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Acórdão 448/2009, de 24 de Setembro

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Sumário

Confirma a decisão que julgou elegível para a Assembleia de Freguesia de Troviscoso, município de Monção, um candidato integrado na lista do Partido Socialista. (Proc.n.º 744/09)

Texto do documento

Acórdão 448/2009

Processo 744/09

Acordam em sessão plenária no Tribunal Constitucional

Relatório. - 1 - Alfredo José Temporão Martins, na qualidade de candidato integrado na lista apresentada pelo Partido Social Democrata (PPD/PSD) Para a eleição da Assembleia de Freguesia de Troviscoso, Município de Monção, nas eleições de 11 de Outubro de 2009, recorre para o Tribunal Constitucional do despacho do juiz do Tribunal Judicial de Monção que indeferiu a reclamação que apresentara contra a decisão que julgou elegível o candidato Manuel Fernando Pinto Coração de Maria, integrante das listas do Partido Socialista (PS) À mesma eleição.

Diz, em suma:

[...]

Fundamentos de facto:

1 - Já no ano de 2005, a Freguesia de Troviscoso propôs no Tribunal de Monção a Acção Ordinária 453105.OTBMNC contra o candidato recorrido Manuel Fernando Pinto Coração de Maria (adiante Manuel Fernando Pinto), a qual tem julgamento aprazado para o próximo dia 14/10 (3 dias após as eleições).

2 - Conforme a respectiva Petição Inicial, a Freguesia assim decidiu, propondo a acção, porque o candidato Manuel Fernando Pinto, em 2004, se apossara duma parcela de terreno com a área aproximada de 4.000m2 dum prédio do domínio privado da referida autarquia, vedando o terreno e dele retirando valiosas árvores de madeira, saibro e outras utilidades, 3 - À custa do empobrecimento do erário da autarquia, que, pelo mesmo modo, impede de afectar o referido prédio ao empreendimento social a que se destinava, 4 - E porque, também em 2004, o candidato Manuel Fernando Pinto anexou a uma propriedade dele uma faixa de caminho público vicinal (da mesma Freguesia de Troviscoso) - mais uma vez, à custa do património da autarquia.

5 - Além de demandar o candidato Manuel Fernando Pinto por se ter apossado e de lhe exigir o cumprimento da obrigação de restituição daqueles imóveis dos seus domínios público e privado, já em mora, a Freguesia também lhe exige o pagamento, também em mora desde 2005, da indemnização necessária ao ressarcimento dos danos que já causara quando a acção foi proposta e que continua a causar-lhe, quer os emergentes da subtracção dos imóveis, com impedimento da sua administração - e, quanto ao do domínio particular, da sua transformação -, quer os emergentes da repetida subtracção de árvores e saibro, desde 2004, actos que danificam aqueles imóveis e desvalorizam o domínio particular da autarquia.

O direito e as conclusões dos factos:

6 - Dispõe o artigo 2.º da Constituição que a República Portuguesa é um Estado de Direito Democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

7 - Os titulares das Juntas e Assembleias de Freguesia são agentes da Administração Pública, que, nos termos do disposto no artigo 266.º2 da Constituição, estão sujeitos ao princípio da imparcialidade.

8 - Conforme os Acórdãos deste Tribunal Constitucional n.os 253/85 e 505/2001, publicados no DR 2.ª série, de 18-03-1986 e de 21-11-2001, a lei eleitoral autárquica "visa proteger a justiça de actuação e a imparcialidade dos órgãos" e tem 'em vista garantir a isenção e a/independência com que os titulares dos órgãos".

9 - O artigo 7.º2-b) Da lei Org. 1/2001 prescreve que "não são [...] elegíveis para os órgãos das autarquias locais em causa" "os devedores em mora da autarquia local em causa".

10 - A lei não distingue se a dívida há-de ser certa e líquida, nem cabe na natureza do processo eleitoral um tal julgamento. Por isso que hão-de considerar-se relevantes as dívidas cujo pagamento as autarquias legítima e seriamente venham a exigir dos candidatos que se apresentam a eleições para os respectivos órgãos.

