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Acórdão 32/2011, de 16 de Fevereiro

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Sumário

Nega provimento ao recurso para o Plenário do Acórdão n.º 497/2010, que indeferiu reclamação do despacho de não conhecimento do objecto da acção de impugnação de eleição de titulares de órgãos de partidos políticos. (Processo n.º 727/10)

Texto do documento

Acórdão 32/2011

Processo 727/10

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Victor Manuel Bento Baptista, inconformado com o Acórdão 497/2010 que indeferiu a reclamação do despacho de não conhecimento do objecto da acção de impugnação de eleição de titulares de órgãos de partidos políticos, vem dele interpor recurso para o plenário do Tribunal, nos termos do n.º 8 do artigo 103.º-C da Lei n.º

28/82 de 15 de Novembro (LTC).

O acórdão recorrido decidiu nos seguintes termos:

«[...] Determina a LTC que a impugnação, perante o Tribunal Constitucional, de eleições de titulares de órgãos de partidos políticos só seja admissível depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade do acto eleitoral. A razão por que o faz encontra-se no estatuto constitucional dos partidos políticos. Não obstante concorrerem para a organização e para a expressão da vontade popular (artigo 10.º, n.º 12 da CRP), e deterem por isso funções e competências relevantes no domínio da organização do poder político (artigos 114.º; 151.º, n.º 1; 180.º da CRP), os partidos políticos são, na sua raiz, expressão do exercício da liberdade de associação. Nesses termos, e conforme o reconhece a Constituição nos artigos 51.º e 46.º, gozam, na ordenação da sua vida interna, da autonomia própria que é conferida às associações. É certo que tal autonomia conhece sempre limites, impostos pela ordem constitucional no seu conjunto.

Para além daqueles que valem, em geral, para todas as associações, são aplicáveis à ordenação da vida interna dos partidos, pelas funções políticas que constitucionalmente são conferidos a estes últimos, não apenas os limites decorrentes do necessário respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política (n.º 2 do artigo 10.º), mas ainda os decorrentes dos princípios da transparência, da organização e da gestão democrática e da participação de todos os seus membros (n.º 5 do artigo 51.º). É em razão destes limites, que conformam, por força da Constituição, o ordenamento interno dos partidos, que se atribui ao Tribunal Constitucional competência para, nos termos da lei, julgar acções de impugnação de eleições e deliberações dos órgãos partidários [artigo 223.º, n.º 2, alínea h) da CRP].

Os termos em que são recorríveis tais eleições e deliberações são fixados pela LTC. E são-no de modo a que se obtenha a necessária concordância prática entre os dois princípios constitucionais atrás mencionados: por um lado, o princípio da autonomia na ordenação da vida interna de cada instituição partidária; por outro, o princípio da necessária submissão dessa organização interna aos limites que lhe são

constitucionalmente impostos.

No que diz respeito à impugnação de eleições de titulares de órgãos dos partidos, eleições essas regidas, necessariamente e antes do mais, pelas normas constantes de regulamentos e dos estatutos partidários, estabeleceu a LTC, para fazer concordar praticamente o princípio da autonomia partidária com os seus limites constitucionais, a regra da subsidiariedade da intervenção do Tribunal. O Tribunal Constitucional julga acções de impugnação de eleições de titulares de órgãos dos partidos, a intentar por militantes que, nas eleições em causa sejam eleitores ou candidatos; mas só o faz depois de ter sido apreciada, por todos os meios internos previstos pelo estatuto do partido, a validade ou regularidade do acto eleitoral.

Quer isto dizer que o Tribunal não pode ser o primeiro intérprete das normas que, constantes antes do mais dos regulamentos e estatutos partidários, regem os actos eleitorais que, no interior de cada partido, se realizam. Ao Tribunal só cabe a função de último e final intérprete, uma vez corridas todas as instâncias internas de julgamento.

6 - No caso, e como já se viu, determinou a Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista, órgão ao qual compete, nos termos dos estatutos, julgar definitivamente os recursos interpostos das "Comissões Federativas", que eram nulas todas as deliberações tomadas pelos órgãos partidários sobre a validade e regularidade dos actos eleitorais que o militante Victor Baptista pretende impugnar junto do Tribunal

Constitucional.

