos gerais inscritos na CRP e na LBSE que foi sendo sucessivamente inscrita em regulamentação, com frequência condicionada por constrangimentos de ordem financeira, fatores de caráter ideológico ou motivos contingentes, alterou as linhas de rumo, justificando apelos para uma maior estabilidade e para o estabelecimento de consensos alargados nesta matéria.

Avanços e recuos no âmbito da definição de programas, implementação e abolição do currículo nacional, estabelecimento de metas, alterações de desenhos curriculares, com maior ou menor peso relativo de áreas curriculares, bem como instrumentos e objeto da aplicação da avaliação externa de alunos, constituem exemplos desta instabilidade.

Nessa medida, parece importante perceber como é que se enquadra a necessidade de um perfil que constitua referência para currículos, pedagogias e didáticas.

2 - Apreciação do documento

Pertinência e oportunidade

O documento "Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória" constitui um referencial estruturante para a educação escolar dos próximos anos. O alargamento recente da escolaridade obrigatória para doze anos obriga a repensar as suas finalidades, o currículo e os processos de ensino e aprendizagem.

Para além da sua pertinência, assinala-se a sua utilidade, já reclamada em oportunidades anteriores, inclusivamente no seio do CNE. Por exemplo, na síntese que abre o relatório do Debate Nacional sobre Educação é referido que: "[...] importa recolher os contributos deste Debate em ordem a redefinir os perfis de saberes e competências a adquirir por todos no termo dos principais ciclos de estudo, bem como os instrumentos da respetiva aferição e avaliação". Ao longo do referido documento por diversas vezes é mencionada a necessidade de referenciais de competências: "Para tanto, será necessário alargar as vias científicas, tecnológicas e profissionais do ensino secundário, no que respeita à definição de referenciais de competências e às qualificações baseadas em competências, ..." e enumera mesmo as competências básicas necessárias que todos os jovens portugueses deveriam alcançar, ainda que por percursos educativos diferenciados e mais adequados a cada situação educativa especial.

Pelo exposto, importa ainda sublinhar a oportunidade do seu aparecimento e da discussão que suscita, recuperando e reclamando novas formas de organização e desenvolvimento curricular nas escolas. No entanto, o documento só fará sentido se ocorrer uma efetiva apropriação das suas linhas de ação pelas e nas escolas.

Nos princípios e fundamentos, o documento adota um enquadramento teórico que esteve na base da elaboração do "Currículo Nacional do Ensino Básico- Competências Essenciais", de 2001, que viria a ser revogado dez anos mais tarde. A quantidade e a qualidade das reflexões e dos contributos produzidos precedendo a sua elaboração e no decurso da sua aplicação, a partir dos anos finais da década de 90, justificam a sua inclusão na reflexão acerca da temática.

Entendemos que esta reflexão não se esgota, ao nível do CNE, com a aprovação do presente parecer, porquanto as condições para a sua operacionalização, incluindo as implicações organizativas, de formação dos professores e gestão curricular deverão ser objeto de análise e debate futuros.

Dada a diversidade de conceitos utilizada no Perfil, seria importante que um documento desta natureza introduzisse a fundamentação que lhe está subjacente e utilizasse uma linguagem tão clara quanto possível, considerando a variedade de públicos a que se destina.

Ancoragem de um perfil

Na sua essência, um perfil é uma descrição ou relato em que se faz a traços rápidos o retrato moral e/ou físico de uma pessoa. Sendo grande a variedade de públicos e trajetos existentes na nossa escola e pretendendo este documento enquadrar a sua totalidade, o termo perfil poderá induzir a uma interpretação diversa da pretendida. Como se afirma no próprio documento em análise, "A referência a um perfil não visa, porém, qualquer tentativa uniformizadora, mas sim criar um quadro de referência que pressuponha a liberdade, a responsabilidade, a valorização do trabalho, a consciência de si próprio, a inserção familiar e comunitária e a participação na sociedade que nos rodeia". Neste sentido, poder-se-ia optar pelo termo "Referenciais" ou "Quadro de Referência".

