Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2010
A violência doméstica configura uma grave violação dos direitos humanos, tal como é definida na Declaração e Plataforma de Acção de Pequim, da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1995, onde se considera que a violência contra as mulheres é um obstáculo à concretização dos objectivos de igualdade, desenvolvimento e paz, e viola, dificulta ou anula o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais.
O combate à violência doméstica tem vindo a assumir-se como um dos objectivos nucleares para que se alcance uma sociedade mais justa e igualitária. Com efeito, essa preocupação determinou a implementação de uma política concertada e estruturada, com o objectivo de proteger as vítimas, condenar os agressores, conhecer e prevenir o fenómeno, qualificar profissionais e dotar o País de estruturas de apoio e atendimento, definidas no quadro do III Plano Nacional contra a Violência Doméstica (2007-2010) que agora finda.
O Programa do XVIII Governo Constitucional, na área das políticas sociais, preconiza o combate à violência doméstica em três domínios, a saber, na vertente jurídico-penal, na protecção integrada das vítimas e na prevenção da violência doméstica e de género.
É neste quadro que surge o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica (2011-2013), estruturado com base nas políticas nacionais e em articulação com orientações internacionais às quais Portugal se encontra vinculado.
O Plano prevê que sejam implementadas 50 medidas em torno das cinco áreas estratégicas de intervenção:
i) Informar, sensibilizar e educar;
ii) Proteger as vítimas e promover a integração social;
iii) Prevenir a reincidência - intervenção com agressores;
iv) Qualificar profissionais; e v) Investigar e monitorizar.
De entre as 50 medidas constantes do Plano destacam-se as seguintes: promoção do envolvimento dos municípios na prevenção e combate à violência doméstica, desenvolvimento de acções para a promoção de novas masculinidades e novas feminilidades, a distinção e divulgação de boas práticas empresariais no combate à violência doméstica, implementação de rastreio nacional de violência doméstica junto de mulheres grávidas, implementação de programas de intervenção estruturada para agressores, alargamento a todo o território nacional da utilização da vigilância electrónica, e criação do mapa de risco georreferenciado do percurso das vítimas.
O Plano, enquanto instrumento de políticas públicas de combate à violência doméstica, visa a consolidação da estratégia e das acções anteriormente seguidas, numa lógica de proximidade, envolvendo, cada vez mais, os municípios, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil.
O Plano foi submetido a consulta pública.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Aprovar o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica (2011-2013), doravante designado por Plano, que consta do anexo à presente resolução e que dela faz parte integrante.
2 - Estabelecer que as acções do Plano, durante a sua aplicação, deverão ser coordenadas com as demais políticas sectoriais pertinentes.
3 - Designar a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) como entidade coordenadora do Plano, a quem compete, designadamente:
a) Definir um planeamento anual das actividades a desenvolver no âmbito do Plano;
b) Acompanhar as medidas constantes do Plano e solicitar às entidades responsáveis informações sobre o grau de execução das mesmas;
c) Garantir a estreita colaboração com os demais serviços e organismos directamente envolvidos na sua execução;
d) Pronunciar-se, quando solicitada, sobre medidas legislativas relativas à violência doméstica;
e) Pronunciar-se, quando solicitada, sobre matérias relativas à violência doméstica;
f) Elaborar relatórios intercalares anuais sobre o grau de execução das medidas, deles dando conhecimento ao membro do Governo de que depende;
g) Elaborar um relatório final de execução do Plano, dele dando conhecimento ao membro do Governo de que depende.
4 - Determinar a criação de um grupo de apoio à entidade coordenadora, constituído por um elemento de cada um dos seguintes ministérios:
a) Presidência do Conselho de Ministros;
b) Ministério da Administração Interna;
c) Ministério da Justiça;
d) Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social;
e) Ministério da Saúde;
f) Ministério da Educação.
5 - Determinar que a designação dos representantes referidos no número anterior, para o período de vigência do Plano, é feita por despacho do membro do Governo responsável pela área da igualdade, sob proposta dos diferentes ministérios.
6 - Estabelecer que os elementos que integram o grupo de apoio à entidade coordenadora, previsto no n.º 4, não auferem qualquer remuneração pelo desempenho daquelas funções, incluindo abonos de ajudas de custo, de senhas de presença ou outros de natureza análoga.
7 - Determinar que os encargos orçamentais decorrentes da aplicação da presente resolução são suportados por dotações provenientes do orçamento da CIG, sem prejuízo de as medidas a cargo das outras entidades identificadas no Plano serem suportadas pelos respectivos orçamentos.