Assim sendo, e posto que inexiste, por força de decisão tomada pela instância estatutariamente competente, qualquer outra apreciação sobre a validade ou regularidade do acto eleitoral que se pretende impugnar, teria o Tribunal (se se aceitasse a interpretação que o reclamante faz do disposto no n.º 3 do artigo 103.º-C da LTC) que ser o primeiro intérprete das normas internas do partido, regulamentares e estatutárias, que regem os actos eleitorais que no seu seio se realizam. Tal função, contudo, não pode o Tribunal exercer. Como já vimos, a tal se opõe o princípio da subsidiariedade da sua intervenção, consagrado no n.º 3 do artigo 103.º -C da LTC.

É certo que, como o refere o reclamante, estão em causa direitos dos militantes que, por força dos princípios constitucionais já várias vezes mencionados devem, nos termos da Constituição e da lei, merecer a tutela do Tribunal; no entanto, e pelos motivos já expostos, não pode, no caso, ser essa tutela conferida pela via da acção intentada pelo

ora reclamante.

Com efeito, a deliberação da Comissão Nacional de Jurisdição não incidiu sobre os aspectos de validade e de regularidade do acto eleitoral que o reclamante pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional. Incidiu, sim, sobre outra questão, a saber, a relativa à validade das deliberações tomadas pelos órgãos jurisdicionais do partido quanto à legalidade e regularidade do acto eleitoral.

Assim sendo, não existe coincidência entre o objecto do pedido apresentado pelo ora reclamante ao Tribunal Constitucional e o objecto da pronúncia emitida, em última instância, pelo órgão partidário estatutariamente competente: aquilo que o autor, ora reclamante, pede ao Tribunal não foi objecto de decisão tomada pela Comissão Nacional de Jurisdição e esta última decisão não foi objecto do pedido formulado pelo

ora reclamante.

Nestes termos e por estes fundamentos, não pode o Tribunal conhecer do objecto da

presente acção[...]».

Alega, em conclusão, o recorrente:

«1 - São os presentes autos de impugnação da eleição de titulares de órgãos de partidos políticos, no caso da eleição do Presidente da Federação Distrital de Coimbra do Partido Socialista, ao abrigo do disposto no artigo 103.º-C, n.º 11 da LTC, neles se peticionando que se declare que as irregularidades do acto eleitoral que nela se suscitaram, em violação das disposições da CRP, da lei, dos Estatutos e dos Regulamentos do requerido, influenciaram directa e decididamente o resultado do acto

eleitoral e o próprio acto eleitoral.

2 - Os factos que constituem a causa de pedir da presente acção são identificados na acção, no despacho reclamado e no Acórdão recorrido que o confirmou e que consubstanciam as irregularidades do acto eleitoral.

3 - Sobre estas questões pronunciou-se o despacho reclamado, o qual reconheceu, que quer a Comissão Organizadora do Congresso, quer a Comissão Federativa de Jurisdição, os dois primeiros órgãos internos na hierarquia do requerido com competência se pronunciaram sobre tal matéria.

4 - Igualmente o Acórdão recorrido reconhece que "A 20 de Outubro pronunciou-se a Comissão Nacional de Jurisdição sobre o recurso que lhe fora apresentado...", sobre aquelas "Questões", se pronunciaram quer a Comissão Organizadora do Congresso,

quer a Comissão Federativa de Jurisdição.

5 - Dúvidas não existem pois, que sobre as "Questões" relativas à regularidade e validade do acto eleitoral, se pronunciaram ou tiveram oportunidade de se pronunciar, todos os órgãos internos do partido requerido.

6 - O aqui recorrente, reclamou, recorreu e esgotaram-se, todos os meios internos previstos nos estatutos, no cumprimento rigoroso e escrupuloso do exigido e estatuído

no n.º 3 do artigo 103.º-C da LTC.

7 - Aqueles referidos órgãos, a Comissão Organizadora do Congresso e a Comissão de Jurisdição Federativa, são dois órgãos, na respectiva hierarquia do requerido, ou meios internos previstos nos seus Estatutos "para" a apreciação da validade e regularidade do acto eleitoral, os quais apreciaram as "Questões" A, B, C, D, e E enunciadas no despacho reclamado e que constituem o objecto da presente acção de impugnação de eleição de titular de órgão do requerido (e não de deliberação de

órgão).

8 - Tal "meio interno" "para" apreciação da validade e irregularidade do acto eleitoral, o órgão - CNJ - a que se refere o artigo 103.º-C, n.º 1 da LTC, "pronunciou-se a 20 de Outubro de 2010", relativamente a todas as questões colocadas "e que são as mesmas que o peticionante apresenta ao Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 103.º-C da LTC, sob a forma de acção de impugnação de eleições de titulares de órgãos de partidos políticos", como é referido no Acórdão recorrido.

