Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2011
Acórdão do STA de 13.10.2011, no Processo 565/10.
Processo 565/10 - 1.ª Secção
Acordam no Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:O Ministério da Educação interpôs este recurso para uniformização de jurisprudência com o fundamento de que a decisão recorrida - o acórdão do STA constante de fls. 312 e ss., que confirmou o aresto em que o TCA-Sul mantivera a anulação de um acto, pedida pela aqui recorrida Maria Cristina Nobre Faísca Santos Martins e obtida na 1.ª instância, e lhe somara a condenação da entidade demandada à prática do acto devido - está em contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão do STA de 12/11/2009, proferido no recurso n.º 673/09-11.
O recorrente terminou a sua alegação de recurso formulando as conclusões seguintes:
I - O douto acórdão recorrido não faz uma correcta determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas que o fundamentam;
II - A mesma questão fundamental de direito - a equiparação (ou não) a prestação de serviço efectivo das faltas por doença, por aplicação (ou não) do artigo 103.º do ECD, na redacção dada pelo Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro - foi decidida de forma antagónica pelo acórdão recorrido (proferido no Recurso n.º 565/10, de 30 de Novembro) e pelo acórdão fundamento (proferido no Recurso n.º 673/09-11, de 12 de Novembro);
III - O acórdão recorrido e o acórdão fundamento assentaram em idêntica situação de facto subjacente - a oposição de um docente posicionado no índice remuneratório 340 ao primeiro concurso de acesso para lugares da categoria de professor titular, destinado aos docentes posicionados nos índices remuneratórios 340, 245 ou 299, previsto no artigo 15.º do Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro, e regulamentado pelo Decreto-Lei 200/2007, de 22 de Maio;
IV - É evidente a existência de contradição entre os dois julgados;
V - Ambos os acórdãos se encontram transitados em julgado e desconhece-se jurisprudência recentemente consolidada desse Supremo Tribunal Administrativo que acolha a orientação perfilhada no acórdão ora impugnado, pelo que se julga estarem reunidos os pressupostos exigidos pelos n.os 1 e 3 do artigo 152.º do CPTA para a admissão do presente recurso de uniformização de jurisprudência;
VI - O douto acórdão recorrido, ao determinar a aplicação do artigo 103.º do ECD na redacção dada pelo Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro, ao primeiro concurso de acesso à categoria de professor titular violou as normas constantes da alínea b), do n.º 10, do artigo 10.º do Decreto-Lei 200/2007, de 22 de Maio, do mesmo artigo 103.º, alínea b), do ECD, na redacção dada pelo Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro, e artigo 12.º do Código Civil;
VII - As faltas consideradas como prestação efectiva de serviço não são aquelas que no momento da abertura do referido concurso assim sejam consideradas, porquanto a redacção do artigo 103.º do ECD dada pelo Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro, não se aplica à data dos factos;
VIII - Com a formulação do artigo 10.º n.º 10, alínea b), inciso i) do Decreto-Lei 200/2007, de 22 de Maio, o legislador pretendeu que fosse considerado, para efeito de assiduidade e de caracterização das faltas que se consideram como prestação efectiva de serviço, o regime legal vigente à data em que ocorreram as faltas;
IX - O acórdão recorrido promoveu uma aplicação retroactiva, stricto sensu, da norma do artigo 103.º do ECD dada pelo Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro, alterando o valor jurídico e o significado das faltas dadas pelos docentes na vigência da lei anterior e atribuindo-lhes uma eficácia diferente, o que consubstancia uma violação do princípio da não retroactividade da lei, consagrado no artigo 12.º do Código Civil;
X - Os factos em discussão na lide são as faltas dadas pela Recorrida nos cinco anos com menor número de faltas no período compreendido entre o ano de 1999/2000 e o ano de 2005/2006, inclusive, pelo que não há dúvidas que se verificaram na vigência da lei antiga, sendo os seus efeitos os produzidos à luz daquela lei;
XI - Sempre a lei nova só seria aplicável aos factos ocorridos após a sua entrada em vigor, nos termos da primeira parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, porquanto não está em causa o conteúdo de uma relação jurídica em que é indiferente o facto que lhe deu origem, mas sim, exclusivamente, a produção de efeitos originados em determinados factos;
XII - Se o legislador do Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro, quisesse mudar o efeito das faltas por doença dadas e por dar para todas as situações que pudessem ocorrer no futuro teria declarado expressamente a sua intenção, como fez, em relação a outras disposições, nos n.º 3 e 4 do próprio artigo 15.º do diploma;
XIII - Considerar, a posteriori e indiscriminadamente, todas as faltas por doença como equiparadas a serviço efectivo, como o entendeu o acórdão recorrido, constituiria violação do princípio da igualdade;
XIV - A situação de doença não pode ser considerada como extraordinária e imponderável, precisamente porque o legislador definiu claramente, quer no Decreto-Lei 200/2007, de 22 de Maio, no que concerne ao concurso de acesso à categoria de professor titular, quer no Decreto-Lei 100/99, de 31 de Março, para a generalidade dos restantes casos, os efeitos daí decorrentes para assiduidade do docente ou trabalhador;
XV - A duplicação da referência ao exercício do direito à greve - na alínea b) no n.º 10 do artigo 10.º do Decreto-Lei 200/2007, de 22 de Maio, e nova redacção do artigo 103.º do ECD - só pode ser entendida como uma intenção do legislador em não considerar aplicável ao concurso em apreço a disciplina daquela última norma;
XVI - O Decreto-Lei 100/99, de 31 de Março, não considera as faltas por doença como prestação efectiva de serviço ou procede à sua equiparação, ao contrário do que sucede com outro tipo de faltas que o mencionam de forma taxativa, v.g. as faltas por casamento (cf. n.º 3 do artigo 22.º do Decreto-Lei 100/99), as faltas por nascimento (n.º 4 do artigo 24,º do mesmo diploma) e as faltas por falecimento de familiar (n.º 3 do artigo 28.º do mesmo diploma);
XVII - Deve, pois, ser anulado o douto acórdão recorrido por violação das normas constantes da alínea b), do n.º 10 do artigo 10.º do Decreto-Lei 200/2007, de 22 de Maio, do artigo 103.º, alínea b), do ECD, na redacção dada pelo Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro, e do artigo 12.º do Código Civil, e substituído por acórdão que decida a questão controvertida.
A recorrida não contra-alegou.
O Ex.º Magistrado do MºPº neste Pleno emitiu parecer «no sentido de dever decidir-se de acordo com o acórdão fundamento».
As partes não se pronunciaram sobre essa posição do MºPº, apesar de notificadas para o efeito.
A matéria de facto pertinente é a que o acórdão recorrido já assumira como provada, a qual aqui damos por integralmente reproduzida - como genérica e ultimamente decorre do artigo 713.º, n.º 6, do CPC.
Passemos ao direito.
O acórdão recorrido abriu as suas considerações «de jure» com o anúncio da questão que iria decidir - e que era «a de saber se as faltas dadas por doença antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 15/2007, de 19/1, se podem considerar (ou não) como 'prestação efectiva de serviço' para efeito de concurso a professor titular, nos termos do artigo 10.º, 3 e 5, do Decreto-Lei 200/2007, de 22/5». E o aresto, «in fine», respondeu que sim a essa «quaestio juris», fazendo-o com base em três razões que erigiu e minuciosamente explanou.
Ora, o acórdão fundamento também resolveu a mesma questão de direito. E respondeu-lhe negativamente porque, para além da consideração de outras matérias, enfrentou e afastou as três razões que o aresto «sub judicio» supôs decisivas. Sendo assim, podemos já adiantar que os dois acórdãos reciprocamente se opõem; e, à medida que percorrermos e analisarmos o acórdão recorrido, veremos com detalhe os pontos precisos de repugnância entre os arestos.