Presidência do Conselho de Ministros, 25 de Novembro de 2010. - O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
ANEXO
IV PLANO NACIONAL CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Sumário executivo
O IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica (2011-2013), doravante designado por Plano, é o instrumento de políticas públicas de combate à violência doméstica e de género.O Plano visa a consolidação da estratégia e das acções anteriormente desenvolvidas, reforçando a sua articulação de forma estruturada e consistente. Este Plano procura consolidar o sistema de protecção das vítimas e o combate à violência doméstica, assim como promover a adopção de medidas estratégicas em relação à prevenção, às situações de risco, à qualificação de profissionais e à intervenção em rede, numa lógica de proximidade que procura envolver, cada vez mais, os municípios, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil.
O Plano está estruturado em cinco áreas estratégicas de intervenção, concretizadas em 50 medidas, e tem como objectivo apresentar uma resposta integrada no combate à violência doméstica em Portugal, em consonância com as orientações europeias e internacionais.
Este Plano constituir-se-á como um instrumento de política fundamental assente nas principais orientações estratégicas:
Reforçar a adopção de uma perspectiva integrada e holística na compreensão do fenómeno, que essencialmente decorre da assimetria estrutural de poderes entre homens e mulheres;
Prevenir o crime de violência doméstica junto do público em geral e de públicos estratégicos, disseminando uma cultura de não violência e de cidadania, através da assunção de novas masculinidades e novas feminilidades promotoras da igualdade de género nos processos de socialização;
Reforçar a aplicação das medidas de protecção e de coacção urgentes;
Intervir junto da pessoa agressora de forma a prevenir a revitimação;
Elaborar a cartografia de diagnóstico de risco;
Divulgar e disseminar as boas práticas realizadas a nível local e regional, privilegiando lógicas de intervenção de proximidade;
Aprofundar o conhecimento e monitorizar o fenómeno com vista a apoiar a intervenção e a decisão política.
O presente documento estrutura-se em três capítulos. O capítulo i contextualiza o fenómeno da violência doméstica no plano internacional e nacional. O capítulo ii apresenta a metodologia de operacionalização e de monitorização do Plano. O capítulo iii explicita as cinco áreas estratégicas de intervenção que compõem o Plano, incluindo as grelhas que sistematizam as medidas propostas, os respectivos indicadores de avaliação, bem como as entidades envolvidas na sua coordenação e operacionalização:
Área estratégica de intervenção 1 - informar, sensibilizar e educar - composta por sete medidas relacionadas essencialmente com a prevenção primária e com a sensibilização para o fenómeno, quer da comunidade em geral quer de públicos estratégicos;
Área estratégica de intervenção 2 - proteger as vítimas e promover a integração social - constituída por 22 medidas, com as quais se pretende consolidar as actuais estratégias de protecção às vítimas de violência doméstica;
Área estratégica de intervenção 3 - prevenir a reincidência: intervenção com agressores - integra seis medidas especialmente orientadas para a pessoa agressora com o objectivo de reduzir ou eliminar o risco de reincidência;
Área estratégica de intervenção 4 - qualificar profissionais - composta por oito medidas centradas na qualificação especializada, inicial e contínua, de profissionais que intervêm nesta área;
Área estratégica de intervenção 5 - investigar e monitorizar - integra sete medidas orientadas para o aprofundamento da investigação científica na área da violência doméstica, incluindo a produção de indicadores estatísticos que permitam a recolha de dados estandardizados.
CAPÍTULO I
A violência doméstica configura uma grave violação dos direitos humanos, tal como foi definido na Declaração e Plataforma de Acção de Pequim, da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1995. Nestes documentos assume-se que a violência contra as mulheres é um obstáculo à concretização dos objectivos de igualdade, desenvolvimento e paz e que viola, dificulta ou anula o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais.A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), e respectivo Protocolo Adicional, ratificada por Portugal em 1980, estabelece um conjunto de condutas que constituem actos discriminatórios contra as mulheres, bem como a agenda que deve orientar as acções nacionais de combate a tais discriminações.
Em 2003, a Organização Mundial da Saúde considerou que a violência doméstica é um grave problema de saúde pública e que as consequências que lhe estão associadas «[...] são devastadoras para a saúde e para o bem-estar de quem a sofre [...] comprometendo o desenvolvimento da criança, da família, da comunidade e da sociedade em geral». Já em 2001 esta Organização tinha sublinhado a necessidade de serem criados serviços na comunidade e aos níveis dos cuidados de saúde primários e secundários para apoiar as mulheres que sofrem violência doméstica, sexual ou outras formas de violência.