9 - As "Questões", todas elas, foram pois apresentadas ao último "meio interno", à CNJ, "para" a sua apreciação. Estão pois esgotados todos os meios internos "para" o efeito previstos na LTC, não importando para a LTC o "como" e o "se" da pronúncia da CNJ. O que importa para a lei é que se verifiquem esgotados todos os meios internos "para" apreciação das ditas "Questões" A, B, C, D e E.

10 - Se tal meio interno, tal último órgão, deliberadamente ou não, nunca se pronunciar, ainda que ocorra indeferimento tácito, não pode ficar vedado o recurso ao Tribunal Constitucional e o recorrente sem jurisdição alguma e a Democracia indefesa.

11 - O despacho reclamado e Acórdão que o confirmou, não podem abrir de par em par a porta à "Ditadura dos Partidos", no sentido de que o Tribunal Constitucional só faz a "apreciação da validade e regularidade do acto eleitoral", se o partido quiser,

quando quiser e como quiser.

12 - O que recorrente Autor pretende com a presente acção e é o seu objecto, é a anulação de uma eleição (artigo 103.º-C n.º 1 da LTC), que impugna nos termos peticionados e não a anulação da deliberação da CNJ de 20 de Outubro de 2010 (cf.

Ac. 85/04 deste TC), que por sua vez anulou as deliberações da Comissão Organizadora do Congresso e da Comissão Federativa de Jurisdição de Coimbra.

13 - A CNJ pronunciou-se definitivamente, depois de lhe serem colocadas as referidas "Questões" (A, B, C, D e E como as identificou o despacho reclamado) "Questões"

essas, objecto da presente acção e pronunciou-se, como bem entendeu, quis ou soube e assim, não ficou prejudicado nem violado o princípio da autonomia na ordenação na vida interna do requerido, o Partido Socialista.

14 - Diferentemente do que se escreve no douto Acórdão, o recorrente Victor Baptista não "pretende conferir o valor próprio de uma apreciação da validade e regularidade do acto eleitoral feita no ordenamento interno do partido, em última instância", à pronúncia da CNJ em interpretação do n.º 3 do artigo 103.º- C da LTC.

15 - Da deliberação da Comissão Federativa de Jurisdição de Coimbra, do seu Acórdão datado de 16 de Outubro de 2010, nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do Regulamento Eleitoral para a Eleição do Presidente da Federação, coube recurso para a Comissão Nacional de Jurisdição, a interpor no prazo de 48 horas, a qual deve decidir no prazo de 3 dias", pronunciando-se da CNJ definitivamente sobre a validade e regularidade do acto eleitoral e das "Questões" A), B), C), D) e E), que lhe foram colocadas e são objecto da acção de impugnação do acto eleitoral, nos termos do artigo 103.º-C da LTC, como bem entendeu em nome do princípio que lhe é atribuído

da autonomia dos partidos.

16 - Reconhece-se que os limites da autonomia própria dos partidos na ordenação da sua vida interna, para além dos princípios genéricos para as demais associações, são os "decorrentes dos princípios da transparência da organização e gestão democrática e da participação dos seus membros (n.º 5 do artigo 51.º), que têm que ter "a necessária concordância prática" na "regra da subsidiariedade da intervenção do Tribunal", como

se extrai do Acórdão.

17 - E não querendo o órgão competente em última instância pronunciar-se, não podem ficar sem tutela jurisdicional, os "princípios da transparência, da organização e gestão democrática e da participação dos seus membros (n.º 5 do artigo 51.º), que constituem um "limite" ao princípio da autonomia própria dos partidos. De contrário está-se a afastar o "limite", que o Acórdão reconhece existir, sendo ele por isso, contraditório até nos seus próprios termos.

18 - O douto Acórdão, com o seu entendimento, afasta aqueles "limites", deixando em "roda livre" aquela autonomia dos partidos, transformando-a em autonomia absoluta, em direcção ao livre arbítrio, ao "quero, posso e mando", instituindo "A Ditadura dos Partidos" num Estado de Direito Democrático. Não foi, nem pode ser essa, a interpretação que o legislador parlamentar quis consagrar ao n.º 3 do artigo 103.º-C da

LTC.

