A polineuropatia amiloidótica familiar de tipo português, vulgarmente conhecida por paramiloidose ou ainda «doença dos pezinhos», é uma grave doença genética, de transmissão autossómica dominante e início na idade adulta, descoberta em Portugal pelo Dr. Corino de Andrade. O início da doença geralmente ocorre entre os 20 e os 45 anos de idade e tem um curso progressivo, com desenlace fatal em 10-20 anos. A manifestação predominante é uma polineuropatia sensitiva, motora e autonómica.
O Dr. Corino de Andrade, para além da descoberta da doença, deu o grande impulso inicial ao seu estudo e acompanhamento, concentrando no Departamento de Neurologia do Hospital Geral de Santo António, que chefiou, e mais tarde no Centro de Estudos de Paramiloidose (CEP), de que foi o primeiro director, todas as notas, processos clínicos e árvores familiares, desde a primeira observação em 1939. Os dados essenciais constantes deste arquivo foram informatizados no Centro Regional de Informática do Norte do Ministério da Saúde em 1983-1984 e transferidos para o CEP em 1988, tendo sido permanentemente actualizados com a colaboração da Unidade Clínica de Paramiloidose do Hospital Geral de Santo António (Centro Hospitalar do Porto) e de outras unidades de prestação de cuidados de saúde. Destes registos constam actualmente para cima de 6000 indivíduos agrupados em mais de 600 famílias, valioso espólio que se manteve no Departamento de Genética do INSA, após a extinção do Centro de Estudos de Paramiloidose.
A paramiloidose tem, de facto, uma grande prevalência em Portugal, constituindo, assim, um problema de saúde pública de dimensões consideráveis. Trata-se de uma doença que atinge mais de 1200 famílias nucleares, que se manifesta numa fase produtiva da vida e que rapidamente incapacita o doente para a vida social e para o trabalho. Exige constantes intervenções terapêuticas, por vezes dispendiosas (por exemplo transplantação hepática), internamentos hospitalares, material de apoio clínico, medicamentos gratuitos, pensões e reformas antecipadas, subsídios de acompanhantes, entre outros, com custos económicos e sociais elevados. O número de indivíduos em risco ultrapassa seguramente os 5000. A disponibilização de dados epidemiológicos fiáveis é, consequentemente, de grande importância para adequar as medidas de combate e acompanhamento da doença à realidade nacional.
Foi, pelo exposto, considerada uma extensão natural das atribuições do CEP a implementação de um registo nacional de paramiloidose, para o qual se propõe a designação de Registo Português de Paramiloidose (RPP). Conforme previsto no despacho interno do Ministro da Saúde de 2004, «o RPP poderá solicitar a colaboração de outros organismos ou entidades, nomeadamente da Associação
Portuguesa de Paramiloidose».
A extinção do Centro de Estudos de Paramiloidose, em consequência da reformulação orgânica do INSA consagrada no Decreto-Lei 271/2007, de 26 de Julho, e correspondente regulamento, teve como consequência, como já referido, a transferência de todo o espólio do CEP para o Departamento de Genética do INSA, mais concretamente para o Centro de Genética Médica Jacinto de Magalhães, no Porto. Torna-se pois necessária uma reformulação completa de todo o projecto, a quese dá corpo na presente proposta.
O Registo deverá prosseguir três objectivos específicos:1) Identificação e caracterização de todos os casos de doença;
2) Prevenção;
3) Melhoria dos cuidados de saúde a prestar aos cidadãos com paramiloidose.Tratando-se de um registo de doentes, apenas os prestadores directos de cuidados de saúde, quer no âmbito dos cuidados de saúde primários, quer no âmbito de centros diferenciados, onde existem programas ou consultas especializadas de apoio - nomeadamente no Centro Hospitalar do Porto, E. P. E. - Hospital Geral de Santo António, no Porto, no Centro Hospitalar Lisboa Norte, E. P. E. - Hospital de Santa Maria, em Lisboa, no Centro de Estudos e Apoio à Paramiloidose da Santa Casa de Misericórdia da Póvoa de Varzim e nos serviços de transplantação hepática -, têm à sua guarda a informação clínica necessária. A informação que se pretende coligir no RPP é, de qualquer modo e pela sua natureza, informação pessoal de natureza particularmente sensível, cuja recolha e tratamento está adequadamente protegida pelas leis da República Portuguesa, em particular a Lei 67/98, de 26 de Outubro (protecção de dados pessoais) e ainda mais especificamente a Lei 12/2005, de 26 de Janeiro (informação genética pessoal e informação de saúde). Para a criação do Registo será necessária a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados
(CNPD).
Por outro lado, as disposições da Lei 12/2005, de 26 de Janeiro, obrigam a que os registos do RPP sejam criados pelos respectivos médicos assistentes ou sob sua supervisão. Para assegurar esse mecanismo, postula-se a criação de um sistema de «notificação» (criação de registos) de acesso remoto directo, no âmbito do SNS e da intranet do Ministério da Saúde, sendo atribuídas aos clínicos que seguem estes doentes credenciais de acesso pela entidade gestora do RPP.As variáveis a declarar devem ser as mínimas tendo em conta os objectivos enunciados, devendo ser aprovados pela comissão de acompanhamento e eventualmente modificadas em função dos comentários quer da CNPD, quer da comissão de ética
institucional.