Também as resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas de 2006 sublinham a necessidade de intensificar esforços para eliminar todas as formas de violência contra as mulheres.
Por sua vez, o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre violência doméstica contra mulheres, de 2006, recomenda a adopção de uma estratégia europeia no combate à violência doméstica assente nas seguintes orientações: i) estabelecimento de bases jurídicas na prevenção e na repressão dos actos de violência doméstica contra as mulheres; ii) desenvolvimento e recolha de dados estatísticos sobre o fenómeno; iii) prevenção; iv) desenvolvimento de projectos de intervenção em parceria; v) especial atenção à mulher imigrante; vi) maior participação de profissionais que se ocupam do apoio jurídico, policial, educacional, psicológico, médico e social; vii) verificação das medidas de afastamento do agressor, e viii) especial atenção às mulheres idosas vítimas de violência doméstica.
A resolução do Parlamento Europeu, de 2009, apela à União Europeia para que apresente uma directiva e um plano de acção europeu sobre a violência contra as mulheres para prevenir a violência, assegurar a protecção das vítimas e a punição judicial dos autores desse tipo de crimes. No mesmo sentido, exorta os Estados membros a reconhecerem a violência sexual e a violação como crimes, a assegurarem que sejam automaticamente objecto de acção penal e a que sejam tomadas medidas adequadas para pôr termo à mutilação genital feminina. Apela ainda ao Conselho e à Comissão Europeia a criarem uma base jurídica estruturada para combater todas as formas de violência contra as mulheres e insta a Comissão a que elabore um plano de acção mais coerente de combate a todas as formas de violência contra as mulheres.
O Conselho Europeu de Dezembro de 2009, que aprovou o Programa de Estocolmo, define as prioridades dos próximos cinco anos no domínio da liberdade, segurança e justiça e estabelece um quadro para a resolução de muitos dos problemas associados à violência exercida contra as mulheres.
A Estratégia Europeia de Combate à Violência contra as Mulheres, 2011-2015, visa a erradicação de todas as formas de violência sobre as mulheres no espaço da União Europeia. Pretende-se que sejam reforçados até 2015, em todos os Estados membros, os sistemas de prevenção, de protecção das vítimas e de penalização efectiva dos perpetradores. A estratégia será operacionalizada com base num plano europeu de acção, que deverá assentar nos seguintes princípios:
Perspectiva - a estratégia será fundada nos valores da igualdade e da defesa dos direitos humanos em consonância com o texto da futura convenção do Conselho da Europa sobre violência contra as mulheres e violência doméstica, que implementará um quadro legal reforçado e vinculativo para todos os Estados membros em diversas áreas de intervenção;
Política - a estratégia preconiza a adopção de standards legislativos mínimos comuns a todos os Estados membros;
Prevenção - dirigida a diferentes grupos e em contextos diversos;
Protecção - elaboração de medidas e disseminação de procedimentos que garantam a protecção, a segurança e a assistência às vítimas;
Acusação - produção legislativa e aplicação eficaz no sentido de não deixar nenhum tipo de agressão impune;
Suporte - os Estados membros devem garantir às vítimas um efectivo e célere acesso aos recursos - estatais e da sociedade civil - de apoio à vítima.
A Estratégia para a Igualdade entre Homens e Mulheres, 2010-2015, apresenta os compromissos da Comissão Europeia nesta matéria e centra-se nas cinco prioridades definidas na Carta das Mulheres, entre as quais se reforça, a dignidade, integridade e o fim da violência de género através de um quadro de acção específico.
As recomendações do Conselho de Ministros dos Estados Membros do Conselho da Europa [Rec. (2002)5] incluem o qualificativo de doméstica na definição da violência contra as mulheres em geral, abrangendo aquela que «[...] ocorre na família ou na unidade doméstica.». À luz da investigação entretanto produzida, particularmente dos estudos sobre a violência exercida contra homens e mulheres, fica claro que a violência doméstica tem sobretudo uma componente de género, que afecta maioritariamente as mulheres, enquanto intérpretes dos papéis sociais de género estereotipadamente femininos.