Apesar de declarar a preferência por um quadro referencial e a rejeição de uma tentativa uniformizadora, na página 7 defende-se que "o perfil dos alunos no final da escolaridade obrigatória estabelece uma visão de escola e um compromisso da escola, constituindo-se para a sociedade em geral um guia que enuncia os princípios fundamentais em que assenta uma educação que se quer inclusiva". Será legítimo interrogar se a visão proposta não deveria ter mais suporte na LBSE. Muito embora os princípios enunciados no documento não contrariem os formulados naquela Lei, seria pertinente evidenciar a articulação entre aqueles princípios e a resposta que este documento oferece perante a extensão da escolaridade obrigatória.

Princípios e visão

Os princípios enunciados no documento, que subjazem ao trabalho de natureza curricular, estabelecem um quadro referencial que procura responder ao caráter complexo e imprevisível que carateriza a sociedade atual. O rápido desenvolvimento e ubiquidade das tecnologias de informação e comunicação tende a redefinir, sucessivamente, as fronteiras das possibilidades educativas. Por outro lado, a fragmentação curricular, em que a lógica disciplinar é ainda muito acentuada, exige um esforço de procura de equilíbrios, condições formativas e organizacionais para que as metodologias de ação se orientem para as práticas pedagógicas e didáticas adequadas às finalidades enunciadas. Entende-se, por isso, que o conteúdo do documento poderá produzir um efeito estruturante que ultrapassa o âmbito de um simples referencial orientador de processos de ensino e aprendizagem. Essa é uma possibilidade expressa no documento quando nele se afirma que "[...] todos os que têm responsabilidades na educação encontram neste documento a matriz para a tomada de decisão sobre as opções de desenvolvimento curricular, consistentes com a visão de futuro definida como relevante para os jovens portugueses do nosso tempo"(p. 7).

A LBSE institui uma dupla finalidade da escolaridade, particularmente a de nível secundário, organizando-se segundo formas diferenciadas, contemplando uma via predominantemente orientada para o prosseguimento de estudos e outra para a inserção na vida ativa. Muito embora na Nota Introdutória se afirme que "Uma escolaridade obrigatória de doze anos constitui um desafio na medida em que implica a consideração de percursos educativos diferenciados, atendendo à variedade de públicos e respetivos objetivos formativos" (p. 7), a existência de "uma visão" comum à escolaridade obrigatória deve sempre assegurar a liberdade de opção por parte das escolas, dos alunos e dos pais e encarregados de educação. Entende-se que será relevante sublinhar que, desde os anos iniciais, a escola deve viver e promover uma cultura de responsabilidade.

Entende-se desejável que a operacionalização do perfil garanta o equilíbrio entre os princípios enunciados e as finalidades propostas, de forma a proporcionar estabilidade para o desenvolvimento de uma matriz de conhecimentos, capacidades, valores e atitudes, que não estabeleça uma relação de hierarquia entre si, assegurando que todos contribuam para a formação do jovem. Nesta linha, salienta-se a importância de reconhecer que constitui missão da escola a valorização do saber e a promoção da curiosidade intelectual dos alunos.

Competências-chave e referências internacionais

O documento do grupo de trabalho desenvolve-se em torno de um conjunto de competências-chave, que sustentam a definição de um perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória, competências essas que têm estado presentes em algumas reformas curriculares do século passado.

As notas de rodapé 1 e 2 desse documento dão conta de algumas referências internacionais, entendidas como documentos enquadradores. Estas referências evidenciam a influência das perspetivas educativas da União Europeia e sobretudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) na elaboração do documento, tendo sido incorporados diversos aspetos. Em alguns passos, designadamente, as sugestões baseiam-se em esquemas e conceitos que têm sido desenvolvidos a nível internacional, mas simplifica-se o modelo (Figura 1 do documento em análise), perdendo-se as subdimensões do conhecimento e das aptidões e ainda a dimensão valores do modelo original (Figura 2.3. do relatório técnico).

Apresenta um referencial estabelecido em dez categorias, número superior ao de outros referenciais internacionais conhecidos, pelo se sugere um esforço de conjugação de algumas das competências-chave. A título de exemplo, sugere-se que as competências-chave "consciência e domínio do corpo" e "bem-estar e saúde" poderiam ser integradas numa única competência-chave.

Merece destaque que no ponto 5 (competências-chave) se defenda que os sistemas têm vindo a evoluir no sentido de desenvolver "competências-mobilizadoras de conhecimentos, de capacidades e de atitudes" que permitam uma efetiva ação humana.