Por outro lado, verificam-se, «in casu», os demais requisitos dos recursos da presente espécie, previstos no artigo 152.º do CPTA - designadamente as circunstâncias da dita «quaestio juris» ser, em ambos os processos, fundamental para as decisões finais neles proferidas e de não existir, sobre o assunto, uma jurisprudência consolidada neste STA; pelo que nada obsta a que conheçamos do interposto recurso para uniformização de jurisprudência.
O Decreto-Lei 200/2007, de 22/5, estabeleceu «o regime do primeiro concurso de acesso para lugares da categoria de professor titular» (artigo 1.º). O artigo 10.º do diploma determinou que o único método de selecção no concurso fosse a «análise curricular» (n.º 1); e um dos três «factores» a considerar e ponderar nessa análise era a «experiência profissional» (n.º 3), que incluía «a assiduidade ao serviço» (al. c) do n.º 5) no «período compreendido entre o ano de 1999-2000 e o ano de 2005-2006, inclusive» (n.º 6).
A propósito da «assiduidade ao serviço» - que era, deveras, um subfactor, apesar do n.º 6 desse artigo 10.º lhe chamar factor - o n.º 10 do mesmo artigo enunciava o seguinte:
«10 - Na ponderação do factor previsto na alínea c) do n.º 5, é considerado:
a) O cumprimento da assiduidade nos cinco anos com menor número de faltas no período de tempo a que se refere o n.º 6;
b) Nos anos a que se refere a alínea anterior, todas as ausências ao serviço com excepção:
i) Das faltas, licenças e dispensas legalmente consideradas, durante o mesmo período, como prestação efectiva de serviço;
ii) Das decorrentes do exercício do direito à greve.» E convém acrescentar que o n.º 15 do mesmo artigo 10.º dispunha que a análise curricular seria efectuada «de acordo com os critérios e pontuação constantes do anexo II» ao decreto-lei, cujo n.º 3.4 valorava a assiduidade com 7, 5, 4, 1 ou 0 pontos consoante, respectivamente, o docente candidato ao concurso tivesse, nos cinco anos atendíveis, 0 a 8 dias de falta, 9 a 12 dias de falta, 13 a 15 dias de falta, 16 ou mais dias de falta ou, por último, faltas injustificadas.
Perante estas normas, e ao analisar os casos tratados nos acórdãos ora em confronto - casos esses que são essencialmente iguais, na medida em que os docentes aí interessados só não foram providos na categoria de professor titular em virtude da pontuação atribuída às suas faltas por doença - a Administração entendeu que as faltas desse tipo dadas (nos cinco anos atendíveis dentro do período compreendido entre 1999 e 2006) por docentes candidatos ao dito concurso para professor titular relevavam na consideração da sua «assiduidade ao serviço», pontuável entre um mínimo de 0 e um máximo de 7 pontos. E isto porque, durante aquele período de sete anos, nenhum instrumento legal equiparava as faltas por doença a prestação efectiva de serviço - já que essa equiparação apenas surgiu com a nova redacção que o Decreto-Lei 15/2007, de 19/1, deu ao artigo 103.º do ECD, a qual não regia para o passado.
Esta posição, enquanto correspondente à lei infraconstitucional, foi aceite pelo acórdão fundamento. Mas o acórdão recorrido repudiou-a por três básicas razões: «primo», porque a nova redacção dada ao artigo 103.º do ECD aplicar-se-ia às faltas por doença anteriores (cuja relevância se não tivesse ainda esgotado); «secundo», porque o texto do artigo 10.º, n.º 10, al. b), inciso i), do Decreto-Lei 200/2007 seria ambíguo e admitiria, como um dos seus sentidos possíveis, que as faltas por doença ocorridas durante aqueles sete anos fossem encaradas como «prestação efectiva de serviço»; «tertio», porque até a lei geral (o Decreto-Lei 100/99, de 31/3) tomaria as faltas por doença inferior a trinta dias como «serviço efectivo». Diga-se mais uma vez que estas três razões também foram abordadas, embora com economia argumentativa, e afastadas pelo acórdão fundamento - o que confirma a oposição entre os arestos, como «infra» melhor se notará.
Para vermos se o aresto «sub judicio» decidiu bem, segui-lo-emos «pari passu»; e até observaremos a ordem por que ele enunciou as três razões que obrigariam a tomar as faltas por doença, dos docentes candidatos à categoria de professor titular, como «prestação efectiva de serviço».
Comecemos por considerar a primeira razão - que concerne à aplicação no tempo da nova redacção do artigo 103.º do ECD, trazida pelo Decreto-Lei 15/2007. Para o aresto recorrido, a mera natureza estatutária dessa norma inclinaria a que a equiparação por ela introduzida (equiparação das faltas por doença a prestação efectiva de serviço) abrangesse também as faltas anteriormente dadas pelos docentes e cuja relevância se não tivesse ainda esgotado. Pois, se assim não fosse, haveria uma desigualdade (entre as faltas por doença anteriores à vigência do Decreto-Lei 15/2007 e as posteriores) geradora de inconstitucionalidade; e, ademais, careceria de explicação racional a diferença de tratamento dado às faltas consoante antecedessem o Decreto-Lei 15/2007 ou se lhe seguissem. Assim, à luz do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, e face à necessidade de se interpretar as leis conforme a Constituição, deveria entender-se que a dita equiparação, constante do novo texto do artigo 103.º do ECD, abrangeu as faltas por doença dadas entre 1999 e 2006 - pelo que essas faltas, afinal equiparadas a «prestação efectiva de serviço», eram insusceptíveis de premir a assiduidade dos docentes que, como a ora recorrida, se candidataram à categoria de professor titular.
Mas não cremos que estes argumentos convençam.
Desde logo, não parece exacto que a natureza estatutária de uma norma implique - ou favoreça, sequer - a sua aplicação «ex ante». Sucede até que a experiência nos diz que os benefícios ou malefícios introduzidos em estatutos profissionais só costumam valer para o futuro - o que explica as regras excepcionais de retroacção que frequentemente acompanham as modificações desses estatutos. E, se à índole estatutária de certos preceitos se seguisse, «simpliciter», a consequência retroactiva assinalada no aresto recorrido, entreveríamos aqui, com surpresa, um novo e silenciado critério de direito transitório, marginal a todas as regras conhecidas sobre a aplicação da lei no tempo.
Assim, é exclusivamente à luz dessas regras, as únicas relevantes no seu domínio, que se deve aferir se a equiparação surgida, em 2007, no artigo 103.º do ECD é extensível às faltas por doença dadas pelos docentes entre 1999 e 2006. Em princípio, a nova redacção desse artigo 103.º - ou seja, a referida equiparação - só regia para o futuro (artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil); mas essa «lex nova» - e ressalvada uma natureza interpretativa de que ela claramente carece, como bem explicou o acórdão fundamento - regeria ainda para o passado caso se enquadrasse na hipótese tipificada na 2.ª parte do n.º 2 do mesmo artigo.
Para tanto, era mister que aquele artigo 103.º do ECD dispusesse «directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem». Ora, isto suporia que as faltas por doença originassem relações jurídicas duradouras, ainda subsistentes aquando a emergência da «lex nova» (o artigo 103.º do ECD, na redacção do Decreto-Lei 15/2007). Mas, exactamente ao invés, cremos que as faltas por doença dadas pelos docentes entre 1999 e 2006 foram factos que produziram e esgotaram os seus normais efeitos nesse recuado tempo, não tendo originado «per se» quaisquer relações jurídicas perduráveis até à aparição daquela «lex nova» e, «a fortiori», até à data da abertura do concurso para professor titular.