19 - O intérprete deve presumir que o legislador consagrou na lei as soluções mais acertadas (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil) e por isso, se chegarmos como se chega, com a interpretação que o douto Acórdão faz do n.º 3 do artigo 103.º-C da LTC, à descrita solução chocante e absurda, que já se demonstrou, devemos então concluir que o legislador a não quis consagrar na lei.

20 - O que o legislador quer em nome do princípio da autonomia dos partidos, é que lhe seja dada a possibilidade de eles se pronunciarem sobre a apreciação da validade e regularidade do acto eleitoral, ou dito doutro modo, que sejam esgotados todos os meios internos previstos nos Estatutos para a apreciação da validade e regularidade do

acto eleitoral.

21 - O último órgão do partido - CNJ - não pode ter na mão um "instrumento" que lhe possibilite poder fazer precludir, a defesa que este Tribunal Constitucional tem de efectuar do Estado de Direito Democrático. O legislador parlamentar não deu nem poderia ter dado aos partidos políticos tal "instrumento".

22 - Para o douto despacho e Acórdão recorrido, tudo se passa como se no universo legislativo da LTC, para o candidato recorrente, não existisse a disposição do artigo 103.º-C n.º 1 da LTC por a ela não poder aceder face à pronúncia da CNJ.

23 - O douto Acórdão, com o entendimento dele constante acaba por negar a própria competência que é atribuída a este Venerando Tribunal Constitucional pelo referido artigos 103.º-C, em consequência da revisão constitucional de 1997.

24 - Não se pode ignorar, ao contrário do referido no Acórdão aqui em crise, que o "primeiro interprete" foi a Comissão Organizadora do Congresso, que o segundo "interprete" foi a Comissão Federativa de Jurisdição, que conheceram ambos das disposições aplicáveis às questões suscitadas pelo recorrente e o terceiro "interprete", foi a Comissão Nacional de Jurisdição, último na hierarquia do requerido que conheceu em última instância, e lhe foram apresentadas essas mesmas Questões, esgotando-se "todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade do acto eleitoral". Este terceiro "interprete" agiu ou interpretou e decidiu

pronunciar-se como bem entendeu e ou soube.

25 - Perante a definitividade interna da deliberação da CNJ (esgotados que foram os meios internos... "para"... - a LTC, o seu artigo 103.º-C, n.º 3, refere-se ao órgão e não ao conteúdo do mérito da pronúncia desse órgão), nada mais restou ao recorrente, senão impugnar a validade e regularidade do acto eleitoral, nos termos do artigo 103.º- C, n.º 1 da LTC, como ensinou o Acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional

(cf. Ac. 85/04 deste TC).

26 - A norma ínsita no n.º 3 do artigo 103.º-C da LTC, quando interpretada no sentido em que o foi pelo Acórdão e despacho recorridos, é inconstitucional, na medida em que limita ou veda o direito à tutela jurisdicional efectiva prevista no n.º 4 do artigo

268.º da C.R.P. denegando Justiça.

27 - Entende o recorrente que a norma do n.º 3 do artigo 103.º-C da LTC, que estabelece a admissibilidade das acções de impugnação de eleições de titulares de órgãos de partidos políticos, não tem o alcance de impedir a intervenção do Tribunal, quando o último órgão (no caso a CNJ), competente para conhecer em última instância do partido requerido, depois de as "Questões" lhe serem colocadas, não tomar posição nenhuma ou a constante dos autos, sobre as ilegalidades e ou irregularidades

enunciadas e colocadas ao Tribunal.

28 - Para que o direito do recorrente não seja violado é necessário que se faça da norma do artigo 103.º-C, n.º 3 da LTC, uma interpretação de acordo com o "princípio da conservação das normas jurídicas", enquadrado no princípio mais geral da "interpretação conforme a Constituição" (e como já se disse, o Acórdão recorrido

como que a afasta do ordenamento jurídico).

29 - O douto despacho reclamado e o Acórdão que o confirmou, ambos aqui recorridos, ao interpretarem a referida norma do artigo 103.º-C, n.º 3 da LTC, no sentido em que o fizeram, violaram também os princípios anti-formalistas "pro actione" e "in dubio pro favoritate instanciae", que impõem uma interpretação da norma que se apresenta como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional

efectiva.