De entre os grandes desafios que se colocam ao cidadão do século XXI, a preservação do ambiente surge como necessidade de salvaguarda da equidade entre gerações, assente num modelo de desenvolvimento sustentável. Por outro lado, educar para a liberdade, para a responsabilidade, para o respeito para com o outro associam-se à ideia de educação para a sustentabilidade. Implicam a ação colaborativa para o bem comum e "[...] com vista à construção de um futuro sustentável". O documento inclui-os nos seus princípios e explicita-os, depois, nas competências-chave.

As aptidões e conhecimentos considerados fundamentais para o século XXI nos países-membros da OCDE, de acordo com o trabalho 21st Century skills and competences for new millennium learners in OECD countries, são variadas e incluem, entre outras, criatividade/inovação, pensamento crítico, resolução de problemas, tomada de decisão, comunicação, colaboração, literacia no uso e acesso à informação, investigação e pesquisa, literacia mediática, cidadania digital, operações e conceitos em TIC, flexibilidade e adaptabilidade, iniciativa e auto-orientação, produtividade, e liderança e responsabilidade (ver em detalhe no relatório técnico). Anote-se que no grau inferior de perceção de importância, ou mesmo entendido como não importante pela maioria dos países respondentes, encontra-se a "produtividade". Este facto convida à nossa reflexão quando em muitas escolas ainda se privilegia a quantidade em detrimento da qualidade do trabalho dos alunos. Será ainda de relevar a importância dada à pesquisa e resolução de problemas e ao conhecimento científico (no seu sentido mais lato) que serão fundamentais num mundo em constante mudança.

Escola e parceiros educativos

Ao longo de todo o documento em análise, o enfoque é colocado na escola. Apenas de modo pontual, no Prefácio, são referidos outros parceiros igualmente importantes para a formação dos alunos como pessoas autónomas e responsáveis e cidadãos ativos, como por exemplo a família.

A inclusão de outros atores (família, parceiros sociais) na vida escolar, designadamente nos órgãos de administração e gestão, tem constituído uma opção dos tempos mais recentes. Não será, portanto, de menosprezar a sua importância como parceiros igualmente relevantes para a consecução dos referenciais educacionais que se apresentam no documento e que, em nosso entender, não se esgota na educação escolar.

Nenhuma abordagem teórica prescreve ações concretas a realizar em sala de aula. Porém, um quadro teórico consistente orienta as opções dos decisores políticos e a planificação das atividades letivas. A aprendizagem ocorre num quadro situacional, num dado contexto, ativamente construído através da negociação social. Nesse sentido, poder-se-á, igualmente afirmar que as aprendizagens não ocorrem exclusivamente nas salas de aula e não se limitam à educação escolar: a família, o clube desportivo, a igreja, o grupo recreativo, os grupos de referência, entre outros, constituem locus de aprendizagem.

Implicações práticas

No ponto que remete para implicações práticas (ponto 6), relevam-se ações relacionadas com a atividade docente, que se consideram determinantes para o desenvolvimento do perfil do aluno. Não obstante elas comportarem alterações de abordagem e gestão curricular, não pretendemos afirmar que tal implique a necessidade de recuperar a solução das áreas curriculares não disciplinares (Área de Projeto, Estudo Acompanhado, Formação Cívica), apesar da contribuição valiosa que estas exerceram para a formação cívica, humanística e científica dos alunos, enquanto vigoraram.

Existem, atualmente, exemplos de soluções organizacionais que favorecem o trabalho colaborativo dos professores, em projetos específicos ou no âmbito de modelos de ensino por "equipas ou por turmas contíguas". O Parecer 3/2016 do CNE salienta que este modelo de organização permite "o desenvolvimento de projetos de gestão integrada do currículo e a formação prévia de equipas multidisciplinares de professores. Este modelo tem dado provas da sua eficácia, requer uma mobilização da direção, das lideranças intermédias e de equipas docentes, pois tem profundas implicações no modo de organização da atividade semanal" (p. 14).