Posteriormente, a recomendação adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, de 30 de Abril de 2008, recomenda aos Governos dos Estados membros que:
I) Revejam a sua legislação e as suas políticas com vista a:
1) Garantir às mulheres o reconhecimento, o gozo, o exercício e a protecção dos seus direitos de pessoa humana e liberdades fundamentais;
2) Adoptar as medidas necessárias para permitir às mulheres o exercício livre e efectivo dos seus direitos económicos e sociais;
3) Garantir que todas as medidas sejam coordenadas a nível nacional e centradas nas necessidades das vítimas; associar os organismos públicos e as organizações não governamentais (ONG) competentes em matéria de elaboração de medidas necessárias, nomeadamente as mencionadas na presente recomendação;
4) Encorajar, a todos os níveis, a acção das ONG que lutam contra as violências exercidas sobre as mulheres e instaurar uma cooperação activa com essas ONG que inclua assistência financeira e logística apropriada;
II) Reconheçam que os Estados têm obrigação de actuar com a devida diligência para prevenir, investigar e punir os actos de violência, quer os mesmos tenham sido perpetrados pelo Estado ou por particulares, e fornecer protecção às vítimas;
III) Reconheçam que a violência masculina para com as mulheres constitui um problema social estrutural, fundado nas relações de poder desiguais entre mulheres e homens e, em consequência, encorajem a participação activa dos homens nas acções que visam combater a violência contra as mulheres;
IV) Encorajem todas as instituições relevantes relacionadas com a violência contra as mulheres (polícias, profissões médicas e sociais) a elaborar planos de acção coordenados a médio e a longos prazos para prevenir a violência e assegurar a protecção das vítimas;
V) Promovam a investigação, a recolha de dados e a criação de redes aos níveis nacional e internacional;
VI) Promovam a implementação de programas de educação superior e de centros de investigação, inclusive universitários, que analisem a questão da igualdade entre as mulheres e os homens e, nomeadamente, a violência contra as mulheres;
VII) Melhorem as interacções entre a comunidade científica, as ONG que trabalham neste campo, os decisores políticos e os organismos competentes em matéria de saúde, de educação, de política social e de polícia, com vista à planificação de acções coordenadas contra a violência;
VIII) Adoptem e apliquem as medidas descritas do modo que julgarem mais apropriado, de acordo com os contextos e as orientações nacionais e que, para atingir esse objectivo, elaborem um plano de acção nacional de combate à violência contra as mulheres;
IX) Informem o Conselho da Europa do seguimento dado a nível nacional às disposições da presente recomendação.
A mesma instituição europeia define a violência contra as mulheres como sendo o «[...] resultado de um desequilíbrio de poder entre homens e mulheres e leva a uma grave discriminação contra estas, tanto na sociedade como na família. A violência na família ou no lar ocorre em todos os Estados membros do Conselho da Europa, apesar dos avanços na legislação, políticas e práticas. A violência contra as mulheres é uma violação dos direitos humanos, retirando-lhes a possibilidade de desfrutar de liberdades fundamentais. Deixa as mulheres vulneráveis a novos abusos e é um enorme obstáculo para ultrapassar a desigualdade entre homens e mulheres na sociedade. A violência contra a mulher prejudica a paz, a segurança e a democracia na Europa. [...]» A abordagem ao fenómeno da violência doméstica tem acompanhado, a nível nacional, a evolução das directrizes europeias e internacionais nesta matéria.
Portugal tem vindo a prosseguir o combate à violência doméstica e à violência de género através da implementação de uma política concertada e estruturada, com o objectivo de proteger as vítimas, condenar os agressores, conhecer e prevenir o fenómeno, qualificar profissionais e dotar o País de estruturas de apoio e de atendimento.
Foi realizado o «Inquérito nacional sobre violência de género», promovido pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), em 2007, através do qual se verificou que existe uma diminuição da prevalência da violência exercida contra as mulheres, de 48 %, em 1995 (primeiro inquérito), para 38 %, em 2007. O crescimento das participações às forças de segurança não deve, assim, ser entendido como um aumento dos actos de violência mas sim como uma consequência da crescente visibilidade do fenómeno.