30 - Em consonância com as garantias contenciosas consagradas na Constituição, a interpretação que em concreto foi dada à norma do 103.º-C, n.º 3 da LTC, viola o direito constitucional à tutela judicial efectiva, consagrado na norma constitucional do n.º 4 do artigo 268.º e 20.º da CRP, normas que são de aplicação directa, nos termos

do artigo 18.º, n.º 1 da Constituição.

31 - A confirmar-se o entendimento do despacho e Acórdão recorridos, os mesmos teriam de haver-se como inconstitucionais, violando um e outro, de forma intolerável, também, os princípios da protecção, da confiança e segurança jurídica, ínsitos na protecção do Estado de Direito Democrático igualmente previsto no artigo 2.º da CRP e no artigo 6.º e 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

32 - O despacho reclamado e o Acórdão que o confirmou, aqui recorridos, violam, entre outros, o disposto no artigo 103.º-C n.º 1 e n.º 3 da LTC e bem assim, os artigos 2.º; 18.º, n.º 1; 20.º; 51.º n.º 5; 223.º, n.º 2, al. h); 268.º n.º 4 e da CRP, artigo 6.º e 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o artigo 16.º dos Estatutos, o n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento Eleitoral para Presidente das Federações, o artigo 3.º e

4.º do Regulamento de Quotas.

Termos em que deve ser revogado o douto despacho reclamado e Acórdão que o confirmou, substituindo-se por outro que ordene o conhecimento do objecto da

presente acção».

2 - O recorrido pugna pela manutenção do julgado, nos seguintes termos:

«1.º O recurso ora apresentado não é mais que uma tentativa do ora Impugnante de reverter uma decisão que não soube aceitar, fundamentando uma pretensão que, bem sabe, não tem, absolutamente, nenhum fundamento e é até contrária ao Direito.

2.º É por demais evidente que este recurso não apresenta qualquer base séria para se fundamentar, apenas se alicerçando em argumentos falaciosos e raciocínios subjectivos, que não encontram qualquer apoio na prova documental que as partes trouxeram aos

presentes autos.

3.º E, assim sendo, numa atitude desesperada e de eivada má fé - comportamento, de resto, adoptado ao longo da presente lide, salientando-se ainda que o impugnante vai ao cúmulo de deturpar a verdade dos factos e apresentar novas "teses" e "argumentos", ainda que, em contradição frontal com o quanto foi por si foi tão vincadamente

sustentado ao longo dos presentes autos.

4.º A Justiça e o Direito não podem, evidentemente, ficar à mercê dos propósitos do

ora Impugnante

5.º Pelo que, andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu».

II - Fundamentação

3 - Em causa está o conhecimento por parte do Tribunal Constitucional de uma acção de impugnação de eleição de titulares de órgãos de partidos políticos. O artigo 103.º-C, referente a essas acções, foi aditado pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, com a finalidade de adaptar a LTC às novas exigências constitucionais resultantes da lei de Revisão Constitucional de 1997. Esta lei de Revisão Constitucional acrescentou um n.º 5 ao artigo 51.º da Constituição, nos termos do qual «os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros». Por outro lado, alargou a competência do Tribunal Constitucional, em relação aos partidos, ao qual passou a competir «julgar as acções de impugnação de eleições e deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis» (artigo 223.º, n.º 2, alínea h). O preceito limitou, porém, desde logo a dois os tipos de acções passíveis de decisão por parte do Tribunal Constitucional: as acções de impugnação de eleição de titulares de órgãos de partidos políticos e as acções de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos. Por outro lado, veio remeter para a lei a definição dos termos em que são impugnáveis as eleições internas dos partidos e as

deliberações dos órgãos partidários.

Finalmente, o n.º 1 do artigo 103.º-C da LTC veio dispor que «as acções de impugnação de eleições de titulares de órgãos de partidos políticos podem ser instauradas por qualquer militante, que, na eleição em causa, seja eleitor ou candidato ou, quanto à omissão nos cadernos ou listas eleitorais, também pelos militantes cuja

inscrição seja omitida».

4 - Já por várias vezes o Tribunal se pronunciou sobre o sentido e alcance preceptivo do artigo 103.º-C da LTC, concluindo que tem um intuito claramente limitador. Assim, o Acórdão 85/2004 (disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.

