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Acórdão 254/2011, de 7 de Junho

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Sumário

Indefere pedido de suspensão do exercício do direito de antena da candidatura do partido político PND - Nova Democracia no âmbito da campanha eleitoral relativa à eleição de deputados para a Assembleia da República designada para o dia 5 de Junho de 2011.

Texto do documento

Acórdão 254/2011

Processo 426/11

Acordam em plenário no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - Dando seguimento a deliberação da Comissão Nacional de Eleições, o Ministério Público requereu que o Tribunal Constitucional decrete, ao abrigo do n.º 1 do artigo 134.º, da Lei 14/79, de 6 de Maio (LEAR) a suspensão do exercício do tempo de antena do partido político PND-Nova Democracia, que possa vir a ser transmitido pelas estações de radiotelevisão RTP - Rádio e Televisão de Portugal, SIC - Sociedade Independente de Comunicação e TVI - Televisão Independente, no âmbito da campanha eleitoral em curso, relativa à eleição de deputados para a Assembleia da República designada para o próximo dia 5 de Junho de 2011.

Para tanto, o Ministério Público alega o seguinte:

"2. A Comissão Nacional de Eleições solicitou, assim, ontem, dia 24 de Maio de 2011, a intervenção do Ministério Público, no sentido de este requerer, ao Tribunal Constitucional, a suspensão do tempo de antena do partido político PND-Nova

Democracia.

3 - Efectivamente, analisando a gravação do tempo de antena do PND, emitido no dia 22 de Maio de 2011, pelo menos na RTP1, entendeu a Comissão Nacional de Eleições, no seguimento de queixa de um particular, em reunião de 24 de Maio de 2011 (cf. Acta referente à Sessão número quarenta e oito, que se junta em anexo e aqui se dá por integralmente reproduzida), ao abrigo do artigo 134.º da LEAR, que o referido tempo de antena constituía "o ilícito eleitoral previsto na alínea a) do artigo 133.º da mesma lei, ou seja: o uso de expressões ou imagens que possam constituir crime de difamação ou injúria e ofensas às instituições democráticas".

4 - Houve, entretanto, oportunidade de visualizar o vídeo em questão, que aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais, sendo certo que, efectivamente, o mesmo contém expressões e imagens que podem constituir crime de difamação ou injúria e ofensas às instituições democráticas.

5 - Acresce, porém, que o referido vídeo também contém imagens e expressões que podem ser consideradas como constituindo apelo à desordem, ou incitamento ao ódio e à violência, circunstâncias a que igualmente se reporta o artigo 133.º, n.º 1, alínea a),

da LEAR".

2 - Notificado, nos termos do n.º 2 do citado artigo 134.º da LEAR, o Secretário-Geral do PND-Partido da Nova Democracia contesta nos termos seguintes,

juntando 147 documentos.

"1.º Neste processo não se discute uma questão jurídica, mas política.

2.º O tempo de antena questionado nos autos justifica-se e encontra a sua razão de ser na realidade madeirense espelhada nos documentos ora juntos e dados por

reproduzidos como Doc.s 1 a 147.

3.º E visou parodiar essa realidade (constituída por factos públicos e conhecidos de todo o pais, de que os Doc.s 1 a 147 são meros exemplos) na qual a liderança regional do Dr. Jardim recorre a um estilo propagandístico e a uma retórica semelhantes aos de todos os regimes totalitários, com a construção de uma teoria da conspiração (cf.

Doc.s 1 a 25), com a glorificação do partido do poder, do regime e do povo e a defesa da teoria da sua superioridade (cf. Doc.s 26 a 44), com a adjectivação negativa, rebaixamento e demonização dos adversários (cf. Doc.s 45 a 76), com laivos de xenofobia (cf. Doc.s 77 a 85), com traços de inaceitável autoritarismo (cf. Doc.s 86 a 126), com a imputação do fascismo, nazismo e estalinismo às oposições (cf. Doc.s 127 a 141), com a violação da lei eleitoral (cf. Doc. 142 a 144), tudo num quadro de condicionamento da comunicação social, do parlamento regional e dos direitos da

oposição (cf. Doc.s 146 e 147)

4.º Esta realidade regional de mais de trinta anos não seria tolerável no todo nacional, cabendo a este Tribunal decidir se a mesma deverá perpetuar-se sem réplica eficaz e - sobretudo - se existe ou não existe Portugal na Madeira.

Nestes termos,

O PND - Partido da Nova Democracia impugna o pedido de suspensão de direito de antena formulado pelo MP, aguardando serenamente a decisão de Vossas

Excelências."