Sendo assim, há que reconduzir a equiparação introduzida pelo artigo 103.º do ECD ao n.º 1 e à 1.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil: a nova redacção daquela norma, ao dispor sobre os efeitos de certos «factos» (as faltas por doença dos docentes), só dispôs para o futuro; não só porque essa é a solução ordinária, mas também porque, se dúvidas houvesse quanto ao âmbito temporal de aplicação da «lex nova» - dúvidas que, diga-se, temos por injustificadas - deveria entender-se que ela só visara «os factos novos».
A anterior solução baseia-se, portanto, na ideia de que as faltas por doença dadas pelos docentes entre 1999 e 2006 esgotaram os seus efeitos, práticos e jurídicos, nesse tempo. Ideia que, aliás, parece conforme à realidade, pois muito estranharíamos que algum docente faltoso em 2000 se reclamasse, cinco ou seis anos depois, e não subsistindo entretanto uma discussão sobre a existência ou os efeitos das faltas, ainda interveniente numa relação jurídica duradoura nelas originada.
Sucedeu, porém, algo de inesperado: o legislador do Decreto-Lei 200/2007, de 22/5, decidiu exumar aquelas faltas por doença para efeitos do concurso para professor titular - assim lhes emprestando uma aparência de vitalidade e de perdurabilidade. Foi claramente sob o efeito desta impressão que o aresto recorrido argumentou com a relevância duradoura das faltas por doença, tidas pela Administração como merecedoras («ex vi» do Decreto-Lei 200/2007) de um olhar retrospectivo que as considerasse em termos da assiduidade a valorar no concurso. E este pormenor mostraria, segundo o mesmo aresto, que as faltas tinham dado origem a relações jurídicas perduráveis até ao dito concurso e, portanto, aptas a retroactivamente receberem, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte do Código Civil, a equiparação introduzida pelo Decreto-Lei 15/2007 no artigo 103.º do ECD.
Mas este argumento do acórdão contém uma dificuldade de base, aliás intransponível: a de ajuizar sobre a aplicabilidade temporal de uma norma à luz, não dela própria e do sistema jurídico que contemporaneamente a envolvia, mas de uma produção legislativa posterior e de diversa índole. Com efeito, quando apareceu a nova redacção do artigo 103.º do ECD ainda não fora publicado o Decreto-Lei 200/2007; logo, a retroactividade da equiparação inclusa nesse artigo não podia fundar-se no facto de, então, permanecer a relevância das faltas por doença - pois esta relevância só surgiu depois e, até aí, não era expectável e parecia mesmo inconcebível.
A anterior certeza, de que o acórdão recorrido não foi feliz ao radicar relações jurídicas duradouras nas faltas por doença, fragiliza ainda mais a subsequente argumentação do aresto, fundada na Lei Fundamental.
Relembremos que essa argumentação foi, no seu essencial, a seguinte:
defender-se que as faltas por doença, dadas pelos docentes após a nova redacção do artigo 103.º do ECD, fossem «equiparadas a prestação efectiva de serviço», e as anteriores não, violaria os princípios da igualdade e da proibição de arbítrio, neste último caso por não haver uma «explicação racional para a diferença»; de modo que uma interpretação conforme a CRP obrigaria a entrever no novo artigo 103.º do ECD a referida retroactividade.
Mas não cremos que estes argumentos colham. Desde logo, as desigualdades que a Constituição combate são entre pessoas - e não entre faltas. Ora, a circunstância das faltas por doença terem, sucessivamente, dois regimes legais não introduz qualquer desigualdade entre os docentes - já que todos estiveram igualmente sujeitos ao regime pretérito e ao que se lhe seguiu. Depois, é excessivo dizer-se que as diferenças entre aqueles regimes carecem de uma explicação racional e são, portanto, arbitrárias e inadmissíveis. É que nenhum desses regimes é, em si mesmo, contrário à razão - e a contrariedade à razão é que poderia ser relevante - não devendo recusar-se ao legislador a liberdade de, consoante suponha conveniente, aproximar ou afastar as faltas por doença da «prestação efectiva de serviço».
E isto, por si só, bastaria para que negássemos a arbitrariedade que o acórdão recorrido afirmou.
Mas podemos dizer mais. Se existisse, tal arbitrariedade estaria, ou no primeiro regime, ou no segundo. Ora, o aresto não ousou dizer qual dessas duas soluções seria a arbitrária; e, se queria aplicar retroactivamente a nova redacção do artigo 103.º do ECD, tinha forçosamente de imputar o arbítrio ao regime anterior - pois, se o arbítrio estivesse na equiparação trazida pelo artigo 103.º, não se vê porque haveríamos de premiá-lo com uma aplicação retroactiva. No fundo, o acórdão recorrido apenas admitiu desconhecer a razão que levou o legislador a introduzir a dita equiparação. Mas esse seu desconhecimento não lhe permitia imediatamente concluir que nenhuma razão houvera para isso; ou que, com a emergência da nova redacção do artigo 103.º, o regime anterior ficara subitamente carecido de uma explicação racional.
Podemos agora firmemente afirmar que o pormenor das faltas por doença dos docentes não valerem como «prestação efectiva de serviço» até à nova redacção do artigo 103.º do ECD, e passarem a valer como tal a partir daí, não introduz qualquer problema de constitucionalidade; donde se segue que tal norma não suscita dúvidas hermenêuticas que exijam uma interpretação conforme a Constituição - nem a consequência que o aresto «sub censura» daí extraiu e que consistiria na retroactividade da equiparação entre as faltas e o serviço efectivo.
Pelo exposto, não podemos acompanhar o acórdão recorrido quando ele sustenta que a nova redacção do artigo 103.º do ECD se aplica às faltas por doença anteriores. E antes aderimos à solução oposta do acórdão fundamento que, sobre esta matéria, enunciou o seguinte:
«É irrecusável que as faltas por doença dadas pelo recorrido nos cinco anos atendíveis no concurso não eram, 'id temporis', legalmente havidas como prestação efectiva de serviço - ao invés do que sucedia com outras ('vide', v.g., os arts. 22.º, n.º 3, 24.º, n.º 4, ou 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 100/99).
Contudo, as faltas daquele tipo foram 'equiparadas a prestação efectiva de serviço' pela nova redacção que o Decreto-Lei 15/2007, de 19/1, deu ao artigo 103.º do ECD. E, considerando que essa equiparação vigorava na data em que foi publicado o Decreto-Lei 200/2007, de 22/5, as instâncias concluíram que as faltas por doença (as dadas pelo recorrido nos cinco anos relevantes) deviam caber na excepção prevista no artigo 10.º, n.º 10, al. b), inciso i), do Decreto-Lei 200/2007 - sob pena de violação do mencionado artigo 103.º do ECD.
Porém, as instâncias esqueceram duas essenciais coisas: 'primo', que o legislador do Decreto-Lei 200/2007, no referido inciso, só quis exceptuar as faltas que, no tempo delas, fossem 'legalmente consideradas [...] como prestação efectiva de serviço'; e, 'secundo', que a nova redacção do artigo 103.º do ECD só parecia dispor para o futuro (artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil), não qualificando as faltas por doença pretéritas - e, portanto, não impedindo em absoluto que um diploma posterior olhasse retrospectivamente tais faltas segundo algum predicado, valioso ou desvalioso, que elas tiveram no seu tempo.
Sendo assim, as faltas por doença dadas pelo recorrido nos anos tidos por relevantes só poderiam ser havidas como 'prestação efectiva de serviço' - atributo de que originariamente elas careciam - se a nova redacção do artigo 103.º do ECD tivesse efeitos retroactivos; e isso, como entreviu o Ex.º Procurador-Geral Adjunto neste STA, teria de provir de uma natureza interpretativa da norma ('vide' o artigo 13.º do Código Civil), pois nada, no Decreto-Lei 15/2007, aponta para uma retroactividade directamente conferida. Mas é de rejeitar que o dito artigo 103.º tenha uma tal natureza.