Os arestos doravante citados sem referência a local de publicação podem ser

consultados neste sítio):

«Na lei do Tribunal Constitucional apenas estão previstas estas acções de impugnação de deliberações de órgãos partidários, nos artigos 103.º-C e 103.º-D, sendo claro o intuito limitador, quer quanto ao objecto das acções previstas (não se referindo, por exemplo, um amplo "contencioso eleitoral", ou genericamente "recursos relativos a eleições", como nos artigos 102.º e 102.º-D da lei do Tribunal Constitucional) quer quanto aos fundamentos dessas acções [...]» No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão 2/2011:

«[...] nas acções de impugnação de eleição [...] é de sublinhar que o legislador se reporta apenas à impugnação de eleição de titulares de órgãos partidários, e não genericamente a «matéria eleitoral» ou a «contencioso eleitoral» partidário ou a «recursos relativos a eleições», em claro contraste com as formulações mais amplas adoptadas nos artigos 102.º e 102.º-D da LTC em relação aos processos eleitorais para a Assembleia da República, assembleias legislativas regionais ou órgãos do poder

local.

Acresce que as disposições dos n.os 3 e 4 do artigo 103.º-C reforçam ainda o carácter restritivo do tipo de controlo jurisdicional que é admitido, no âmbito de impugnação de eleição, ao identificarem como objecto do processo a «apreciação da validade e

regularidade do acto eleitoral».

Desta jurisprudência resulta que o artigo 103.º-C não pode ser interpretado como uma via aberta a qualquer pretensão conexionada com procedimentos eleitorais de titulares de órgãos partidários. Em primeiro lugar, apenas diz respeito à impugnação das mencionadas eleições; em segundo lugar, limita o objecto do processo às deliberações que incidem sobre a validade ou a regularidade do acto eleitoral.

5 - Por seu turno, o n.º 3 do artigo 103.º-C da LTC estabelece uma outra limitação à possibilidade de impugnação dessas eleições perante o Tribunal Constitucional, ao impor que «a impugnação só é admissível depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade do acto eleitoral».

Nesse seguimento, o n.º 4, exige que «a petição deve ser apresentada no Tribunal Constitucional no prazo de 5 dias a contar da notificação da deliberação do órgão que, segundo os estatutos, for competente para conhecer em última instância da validade e

regularidade do acto eleitoral».

É também já ampla a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a verificação da exigência de esgotamento prévio dos meios de recurso internos. No Acórdão n.º

317/2010 referiu-se:

«O artigo 103.º-C, n.º 3, da LTC [...] apenas admite essas acções depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade da deliberação impugnada. Estamos perante uma exigência de exaustão dos meios impugnatórios internos que, neste domínio, visa limitar o acesso ao Tribunal Constitucional apenas às pretensões que se mantenham após terem sido esgotadas as hipóteses de reapreciação no interior dos partidos políticos».

Considerou-se, ainda, que deveriam mostrar-se esgotados não só os meios internos previstos nos Estatutos, como também os que resultassem de imposição legal, realizando-se, por isso, uma leitura ampla da exigência de exaustão dos meios de

impugnação internos:

«Embora o texto do n.º 3, do artigo 103.º-C, da LTC, faça referência somente aos meios internos previstos nos estatutos, a exigência nele contida também abrange, por identidade de razão, os meios impugnatórios internos que resultem de imposição legal, mesmo que não expressamente previstos nos Estatutos, pelo que só após a exaustão destes meios é que é admissível a propositura de acção de impugnação perante o

Tribunal Constitucional».

É à luz deste entendimento que deve ser analisado o presente caso.

6 - O recorrente, candidato às eleições para Presidente da Federação Distrital do PS em Coimbra e para Delegados ao Congresso da mesma Federação, realizadas em 9 de Outubro de 2010, entendeu que se verificaram ilegalidades e irregularidades que comprometiam o resultado eleitoral. Recorreu, por isso, para a Comissão Organizadora do Congresso (COC) que concedeu provimento parcial ao recurso em decisão tomada a 13 de Outubro; desta deliberação recorreu ainda para a Comissão Federativa de Jurisdição da Federação de Coimbra, nos termos do artigo 13.º, n.º 4 Regulamento Eleitoral para a eleição dos Delegados ao Congresso da Federação e do artigo 11.º, n.º 4 do Regulamento Eleitoral para a eleição do Presidente da Federação. Este segundo órgão deu razão ao recorrente em acórdão datado de 16 de Outubro.