11 - Aliás, dívidas não são apenas as obrigações de pagamento, pois que é devedor todo aquele que esteja vinculado ao cumprimento de uma prestação, seja ela de pagamento ou de prestação de facto exequível, fungível ou infungível, positivo ou negativo (artºs 397.º e 827.º e ss. do CCivil).

12 - Ora, tendo-se apossado de bens imóveis do domínio público e do domínio privado da autarquia para as eleições de cujos órgãos concorre e tendo causado danos nesses bens, por subtracção de árvores e de saibro e porque, pela manutenção do esbulho, impede a posse e a disponibilidade, em prejuízo da actividade e do património geral da mesma autarquia - como esta entendeu e como demonstra no processo judicial pendente acima referido -, o candidato Manuel Fernando Pinto é devedor da prestação de restituição e de não perturbação da posse e da propriedade dos referidos imóveis autarquia, bem como da prestação do quantitativo correspondente à indemnização pelos danos que ilicitamente causou.

13 - E dispõe o artigo 805.º3 do CCivil que em caso de responsabilidade por facto ilícito -como é o caso -, o devedor constitui-se em mora desde a citação, que, no caso também já ocorreu em 2005.

14 - Por isso que a Freguesia constituiu o Manuel Fernando Pinto como devedor em mora, sendo que, quanto à parcela do caminho público que este ocupou, a Freguesia e os seus órgãos actuam no exercício da sua actividade típica de gestão pública, com presunção de legalidade e privilégio de execução directa e liquidação prévias - por não terem de ser antecedidas do reconhecimento judicial.

15 - Para além do que se diz desde 10 supra, uma interpretação restritiva da norma do artigo 7.º2- b) da LEOAL que excluísse as dividas contestadas/impugnadas ou objecto de oposição é de rejeitar, por maioria de razão.

16 - Conforme entendeu este Tribunal Constitucional no Ac. de 1993-11-15, sumariado em dgsi.pt como Doc. TEL19931115937161, "a inelegibilidade relativa aos devedores em mora da autarquia visa evitar o conflito de interesses entre o devedor da autarquia e a mesma pessoa, enquanto titular de um órgão representativo da entidade credora."

17 - Ora, mais grave é o risco para o interesse público se, pela eleição, se permite ao devedor impugnante que assuma a representação da autarquia que o demanda. Assumido o poder, ele poderá utilizá-lo directamente ou por influência sobre os demais titulares do órgão para determinar a autarquia a (por acção ou omissão) Extinguir ou, ainda discretamente, deixar precludir o seu direito, determinando a procedência da impugnação/contestação/oposição.

18 - Para além do conflito de interesses na satisfação da obrigação de pagamento, verifica-se ainda mais grave conflito de interesses quando se permite ao devedor que assuma o poder e influência para fazer claudicar e não sustentar a manutenção da obrigação de pagamento, por fazer precludir o direito de crédito que obrigava ao pagamento que a autarquia, já antes do processo eleitoral - manifestamente não por causa dele - decidira estar vencido e em mora e vinha a exigir do candidato à eleição para os seus órgãos. Esta situação também é contemplada na previsão do artigo 7.º2-b) Da LEOAL.

19 - Na situação configurada nos dois artigos que antecedem, os Princípios do Estado de Direito e da Imparcialidade da Administração Pública dos artºs 2.º e 266.º2 da Constituição são mais ofendidos e ficarão mais fragilizados e em risco do que se a LEOAL permitisse a eleição de candidatos devedores das autarquias já executados e com os bens penhorados - a situação de mora que não exige esforço interpretativo.

20 - Aliás, se depende da (futura) Actuação da autarquia - pela mão ou influência do devedor, candidato a seu representante legal - o poder de prejudicar o exercício da função jurisdicional, pela desistência do pedido ou pela transacção ou, mais discretamente, pela omissão de provas (falta de convocação ou desmobilização das testemunhas), pela omissão de recurso, etc., então, na prática, até é posto em causa o Princípio da Separação de Poderes (o devedor infiltrado na Administração sobrepõe-se, mais ou menos sub-repticiamente, ao poder judicial, prejudicando o seu exercício).