Com efeito, a lei interpretativa tem sempre como pressuposto básico que a 'lex praeterita' comportasse vários e controversos sentidos, assim se justificando uma sua interpretação autêntica. Ora, nada disso sucede no que toca à consideração das anteriores faltas por doença como não equivalendo a serviço efectivo. Daí que a solução legal plasmada pelo Decreto-Lei 15/2007 no artigo 103.º do ECD deva considerar-se inovadora; e daí também que a atendibilidade das faltas por doença dadas pelo recorrido não tenha violado o disposto nesse artigo 103.º, cuja qualificação as não atingia e que, em bom rigor, não intervinha na resolução do assunto.» Passemos à segunda razão que o acórdão «sub judicio» invocou para considerar o acto ilegal. Já vimos que o regime do concurso para a categoria de professor titular, constante do Decreto-Lei 200/2007, pretendia avaliar a assiduidade dos candidatos «nos cinco anos com menor número de faltas no período de tempo» compreendido entre os anos lectivos de 1999/2000 e de 2005/2005, inclusive; e também vimos que, nesses cinco anos, considerar-se-iam «todas as ausências ao serviço com excepção» das decorrentes do exercício do direito à greve (artigo 10.º, n.º 10, al. b), inciso ii) e «das faltas, licenças e dispensas legalmente consideradas, durante o mesmo período, como prestação efectiva de serviço» (inciso ii) da mesma norma).
Na interpretação desta última fórmula legal, o acórdão fundamento asseverou que, aí, o legislador «só quis exceptuar as faltas que, no tempo delas, fossem legalmente consideradas [...] como prestação efectiva de serviço» - o que logo excluiria as faltas por doença, apenas equiparadas a prestação efectiva de serviço a partir da nova redacção do artigo 103.º do ECD, introduzida em 2007. Mas o acórdão recorrido divergiu desta interpretação, já que o texto em análise seria ambíguo e, na resolução dessa ambiguidade, deveria atribuir-se-lhe o sentido oposto.
Na óptica do aresto «sub judicio», tal ambiguidade adviria da expressão «durante o mesmo período» tanto poder referir-se à consideração legal das faltas (e licenças e dispensas) como à ocorrência delas. Mas esta tese peca por se afastar do texto interpretando, alterando-o através da introdução furtiva de uma forma verbal que ele não contém.
Com efeito, para que existisse a ambiguidade assinalada pelo acórdão recorrido, era indispensável que o texto do inciso i) fosse outro, designadamente este: «das faltas, licenças e dispensas ocorridas» - eis o particípio acrescentado - «durante o mesmo período e legalmente consideradas como prestação efectiva de serviço». Aí, sim, teríamos uma fórmula ambígua que faria hesitar o intérprete sobre se o legislador quisera, ou não, que a consideração legal das faltas (como prestação efectiva de serviço) já ocorresse no próprio tempo delas.
Mas a estrutura que o inciso i) realmente apresenta é diferente e não comporta dúvidas. A locução «dentro do mesmo período», como complemento circunstancial de tempo, restringe temporalmente o particípio passado que imediatamente a antecede - e que é a única forma verbal presente no texto - tornando óbvio o que o legislador pretendeu: que, das faltas dadas pelos candidatos ao concurso nos cinco anos atendíveis, só se exceptuariam para efeitos da avaliação da assiduidade aquelas que já fossem, durante o mesmo período, legalmente consideradas como prestação efectiva de serviço. Ou seja, e em termos gramaticais: o universo das faltas (e licenças e dispensas) foi restringido por um complemento circunstancial de modo (a consideração delas de certa maneira); e este complemento foi, por sua vez, restringido por um complemento circunstancial de tempo, que limitou tal consideração ao «mesmo período», isto é, aos cinco anos atendíveis.
Daí que, simetricamente, o legislador do Decreto-Lei 200/2007 pretendesse que as faltas por doença dadas pelos candidatos penalizassem a sua assiduidade, atendível no concurso. E este intuito também transparece de um outro elemento: do facto do anexo II ao diploma, ao conter pontuações díspares para o número de faltas, prever a hipótese dos docentes terem faltado por 16 dias ou mais. É que a previsão de um tão grande número de faltas tinha sobretudo em vista as faltas por doença, já que essas, para além de serem, de longe, as mais comuns - e as que colocam um problema de absentismo - são também as susceptíveis de se estenderem por mais tempo.
Assim, tudo indica que o legislador do Decreto-Lei 200/2007 quis, para efeitos do concurso aí previsto, penalizar o absentismo dos docentes; o que só era praticável se essa penalização abrangesse a sua modalidade mais corrente, que precisamente consiste nas faltas por doença. Ora, a interpretação deve ser conforme ao que o legislador quis e disse - independentemente de depois se apurar se aquilo que foi querido e dito é constitucionalmente admissível em face de princípios como, v.g., os da segurança jurídica ou da confiança.
Assentemos, pois, no seguinte: o artigo 10.º, n.º 10, al. b), inciso i) do Decreto-Lei 200/2007 não contém a ambiguidade que o acórdão recorrido nele divisou - e que suporia que o texto interpretando fosse diferente do que é.
Bem pelo contrário, o texto parece-nos claríssimo e, até pela sua correlação com o item 3.4 do anexo II, corresponde à intenção legislativa de penalizar os candidatos ao concurso que, mesmo pelo habitual motivo de doença, tivessem faltado mais de oito dias nos cinco anos atendíveis. Saber se isto que o legislador quis, e que a interpretação da norma revela, era realizável à luz da CRP integra já um outro problema, alheio ao presente «thema decidendum» - como o acórdão fundamento, em caso análogo ao destes autos, não deixou de referir.
Ora, a certeza de que a norma tida pelo acórdão recorrido como ambígua é, afinal, clara dispensa-nos de apreciar os argumentos que tal aresto esgrimiu a partir dessa ambiguidade; e, por serem puramente defensivos, é igualmente inútil abordar os argumentos que o aresto usou a propósito das ausências «decorrentes do exercício do direito à greve» (inciso ii).
Em suma: não podemos acompanhar o acórdão recorrido quando diz que, por via do artigo 10.º, n.º 10, al. b), inciso i), do Decreto-Lei 200/2007, as faltas por doença não deviam ser consideradas na ponderação do factor «assiduidade ao serviço». E antes aderimos à posição do acórdão fundamento, que solucionou tal assunto em sentido oposto.
Passemos à terceira razão que o acórdão recorrido invocou em prol da ilegalidade do acto - e que consiste na ideia de que o próprio Decreto-Lei 100/99, de 31/3, já encarava as faltas por doença, se por tempo inferior a trinta dias, como «serviço efectivo».
Aqui, o aresto «sub judicio» admitiu que o Decreto-Lei 100/99 equiparara expressamente certas faltas «a serviço efectivo» - as faltas por casamento, por nascimento, por falecimento de familiar, por isolamento profiláctico e por facto qualificado como calamidade pública - e que, todavia, o não fizera relativamente às faltas por doença. Mas logo desvalorizou este pormenor, dizendo que a equiparação destas últimas faltas «a serviço efectivo» podia ser implícita.
Concedemos que o pudesse ser; mas não acreditamos que o tenha sido. Se o legislador do Decreto-Lei 100/99, de 31/3, se preocupou em equiparar «expressis verbis» determinadas faltas a «serviço efectivo», isso poderosamente sugere que não quis estender esse atributo às demais; e, nesta linha de pensamento, é de afirmar que a lei geral não encarava as faltas por doença como «serviço efectivo». Solução que, aliás, promove a desejável harmonia sistemática, pois evita que devêssemos concluir pela redundância parcial do artigo 103.º do ECD - que já vimos ter introduzido, a partir de 2007, uma equiparação das faltas por doença dos docentes à «prestação efectiva de serviço».
