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Acórdão 523/2009, de 30 de Outubro

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Sumário

Nega provimento ao recurso interposto pela mandatária do Partido Socialista de deliberação da Assembleia de Apuramento Geral do Município de Soure.

Texto do documento

Acórdão 523/2009

Processo 863/09

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional Relatório. - Ana Maria dos Santos da Costa Treno, na qualidade de mandatária do Partido Socialista às eleições autárquicas de 2009, no Município de Soure, interpôs recurso contencioso da deliberação da Assembleia de Apuramento Geral deste concelho que indeferiu a reclamação que havia apresentado contra a decisão de considerar nulo um voto para as eleições da Assembleia de Freguesia de Brunhós, o qual havia sido considerado válido pela Mesa de Apuramento Local.

Fundamentou o recurso nas seguintes alegações:

«A Mesa de Apuramento Local validou o voto em causa, por ter considerado que a intenção do(a) eleitor(a) tinha sido manifestada de forma clara e inequívoca, indo ao encontro da última parte do n.º 2, do Artigo 133.º, da Lei Orgânica 1/2001, de 14

de Agosto.

A Assembleia de Apuramento Geral do Concelho de Soure anulou aquele voto, facto esse que, nos termos do Artigo 143.º, da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, mereceu, de imediato, a apresentação da reclamação que se junta em anexo;

A condução dos trabalhos da Assembleia de Apuramento Geral começou por fazer assentar todo o processo de reapreciação, quer dos boletins de voto em relação aos quais houve reclamação ou protesto, quer dos boletins de voto considerados nulos, segundo um 'critério uniforme', definido com a discordância de, pelo menos, cinco dos elementos que compunham a Assembleia de Apuramento Geral, os quais defenderam que o atrás aludido 'critério uniforme' deveria significar tão só o seguinte: validar todo e qualquer voto onde tivesse sido assinalada, de forma clara e inequívoca, a vontade do

eleitor.

Assim, foi desenvolvida uma condução de trabalhos que, em nosso entender, não teve em consideração as normas de funcionamento democrático de qualquer órgão colegial, ao fazer prevalecer a vontade de uma minoria clara - um, dois ou três -, em vez de ter promovido a realização de uma votação, para a definição do 'critério uniforme',

legalmente previsto.

Afigura-se-nos, aliás, que, se o processo de reapreciação dos boletins de voto em causa devesse assentar, de forma redutora e exclusiva, na observância pura e simples do artigo 133.º, então não se perceberia por que razão o legislador, no ponto 1, do artigo 149.º, referiu, previu expressamente uma 'reapreciação, segundo um critério uniforme', não remetendo pura e simplesmente para o citado art.º, procurando, assim, conferir claramente uma maior latitude ao poder de decisão de um órgão, cuja composição, não por acaso, não se limita a juristas, mas, antes, integra um conjunto heterogéneo de elementos, conhecedores da real dificuldade de muitos eleitores, eventualmente, pelo nível etário, pela formação académica, em distinguir o local exacto de colocação de uma cruz no boletim de voto, confundindo, por exemplo, o quadrado com o símbolo do partido/candidatura, no qual, inequivocamente, pretendem votar, isto é, procurando salvaguardar a possibilidade efectiva de prevalecer sempre a vontade expressa pelo(a) eleitor(a), em detrimento do 'rigor técnico'.

Assim, considerando:

A decisão de validação do voto em causa pela Mesa de Apuramento Local dos votos

à Assembleia de Freguesia de Brunhós;

O facto do boletim de voto não corresponder a nenhuma das formas de nulidade previstas no n.º 1 do Artigo 133.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto;

A vontade expressa pela maioria dos elementos que compõem a Assembleia de Apuramento Geral do Concelho de Soure e que, essa sim, é a que traduz a decisão efectiva e juridicamente válida do Órgão Colegial, Assembleia de Apuramento Geral, ao considerar que a vontade do(a) eleitor(a) em escolher uma e uma só opção foi

expressa, de forma clara e inequívoca.

Requer-se, nos termos do Artigo 159.º, da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, que o Tribunal Constitucional requisite os elementos de prova que considerar necessários, designadamente, Acta da Assembleia Geral de Apuramento do Concelho de Soure e Cópia do Boletim de Voto em causa.

Mais, solicita-se a Anulação da Invalidação do Voto no Partido Socialista à Assembleia de Freguesia de Brunhós, o mesmo é dizer, que o mesmo seja justamente e, à luz do Direito, considerado Válido, designadamente, de acordo com o previsto no n.º 1 do Artigo 149.º, ao consagrar a possibilidade de definição de um 'critério uniforme', por forma a permitir a validação efectiva da vontade inequívoca expressa no boletim de voto por um(a) qualquer eleitor(a).» Notificado nos termos do n.º 3, do artigo 159.º, da LEOAL, o mandatário do Partido Social Democrata - PPD/PSD - apresentou a seguinte resposta:

«1 - O Recurso apresentado carece inequivocamente de fundamento sério e plausível.