3 - Foram requisitados à RTP e visionados pelos juízes do Tribunal os registos da emissão do referido "tempo de antena" da responsabilidade do partido político

requerido.

II. Fundamentos

4 - Consideram-se assentes os factos seguintes, com interesse para apreciação e

decisão do que vem pedido:

a) No dia 22 de Maio de 2011, entre as 19h.41 m.28s. e as 19h.44 m.30s., foi emitido pelo canal 1, da RTP, ao abrigo do "tempo de antena" atribuído ao partido político PND-Nova Democracia, no âmbito da campanha eleitoral relativa à eleição de deputados para a Assembleia da República designada para o dia 5 de Junho de 2011, o registo videográfico cuja cópia se encontra apensa;

b) Em 24 de Maio de 2011, a Comissão Nacional de Eleições tomou a seguinte deliberação (por maioria e com declarações de voto):

«A Comissão Nacional de Eleições delibera, nos termos do n.º 1 do artigo 134.º da LEAR requerer ao Tribunal Constitucional a suspensão do tempo de antena do PND - Nova Democracia que foi e vier a ser transmitido pela RTP, SIC e TVI, devido ao mesmo, no entendimento desta Comissão, constituir o ilícito eleitoral previsto na alínea a) do artigo 133.º da mesma lei, ou seja: o uso de expressões ou imagens que possam constituir crime de difamação ou injúria e ofensa às instituições democráticas.» 5 - Inseridos na secção respeitante às infracções relativas à campanha eleitoral, dispõem os artigos 133.º e 134.º da LEAR, na redacção emergente da Lei 10/95,

de 7 de Abril, o seguinte:

"Artigo 133.º

(Suspensão do direito de antena)

1 - É suspenso o exercício do direito de antena da candidatura que:

a) Use expressões ou imagens que possam constituir crime de difamação ou injúria, ofensa às instituições democráticas, apelo à desordem ou à insurreição ou incitamento

ao ódio, à violência ou à guerra;

b) Faça publicidade comercial.

2 - A suspensão é graduada entre um dia e o número de dias que a campanha ainda durar, consoante a gravidade da falta e o seu grau de frequência, e abrange o exercício do direito de antena em todas as estações de rádio e televisão, mesmo que o facto que a determinou se tenha verificado apenas numa delas.

3 - A suspensão é independente da responsabilidade civil ou criminal.

Artigo 134.º

(Processo de suspensão do exercício do direito de antena) 1 - A suspensão do exercício do direito de antena é requerida ao Tribunal Constitucional pelo Ministério Público, por iniciativa deste ou a solicitação da Comissão Nacional de Eleições ou de qualquer outro partido ou coligação interveniente.

2 - O órgão competente da candidatura cujo direito de antena tenha sido objecto de pedido de suspensão é imediatamente notificado por via telegráfica para contestar,

querendo, no prazo de vinte e quatro horas.

3 - O Tribunal Constitucional requisita às estações de rádio ou de televisão os registos das emissões que se mostrarem necessários, os quais lhe são imediatamente facultados.

4 - O Tribunal Constitucional decide no prazo de um dia e, no caso de ordenar a suspensão do direito de antena, notifica logo a decisão às respectivas estações emissoras de rádio e de televisão para cumprimento imediato."

Esta medida de suspensão do tempo de antena que se pretende que o Tribunal aplique à candidatura do PND às eleições legislativas tem também inevitavelmente carácter sancionatório. Trata-se de, como reacção a um exercício do direito que se tem por censurável, privar a candidatura que a sofre, pelo tempo fixado na decisão judicial, do direito de acesso, para propaganda eleitoral, às estações emissoras de rádio e de televisão de âmbito nacional e regional, públicas e privadas, consagrado no n.º 3 do artigo 40.º da Constituição (direito de antena eleitoral) e concretizado, quanto às eleições legislativas, pelo n.º 1 do artigo 62.º da LEAR.

O direito de antena para fins eleitorais é um dos meios proporcionados aos respectivos sujeitos activos (os partidos concorrentes, no caso das eleições legislativas) para prosseguirem a actividade de propaganda eleitoral, que a lei define como "toda a actividade que vise directa ou indirectamente promover candidaturas, seja dos candidatos, dos partidos políticos, dos titulares dos seus órgãos ou seus agentes ou de quaisquer outras pessoas, nomeadamente a publicação de textos ou imagens que exprimam ou reproduzam o conteúdo dessa actividade" (artigo 61.º da LEAR). Dito de outro modo, a propaganda eleitoral é o conjunto de acções, de natureza política e publicitária, destinadas a influir sobre os eleitores com vista a obter a sua adesão às candidaturas e, em última análise conquistar o seu voto (Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis, Lei Eleitoral da Assembleia da República, 4.ª ed., pág. 87).