Mas a tudo isto, que já não é pouco, acresce uma razão avassaladora, destrutiva da tese - sufragada pelo acórdão recorrido - de que as faltas por doença inferior a trinta dias são tidas, pelo Decreto-Lei 100/99, de 31/3, como «serviço efectivo». É que essas faltas determinam a «perda do vencimento de exercício» («vide» o artigo 29.º, n.º 2, do referido diploma). Ora, é logicamente incompatível privar-se o faltoso do vencimento de exercício e dizer-se que a sua falta fica equiparada a «serviço efectivo»; pois aquela privação corresponde necessariamente à ideia de que a falta em nada se assemelha a um exercício de funções, enquanto a equiparação encara a falta como se o faltoso as tivesse exercido.
Tudo indica que o acórdão «sub judicio» teve consciência do formidável embaraço que o ponto anterior trazia à sua tese. Daí que tentasse desembaraçar-se dizendo que, no Decreto-Lei 100/99, «a equiparação a serviço efectivo aparece, em todos os casos, seguida da expressão perda do subsídio de refeição». Percebe-se esta tentativa: se a transcrita asserção do aresto fosse verdadeira, poderia ainda dizer-se que o Decreto-Lei 100/99, ao equiparar determinadas faltas a serviço efectivo, não as encarara de todo como se as correspondentes funções tivessem sido exercidas - razão por que privara os faltosos do subsídio de refeição. E, desvalorizada assim tal equiparação, flectir-se-ia o conceito de «serviço efectivo» para um nível mais baixo, a que mais facilmente acedessem as faltas por doença inferior a trinta dias.
Mas esta argumentação arranca de um lapso, que seguidamente a inquina. Já sabemos que o legislador do Decreto-Lei 100/99 decidiu tratar certas faltas como se o faltoso houvesse exercido as funções. Nuns casos, esse tratamento foi integral - «vide» os arts. 57.º e 70.º, n.º 4, onde não se previu a perda do subsídio de refeição; noutros, a equiparação a serviço efectivo foi restringida - como decorre da adversativa «mas», inclusa nos arts. 22.º, n.º 3, 24.º, n.º 4, e 28.º, n.º 3, que previram a perda do subsídio de refeição.
Portanto, e ao contrário do que disse o acórdão recorrido, não é exacto que, no regime do Decreto-Lei 100/99, a equiparação das faltas a serviço efectivo se caracterizasse pela perda do subsídio de refeição.
Donde se segue que também não colhe o subsequente argumento do mesmo aresto: o de que as faltas por doença por tempo inferior a trinta dias só diferem das faltas expressamente equiparadas a serviço efectivo por as primeiras implicarem a perda do vencimento de exercício e as segundas não;
pois, e afinal, aquelas também diferem relativamente às previstas nos arts.
57.º e 70.º, n.º 4, por implicarem a perda do subsídio de refeição (artigo 29.º, n.º 5, do mesmo Decreto-Lei 100/99).
Portanto, o acórdão recorrido não persuade na sua tentativa de esbater as diferenças entre as faltas por doença inferior a trinta dias e as faltas expressamente equiparadas a serviço efectivo. E, aliás, tal tentativa sempre deixaria indemne uma dificuldade básica - a de explicar por que razão só essas faltas por doença, e não também as outras (as equiparadas a serviço efectivo) a que aquelas se assimilariam, implicavam a perda do vencimento de exercício.
O aresto recorrido reconheceu, aliás, essa dificuldade. E procurou superá-la dizendo o seguinte: que, «para efeito do concurso para professor titular, não está em causa o pagamento do vencimento de exercício, mas sim a relevância, em termos de progressão na carreira, da assiduidade». Mas esta afirmação - cuja verdade é tão clara que podemos classificá-la como um truísmo - merece dois reparos. Por um lado, ela abandona o problema em apreço - o de saber se, à luz do Decreto-Lei 100/99, as faltas por doença inferior a trinta dias são equiparadas a serviço efectivo - e centra-se num diploma posterior e diferente (o Decreto-Lei 200/2007), o qual é obviamente inapto para esclarecer aquele assunto. Donde se segue, por outro lado, que a dita afirmação continua a não explicar o essencial, isto é, o exacto motivo por que haveríamos de equiparar a «serviço efectivo» faltas que legalmente implicam uma perda do vencimento de exercício.
De seguida, o acórdão recorrido disse outra coisa que merece análise, até porque briga com algo enunciado no acórdão fundamento. A propósito da «assiduidade» que relevava no «concurso para professor titular», o aresto «sub judicio» afirmou que «está em causa, como parece claro, um aspecto que se inclui no mesmo âmbito de relevância da 'antiguidade', ou seja, o tempo de serviço efectivo».
Esta afirmação do aresto não foi desenvolvida; mas detecta-se o seu significado: como as faltas por doença por menos de trinta dias não descontam na «antiguidade» (artigo 29.º, n.º 3, do Decreto-Lei 100/989, «a contrario»), se esta fosse «o tempo de serviço efectivo» recuperar-se-ia a equiparação dessas faltas a serviço efectivo - e o faltoso por doença seria, afinal, assíduo, ao menos «para efeito do concurso para professor titular».
Mas este argumento esvai-se, por três razões.
«Primo», porque mais uma vez o aresto em crise desloca o problema do Decreto-Lei 100/99, onde anunciara que situaria a sua resolução, para um diploma surgido oito anos depois.
«Secundo», porque não é exacto que a antiguidade corresponda ao tempo de serviço efectivo - e as férias são um claro exemplo disso. Em vez de se ver na manutenção legal da antiguidade o significado - aliás, antagónico com a realidade das coisas - de que as faltas são havidas como serviço efectivo, deve pensar-se ao invés; e ver no regime de certas faltas (como as justificadas por doença) a vontade legislativa de que elas, apesar de mostrarem que o faltoso não esteve efectivamente ao serviço, não descontem na antiguidade.
E este entendimento, que inverte a posição do acórdão recorrido, mostra, «tertio», que as noções de antiguidade e de assiduidade são diversas e não podem ser confundidas. Ora, só a segunda delas, e não também a primeira, relevava no concurso destes autos e, sobretudo, na problemática que o aresto recorrido enfrentou. E, porque uma confusão similar entre aquelas duas noções florescera no respectivo processo, o acórdão fundamento teceu, a seu propósito, as considerações seguintes, que afastam a argumentação do acórdão «sub judicio» e às quais inteiramente aderimos:
«E importa agora ver se ocorre o segundo vício do mesmo género que o TCA divisou - e que consiste na ofensa do artigo 29.º, n.º 3, do Decreto-Lei 100/99. Na óptica do aresto, a circunstância de esse preceito dispor que as faltas por doença (que não excedam trinta dias em cada ano civil) não descontam na antiguidade impunha que a Administração desconsiderasse, no âmbito do concurso, as faltas do recorrido, que eram inferiores àquele número; e o acto, na medida em que considerou as mesmas faltas, teria ofendido, 'recte', aquele artigo 29.º, n.º 3, e enfermaria da correspondente violação de lei.
Mas há aqui um flagrante equívoco. É evidente que o mencionado artigo 29.º, n.º 3, diz, 'a contrario sensu', que as faltas por doença não descontam na antiguidade. Porém, esta regra só seria negada e violada por um acto administrativo de sentido contrário, ou seja, pelo que procedesse a um desconto na antiguidade do recorrido. Ora, o acto impugnado é totalmente alheio a questões de antiguidade, pois limitou-se a repercutir as faltas por doença numa categoria diversa, que é a da assiduidade ao serviço. Assim, e não havendo qualquer medida comum entre o sentido decisório do acto e a sobredita norma, é impossível que ele a tenha violado; pelo que também não existe a violação de lei que esteve em apreço.» É agora claro que também não persuade a terceira razão que o aresto recorrido invocou como sustentáculo da decisão que proferiu.