Os impactes da violência doméstica, designadamente os seus custos sociais e individuais, constituem também uma preocupação central. O estudo sobre os custos sociais e económicos da violência doméstica exercida contra as mulheres, promovido pela Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, em 2003, tornou conhecida a situação de grande vulnerabilidade a que ficam expostas as mulheres vítimas de violência. Estas mulheres apresentam uma probabilidade três a oito vezes superior de terem filhos doentes, de não conseguirem emprego e, se empregadas, de não obterem promoção profissional, de recorrerem aos serviços dos hospitais, a consultas de psiquiatria por perturbações emocionais, bem como um risco acrescido de cometerem suicídio. «Estes custos surgem a vários níveis: custos que afectam individualmente a vítima, mas custos, também, em relação aos que lhe estão mais próximos [...] custos que incidem directamente sobre as pessoas envolvidas, mas também custos que são pagos por toda a sociedade [...] (casas de abrigo, pessoal técnico de apoio, etc.); custos que têm uma expressão económica, mas custos, também, difíceis de quantificar. Em suma, custos psicológicos, sociais e culturais, visíveis a curto prazo, nomeadamente associados aos actos de violência, mas também que se prolongam ao longo da vida, como o stress pós-traumático ou mesmo que afectam as gerações futuras, através dos filhos.» Neste contexto, o estabelecimento de uma estratégia rigorosa e eficiente de combate à violência doméstica deverá assentar, primeiramente, numa clara definição do que se entende por violência doméstica no âmbito deste IV PNCVD.
Tal definição tem por referência o estipulado no artigo 152.º do Código Penal (Lei 59/2007, de 4 de Setembro), bem como na Lei 112/2009, de 16 de Setembro.
Contudo, na elaboração deste Plano, para além de uma perspectiva criminal na definição e abordagem da violência doméstica, tem-se igualmente em conta as dinâmicas sócio-culturais e valores civilizacionais que têm sustentado os desequilíbrios e desigualdades de género e que estão na origem da sua emergência e reprodução. Este é um aspecto fulcral para uma melhor compreensão e combate a este fenómeno.
O conceito de violência doméstica surgiu na literatura científica e nas políticas públicas aquando dos primeiros estudos nacionais e internacionais sobre o tema, que mostraram que a violência exercida contra as mulheres ocorria sobretudo no espaço privado da casa, especialmente ao nível das relações conjugais. Face à necessidade de dar maior visibilidade aos actos de violência, na maioria dos casos ocultados na esfera privada do espaço doméstico, a adopção de medidas específicas emerge como uma das prioridades dos governos europeus.
Assim, e no âmbito do IV PNCVD, o conceito de violência doméstica abrange todos os actos de violência física, psicológica e sexual perpetrados contra pessoas, independentemente do sexo e da idade, cuja vitimação ocorra em consonância com o conteúdo do artigo 152.º do Código Penal. Importa salientar que este conceito foi alargado a ex-cônjuges e a pessoas de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem co-habitação.
Grande parte da vitimação assenta em concepções estereotipadas, social e culturalmente enraizadas.
A violência de género resulta de um desequilíbrio de poder entre homens e mulheres, que se traduz em actos de violência física, psicológica e sexual, cujas vítimas são na sua grande maioria mulheres, e que no seu extremo podem conduzir ao homicídio conjugal. Assim, as medidas contempladas no IV PNCVD centram-se necessariamente no combate à violência exercida sobre as mulheres.
No que se refere à população juvenil, e dado que, segundo os dados disponíveis, uma proporção considerável de jovens em Portugal já foi vítima de violência nas suas relações de namoro, dar-se-á particular atenção à prevenção da vitimação de jovens e à violência simbólica relacionada com as desigualdades de género, intimamente associada aos processos de socialização.
Dar-se-á ainda especial atenção ao combate de situação de violência doméstica cujas vítimas se encontrem em situação de particular vulnerabilidade: pessoas idosas, imigrantes, com deficiência e LGBT.
No que respeita aos mais recentes avanços jurídicos, a Lei 112/2009, de 16 de Setembro, estabeleceu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, revogando a Lei 107/99, de 3 de Agosto, que havia criado a rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência, bem como o Decreto-Lei 323/2000, de 19 de Dezembro, que a regulamentava. Esta lei representa um marco importante pois introduz a consagração do estatuto da vítima, a natureza urgente dos processos de violência doméstica, a utilização de meios técnicos para controlo à distância dos agressores, a possibilidade de detenção do agressor fora de flagrante delito, o direito de as vítimas serem indemnizadas e medidas de apoio judicial, médico, social e laboral.
Durante a implementação dos I, II e III Planos Nacionais contra a Violência Doméstica privilegiou-se a definição de um enquadramento jurídico que parte do contexto sócio-cultural em que o fenómeno se (re)produz.
Privilegiou-se igualmente o aprofundamento do conhecimento sobre o fenómeno, nomeadamente a sua dimensão real e a sua dimensão legal, bem como os custos sociais e económicos associados a esta grave violação dos direitos humanos.