A Constituição enuncia no n.º 3 do artigo 113.º os princípios fundamentais por que se regem as campanhas eleitorais, neles avultando a liberdade de propaganda. Como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa,

Anotada, Vol. II, 4.ª ed. págs. 84/85):

"X. Ao enunciar os princípios que devem reger as campanhas eleitorais (n.º 3), a constituição garante institucionalmente a existência de períodos pré-eleitorais formalmente definidos e especialmente destinados ao esclarecimento e à mobilização eleitorais. A duração das campanhas eleitorais há-de ser adequada à realização dos seus objectivos, não podendo deixar de abranger um período minimamente relevante.

O que caracteriza as campanhas eleitorais como instituto específico é o regime especial de que gozam os concorrentes no que respeita a certos direitos e liberdades (designadamente, de expressão, de reunião, etc.), bem como quanto a certas regalias

(v. g., dispensa do emprego).

Os princípios sobre campanhas eleitorais já resultariam (salvo o da alínea d) de outras normas constitucionais. A sua reafirmação não perturba o princípio da unidade do procedimento eleitoral - que inclui acto eleitoral e actos preparatórios de eleições, todos eles informados pelos princípios gerais de direito eleitoral consagrados noutras disposições constitucionais (arts. 10.º e 49.º) -, mas tem como significado útil o reforço da sua eficácia no respeitante às campanhas eleitorais, contemplando eventualmente alguns aspectos específicos destas últimas.

Assim, a liberdade de propaganda exigirá eventualmente um regime específico para o exercício das liberdades de expressão, reunião e manifestação, durante os períodos eleitorais. A igualdade de oportunidades e de tratamento das candidaturas, além de exigir iguais tempos de antena (artigo 40.º-2), impõe a atribuição de iguais facilidades aos candidatos em todos os domínios. O princípio da imparcialidade reforça o princípio geral da imparcialidade da administração (artigo 267.º-2) e aplica-se a todos os órgãos do Estado, a começar pelos titulares dos órgãos de soberania. A fiscalização das contas eleitorais visa especialmente controlar o respeito dos limites legais eventualmente estabelecidos para as despesas eleitorais, desde logo por razões de igualdade de oportunidades (cf. L n.º 19/2003, artigo 15.º ss.; L n.º 2/2005, arts. 15.º e ss.).

Note-se que alguns dos direitos referidos à campanha eleitoral - como a igualdade das candidaturas e a imparcialidade das autoridades públicas perante elas - não podem limitar-se aos períodos de campanha propriamente ditos, sendo relevantes para todo o

procedimento eleitoral."

A liberdade de propaganda eleitoral co-envolve, assim, outras liberdades fundamentais (v. gr. de expressão, de informação, de reunião, de manifestação e até de criação artística). Designadamente, o modo de propaganda que se exerce através do direito de antena reclama a liberdade de expressão de pensamento, de opinião e de crítica política. Como refere José de Melo Alexandrino, Direito Regional e Local, n.º 10, pág.

30, "a liberdade de propaganda política é ainda um direito complexo, que envolve pelo menos as seguintes pretensões: (i) o direito de não ser impedido de divulgar ideias e opiniões; (ii) a liberdade de comunicar ou não comunicar, através da propaganda, o seu pensamento; (iii) uma pretensão à remoção de obstáculos não-razoáveis à concretização da comunicação (princípio da máxima expansão das possibilidades de expressão); (iv) e ainda pretensões de protecção contra ofensas provenientes de

terceiros".

Tem mesmo de reconhecer-se, sem que isso equivalha a considerar aberto um período de licença nesse período, mas de acordo com uma compreensão dos tipos de ilícito como permeáveis ao princípio da adequação social, que a liberdade de propaganda política reclama, durante as campanhas eleitorais, um regime específico no que concerne à difusão de ideias que, fora dos períodos eleitorais, poderiam ser eventualmente ilícitas (cf., sem tomar posição, colocando a questão em termos de interrogação ou como questão problemática, Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit., pág. 85). Num contexto de desacordo acentuado, como é o da luta política no seu expoente máximo que são as campanhas eleitorais, os argumentos surgem frequentemente envoltos em exageros, distorções e outras formas de comunicação próximas das fronteiras da linguagem aceitável (Jonatas Machado, Liberdade de Expressão, Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social, pág. 805).

