Por outro lado, o sal das cozinhas de produção nacional é oferecido ao consumo doméstico em condições higiénicas indefinidas, porque, exposto nas marinhas a inevitáveis conspurcações, é normalmente transaccionado a granel, sem sistemática preocupação de higiene e de defesa contra sujidades, cuidado que deve ser inerente a todos os produtos de alimentação. Neste aspecto do problema merece estudo a questão de saber se serão de exigir-se obrigatòriamente ao sal para consumo doméstico as características fixadas pela norma portuguesa de sal refinado.
Segundo estatística compilada pela Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos, a quantidade de sal destinada a consumo doméstico corresponde estàvelmente, a cerca de um quarto da produção nacional. A frota bacalhoeira tem tomado parte muito variável no consumo do total produzido, porque algumas vezes se tem abastecido de sal de importação - o que, mesmo que se comprove a legitimidade das razões que a forçam, não deixa de ser desvio significativo do interesse nacional. A indústria química transformadora mostra a tendência, que se acentua de ano para ano, para ultrapassar a décima parte da produção de sal nacional; nesta importante parcela do consumo sentem-se, com prejuízo do desenvolvimento económico, os reflexos do preço exagerado da matéria-prima essencial à fabricação. Cerca de metade do consumo do sal nacional reparte-se por pequenas indústrias diversas, essencialmente pelas actividades conserveiras e, na generalidade, pelas salgas de produtos animais.
Além do preço e do estado de limpeza do sal nacional, é de basilar interesse para algumas indústrias a sua composição química. Depositado nas marinhas sem qualquer fiscalização técnica quanto a densidade e temperatura da água, o nosso sal está longe de ser cloreto de sódio puro; é antes uma mistura deste com sais de potássio e magnésio, que cristalizam conjuntamente com ele, para além de certa concentração da água. Se o facto não tem reflexos quando o produto se emprega na salga de alimentos, já o mesmo não sucede quando é utilizado como matéria-prima de indústrias químicas.
De tudo se infere a necessidade de rever os costumes centenários em que assenta a sua produção, que a razão e as conveniências nos mostram incompatíveis com a economia do futuro, vistas as tendências livre-cambistas da época presente.
A estrutura actual da produção salineira parece não ser capaz de responder às exigências do consumo nos três sentidos referidos: barateamento do preço para usos industriais, melhoria de classificação em qualidade para usos domésticos, maior grau de pureza como matéria-prima.
Apresenta-se claro que, em paralelo com aspectos inerentes à estrutura da empresa e à relação desta com o trabalho nos vários salgados do País, largo campo se oferece à evolução da técnica. A dispersão das entidades patronais e a precária economia de cada empresa, a excessiva oferta de mão-de-obra em alguns salgados e as fórmulas complexas de remuneração do trabalho e da propriedade nas marinhas opõem-se, muito provàvelmente, à reforma substancial dos meios de produção; estes, todavia, terão de se refundir para se nivelarem com as melhores técnicas actuais, onde a mecanização da lavra e o transporte mecânico do produto são prática corrente.
Neste pressuposto, terá também que reorganizar-se a produção no que se refere à dimensão e constituição das empresas produtoras e que atender à situação do pessoal excedentário, porque o barateamento do custo de produção e as garantias de qualidade do produto são o único caminho onde não temos liberdade de decisão.
Estes aspectos classificam a produção salineira entre aquelas actividades que são abrangidas pelas reorganizações previstas na Lei 2055.
Nomeia-se por isso a respectiva comissão reorganizadora, com o encargo de estudar os aspectos que caraterizam a actual produção salineira e de preparar os elementos necessários, incluindo os projectos de diplomas legais cuja publicação pareça necessária; mas, atendendo à evidente repercussão social que pode deduzir-se das soluções mais económicas da produção, dá-se maior representação às entidades que são idóneas na apreciação e resolução de questões afectas ao domínio do trabalho.
Sem prejuízo dos propósitos que estão na base desta reforma industrial, cabe à comissão a maior liberdade na orientação dos estudos e na preparação das melhores soluções; mas, ao fixar-se no tipo de estrutura das novas empresas, não parece que possa encontrar as raízes do problema fora da concentração da produção em entidades de dimensão conveniente: fica aberto, nesta hipótese, o caminho à solução cooperativa da produção ou à formação de empresas por fusão das existentes.
Não se julga de antemão possível, antes de devido estudo, reflectir sobre o efeito de aplicação destas regras a todos os salgados do País. Pode, não obstante, afirmar-se desde já a dúvida sobre se seria acertada a solução de generalizar a todas as regiões ou a todos os salgados os mesmos processos de reorganização e, consequentemente, o mesmo exacto modelo na organização das empresas patronais, vista a diversidade de usos e costumes. Não se pode, sequer, pôr fora das soluções a escolher a de deixar, como sempre estiveram, estruturas e processos em algumas das marinhas do País.
Em resumo, pode enunciar-se como segue o amplo programa de trabalhos cometidos à comissão reorganizadora da produção de sal:
Formação de empresas convenientemente dimensionadas;
Adaptação das marinhas a processos e meios adequados de produção;
Higienização do produto;
Estudo de fábricas de lavagem e embalagem do sal para uso doméstico;
Regulamentação do aproveitamento do pessoal e colocação ou reforma da mão-de-obra excedentária.
Pelo exposto:
Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro da Economia, nos termos da base XVII da Lei 2005, de 14 de Março de 1945, nomear uma comissão para o estudo da reorganização da produção de sal, constituída por um presidente, dois representantes do Ministério das Corporações e Previdência Social, um representante da Direcção-Geral dos Serviços Industriais, um representante da Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos e representantes dos grémios da lavoura, respectivamente com interesses nos salgados ao norte do Tejo, do Tejo, do Sado e do Algarve, a indicar pela Corporação da Lavoura.
A esta comissão serão agregados, sem voto, um técnico especializado em produção de sal, a contratar pela Direcção-Geral dos Serviços Industriais, e um representante das indústrias químicas utilizadoras de sal, a indicar pela Corporação da Indústria.
A comissão apresentará o seu relatório dentro do prazo de seis meses, a contar da data da nomeação dos seus componentes.
Ministério da Economia, 12 de Dezembro de 1960. - O Ministro da Economia, José do Nascimento Ferreira Dias Júnior.