Definiu-se uma estratégia de prevenção e de protecção das vítimas organizada em torno da criação de estruturas de apoio com cobertura nacional, ao nível do atendimento e do acolhimento de vítimas. Este percurso tornou o fenómeno cada vez mais visível, encorajando as vítimas à denúncia e capacitando as forças de segurança, os profissionais de saúde, entre outros, com os meios de qualificação profissional e atendimento especializado para responderem às necessidades emergentes a nível nacional. Nesta área a sociedade civil organizada também tem desenvolvido soluções articuladas em rede com as estruturas públicas, numa lógica de proximidade na prevenção e no combate à violência doméstica.
Como resultado desta estratégia assiste-se a um crescente empoderamento das mulheres vítimas que se traduz em denúncias e em reacções cada vez menos violentas à violência que as vitima.
O POPH - Programa Operacional Potencial Humano - do QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional tornou possível a execução de diversas medidas preconizadas no III PNCVD. Tendo-se diagnosticado situações de risco que requeriam intervenções urgentes, deu-se início à implementação de programas piloto estruturantes e inovadores em matéria de protecção às vítimas e prevenção de reincidência, como o Programa de Teleassistência a Vítimas de Violência Doméstica, o Programa de Prevenção de Reincidência de Agressores ou as intervenções integradas em para detecção, encaminhamento e intervenção em casos de violência doméstica implementadas no âmbito das administrações regionais de saúde.
Destacam-se ainda os avanços na consolidação do conhecimento sobre o fenómeno da violência doméstica, através da criação do Sistema Integrado de Informação e Conhecimento, cujas atribuições passam pela monitorização constante do fenómeno e pela elaboração de indicadores de apoio à intervenção e decisão política.
Deu-se ainda continuidade à formação para públicos estratégicos em domínios específicos de igualdade e violência de género, bem como a campanhas de informação e sensibilização e à produção e disseminação de materiais informativos nestas temáticas.
Para além das acções e medidas desenvolvidas por organismos da administração central e local, importa ainda destacar a consolidação e o reforço do papel das organizações da sociedade civil na promoção da igualdade de género e no combate a violência doméstica. Através de uma tipologia especificamente destinada a acções desenvolvidas por ONG, foram apoiados inúmeros projectos que incluíram acções de sensibilização, apoio a vítimas e intervenção com agressores.
O apoio do POPH, no âmbito do QREN, continuará a ser fundamental para a execução de diversas medidas previstas no IV PNCVD. Este Plano visa a consolidação da estratégia e das acções anteriormente desenvolvidas, reforçando a sua articulação de forma estruturada e consistente. Procura ainda consolidar o sistema de protecção das vítimas e o combate à violência doméstica, assim como promover a adopção de medidas estratégicas em relação à prevenção, às situações de risco, à qualificação de profissionais e à intervenção em rede, numa lógica de proximidade que procura envolver, cada vez mais, os municípios, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil.
A complexidade do fenómeno da violência doméstica continua a exigir o aprofundamento do seu conhecimento e da sua monitorização, ao nível da compreensão das suas dimensões estruturais, nomeadamente as que se prendem com a resistência à mudança.
Pretende-se, assim, promover uma cultura de cidadania e de não violência, geradora de novas masculinidades e feminilidades, no sentido de eliminar representações estereotipadas acerca dos papéis associados a cada um dos sexos. De acordo com o Conselho da Europa, a desigualdade de género não está relacionada com as diferenças associadas ao sexo biológico mas com as diferenças decorrentes da forma como a sociedade vê e trata cada um dos sexos.
Educar para a igualdade implica pensar o ser humano à luz da diversidade humana, estruturando o processo educativo em torno do desenvolvimento integral da pessoa. É importante promover uma reflexão pedagógica e crítica sobre as concepções que conduzem a expectativas diferentes para crianças e jovens em função do sexo. É importante que se tenha consciência dos condicionalismos que geram as representações associadas ao masculino e ao feminino, uma vez que condicionam o pleno desenvolvimento de crianças e jovens, nas suas inúmeras, diversas e múltiplas potencialidades. A igualdade de género implica valorizar a diversidade no processo educativo, conferir o mesmo valor às experiências de rapazes e raparigas e ter um novo olhar sobre as concepções do masculino e do feminino.