Dificilmente se consegue argumentar que algo vai mal no funcionamento das instituições políticas de modo a captar a atenção e convencer o eleitorado, quando esteja em causa o modo como foi conduzida a governação, sem algum dano colateral em matéria de bom nome e reputação dos adversários. Esta superior exposição à crítica a que estão sujeitos os titulares de cargos políticos e a circunstância de a conduta supostamente ofensiva ocorrer em contexto de campanha eleitoral são factores que não podem ser ignorados no momento da compatibilização prática entre os dois direitos fundamentais, sobretudo quando aquela se expressa em meros juízos de valor ou censura global de um modo de actuar na vida pública e não na imputação concreta e individualizada de

factos desonrosos.

6 - Isto posto, entremos na análise do caso.

Segundo o Ministério Público dois fundamentos justificam a suspensão do tempo de antena da candidatura do PND pela prática do ilícito eleitoral previsto na hipótese da alínea a) do n.º 1 do artigo 133.º da LEAR. No exercício do direito de antena a candidatura teria difundido expressões e imagens (i) que podem constituir crime de difamação ou injúria e ofensas às instituições democráticas (ii) e que podem ser consideradas como constituindo apelo à desordem ou incitamento ao ódio e à violência.

Efectivamente, sem pretender reproduzi-la verbalmente nem desconhecer o efeito de significação global, dois momentos avultam na peça de propaganda eleitoral em questão. Por um lado, as cenas em que, incluindo-o na categoria dos dirigentes políticos a derrubar, por semelhança ou imitação com o que vem sucedendo nos movimentos populares da chamada "primavera árabe" (Tunísia, Egipto, Líbia), se procuram retirar efeitos de comparação do actual Presidente do Governo Regional da Madeira (e também candidato a deputado nas eleições legislativas a que respeita a campanha) com os dirigentes desses países objecto de contestação popular e, sobretudo, com Hitler e com as técnicas de mobilização de massas associada ao nacional-socialismo alemão. E, por outro, as cenas em que apresentando-o como o último daquela categoria de líderes a afastar do poder, se parodia uma suposta marcha

de rebeldes sobre o Funchal.

6.1 - Quanto a este último aspecto, é manifesto que o vídeo não contém, objectiva ou subjectivamente, uma mensagem de incitamento ao ódio e à violência ou à desordem pública, mesmo na perspectiva de um destinatário (um espectador da emissão de televisão) ingénuo, não informado ou momentaneamente desatento.

Trata-se de uma narrativa em que os elementos ficcionais e de comicidade são claramente denotados (v. gr., por armas de brinquedo, caracterização, discurso e postura dos intervenientes em actos ostensivamente encenados), parodiando ou intercalando imagens dos confrontos entre os insurgentes e as forças leais ao regime líbio que têm sido recorrentes nos meios de comunicação televisiva e são facilmente identificáveis pelo espectador médio. A conotação da vida política na Região Autónoma da Madeira com esses acontecimentos da realidade internacional actual, mediante uma actuação histriónica e visivelmente encenada, não incorpora uma mensagem de incitamento à imitação dessas ocorrências, mas de sátira ou provocação ao riso, que é um elemento eficaz e corrente nas actividades de publicidade ou

propaganda.

Ora, o valor das liberdades de comunicação, aqui ao serviço da liberdade de propaganda política eleitoral, só permite medidas restritivas dos poderes públicos nos casos em que os conteúdos comunicados criem um perigo substancial particularmente grave e provável (à semelhança da doutrina do clear and present danger adoptada pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América, entre outros, no caso Bandenburg v. Ohio, 395, U.S. 444 (1969). Não se vislumbra que as imagens e palavras, denotadamente de fantasia, que a emissão em causa divulgou comportem o risco de serem interpretadas pelos destinatários como um apelo à desordem ou incitamento ao ódio, à violência ou a qualquer acção ilícita.

6.2 - Quanto ao fundamento de que as imagens e expressões usadas no "tempo de antena" emitido podem constituir crime de difamação ou injúria ou ofensa às instituições democráticas, está em causa a comparação que elas sugerem entre o Dr. Alberto João Jardim, actual Presidente do Governo Regional da Madeira, com os dirigentes políticos dos países do norte de África, de regimes tidos por autoritários e, sobretudo, com Hitler e as técnicas de mobilização e propaganda de massas e de direcção política características do nacional-socialismo. Não compete ao Tribunal averiguar a responsabilidade criminal que de tal emissão possa decorrer, mas apenas saber se com ela foram violados os limites da liberdade de propaganda eleitoral.