O Registo, nos moldes propostos, terá um impacto não negligenciável no esforço suportado pelas instituições, onde um maior número de doentes é seguido, nomeadamente o Centro Hospitalar do Porto e o Centro Hospitalar de Lisboa Norte.É aconselhável, por esta e outras razões, que o envolvimento das referidas instituições
seja assegurado à partida.
Nestes termos, aprovo o Regulamento do Registo Português de Paramiloidose, anexo ao presente despacho, do qual faz parte integrante.
2 de Junho de 2011. - O Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Manuel
Francisco Pizarro Sampaio e Castro.
ANEXO
Regulamento do Registo Português de ParamiloidoseArtigo 1.º
Definição
O Registo Português de Paramiloidose (RPP) é um instrumento de observação em saúde específico da polineuropatia amiloidótica familiar, baseado num sistema de recolha e tratamento de informação e base de dados associada, com identificação e caracterização de todos os casos de doença.
Artigo 2.º
Objectivo
O RPP tem como objectivo fornecer elementos que permitam planear e apoiar os meios adequados à prevenção da doença, bem como melhorar os cuidados de saúde aprestar aos cidadãos com paramiloidose.
Artigo 3.º
Constituição
1 - O RPP funciona no âmbito do Departamento de Genética e do Centro de Genética Médica Dr. Jacinto de Magalhães do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, I.
P. (INSA).
2 - O INSA providencia, mediante dotação orçamental consignada, os meios materiais e humanos necessários à gestão da base de dados e do sistema de recolha e tratamentode informação associados.
3 - O RPP é depositário do arquivo e bases de dados individuais e familiares herdadosdo Centro de Estudos de Paramiloidose.
Artigo 4.º
Composição e órgãos
1 - A direcção técnica do RPP cabe a uma comissão executiva (CE) nomeada pelo conselho directivo do INSA, com um máximo de três elementos, sendo que um deles deve representar o Centro Hospitalar do Porto, E. P. E., e outro o Centro Hospitalarde Lisboa Norte, E. P. E.
2 - Ao RPP podem ser associadas outras instituições, do domínio público ou privado, mediante protocolos, devendo ser procurada, nomea-damente, a colaboração daAssociação Portuguesa de Paramiloidose.
3 - As modalidades de participação das instituições associadas constam dosrespectivos protocolos.
4 - O RPP dispõe ainda de uma comissão de acompanhamento (CA), de carácter consultivo, nomeada pelo membro do governo responsável pela área da saúde, sob proposta do conselho directivo do INSA, da qual fazem parte necessariamente os elementos da CE, um representante de cada instituição associada, um representante da Associação Portuguesa de Paramiloidose e um representante da Comissão de Ética doINSA.
5 - Os elementos que integram a CE e a CA desempenham as suas funções por um período de três anos e em regime de acumulação ou a título gratuito, não lhes sendo devida remuneração adicional, mas têm direito à afectação de tempo específico para a realização dos trabalhos, pelos seus respectivos locais de origem.
Competências
1 - Compete ao RPP a recolha e tratamento dos dados individuais e familiares relativos a indivíduos afectados pela polineuropatia amiloidótica familiar ou doença de Andrade, vulgo paramiloidose, no escrupuloso cumprimento das recomendações éticas vigentes.2 - Compete ainda ao RPP a certificação da doença, a pedido dos próprios, para efeitos do despacho 4521/2001, do Secretário de Estado da Saúde, de 31 de Janeiro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 54, de 5 de Março de 2001.
3 - O RPP só pode fornecer informação individualizada a terceiros no âmbito do apoio ao aconselhamento genético, realizado em serviços devidamente credenciados, e tanto quanto possível anonimizada, nos termos legais.
4 - Para além do regular tratamento estatístico dos dados constantes das bases de dados próprias, o RPP poderá propor ou apoiar estudos complementares para melhor
caracterização epidemiológica da doença.
5 - A CE propõe anualmente ao conselho directivo do INSA, para aprovação, ouvida a CA, um plano de actividades com metas de execução material e financeira.6 - A CE elabora relatório anual das actividades do RPP, referente ao plano de actividades aprovado, do qual consta uma descrição pormenorizada do estado vigente
da doença.
Artigo 6.º
Outras disposições
1 - Caso nenhum dos elementos da CE cumpra os requisitos do n.º 3 do artigo 7.º da Lei 12/2005, de 26 de Janeiro, não podendo consequentemente assumir a responsabilidade pela manutenção e supervisão das bases de dados do RPP, deve propor ao conselho directivo do INSA um médico para essas funções pertencente aoINSA ou a uma das instituições associadas.
2 - As eventuais alterações que venham a ser introduzidas neste regulamento são aprovadas pelo conselho directivo do INSA, mediante parecer das instituiçõesassociadas.
3 - O RPP tem como primeira obrigação a reformulação da estrutura e modo de funcionamento das bases de dados existentes e respectiva aprovação pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, assim como propor um modelo de notificação dos casos de paramiloidose no âmbito do sistema nacional de saúde.
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