O trabalho com a abordagem Content and Language Integrated Learning (CLIL) - aprendizagem integrada de conteúdos e de língua estrangeira -, através do qual os alunos aprendem conteúdos e desenvolvem competências de comunicação, associando-os à prática de resolução de problemas e à integração de saberes, constitui um exemplo de gestão curricular que implica o trabalho colaborativo em atividades baseadas em temáticas multidisciplinares, e tem vindo a surgir em algumas escolas públicas e privadas. Estes constituem exemplos, entre outros, que configuram a necessidade de confiar na "[...] inteligência profissional dos docentes, aplicada a uma enorme diversidade de situações pedagógicas e à flexibilidade organizacional e curricular de cada escola" (idem, p. 15).

A operacionalização do "perfil de competências" implica, portanto, a adoção de uma abordagem pedagógica interdisciplinar, que não se coaduna com a prevalência de uma lógica disciplinar acentuada. Por isso, entende-se que será necessário realizar um esforço para se encontrarem equilíbrios e condições formativas e organizacionais para que as metodologias de ação se orientem para práticas pedagógicas e didáticas adequadas às finalidades enunciadas.

As mudanças no sistema têm frequentemente surgido como acontecimentos, com avanços e recuos e sem tempo para consolidação. O documento em análise poderá constituir o princípio da reversão dessa tendência, uma vez que desafia todo o conjunto da nossa estrutura educacional, constituindo uma referência orientadora das políticas educativas. A sua operacionalização implica alterações curriculares e de funcionamento das escolas, que se pretendem graduais, sustentadas e duradouras. Para além do enunciado, a formação de professores, a definição do nível de autonomia das escolas, designadamente na constituição de turmas ou grupos de alunos, tempos e espaços, assim como o acesso ao ensino superior, encontram-se entre as implicações práticas que o documento suscita.

Por fim, considera-se a possibilidade de alteração de alguns termos. No ponto 4, Valores, sugere-se a substituição de "excelência e exigência" por "exigência e superação", dado que todos os alunos e escolas devem dar o melhor de si, levando as suas possibilidades ao seu máximo. No ponto 5, sugere-se que a competência-chave "pensamento crítico e pensamento criativo" seja associada à cultura científica e humanística e, assim, devidamente sustentada pelo respetivo descritor operativo. O título "Implicações Práticas", ponto 6, tratando-se de um conjunto de ações relacionadas com a prática docente poderia denominar-se "Articulação com a ação educativa".

Em linha com o exposto ao longo deste texto, em face de um documento ambicioso como aquele que se analisa, serão de ponderar as consequências do mesmo. A um novo perfil de aluno deverão corresponder um novo perfil de escola e um novo perfil de professor.

3 - Recomendações

Na sequência da análise feita, o Conselho Nacional de Educação recomenda que:

1 - Seja explicitada a fundamentação que está subjacente à diversidade conceptual utilizada no Perfil de forma a reduzir ambiguidades.

2 - Tal como indicado no Perfil, seja reforçada a importância dos princípios e valores, como fundamento para a construção de linhas orientadoras. Esta importância é por demais crucial num mundo em rápida e constante mudança. Nestas condições, os valores funcionam como âncoras que se pretendem mais resilientes que o próprio conhecimento ou as competências adquiridas.

3 - Seja referido de forma mais enfática o papel relevante que outros parceiros sociais assumem, em conjunto com a escola, na formação de pessoas autónomas e responsáveis e cidadãos ativos. Os locais de aprendizagem que talham a pessoa e o cidadão que se quer no final da escolaridade obrigatória são variados, e contribuem de maneira decisiva na formação e no sucesso da escolarização do aluno.

4 - Seja explicitada a cultura científica e humanística como competência-chave do "pensamento crítico e pensamento criativo", introduzindo-a no descritor operativo, com a seguinte redação: convocar diferentes conhecimentos, de matriz científica e humanística, utilizando diferentes metodologias e ferramentas para pensar criticamente.

5 - Sejam ponderadas as implicações do documento na organização do sistema educativo, nomeadamente ao nível do currículo, das práticas pedagógicas e da formação inicial e contínua dos professores.

6 - As consequentes alterações curriculares que o Perfil suscita sejam efetuadas de forma gradual e progressiva, sem descurar a necessária monitorização e o respetivo acompanhamento.

19 de abril de 2017. - O Presidente, José David Gomes Justino.

310486296

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2986663.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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