E estamos em condições de concluir. À questão de saber se as faltas por doença dadas pelos docentes nos cinco anos atendíveis no concurso para professor titular deviam, ou não, ser legalmente consideradas como prestação efectiva de serviço (no âmbito do artigo 10.º, n.º 10, al. b), inciso i), do Decreto-Lei 200/2007, de 22/5) deve responder-se negativamente - tal e qual fez o acórdão fundamento e ao invés do que decidiu o acórdão recorrido.
É que as ditas faltas não eram equiparadas pelo Decreto-Lei 100/99 a serviço efectivo, a equiparação do género que o Decreto-Lei 15/2007, de 19/1, introduziu no artigo 103.º do ECD não retroagia para o passado e o legislador do Decreto-Lei 200/2007 pretendeu que o absentismo dos docentes, mesmo que justificado por doença, influenciasse o resultado do concurso para acesso à categoria de professor titular.
Portanto, o acto impugnado na acção dos autos, ao valorar as faltas por doença da aqui recorrida no plano da sua assiduidade, está perfeitamente conforme ao que o legislador do Decreto-Lei 200/2007 quis fazer e fez.
Questão diversa, alheia ao «thema decidendum» deste processo, seria a de apurar se essa actuação do legislador era admissível à luz da CRP. Para um melhor esclarecimento deste assunto, atente-se no seguinte trecho do acórdão fundamento:
«Portanto, não é razoável a tese de que o acto realizou uma hermenêutica ofensiva do direito constitucional à protecção da saúde. O que, no fundo, parece subjacente a tal denúncia é o receio de que o legislador, em qualquer altura, mude arbitrariamente as regras, conferindo desvalor ao que fora inócuo ou neutro. Nesta outra perspectiva, um legislador desses pode, de facto, lembrar-se de dizer que as faltas por doença, embora equiparadas a prestação efectiva de serviço, descontarão na assiduidade atendível num concurso que se abra; e, implantado um tal receio, os professores tenderão desde já a não faltar, ainda que em prejuízo da sua saúde. Mas tudo isto entronca numa falta de confiança na actividade legislativa destinada ao sector, a qual tanto abrange as faltas por doença como outra previsão qualquer. Com efeito, desde que o legislador acredite que pode impor a factos passados um desvalor que eles não tinham, nada permanece definitivamente a coberto de juízos (primeiro, legislativos, depois administrativos) de censura, sendo então concebíveis todos os receios por parte dos professores - seja em que domínio for, e não só no da saúde. Deste modo, constata-se que a questão verdadeiramente fulcral reside naquela quebra de confiança e, portanto, na eventual inconstitucionalidade do artigo 10.º, n.º 10, al. b), inciso i), do Decreto-Lei 200/2007, por violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos. Mas, conforme já assinalámos, tal violação corresponde a um vício do acto que não foi oportunamente arguido e que não é susceptível de conhecimento oficioso por o seu efeito invalidante ser a mera anulabilidade (cf. os arts. 133.º e 135.º do CPA).» Ora, também nos presentes autos, e pelas mesmas razões, é-nos vedado sindicar o acto impugnado por esse prisma, ainda que - como disse, a dado passo, o acórdão fundamento - «lhe atribuíssemos uma promissora fecundidade».
Há, pois, que dar razão ao Ministério recorrente e anular o acórdão recorrido (artigo 152.º, n.º 6, do CPTA), decidindo a causa de acordo com a solução jurídica perfilhada pelo acórdão fundamento. Pelo que se uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos:
No regime do concurso de acesso para lugares da categoria de professor titular, tal como se mostra vertido no Decreto-Lei 200/2007, de 22 de Maio, as faltas por doença dadas pelos docentes nos cinco anos atendíveis relevavam na consideração do factor «assiduidade».
Nestes termos, acordam:
a) Em conceder provimento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência e em anular o acórdão recorrido;
b) Em revogar o acórdão do TCA, de fls. 245 e ss., e em julgar improcedente a acção administrativa especial dos autos, absolvendo o Ministério da Educação dos pedidos.
Não são devidas custas neste Pleno; mas a recorrida suportará as custas na 1.ª instância (fixando-se a taxa de justiça no mínimo) e no TCA.
Publique-se (artigo 152.º, n.º 4, do CPTA).
Lisboa, 13 de Outubro de 2011. - Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) - José Manuel da Silva Santos Botelho - Luís Pais Borges - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Américo Joaquim Pires Esteves - Adérito da Conceição Salvador dos Santos - Rosendo Dias José (vencido cf. declaração) - Jorge Manuel Lopes de Sousa (Vencido conforme declaração junta) - António Bernardino Peixoto Madureira (vencido pelos fundamentos constantes do acórdão recorrido, que manteria) - Alberto Augusto Andrade de Oliveira - (vencido, no essencial pelas próprias razões do ac. recorrido) - António Políbio Ferreira Henriques (vencido pelas razões que constam do acórdão recorrido).
Manteria o Acórdão recorrido, sobrelevando que o artigo 103.º do ECD, norma que visa aplicar-se a todas as situações futuras e que refere expressamente «Para efeitos de aplicação do presente Estatuto...», expressou claramente o juízo de valor legal sobre a equiparação das faltas por doença a serviço efectivo.
O intérprete deve aceitar essa opção legal e ler, no n.º 10-b) 1) do Decreto-Lei 200/2007, a expressão "durante o mesmo período", como reportando-se aos cinco dos 7 anos em que é recontado o período relevante para a pontuação da assiduidade.
Lisboa, 13 de Outubro de 2011. - Rosendo Dias José.
Voto de vencido
1 - Questão da equiparação das faltas por doença a serviço efectivo à face do Decreto-Lei 100/99, de 31 de Março.A questão sobre a qual no presente aresto se entendeu existir contradição de julgados é a de saber se, para efeito do concurso para professor titular, nos termos do Decreto-Lei 200/2007, de 22 de Maio, as faltas justificadas por doença, devem considerar-se legalmente equiparadas a prestação efectiva de serviço.
O acórdão fundamento, de 12-11-2009, proferido no processo 0673/09, decidiu em sentido negativo, partindo do pressuposto que, antes do Decreto-Lei 15/2007, de 22 de Maio, as faltas por doença que tinham sido das pelo Autor não eram legalmente equiparadas a serviço efectivo.
No entanto, o acórdão fundamento incorreu em petição de princípio, pois parte do pressuposto de que, antes do Decreto-Lei 15/2007, as faltas por doença não eram equiparadas a serviço efectivo, quando isso era o que, antes de mais, importava demonstrar: a única razão invocada para o entendimento adoptado é a de que é «irrecusável», o que pode ser uma conclusão a que se chegue depois de uma demonstração, mas sem uma explicação da forma como a ela se chega tem uma força argumentativa idêntica a um palpite.
E, na verdade, para além dessa falta de demonstração, até se demonstra no acórdão recorrido que o que pode ser irrecusável, pelo menos nalguns casos, é precisamente o contrário.
Com efeito, à face do Decreto-Lei 100/99, de 31 de Março, havia e há faltas consideradas como serviço efectivo, designadamente nos artigos 22.º, n.º 3 (casamento), 24.º, n.º 4 (nascimento), e 28.º, n.º 3 (falecimento de familiar ou equiparado), que, apesar disso, implicavam (e apenas) perda do subsídio de refeição, para além de outras, como as dadas em situações de submissão a junta médica (artigo 42.º, n.º 3), as motivadas por isolamento profiláctico (artigo 57.º), as determinadas por facto qualificado como calamidade pública (artigo 70.º, n.os 1 e 4) e as ocasionadas por factos não imputáveis ao funcionário ou agente e determinadas por motivos não previstos naquele diploma que impossibilitem o cumprimento do dever de assiduidade ou o dificultem em termos que afastem a sua exigibilidade (artigo 70.º, n.os 2 e 4) que nem sequer implicam perda do subsídio de refeição.