2 - Ou seja: - A Assembleia de Apuramento Geral decidiu e bem a nulidade do voto sub judice, atento o disposto constante do artigo 133.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 da Lei

Orgânica n.º 1/2001 de 14 de Agosto.

3 - Sendo certo que um carácter atipicamente cruciforme aposto conforme se verifica no presente caso sobre o símbolo do'PS', pode, de per si, configurar vários significados, entre os quais a rejeição absoluta da candidatura correspondente.

4 - De resto, a lei é clara quando estabelece que a cruz, embora podendo não ser perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado, deve assinalar

inequivocamente a vontade do eleitor.

5 - Ora, no subjacente conspecto, não foi desenhada qualquer cruz, nem dentro nem junto do quadrado atinente, antes aí aparecendo e parecendo uma espécie de hieróglifo rabiscado sem o mínimo sentido e ambiguamente estirado ou atirado contra o boletim

de voto.»

«Termos em que, deve improceder o recurso, mantendo-se a decisão de nulidade do voto conforme foi entendido, e bem, pela assembleia de apuramento geral» Foram requisitados elementos sobre a data de afixação do edital contendo a publicação dos resultados do apuramento geral, cópia integral da acta da Assembleia de Apuramento Geral do concelho de Soure e o original do boletim de voto em causa.

Fundamentação. - 1 - Os factos. - Resulta dos elementos juntos aos autos o seguinte:

a) No início dos trabalhos da Assembleia de Apuramento Geral do Município de Soure foi, por unanimidade, estabelecido o seguinte critério uniforme de apreciação dos boletins de voto considerados nulos e brancos pelas diferentes mesas de Assembleia de

Voto:

«Para a valoração e apreciação dos votos nulos e votos em branco terá a presente Assembleia em consideração o disposto no n.º 4 do artigo 115.º da referida Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, do qual decorre que a cruz que assinale o voto tem que ser feita 'no quadrado correspondente candidatura em que se vota', tendo para o efeito em atenção, em termos de interpretação deste preceito o disposto no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/2002, publicado na 2.ª série do Diário da República de 30.01.2002, bem como o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 603/2001, publicado na 2.ª série Diário da República de 28.01.2002.

Será ainda atendido para apreciação dos votos em branco e nulos o disposto nos artigos 132.º e 133.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto com a interpretação que foi dada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 579/2005 publicado na 2.ª série Diário da República de 21.11.2005.» b) Foi registada na acta a seguinte menção relativa à aprovação do mencionado critério:

«Pelos seguintes elementos da mesa de Assembleia de Apuramento Geral, Teresa Pedrosa, Arlindo Pimentel, Joaquina Cruz, Jorge Bento e Adelino Galante foi manifestada a sua discordância dos termos previstos nos normativos legais por entenderem que a cruz colocada, mesmo que completamente fora do quadrado, mas que assinale inequivocamente a vontade do eleitor, deveria ser entendido como voto válido. Não obstante, declararam conformar-se com a aplicação dos mesmos na

apreciação dos votos em causa.»

c) Relativamente à eleição para a Assembleia de Freguesia de Brunhós, a Assembleia de Apuramento Geral do Município de Soure apreciou uma reclamação apresentada por Orlando Miguel Gomes Maduro, referente à consideração pela Mesa de Apuramento Local como válido de um voto, tendo decidido «que o mesmo é nulo por violar o n.º 4, do artigo 115.º, da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, uma vez que a cruz indicativa de vontade do eleitor não foi aposta no quadrado respectivo, mas sim em sobreposição do símbolo do Partido Socialista.» d) A ora recorrente apresentou a seguinte reclamação:

A Mesa de Apuramento Local validou o voto em causa, por ter considerado que a intenção do eleitor tinha sido manifestada de forma clara e inequívoca, indo ao encontro da última parte do n.º 2 do artigo artigo 133.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de

Agosto.

Assim, entende-se que a Assembleia de Apuramento Geral, de acordo com o n.º 1 do artigo 149.º da lei supra mencionada, deverá reapreciar os boletins de voto segundo

critério uniforme.

Neste sentido, solicitamos a validação do voto em causa, relevando-se o facto de o boletim de voto não corresponder a nenhuma das formas de nulidade previstas no n.º 1 do artigo 133.º da Lei Eleitoral, considerando-se tal como a própria Mesa considerou, ao validar o voto, que a vontade do eleitor em escolher uma e uma só opção foi

expressa, de forma clara e inequívoca.