21 - O entendimento de que o legislador fez vista grossa numa situação destas - em que, por via da eleição, o candidato não apenas pode protelar ou omitir o pagamento (não promovendo a execução), mas, mais do que isso, pode fazer extinguir a dívida/o crédito cuja exigência já foi decidida e reclamada pela autarquia desde muito antes do início do processo eleitoral (e não por causa deste) - ofende mais os princípios do Estado de direito democrático e da imparcialidade da administração pública (6 e 7 supra) do que entender-se que é elegível o devedor já executado e com os bens penhorados. Este tem menor autonomia para "apagar" a própria dívida - é menor o risco do uso indevido do poder, em conflito com os interesses pessoais.

22 - Assim, face ao artigo 7.º2-b) Da lei Org. 1/2001, no controlo do processo eleitoral, o Tribunal só poderá desconsiderar uma dívida que se mostre manifestamente improcedente, nomeadamente pela eventualidade de ser óbvio o uso anormal do procedimento ou do processo - o que ocorreria em situação análoga à prevista no artigo 665.º do CPC.

A impugnação, a decisão recorrida e, conclusivamente, as razões do recurso:

23 - No prazo previsto e nos termos previstos no artigo 25.º2 e 3 da LEOAL, o candidato Daniel Esteves Baptista, que integra a lista do ora recorrente, impugnou perante o Tribunal a elegibilidade do candidato ora recorrido Manuel Fernando Pinto, pelos factos acima alegados nos artºs 1 a 5, além de outros, juntando, também além doutro documento, cópia certificada da PI da Acção Ordinária 453/05.OTBMNC e do despacho de marcação do respectivo julgamento.

24 - Essa Impugnação foi indeferida, sob o fundamento de ainda não existir uma sentença judicial, com trânsito em julgado, a reconhecer a dívida ou o correspondente crédito que a autarquia exige judicialmente do Impugnado Manuel Fernando Pinto desde 2005, sem que a decisão de indeferimento ponderasse a distinção entre a obrigação de restituir o bem do domínio público e de indemnizar pelo dano nele causado (14 supra) 25 - A notificação de indeferimento da Impugnação foi notificada ao mandatário da candidatura que integra o Recorrente em 28-08-2009 (sexta-feira) 26 - Em 31-08-2009 (segunda-feira), pelas 9H00, o Recorrente apresentou Reclamação daquela decisão de indeferimento da Impugnação, pelos factos alegado nos artºs 1 a 5, dando nela (no artigo 1.º) Por reproduzida a cópia certificada da Acção Ordinária 453/05. OTBMNC junta aos autos, na Impugnação.

27 - Sem ter dado cumprimento ao disposto no artigo 29.º2 da LEOAL, a decisão recorrida também indeferiu a Reclamação, invocando:

"Afirmar que o candidato em causa se apossou de bens imóveis do domínio público e do domínio privado da autarquia, tendo causado danos nesses bens (art, 12.º da reclamação), é apenas uma afirmação do reclamante que está por provar." E "Não está minimamente demonstrado que o candidato em causa se encontre numa das situações previstas no n.º 2 do artigo 7.º"...

Rectificando:

28 - Antes de mais, importa precisar que do contexto da Reclamação não resulta que o Recorrente tenha afirmado que "o candidato em causa se apossou de bens imóveis do domínio público e do domínio privado da autarquia, tendo causado danos nesses bens".

29 - O que o Recorrente alegou na Reclamação (conforme os artºs 1 a 5), demonstrando-o com a cópia certificada da Acção Ordinária 453/05.OTBMNC junta aos autos, na Impugnação, foi que a Freguesia (a Autarquia), em 2005, decidiu propor e propôs uma acção judicial contra o Recorrido, reportando os fundamentos da respectiva petição inicial e qualificando-os como de crédito em mora que a Autarquia tem por constituído sobre o Recorrente.

30 - Sobre essa qualificação dos factos - da qualificação/existência da dívida para efeitos do artigo 7.º2-b) Da LEOAL desde que a autarquia a afirma, quer investida nos poderes de gestão pública (ocupação e danos no caminho público), quer na sua actividade de administração e defesa dos bens do domínio privado (ocupação, de terreno florestal adquirido em Inventário) - é que incidem as alegações do Recorrente. E neste último contexto que se integra o artigo 12.º da Reclamação.

