Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional, I - Relatório. - 1 - Em 19 de Outubro de 2009 deu entrada neste Tribunal um requerimento subscrito por António Luís Marques, Vice-Presidente da Comissão Política Concelhia de Murça do Partido Social Democrata, requerimento esse por intermédio do qual interpõe recurso contencioso "contra o que considera constituir uma irregularidade no apuramento geral do resultado eleitoral" para a Assembleia Municipal de Murça. Para o que agora importa considerar, o requerimento de interposição do
recurso tem o seguinte teor:
"O ora recorrente ao compulsar o edital contendo a acta com os resultados do apuramento geral, fixada à porta do edifício do Tribunal Judicial de Murça onde reuniu a Assembleia de Apuramento Geral, constatou que os resultados apresentados da votação das listas do Partido Social Democrata e do Partido Socialista para a Assembleia Municipal de Murça da Secção de Voto n.º 1 da Freguesia de Murçaestão errados.
Com efeito, de acordo com as indicações prestadas pelo Delegado e pelos Membros da Mesa de Voto da referida Secção indicados pelo Partido Social Democrata no dia das Eleições Autárquicas após o apuramento dos resultados eleitorais, os quais acabaram por ser nesse mesmo dia comunicados às entidades oficiais, a lista do Partido Social Democrata à Assembleia Municipal de Murça obteve 391 votos e a lista concorrente do Partido Socialista obteve apenas 335 votos.Ora, ao ter-se feito constar, certamente por manifesto lapso, na mencionada acta que os resultados da votação para aquele Órgão Autárquico são o inverso daqueles que se apuraram no dia das eleições, tal facto resulta na perda de um mandato para o Partido Social Democrata em favor do Partido Socialista.
Face ao exposto, e tendo em vista o esclarecimento da situação e reposição da legalidade, impõe-se a recontagem dos votos da Secção em causa para a Assembleia Municipal de Murça, o que se requer, para todos os efeitos legais.
Tendo em vista a instrução do presente recurso requer a notificação das entidades competentes para juntarem ao processo, os seguintes documentos:
a) Acta das operações de votação e apuramento dos resultados da Assembleia de Voto da Secção de Voto n.º 1 da Freguesia de Murça, respectivo caderno de recenseamento e demais documentos que os acompanharem;
b) Acta integral do apuramento geral."
2 - Na sequência de solicitação do Tribunal Constitucional à Câmara Municipal de Murça, foi enviada cópia: (i) das actas (n.os 1 e 2) da assembleia de apuramento geral de Murça; (ii) da acta das operações eleitorais da secção de voto n.º 1 da freguesia de Murça; (iii) do mapa da autarquia com resultados provisórios transmitidos pela mesa da secção de voto n.º 1, da freguesia de Murça, no dia da eleição; (iv) do edital referente ao resultado do apuramento feito pela assembleia de apuramento geral referente ao concelho de Murça; (v) certidão comprovativa da afixação do edital e (vi) ofício do Tribunal Judicial de Murça, com os contactos dos mandatários eleitorais das listasconcorrentes.
3 - Foram notificados os representantes dos restantes intervenientes na eleição para se pronunciarem, querendo, sobre o recurso, nada tendo dito. Cumpre decidir.II - Fundamentação. - 4 - Nos termos das actas das assembleias de apuramento local e geral relativas à eleição para a Assembleia Municipal de Murça da Secção de Voto n.º 1 da Freguesia de Murça consta que a lista apresentada pelo Partido Socialista (PS) obteve 391 votos, enquanto que a lista apresentada pelo Partido Social Democrata (PPD/PSD) obteve 335 votos. Diferentemente, nos termos de um documento junto aos autos enviado pela Câmara Municipal de Murça e intitulado "Eleições Autárquicas - Assembleia Municipal - 2009. Mapa Resumo Provisório - Concelho de Murça", aqueles valores aparecem trocados, sendo atribuídos ao PS 335 votos e ao PSD 391 votos. Pretende o recorrente que esta divergência decorre de um "manifesto lapso" que impõe a "recontagem dos votos da secção em causa para a Assembleia Municipal de
Murça". Vejamos.
5 - Compulsados os autos verifica-se, porém, desde logo, que o presente recurso não é sequer admissível. Com efeito, nos termos da parte final do artigo 156.º, n.º 1, da Lei Eleitoral dos órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto (LEOAL), as irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento local ou geral apenas podem ser apreciadas em recurso contencioso, desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentado no acto em que se verificaram, o que, no presente caso, manifestamente não aconteceu. Na verdade, não foi apresentada qualquer reclamação ou protesto nem no momento do apuramento local - e ou da elaboração da respectiva acta -, momento em que alegadamente se teria verificado a irregularidade que o recorrente agora pretendia ver apreciada por este Tribunal, nem no momento do apuramento geral - e e ou da elaboração da respectiva acta -, que, nesta parte, reproduz, quanto ao número de votos atribuídos ao PS e ao PPD/PSD para a eleição em causa, os valores que já constavam da acta de apuramento local. Ora, como se ponderou no Acórdão 2/2002 (disponível na página Internet do Tribunal em www.tribunalconstitucional.pt), em termos que são inteiramente transponíveis para os presentes autos, incumbe "aos delegados das listas presentes em cada assembleia de voto - delegados esses aos quais assiste o direito de assinar a acta elaborada no final das operações de voto e apuramento - o ónus de se certificarem que aquilo que nesse documento seja inscrito reproduz a realidade, designadamente o número de votos que, efectivamente, foram tidos por válidos e atribuídos às forças políticas que «representam», apresentando sugestões ou, inclusivamente, reclamações ou protestos, caso vislumbrem qualquer incorrecção no que ali se consignou, ainda que a consignação errónea se deva a mero lapso". Como então ali se conclui, "é justamente por isso e para isso que lhes assiste o direito de assinarem a acta", o que, no caso, aconteceu com delegados do PS e do PPD/PSD.Face ao exposto, há que concluir que se não pode conhecer do objecto do presente recurso, por manifesta falta de um dos seus pressupostos legais de admissibilidade, a saber, não ter havido, quando à irregularidade que se pretende que o Tribunal aprecie, reclamação ou protesto apresentado no acto em que a mesma alegadamente se
verificou.
III - Decisão. - Pelo exposto, o Tribunal decide não conhecer do objecto do recurso.
Lisboa, 23 de Outubro de 2009. - Gil Galvão - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - João Cura Mariano - Vítor Gomes - Maria João Antunes - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Pamplona de Oliveira - Rui Manuel Moura Ramos.
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