Mas, por aqui se vê que as faltas que só implicam perda de subsídio de refeição são consideradas pelo Decreto-Lei 100/99 como equiparadas a serviço efectivo.
Relativamente às faltas por doença, também implicavam sempre perda de subsídio de refeição (artigo 29.º, n.º 5), e podiam ou não implicar perda do vencimento de exercício, nos primeiros 30 dias de ausência seguidos ou interpolados em cada ano civil (artigo 29.º, n.º 2), e perda de antiguidade, se ultrapassassem esses 30 dias (artigo 29.º, n.º 3).
Porém, em muitos casos, as faltas por doença nada mais implicavam do que a perda de subsídio de refeição, designadamente as faltas por internamento hospitalar que não excedessem 30 dias, seguidos ou interpolados em cada ano civil não implicavam qualquer outra perda (artigo 29.º, n.º 2), ou mesmo por tempo superior se fossem dadas por deficientes e decorressem da própria deficiência (artigo 29.º, n.º 4).
E, mesmo nos casos em que as faltas por doença implicavam, em princípio, perda de vencimento de exercício, podia este efeito ser eliminado por decisão do dirigente máximo do serviço (artigo 29.º, n.º 6), situação em que as faltas por doença acabavam por ter precisamente os mesmos efeitos do que as que explicitamente eram equiparadas a serviço efectivo o que significa que eram mesmo equiparadas a serviço efectivo.
2 - Questão da interpretação do artigo 103.º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário na redacção do Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro.
A resolução dos problemas de aplicação da lei no tempo começa sempre pela interpretação da lei nova, a fim de se apurar se se detecta nela uma intenção legislativa sobre essa matéria. Na verdade, a lei nova que revelar uma manifestação de vontade legislativa especial sobre a sua própria aplicação no tempo, sobrepor-se-á, por ser mais recente e por ser especial, às normas gerais anteriores sobre essa matéria.
Quando o legislador cria uma lei que regula matéria regulada por lei anterior é, necessariamente, porque tem o entendimento de que é preferível o novo regime ao antigo, pelo que, é corolário desse entendimento que, na falta de norma específica que disponha em contrário ou de limitações justificadas para salvaguarda de direitos adquiridos e protecção de legítimas expectativas (em geral explicitadas na primeira parte do n.º 2 do artigo 12.º do CC) é de presumir uma intenção legislativa de aplicação imediata da lei nova.
No caso em apreço, a própria letra do artigo 103.º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, na redacção do Decreto-Lei 15/2007, aponta manifestamente para a aplicação imediata da regra da equiparação de todas as faltas por doença a serviço efectivo ao dizer:
«Para efeitos de aplicação do disposto no presente Estatuto, consideram-se ausências equiparadas a prestação efectiva de serviço, para além das consagradas em legislação própria, ainda as seguintes: b) doença».
Uma mera interpretação textual aponta manifestamente no sentido de o legislador ter pretendido que, em todos os casos em que, no futuro, se viesse a fazer aplicação do Estatuto, se aplicassem as novas regras sobre o que se considera prestação efectiva de serviço.
Porém, para os juristas, não basta uma interpretação literal, baseada numa interpretação gramatical, pois «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do CC).
No caso, porém, há mais que a letra da lei apontando no sentido linearmente resultante do texto legal, pois a aplicação imediata é a regra na aplicação das normas estatutárias, como bem se diz no acórdão recorrido. Causa alguma perplexidade a confessada dificuldade que no presente aresto se reconhece em encontrar suporte legal para este entendimento, pois essa é a regra afirmada para aplicação subsidiária, em casos de dúvida, no artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte do CC: as normas estatutárias, as que estabelecem o conjunto de direitos e deveres de pessoas que se encontram em determinada situação jurídica, incluem-se entre os exemplos típicos de normas que dispõem «directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem», em que a lei nova se aplica mesmo às «próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor» e, obviamente, todas as que se venham a constituir no futuro. (1) Por outro lado, o elemento racional aponta no mesmo sentido: se, na perspectiva actualizada do legislador, as faltas por doença, mesmo aquelas que anteriormente não eram equiparadas a serviço efectivo, não são relevantes para afastar o cumprimento do dever de assiduidade, não haveria qualquer razão para continuar a atribuir relevância no futuro a faltas dadas anteriormente, que, nesta nova perspectiva, não são sinal de falta de assiduidade. A ideia, adoptada no presente acórdão, de encarar como penalização a relevância negativa das faltas de doença dadas antes da nova lei, corrobora a mesma conclusão, pois, sabe-se bem que é corolário do princípio constitucional da necessidade a inviabilidade de aplicação de penalizações depois de cessar o interesse que, anteriormente, numa perspectiva já desactualizada, existia em as aplicar.
Ainda por outro lado, não há aqui legítimas expectativas dos destinatários directos cuja protecção possa justificar a manutenção no futuro da relevância das faltas por doença anteriores que não eram consideradas serviço efectivo, pois a nova lei vem melhorar o regime estatutário e não piorá-lo. Assim, o único obstáculo que se poderia aventar a este nível, que seria a protecção de expectativas dos que não tivessem faltado por doença que veriam os que antes seriam prejudicados pelas faltas deixarem de o ser, não parece minimamente razoável, pois a ninguém é reconhecido por lei o direito a ver outros penalizados depois de cessarem as razões que justificavam a penalização, e, particularmente no concreto caso de concurso para professor titular, uma categoria nova criada pelo Decreto-Lei 15/2007, não poderia haver sequer qualquer expectativa de que as faltas dadas anteriormente fossem relevantes para a sua atribuição, pois nem era expectável que tal categoria viesse a ser atribuída.
O que significa, assim, que o que resulta do artigo 103.º é, efectivamente, que, «para efeitos de aplicação do disposto no presente Estatuto», todos os efeitos, as ausências por doença, todas as ausências por doença, são equiparadas a prestação efectiva de serviço, sempre, em qualquer aplicação do novo estatuto.
O que implica que, na perspectiva do legislador do Decreto-Lei 15/2007, esta equiparação se aplicasse também para efeitos de acesso à categoria de professor titular que é a principal novidade por ele introduzida, cujo regime de recrutamento transitório é estabelecido, em linhas gerais, no seu artigo 15.º Ao contrário do que erradamente se pressupõe no presente acórdão, não há sequer aqui qualquer problema de retroactividade, como lucidamente se refere no acórdão recorrido, na esteira de Baptista Machado e Gomes Canotilho, pois, sendo a lei nova a competente para estabelecer os requisitos para atribuição da categoria de professor titular, que ela criou, pode escolhê-los livremente, inclusivamente com retroconexão ou retrospectividade a factos passados. Isto é, a lei nova ao regular o regime de avaliação de assiduidade pode, sem retroactividade, escolher de entre as ausências de serviço ocorridas antes da sua entrada em vigor as que considera relevantes e irrelevantes para essa avaliação. Retroactividade só existiria se as faltas dadas anteriormente por doença já fossem relevantes ou irrelevantes para efeitos do concurso para professor titular e a nova lei, reavaliando os seus efeitos, viesse alterar essa relevância ou irrelevância. Mas, isto não sucede pois, sendo a categoria de professor titular criada pelo Decreto-Lei 15/2007, nenhuma das ausências do serviço por doença anteriores à sua vigência tinha, anteriormente, qualquer relevância ou irrelevância para a atribuição de tal categoria.
3 - Questão da interpretação do artigo 10.º, n.º 10, alínea b) subalínea i) do Decreto-Lei 200/2007, de 22 de Maio.