A violência contra as mulheres no contexto doméstico continua a constituir a abordagem privilegiada deste Plano. Contudo, as situações de particular vulnerabilidade, como aquelas em que se encontram as pessoas jovens, imigrantes, idosas, com deficiência e LGBT vítimas de violência doméstica, requerem uma intervenção específica e inovadora.
As novas medidas de protecção do actual quadro jurídico implicam o reforço do diálogo entre o sistema judicial e os diversos stakeholders, para prevenir o crime de violência doméstica e situações de revitimação, com uma intervenção especial junto de pessoas agressoras.
O IV PNCVD prossegue políticas articuladas e sistematizadas de prevenção e combate ao fenómeno da violência doméstica, consolida práticas bem sucedidas e introduz abordagens inovadoras neste domínio.
CAPÍTULO II
Este Plano integra as diversas orientações políticas, científicas e técnicas disponíveis nos planos nacional e internacional, devidamente ajustadas à realidade aos recursos disponíveis e ao período de tempo definido para a sua execução. Para além disso, exprime uma visão global e integrada no combate à violência doméstica, estabelecendo uma indispensável ligação com o IV Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e Não Discriminação (IV PNI) e com o II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos (II PNCTSH).O IV PNCVD apresenta uma estrutura que permite desagregar as áreas estratégicas de intervenção segundo as diversas medidas que as constituem, as diferentes entidades responsáveis pela sua execução e os respectivos indicadores. As áreas estratégicas e as respectivas medidas constituem um conjunto integrado que permite a monitorização permanente da intervenção. Pretende-se que a monitorização permanente favoreça a optimização de recursos e permita a obtenção de resultados significativos.
A coordenação deste Plano é da responsabilidade da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, mas a execução das acções depende da participação dos diversos parceiros envolvidos. Com efeito, embora seja atribuída à CIG a coordenação geral da sua execução, trata-se de uma intervenção partilhada entre vários parceiros e orientada para objectivos comuns.
Os organismos da Administração Pública envolvidos têm de enviar à CIG, nos primeiros três meses de cada ano de vigência do Plano, as planificações sectoriais anuais devidamente caracterizadas, bem como identificar responsáveis pela sua execução.
A execução do presente Plano pressupõe uma cooperação estratégica entre todos os parceiros na implementação das diferentes medidas e acções, a que se sucederão os processos de monitorização e avaliação. É produzido obrigatoriamente um relatório anual de execução. Será também produzido um relatório final de avaliação por entidade externa, cientificamente legitimada nesta área.
CAPÍTULO III
Área estratégica de intervenção 1
Informar, sensibilizar e educar
A informação, a sensibilização e a educação são instrumentos fundamentais para prevenir e combater a violência doméstica e a violência de género. Por prevenção entende-se todo um conjunto de estratégias desenvolvidas para promover uma cultura de não-violência e de cidadania e promover novas relações sociais que permitam a igualdade entre homens e mulheres, assente em novas concepções da masculinidade e da feminilidade.Esta área estratégica de intervenção integra sete medidas e tem por objectivo a eliminação dos estereótipos de género ao nível da população em geral e junto de públicos estratégicos, com vista a promover a cidadania e a igualdade de género, não só alterando percepções, práticas e comportamentos face às situações de violência doméstica em função do género, mas também abolindo a legitimação e a tolerância social face à mesma.
No domínio da intervenção junto de públicos estratégicos salienta-se o reforço das medidas em articulação com o sistema de ensino, com organizações da sociedade civil, com municípios e com empresas. As medidas desta área estratégica combinam uma actuação simultânea a nível nacional e a nível local.
Objectivos estratégicos:
1) Diminuir a legitimação e a tolerância social face à violência doméstica e à violência de género;
2) Promover valores de igualdade, de cidadania e uma cultura de não-violência;
3) Promover a eliminação de estereótipos e alterar representações sociais de género que legitimam a existência de relações desiguais, conduzindo à alteração de percepções, práticas e comportamentos discriminatórios, de modo a promover a assumpção de novas masculinidades e o empoderamento das raparigas;
4) Envolver vários sectores da sociedade - escolas, municípios, organizações da sociedade civil e empresas - na prevenção.
(ver documento original)
Área estratégica de intervenção 2
Proteger as vítimas e promover a integração social
Esta área estratégica é composta por 22 medidas que visam a consolidação das actuais medidas de protecção às vítimas. As medidas apresentadas visam o alargamento e a melhoria do sistema de protecção às vítimas, a promoção da sua segurança e da sua inserção social.
