Recorrente, Câmara Municipal do Porto. Recorrido, Hospital Escolar de S. João.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
O Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 3 de Maio de 1963, decidiu que, no caso de internamento em estabelecimentos hospitalares de doentes pobres ou indigentes com domicílio de socorro no respectivo concelho, as câmaras municipais são responsáveis não só pelo pagamento de uma percentagem sobre as diárias hospitalares fixadas, mas também pelo pagamento dos encargos com os medicamentos e meios auxiliares dediagnóstico.
O Acórdão de 2 de Novembro de 1962 do mesmo Tribunal decidiu que naqueles casos de internamento as câmaras municipais são apenas responsáveis pelo pagamento de uma percentagem sobre as diárias hospitalares fixadas, não sendo responsáveis pelo pagamento de quaisquer encargos com medicamentos e meios auxiliares de diagnóstico.Estão os dois acórdãos em manifesta oposição de doutrina acerca da mesma questão
fundamental de direito.
A Câmara Municipal do Porto interpôs recurso para o tribunal pleno do primeiro acórdão mencionado, nos termos do artigo 764.º do Código de Processo Civil, recurso que foi recebido; e o acórdão de fl. 24 verificou existirem os fundamentos justificativos desterecurso.
Foram produzidas doutas alegações pelo recorrente e pelo recorrido.
Conhecendo:
É atribuição das câmaras municipais deliberar sobre o internamento dos alienados e hospitalização dos doentes pobres e indigentes do respectivo concelho - artigo 48.º, n.º11.º, do Código Administrativo.
O Decreto-Lei 39805, de 4 de Setembro de 1954, veio regulamentar as relações entre os hospitais e as câmaras no que respeita a despesas a fazer com os doentes tratados, nos termos daquele preceito do Código Administrativo, salientando-se que o legislador interveio «no sentido de pôr cobro à desigualdade na distribuição dos encargos e de acautelar as câmaras contra o perigo de terem de fazer face a um volume de encargos imprevistos, em desproporção com os seus recursos e ultrapassando por formaperturbadora as previsões orçamentais».
Teve pois este diploma o objectivo de colocar as câmaras ao abrigo de surpreendentes encargos que não se incluíam nas suas previsões orçamentais e em prováveldesproporção com os seus recursos.
O § 1.º do artigo 8.º, ao estabelecer que a responsabilidade dos municípios em relação aos internados pobres ou indigentes se determine por uma percentagem sobre a diária do respectivo estabelecimento hospitalar, quis excluir quaisquer despesas com medicamentos e meios auxiliares de diagnóstico.Nestes termos se revoga o acórdão recorrido e se firma o seguinte assento:
No caso de internamento de doentes pobres e indigentes em estabelecimentos hospitalares, as câmaras municipais são responsáveis apenas pelo pagamento de uma percentagem sobre o custo da diária dos internados.
Lisboa, 1 de Março de 1966. - Alberto Toscano - Torres Paulo - Lopes Cardoso - Ludovico da Costa - Fernando Bernardes de Miranda - Gonçalves Pereira - J. Santos Carvalho Júnior - Albuquerque Rocha (vencido. Creio que os municípios respondem pelos encargos de assistência a doentes indigentes e pobres com domicílio de socorro nos respectivos concelhos, ainda quando essa assistência não obrigue a internamento. Nos casos de internamento, essa responsabilidade abrange, além do preço da diária, as demais despesas com assistência a esses doentes, como medicamentos, radiografias e análises.
Esta também a doutrina da Procuradoria-Geral da República em seus pareceres de 23 de
Julho de 1959 e 20 de Julho de 1960).
Tem voto de conformidade dos juízes conselheiros Joaquim de Melo e Francisco Soares.Tem voto de vencido dos juízes conselheiros Dias Freire e Vera Jardim - os quais não
assinam por não estarem presentes.
Está conforme.
Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Março de 1966. - O Secretário,Joaquim Múrias de Freitas.