Releve-se ainda o facto de cinco dos elementos que compõem a Assembleia de Apuramento Geral do Concelho de Soure terem manifestado a sua inconformidade com os termos legais por entenderem que a cruz colocada, mesmo que completamente fora do quadrado, mas que assinale inequivocamente a vontade do eleitor, deveria ser

entendido como voto válido.

e) Sobre esta reclamação recaiu a seguinte deliberação:

«A Assembleia de Apuramento Geral deliberou, por unanimidade, manter a consideração do voto em questão como nulo, em decorrência do critério inicialmente firmado que conjuga o disposto no n.º 4, do artigo 115.º, da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, com a interpretação conferida, designadamente, pelos Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 11/2002 e 603/2001.» f) Foi registada na acta a seguinte menção relativa a esta deliberação: «Não obstante a manutenção da decisão por unanimidade, foi novamente renovado pelos elementos Teresa Pedrosa, Arlindo Pimentel, Joaquina Cruz, Jorge Bento e Adelino Galante, desta Assembleia de Apuramento Geral, a sua discordância com os termos da lei, quando a vontade do eleitor seja tão manifesta».

2 - O direito aplicável. - O presente recurso incide sobre uma decisão da Assembleia Geral de Apuramento do Município de Soure que indeferiu uma reclamação deduzida pela mandatária do Partido Socialista às eleições autárquicas de 2009, nesse concelho, contra a deliberação de considerar nulo um voto para as eleições da Assembleia de Freguesia de Brunhós, o qual havia sido considerado válido pela Mesa de Apuramento

Local.

Alega a recorrente que a maioria dos membros da Assembleia Geral de Apuramento pronunciou-se pela aplicação de um critério diverso daquele que foi decidido neste

caso.

Importa precisar o que sucedeu quanto a esta questão, conforme resulta dos termos da

Acta daquela Assembleia.

A Assembleia de Apuramento Geral decidiu previamente adoptar um critério para a valoração e apreciação dos votos nulos e votos em branco, segundo o qual «a cruz que assinale o voto tem que ser feita no quadrado correspondente candidatura em que se

vota».

Aquando da definição deste critério, cinco dos membros daquela Assembleia efectuaram uma declaração em que manifestaram a sua discordância «dos termos previstos nos normativos legais», sem que essa discordância os impedisse de obedecer

a tal critério.

Posteriormente este critério foi aplicado quando se deliberou, por unanimidade, considerar nulo um voto em que o eleitor havia apenas efectuado uma cruz sobre o

símbolo do Partido Socialista.

A decisão de adoptar o referido critério, assim como a sua aplicação ao voto em causa, foi, pois, tomada por todos os membros da Assembleia de Apuramento Geral, sem discordâncias, apesar da referida declaração de discordância sobre o conteúdo da

lei vigente.

Resta apurar se a decisão de considerar o voto nulo se mostra conforme com o

prescrito na lei.

Nos termos do n.º 4, do artigo 115.º, da LEOAL, o eleitor expressa a sua vontade assinalando com uma cruz o quadrado correspondente à candidatura em que vota.

Esclarece o artigo 133.º, do mesmo diploma, sob a epígrafe «Voto nulo» o seguinte:

«1 - Considera-se «voto nulo» o correspondente ao boletim:

a) No qual tenha sido assinalado mais de um quadrado;

b) No qual haja dúvidas quando ao quadrado assinalado;

c) No qual tenha sido assinalado o quadrado correspondente a uma candidatura que tenha sido rejeitada ou desistido das eleições;

d) No qual tenha sido feito qualquer corte, desenho ou rasura;

e) No qual tenha sido escrita qualquer palavra.

2 - Não é considerado voto nulo o do boletim de voto no qual a cruz, embora não sendo perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado, assinale

inequivocamente a vontade do eleitor.

[...].»

Sobre a matéria de votos nulos, o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme e uniforme no sentido de que o boletim de voto, além da cruz marcada no quadrado correspondente à candidatura escolhida, não pode conter qualquer outro sinal (corte, desenho ou rasura), definindo-se a cruz como a intersecção de dois segmentos de recta, sendo considerado o voto válido se e quando a intersecção ocorrer dentro das linhas que delimitam o quadrado (veja-se a este respeito v.g. os Acórdãos n.º 614/89, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.º vol., pág. 635, n.º 864/93, in Diário da República, 2.ª série, de 31 de Março de 1994, e n.º 565/05,

ATC, 65.º vol., pág. 819).

No caso em apreço verifica-se que no boletim de voto em questão foi apenas aposta uma cruz sobre o símbolo do Partido Socialista, pelo que, não tendo esse sinal sido efectuado em nenhum dos quadrados reservados à sua aposição, revela-se correcta a

decisão de considerar este voto nulo.

Decisão. - Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso interposto para o

Tribunal Constitucional.

Lisboa, 19 de Outubro de 2009. - João Cura Mariano - Vítor Gomes - Maria João Antunes - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Pamplona de Oliveira - Gil Galvão - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - Rui Manuel Moura Ramos.

202494252

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/10/30/plain-263645.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/263645.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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