O direito dos cidadãos à proteção da saúde e à sua realização através do acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) está constitucionalmente consagrado.
No caso da população, adulta e jovem, que se encontra reclusa, este acesso enfrenta, todavia, desafios específicos, em virtude da própria situação de reclusão, com os constrangimentos inerentes.
Se até há alguns anos atrás, a prestação dos cuidados de saúde à população reclusa era assegurada pelo sistema da justiça, através da Direção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais (DGRSP), com o estatuto de subsistema de saúde, desde a entrada em vigor do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEMPL), em 12 de abril de 2010, foram reconhecidas alterações na conceptualização e estruturação da prestação médica e medicamentosa a cargo dos serviços prisionais à população reclusa.
O novo CEMPL consagra no seu artigo 32.º, n.º 1, que «é garantido ao recluso o acesso a cuidados de saúde em condições de qualidade e continuidade idênticas às que são asseguradas a todos os cidadãos», e ainda, no seu n.º 2, que «o recluso é, para todos os efeitos, utente do Serviço Nacional de Saúde».
Também a jurisprudência internacional, expressa, nomeadamente, em Resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas ou decorrente da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aponta para um dever do Estado de garantir a prestação de cuidados de saúde aos reclusos, em condições de dignidade e igualdade, tendo em conta os condicionalismos decorrentes da reclusão.
À população reclusa, homens, mulheres e crianças, filhos de mães reclusas, o Estado garante o direito à saúde e também à educação e ensino, não estando o sistema da justiça vocacionado para a gestão dos serviços e equipamentos nestas áreas, nem para a prestação direta dos cuidados de saúde.
A adequada prestação de cuidados de saúde à população prisional, dever do Estado, afigura-se essencial à eficácia da sua própria função, quer nos domínios da segurança e da execução das penas e medidas de segurança privativas de liberdade, com vista à reinserção social e prevenção da reincidência, quer no domínio da saúde, com vista à educação para a saúde, à prevenção e ao tratamento nos grupos de risco.
Como utente do SNS, o recluso tem, portanto, o direito de acesso aos cuidados de saúde em condições idênticas às que são asseguradas a todos os cidadãos. Todavia, tem-se assistido, em particular desde a crise financeira, do lado do sistema prisional, a algum desinvestimento em recursos humanos do quadro dos Estabelecimentos Prisionais e outras condições indispensáveis para permitir a facilitação desse acesso dos reclusos ao SNS. É, por outro lado, reconhecido que, do lado do SNS, existe falta de flexibilidade e de capacidade de resposta às particularidades dos problemas de saúde dos reclusos, jovens e adultos.
Estes constrangimentos têm gerado não só dificuldades de acesso em geral por parte dos reclusos ao SNS, mas problemas específicos no caso de algumas áreas de cuidados mais prementes atenta a situação epidemiológica da população reclusa, havendo a realçar os cuidados de saúde mental e do domínio das doenças infeciosas.
Neste contexto, vários relatórios e denúncias, nomeadamente de Organizações Não-governamentais, apontam para a necessidade de combater a desigualdade no acesso à saúde entre a população reclusa e a não-reclusa, no nosso país.
A garantia do direito constitucional à proteção da saúde nas populações prisionais exige, assim, uma articulação estreita entre os Ministérios da Justiça e da Saúde, de forma a encontrar soluções concretas para as diferentes necessidades e problemas sentidos pela população reclusa na área da prestação de cuidados de saúde.
Urge, pois, garantir o pleno acesso da população reclusa aos cuidados de saúde primários, hospitalares e continuados, promovendo-se a eficiência e eficácia na utilização de meios auxiliares de diagnóstico e terapêutica e da medicação necessária, e a indispensável gestão integrada da prestação de cuidados de saúde no exterior de cada Centro Educativo ou Estabelecimento Prisional, devidamente assumida pelas competentes estruturas do SNS, com recurso a novas tecnologias facilitadoras do acesso sempre que viável. Por outro lado, há que assegurar que é capacitada a gestão dos equipamentos e dos serviços clínicos e de enfermagem nos próprios centros educativos e estabelecimentos prisionais, garantindo-se um nível adequado de recursos que permita a referida gestão integrada da prestação de cuidados de saúde entre o exterior e cada centro educativo ou estabelecimento prisional.