Destaca-se a criação de uma base de dados de denúncias, para registo e tratamento das mesmas, na qual seja possível verificar o percurso processual da denúncia:
número por ano, trajectória e desfecho da mesma.
Também se pretende consolidar o sistema de acesso das vítimas aos cuidados de saúde através da integração de mecanismos de triagem e de diagnóstico nas urgências hospitalares e na rede de cuidados primários. No domínio dos cuidados de saúde pretende-se implementar o rastreio nacional de violência doméstica junto de mulheres grávidas.
Outra vertente importante é a expansão e disseminação dos vários projectos-piloto desenvolvidos no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano, nomeadamente nas administrações regionais de saúde, a teleassistência para as vítimas e os grupos de ajuda mútua (GAM). Pretende-se, desta forma, alcançar o maior número possível de pessoas através do alargamento geográfico destes projectos-piloto a todo o território nacional.
Especial destaque merecem também as vítimas de violência doméstica particularmente vulneráveis, como as pessoas imigrantes, as pessoas jovens, as pessoas idosas, as pessoas com deficiência e as pessoas LGBT.
Objectivos estratégicos:
1) Consolidar o sistema de segurança e de protecção das vítimas de violência doméstica;
2) Promover a integração social das vítimas de violência doméstica através de itinerários de inserção;
3) Prevenir a vitimação secundária;
4) Monitorizar a aplicação das medidas de protecção às vítimas;
5) Promover intervenções específicas nas situações de violência vicariante;
6) Promover intervenções específicas com vítimas particularmente vulneráveis.
Área estratégica de intervenção 3
Prevenir a reincidência: Intervenção com agressores
Esta área estratégica de intervenção é inovadora e integra seis medidas que pretendem reduzir ou eliminar o risco de revitimação/reincidência no crime de violência doméstica.
A intervenção junto de agressores, com o objectivo de proteger as vítimas actuais e ou prevenir a vitimação em futuras relações, é hoje definida como uma prioridade a nível europeu.
A crescente tendência para a implementação de programas de prevenção da reincidência em agressores resulta de um conjunto de constatações: é insuficiente trabalhar apenas com as vítimas; a intervenção junto de agressores contribui para a alteração dos estereótipos e das crenças socialmente enraizados que ajudam a perpetuar as condições geradoras e a aceitação da violência doméstica; e é necessário trabalhar mais directamente a questão da atribuição da responsabilidade ao agressor.
Objectivos estratégicos:
1) Prevenir a reincidência;
2) Disseminar as novas metodologias de controlo penal;
3) Reduzir e alterar comportamentos abusivos dos agressores;
4) Garantir a segurança das vítimas, a par da assumpção da responsabilidade por parte do agressor;
5) Promover a eficácia dos mecanismos jurídico-penais.
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Área estratégica de intervenção 4
Qualificar profissionais
Esta área estratégica de intervenção inclui oito medidas e centra-se na qualificação técnica e pessoal de profissionais que trabalham com as vítimas de violência doméstica e com os agressores.A qualificação de profissionais é essencial para a prevenção da vitimação secundária e revitimação, de forma a melhorar a eficácia das suas intervenções.
Objectivos estratégicos:
1) Capacitar e qualificar profissionais que intervêm nesta área;
2) Promover a integração do tema da violência doméstica e da violência de género nos curricula de cursos e de formações relacionadas com a intervenção nesta área;
3) Criar ou actualizar módulos disciplinares sobre violência doméstica e violência de género nos curricula, nomeadamente nas áreas das ciências humanas, sociais, criminais e da saúde.
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Área estratégica de intervenção 5
Investigar e monitorizar
Esta área estratégica de intervenção é constituída por sete medidas e pretende alargar o âmbito da investigação científica na área da violência doméstica e da violência de género. Pretende-se, assim, obter um conhecimento mais aprofundado sobre as dimensões estruturais do fenómeno, incluindo grupos específicos de vítimas, para informar a intervenção técnica e a decisão política.Igualmente importante é monitorizar o fenómeno e avaliar o impacto do sistema de prevenção, protecção e integração junto das vítimas.
Objectivos estratégicos:
1) Recolher e tratar dados estatísticos e sistematizar o conhecimento científico com relevância para a compreensão do fenómeno da violência doméstica e de género, através do Sistema Integrado de Informação e Conhecimento (SIIC);
2) Contribuir para a definição de políticas públicas de prevenção e de combate à violência doméstica e de género;
3) Analisar, acompanhar e emitir recomendações sobre procedimentos e respostas na área da violência doméstica e de género.
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