Desde já, importa dizer que só de modo muito remoto à acção de propaganda política em presença poderia ser associado um conteúdo ou efeito ofensivo para as instituições democráticas, nacionais ou regionais. A mensagem vai claramente dirigida ao que o seu emissor entende ser o estilo ou o modo de agir na esfera pública do Dr. Alberto João Jardim, também candidato nas eleições legislativas em causa. Portanto, o que pode estar em confronto é a liberdade de propaganda eleitoral e as liberdades de comunicação que lhe dão corpo ou que nela se mobilizam, de um lado, com o direito à

honra, por outro.

Se bem que, na sobressimpificação do discurso na luta política, não seja um fenómeno raro a utilização de argumentos ad hominem e a identificação ou equiparação do adversário com dirigentes reconhecidos na opinião pública como paradigma do desrespeito pelos princípios democráticos ou pelos direitos fundamentais, não se nega que tal tipo de comparação - atribuindo ao sujeito da comparação as características desvaliosas daquele a quem é implicitamente equiparado - possa ser, abstractamente, considerada ofensiva da honra e consideração do visado. Porém, nenhum dos direitos em conflito é absoluto. Como se deixou dito, para adequada repartição dos custos do conflito entre o direito ao bom nome e reputação e as liberdades de comunicação, não pode abstrair-se das circunstâncias de modo e tempo (tempo político: campanha eleitoral) em que ocorreu e como se manifestou a acção alegadamente ofensiva.

Ora, no caso não se imputam ao adversário político visado factos concretos desonrosos. Um destinatário comum do tempo de antena em apreço não fica com a ideia de que se afirme ou insinue que ele tenha cometido o tipo de actos desvaliosos de que são acusados os dirigentes políticos a que a sua imagem é associada. O essencial da mensagem estrutura-se de modo a insinuar no espectador a ideia de que esse outro político e concorrente eleitoral assume uma prática autocrática na vida política e partidária e adopta um estilo propagandístico e uma retórica semelhante à dos regimes totalitários. Mas tudo isso mediante um discurso ficcional, de sátira e de caricatura, obtido através de uma montagem em que se sobrepõem, de modo visível e imediato e ostensivamente perceptível, imagens e palavras retiradas de diferentes contextos e proveniências. Ora, como refere Jonatas Machado, op. cit., pág. 825, o registo não narrativo em que se desenvolve um discurso desta natureza "constrói um contexto interpretativo específico, à luz do qual as imputações que possam ser feitas são geralmente compreendidas como "declarações não sérias", insusceptíveis de serem

confundidas com afirmações de facto.

Finalmente, a menor elegância de algumas expressões que surgem num diálogo ficcionado e evidentemente impossível, sugerindo dificuldades na vida política interna do partido político de que é dirigente, não é de molde a que, nos limites da competência do Tribunal, se considere atingida a honra e consideração devidas ao Presidente do Governo Regional da Madeira. Na verdade, o princípio da liberdade de propaganda eleitoral abrange a propaganda simplesmente negativa e nas liberdades de comunicação estão compreendidas "não só as informações inofensivas e indiferentes ou aquelas que sejam favoráveis; também incluem as que possam inquietar o Estado ou uma parte da população, já que isso resulta do pluralismo, da tolerância e do espírito aberto, factores sem os quais não existe uma sociedade democrática" (Cfr. entre muitos, Acórdão de 11/4/2006, P. 71343/01, caso Brasilier c. France, do Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem)

De tudo o que antecede resulta não poder concluir-se que a emissão ao abrigo do direito de antena ocorrida em 22 de Maio de 2011 na RTP, por que é responsável a candidatura do PND-Nova Democracia, preencha a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 133.º da Lei 14/79, de 16 de Maio, na sua actual redacção, de modo a justificar a imposição da medida que vem requerida.

III. Decisão

Pelo exposto, julgando o requerimento do Ministério Público improcedente, o Tribunal decide indeferir o pedido de suspensão do exercício do direito de antena da candidatura do partido político PND-Nova Democracia no âmbito da campanha eleitoral em curso, relativa à eleição de deputados para a Assembleia da República designada para o próximo dia 5 de Junho de 2011.

Lisboa, 27 de Maio de 2011. - Vítor Gomes - Carlos Fernandes Cadilha - Gil Galvão - Maria Lúcia Amaral - João Cura Mariano - Carlos Pamplona de Oliveira - J. Cunha Barbosa - Catarina Sarmento e Castro - José Borges Soeiro -

Rui Manuel Moura Ramos.

204747105

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2011/06/07/plain-284388.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/284388.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1979-05-16 - Lei 14/79 - Assembleia da República

    Aprova a lei eleitoral para a Assembleia da República.

  • Tem documento Em vigor 1995-04-07 - Lei 10/95 - Assembleia da República

    Altera a Lei 14/79 de 16 de Maio que aprova o regime eleitoral para a Assembleia da República.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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