Nestes termos, determina-se:
1 - A constituição de um grupo de trabalho para a melhoria do acesso dos reclusos ao SNS, encarregue da avaliação dos constrangimentos existentes no acesso da população reclusa, jovem e adulta, ao SNS, em condições de igualdade com os demais cidadãos, e da proposta das soluções para os ultrapassar.
2 - Que o grupo de trabalho integre os seguintes elementos:
a) Dr. Jorge Poole da Costa, Chefe de Gabinete do Secretário de Estado da Saúde, que coordenará;
b) Dr. Jaime Alves, Chefe de Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde;
c) Dr.ª Catarina Sena, Subdiretora-Geral da Saúde;
d) Dr.ª Ana Sofia Ferreira, Adjunta do Secretário de Estado da Saúde;
e) Dr. Hugo Manuel Grasina Esteves, Assistente de Saúde Pública, pertencente ao mapa de pessoal da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo I. P.;
f) Dr. João Pedro Teixeira Silva Freire, Chefe de Gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça;
g) Dr.ª Teresa Cristina Ferreira Galhardo, Chefe da Equipa Multidisciplinar dos Projetos do Centro de Competências para a Gestão dos Cuidados de Saúde da Direção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais;
h) Dr.ª Erica de Oliveira Grilo Santos Cardoso, Adjunta da Diretora do Hospital Prisional São João de Deus;
i) Dr.ª Maria de Fátima da Silva Consciência, Técnica Especialista do Gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça.
3 - Ao grupo de trabalho compete, designadamente:
a) Avaliar, por estabelecimento prisional e centro educativo, e correspondentes serviços do SNS, os constrangimentos existentes no acesso dos respetivos reclusos a cuidados de saúde, primários, hospitalares e continuados;
b) Tipificar os domínios para os quais seja necessário desenvolver estratégias nacionais de promoção do acesso, atenta a especificidade epidemiológica da população reclusa e a vantagem em se promover a adoção de novas tecnologias que facilitem esse acesso, atenta a situação de reclusão;
c) Elencar o conjunto de ações a desenvolver, de forma diferenciada no território, em função da avaliação anterior, junto quer dos serviços do SNS, quer dos Estabelecimentos Prisionais e Centros Educativos, por forma a garantir o acesso igualitário dos reclusos à promoção e proteção da saúde;
d) Promover e facilitar a atuação, junto dos responsáveis pelos serviços do SNS necessários, por forma a superar e ultrapassar os constrangimentos identificados;
e) Avaliar as necessidades adequadas de recursos humanos por estabelecimento prisional e centro educativo, em especial na área clínica e de enfermagem, com vista à garantia da realização do direito de acesso dos reclusos ao SNS, em estreita colaboração com a Direção-Geral dos Serviços Prisionais;
f) Conceber, preparar ou promover os instrumentos legais que se afigurem necessários à correção das desigualdades no acesso a cuidados de saúde pela população prisional.
4 - O grupo de trabalho funciona com o apoio logístico da Direção-Geral da Saúde e da Direção-Geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais, e terá a duração de seis meses, no termo dos quais apresentará o seu relatório final.
5 - O Grupo de Trabalho pode, sempre que entender necessário, solicitar que nele participem, nos termos que considerar adequados, outros elementos, designadamente, da Direção-Geral da Saúde e da Direção-Geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais.
6 - Os elementos do grupo de trabalho exercem funções em regime de acumulação, correndo pelos serviços de origem o pagamento de encargos com deslocações e ajudas de custo.
23 de janeiro de 2017. - A Ministra da Justiça, Francisca Eugénia da Silva Dias Van Dunem. - 20 de janeiro de 2017. - O Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes.
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