O Decreto-Lei 200/2007 veio estabelecer o regime do primeiro concurso de acesso para lugares da categoria de professor titular, fixando os termos da análise curricular, já indicada como método de selecção no n.º 6 do artigo 15.º do Decreto-Lei 15/2007.
Entre os factores da análise curricular inseriu-se que «experiência profissional» [artigo 10.º, n.º 3, alínea b), do Decreto-Lei 200/2007].
Estabeleceu-se que no âmbito da «experiência profissional» seria ponderada a «assiduidade ao serviço» [artigo 10.º, n.º 5, alínea c)], «por ano escolar, considerando o período compreendido entre o ano de 1999-2000 e o ano de 2005-2006, inclusive» (n.º 6 do mesmo artigo).
É neste contexto que o n.º 10 do mesmo artigo 10.º vem estabelecer o seguinte:
10 - Na ponderação do factor previsto na alínea c) do n.º 5, é considerado:
a) O cumprimento da assiduidade nos cinco anos com menor número de faltas no período de tempo a que se refere o n.º 6;
b) Nos anos a que se refere a alínea anterior, todas as ausências ao serviço com excepção:
i) Das faltas, licenças e dispensas legalmente consideradas, durante o mesmo período, como prestação efectiva de serviço;
ii) Das decorrentes do exercício do direito à greve.
Numa interpretação literal, baseada e orientada exclusivamente por ponderações e preocupações de ordem gramatical, o texto da subalínea i), ao referir «durante o mesmo período», aponta linearmente o sentido da interpretação adoptada no presente aresto, como nele perspicazmente se demonstra, com intensiva utilização de conceitos gramaticais.
Porém, embora as interpretações lineares e gramaticais estejam sempre impregnadas da sedução cómoda das coisas fáceis e simples, os juristas estão proibidos de erigirem a gramática como critério interpretativo primordial ou mesmo importante, pois esse é um ponto sobre o qual o artigo 9.º do CC não deixa margem para dúvidas, sendo mesmo o ponto de partida que assinala para a interpretação jurídica: «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei».
Por outro lado, embora a interpretação jurídica deva «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo» (artigo 9.º, n.º 1, do CC), o legislador manifesta um impressionante desprezo jurídico pelas interpretações literais e gramaticais, ao dizer no n.º 2 do mesmo artigo apenas não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso». Basta um mínimo e mesmo esse mínimo é tão mínimo que nem tem de estar adequadamente expresso.
Embora seja o artigo 9.º do CC que fixa os critérios gerais de interpretação da lei, tanto o acórdão fundamento como o presente acórdão omitem qualquer referência àqueles critérios, o que é sintomático da falta de suporte normativo para o inusitado entusiasmo pelas virtualidades da interpretação literal e gramatical, patenteado naqueles arestos, na linha do entendimento adoptado pelos Senhores Professores que integraram o júri do concurso.
Em vez de uma interpretação meramente gramatical, o acórdão recorrido, com a qualidade hermenêutica expectável numa decisão de um Supremo Tribunal, faz uma interpretação jurídica daquele n.º 10 do artigo 10.º, apoiada e orientada pelo artigo 9.º do CC, com referências expressas aos seus n.os 1, 2 e 3, com o enquadramento constitucional imposto pela unidade do sistema jurídico e com apelo aos elementos racional, sistemático e teleológico, em que assume particular relevância a nova posição legislativa sobre a equiparação de todas as faltas por doença a serviço efectivo e não ser minimamente razoável, antes seria claramente absurdo, que, num diploma que tem por função concretizar a aplicação da nova lei quanto aos concurso para professor titular, passados poucos meses de ela entrar em vigor, em vez de a lei que se pretende concretizar ser aplicada, ela fosse revogada quanto à relevância das faltas por doença para efeitos de assiduidade.
Como bem se demonstra no acórdão recorrido, o texto da subalínea i) da alínea a) do n.º 10 do artigo 10.º, embora numa primeira análise aponte linear e gramaticalmente no sentido defendido no acórdão fundamento e no presente aresto (na linha da interpretação adoptada pelos Senhores Professores que integraram o júri do concurso), permite outra leitura, com um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, o que, se é certo que constituirá um obstáculo interpretativo manietante para os gramáticos, franqueia, aos juristas, as portas da adopção da interpretação que aqueles elementos racional, sistemático e teleológico, indicados no acórdão recorrido, impõem, numa perspectiva que tenha em mente a coerência valorativa a axiológica global do sistema jurídico.
O que significa que a interpretação jurídica correcta do artigo 10.º, n.º 10, alínea a), subalínea i) do Decreto-Lei 200/2007 é a adoptada no acórdão recorrido, apesar de não coincidir com a interpretação literal e gramatical, que, de forma idêntica ao que fizeram os Senhores Professores que compuseram o júri do concurso, foi adoptada no acórdão fundamento e é repescada no presente acórdão.
De resto, o próprio legislador do Decreto-Lei 200/2007, afirma no respectivo Preâmbulo que pretendeu-se valorizar «a ponderação dos níveis de cumprimento do dever de assiduidade (salvaguardando a eventual ocorrência de situações extraordinárias e imponderáveis)», como é manifestamente o caso das faltas por doença justificadas e está em sintonia com o critério adoptado no referido artigo 103.º sobre a equiparação das faltas por doença a serviço efectivo para todos os efeitos de aplicação do novo regime estatutário.
Este ponto do Preâmbulo confirma que as faltas por doença justificadas nunca poderiam ser consideradas como relevando negativamente para efeitos de avaliação da assiduidade e, por isso, a interpretação adoptada no presente acórdão contraria frontalmente a intenção legislativa expressamente manifestada.
É sintomático da irrefutabilidade deste argumento, explicitamente revelador da intenção legislativa subjacente às normas relativas à ponderação do dever de assiduidade, o facto de apesar de ele ter sido expressamente invocado tanto no acórdão do Tribunal Central Administrativo e como no acórdão recorrido, não se encontrar no presente acórdão (bem como no acórdão fundamento) qualquer referência a ele, apesar do perceptível esforço intenso que desenvolveu para justificar a tese contrária.
4 - A questão da constitucionalidade por violação do princípio da igualdade.
O presente acórdão não tratou adequadamente a questão da interpretação conforme à Constituição, em consonância com o princípio da igualdade, o que desde logo se revela por partir do pressuposto de que «as desigualdades que a Constituição combate são entre pessoas - e não entre faltas».
Não será necessário explicar, decerto, que as faltas por doença que se referem nos autos, são dadas por pessoas e a discriminação da relevância atribuída a faltas iguais, dadas por pessoas que se encontram em situações idênticas, reconduz-se a tratamento desigual de pessoas...
A diferença no tratamento das faltas reconduz-se, assim, a uma desigualdade do tratamento de pessoas, que, seguramente, se enquadra entre as preocupações nucleares do legislador constitucional, num Estado de Direito democrático.
Por isso, a diferenciação da relevância das faltas para fins exclusivos de aplicação do novo Estatuto só seria compatível com o princípio da igualdade se tal diferente relevância tivesse justificação razoável.
A desigualdade injustificada reside em que, a adoptar-se a tese do júri do concurso e do acórdão fundamento perfilhada no presente acórdão sobre a aplicação do referido artigo 103.º, para todos os efeitos do novo regime estatutário, faltas idênticas dadas por pessoas idênticas antes ou depois da sua entrada em vigor teriam tratamento distinto, sem justificação razoável, que não se encontra no presente acórdão.
A questão, porém, não assume relevo apreciável, pois a violação do princípio da igualdade apenas seria decisiva se fosse de adoptar a interpretação incorrecta sobre o âmbito de aplicação do critério de faltas por doença do artigo 103.º (1) (Sobre este ponto, pode ver-se Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 234.) 13 de Outubro de 2011. - Jorge Manuel Lopes de Sousa.