Finalmente, outro militante do partido, candidato concorrente às eleições em causa, interpôs recurso deste último acórdão para a Comissão Nacional de Jurisdição (CNJ), nos termos do 13.º, n.º 5 Regulamento Eleitoral para a eleição dos Delegados ao Congresso da Federação e do artigo 11.º, n.º 5 do Regulamento Eleitoral para a eleição do Presidente da Federação, impugnando a validade das decisões dos órgãos partidários intermédios que deram razão ao recorrente. A CNJ pronunciou-se em 20 de Outubro sobre esse recurso, considerando que as deliberações tomadas, quer pela COC, quer pela Comissão Federativa de Jurisdição estavam feridas dos "vícios de usurpação de poderes e ausência de competências", sendo por isso nulas. Quanto às deliberações da COC, a nulidade decorria de constituírem a primeira decisão sobre a matéria, dada a inexistência de deliberação prévia tomada pela Mesa Eleitoral; em relação às deliberações da Comissão Federativa de Jurisdição, a sua nulidade era resultante de terem apreciado um "recurso que não existia".

Na sequência desta deliberação de 20 de Outubro da CNJ, o recorrente instaurou a presente acção, pedindo, em síntese, que o Tribunal:

Decrete a anulação dos actos eleitorais para o titular do órgão de Presidente da Federação Distrital de Coimbra do PS e Delegados ao Congresso da mesma Federação ocorridos, a 9 de Outubro, em determinadas assembleias de voto.

Declare que as irregularidades dos actos eleitorais atrás referidos influenciaram decisivamente o resultado do acto eleitoral para o titular de órgão de Presidente da Federação Distrital de Coimbra do PS e Delegados ao Congresso da mesma

Federação;

Decrete a anulação desse acto eleitoral;

Ordene a sua repetição nas assembleias de voto nas referidas com a excepção da

assembleia de voto do Botão;

Declare que, nesta última assembleia de voto, não poderá ocorrer acto eleitoral para o titular de órgão de Presidente da Federação Distrital de Coimbra do PS e Delegados

ao Congresso da mesma Federação;

Julgue procedente o incidente de falsidade de documentos suscitado no processo.

7 - A exigência de uma deliberação prévia do órgão que, segundo os estatutos, for competente para conhecer em última instância da validade ou regularidade do acto eleitoral como pressuposto das acções de impugnação de eleição de titulares de órgãos de partidos políticos (contida, como se viu já, nos n.os 3 e 4 do artigo 103.º-C da LTC), tem um alcance relevante; tal imposição legal não constitui um simples requisito processual, como parece pretender o recorrente, antes representa o traço essencial da intervenção que está reservada ao Tribunal Constitucional neste contencioso. Na verdade, não basta invocar que ocorreu, seja por que via e com que âmbito, uma qualquer deliberação do órgão competente para conhecer da regularidade do acto eleitoral; é necessário remover da ordem jurídica a deliberação que, de forma expressa ou tácita, vincula esse órgão de ultima instância a uma posição definitiva quanto à questão da validade ou regularidade do acto eleitoral. Isto significa, portanto, que o âmbito da acção de impugnação se radica na referida deliberação e que é através do julgamento sobre a validade dessa deliberação que o Tribunal emite a sua pronúncia.

Todavia, não obstante haver-se o recorrente referido, na sua petição (artigos 29.º a 47), à irregularidade de tal deliberação, o certo é que o pedido formulado na acção não consiste, nem inclui, a impugnação da deliberação da CNJ desfavorável aos seus interesses, cuja eventual anulação seria condição indispensável a que a CNJ apreciasse a regularidade das eleições em causa. Na verdade, na opinião do recorrente, a procedência dos pedidos concretamente formulados ao Tribunal não depende, minimamente, da preexistência de deliberação, não invalidada, de um órgão máximo do partido com um sentido incompatível com essa pretensão.

No entanto, para se encontrarem cumpridos os requisitos do artigo 103.º-C da LTC, não basta invocar a existência da deliberação do órgão que, de acordo com os estatutos, é competente para conhecer em última instância da validade ou regularidade do acto eleitoral. É necessário, em primeiro lugar, que essa acção sobre validade e regularidade do acto eleitoral vise remover qualquer deliberação partidária que seja prejudicial à pretensão do autor e que cumpra simultaneamente dois requisitos: tenha sido emitida pelo órgão competente para conhecer em última instância da validade ou regularidade do acto eleitoral; verse sobre a validade e regularidade do acto eleitoral.

Acontece que, confrontado com a deliberação - prejudicial ao seu interesse - que declarou a nulidade das deliberações de órgãos inferiores do partido, o recorrente interpôs a presente acção, nela formulando os correspondentes pedidos, pretendendo ultrapassar a situação sem a demonstração de que tal deliberação enferma de

ilegalidades que a invalidam.

Com efeito, ao sustentar que «pretende com a presente acção e é o seu objecto, é a anulação de uma eleição (artigo 103.º-C n.º 1 da LTC), que impugna nos termos peticionados e não a anulação da deliberação da CNJ de 20 de Outubro de 2010 (cf.

Ac. 85/04 deste TC), que por sua vez anulou as deliberações da Comissão Organizadora do Congresso e da Comissão Federativa de Jurisdição de Coimbra» (concl. 12), está o recorrente a reconhecer, expressamente, que pretende obter do Tribunal uma pronúncia contrária ao sentido da decisão do dito órgão máximo partidário, sem, no entanto, obter a sua prévia invalidade.

8 - O que acaba de dizer-se supra desfaz qualquer dúvida quanto a uma eventual desconformidade constitucional da norma, conforme sustenta o recorrente ao afirmar que «a norma ínsita no n.º 3 do artigo 103.º-C da LTC, quando interpretada no sentido em que o foi pelo Acórdão e despacho recorridos, é inconstitucional, na medida em que limita ou veda o direito à tutela jurisdicional efectiva prevista no n.º 4 do artigo

268.º da C.R.P. denegando Justiça.»

Na verdade, o alcance limitador da norma não veda - como se explicou já - o direito à tutela jurisdicional efectiva, nem o limita de forma intolerável, antes se conjuga com a necessidade de «..."compatibilizar o princípio da autonomia e liberdade de organização interna dos partidos políticos com o princípio da sua necessária democraticidade"...», tarefa que «visa harmonizar dois princípios quase antagónicos: o da liberdade de associação e o da imposição de regras de organização e estrutura interna dos partidos

políticos» (Acórdão 304/2003).

A decisão de não conhecimento da acção não acarreta, por isso, a violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto constitucionalmente e na Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Relembre-se que «a Constituição não garante o acesso indiscriminado a juízo» (assim, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, Coimbra Editora, 2010, p. 435). Por outro lado, como já várias vezes decidiu o Tribunal Constitucional, o legislador ordinário tem competência para delimitar os pressupostos ou requisitos processuais de que depende a efectivação da garantia de acesso aos tribunais. O Tribunal tem entendido, de resto, que os tribunais nem sequer estão vinculados a que, seja qual for a conduta processual da parte, seja sempre proferida uma decisão sobre o mérito da causa.

A exigência de esgotamento dos meios de impugnação internos e de pronúncia final sobre a validade das eleições afiguram-se imposições legítimas do legislador, tanto mais que dizem respeito a um domínio de competência especial do Tribunal Constitucional,

propositadamente limitada.

O requisito de exigência de esgotamento das vias internas é, aliás, previsto em vários outros contextos. A própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que o recorrente invoca, exige no artigo 35.º que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem «só pode ser solicitado a conhecer de um assunto depois de esgotadas todas as vias de recurso internas». Sem embargo de a justificação da regra legal não ser inteiramente coincidente com a da Convenção, o certo é que, de acordo com a jurisprudência constante dos órgãos da Convenção, não se consideram esgotados os meios internos quando não exista uma decisão de mérito final sobre o caso objecto de recurso, desde logo por não se terem cumprido os requisitos processuais ou formais para provocar essa decisão de mérito (assim, a título de exemplo, a decisão da Comissão Le Compte c. Bélgica, queixa n.º 6878/75, disponível in http://www.echr.coe.int).

É, em suma, de concluir pela improcedência da questão suscitada.

III - Decisão

Pelo exposto decide-se negar provimento ao recurso e confirmar, nestes termos, o

acórdão recorrido.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2011. - Carlos Pamplona de Oliveira - Catarina Sarmento e Castro - José Borges Soeiro - Vítor Gomes - Carlos Fernandes Cadilha - Maria Lúcia Amaral - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro -

Gil Galvão.

204331559

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2011/02/16/plain-282339.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/282339.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2003-07-19 - Acórdão 304/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade das normas do artigo 18º, n.º 1, alínea c), e do artigo 32º, n.º 1, do decreto da Assembleia da República n.º 50/IX, que aprova a Lei dos Partidos Políticos. (Processo nº 381/2003).

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