Ainda as razões pelas quais o Recorrente não se conforma com as decisões que decidiram a Impugnação e a Reclamação...

31 - A exigência da existência duma sentença judicial transitada de reconhecimento do crédito das obrigações de restituir e de indemnizar que a autarquia já exige ao candidato Recorrido desde 2005 não consta do teor do artigo 7.º2-b) Da LEOAL conjugado com o artigo 805.º3 do CCiviI (10 e 13 supra), nem é conforme com o espírito do referido normativo (8 e 16 a 20 supra).

32 - A interpretação do referido artigo 7.º2-b) Da LEOAL conforme com a decisão que foi Reclamada e com a que ora é Recorrida - a interpretação segundo a qual para efeitos desse normativo só são dívidas em mora as reconhecidas por sentença judicial transitada em julgado - esquece o poder da execução prévia das receitas tributárias autárquicas e o poder das autarquias de, também pela execução prévia administrativa, se fazerem restituir na administração dos bens públicos apossados;

33. e, como demonstrado em 6. 7 e 17 a 21 supra, seria inconstitucional uma interpretação do artigo 7.º2-b) Da LEOAL no sentido de que esta permite a elegibilidade dos candidatos que já desde antes do processo eleitoral estão a ser judicialmente demandados pelas autarquias por responsabilidade por acto ilícito (artigo 805.º3, 2.ª parte), por obrigação que tinha prazo certo (n.º 2-a) Ou para cujo cumprimento já houvera interpelação judicial ou extrajudicial (n.º 1) Ou só não a houvera porque o próprio devedor a impediu (n.º 2-c) - para mais quando a autarquia actua em gestão pública ou como tal pode/deve actuar, 34 - A menos que se desaplique (ou considere inconstitucional) O disposto no artigo 7.º2-b) Da LEOAL no caso da situação menos grave - quanto ao futuro uso do poder público pelo candidato à eleição em conflito com os seus interesses particulares - em que a dívida, além de constituída e em mora perante a autarquia, também já está na fase de execução dos bens do devedor candidato.

É que, doutro modo, a incoerência da norma também afectaria o Principio Constitucional da Proporcionalidade.

Nos termos expostos e nos melhores de direito, revogando a decisão recorrida do Tribunal Judicial de Monção e declarando inelegível o candidato que integra candidatura apresentada pelo Partido Socialista para eleição da Assembleia de Freguesia de Troviscoso Manuel Fernando Pinto Coração de Maria, eleitor 793 recenseado pela dita freguesia, com fundamento no disposto no artigo artigo 7.º2-b) Da lei Org. 1/2001 e em aplicação dos princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático, da Imparcialidade da Administração Pública e da Separação de Poderes, [...] 2 - Respondeu o mandatário concelhio do PS invocando, como questão prévia, a ilegitimidade processual do recorrente e pedindo, quanto ao fundo, o improvimento do recurso.

3 - Apura-se que em 31 de Agosto de 2009 o ora recorrente, na qualidade de candidato integrado na lista apresentada pelo Partido Social Democrata (PPD/PSD) Para a eleição da Assembleia de Freguesia de Troviscoso, Município de Monção, nas eleições de 11 de Outubro de 2009, apresentou ao juiz do Tribunal Judicial de Monção reclamação a solicitar que o candidato Manuel Fernando Pinto Coração de Maria, integrado na lista do PS para a eleição da Assembleia de Freguesia de Troviscoso, fosse julgado inelegível, com fundamento no disposto no artigo 7.º n.º 2 alínea a) da lei Eleitoral aprovada pela Lei Orgânica 1/2001 de 14 de Agosto (LEOAL).

Em 1 de Setembro de 2009 o juiz do Tribunal Judicial de Monção proferiu o ora impugnado despacho que, na parte relevante, apresenta o seguinte teor:

«[...]

Veio Alfredo José Temporão Martins insurgir-se contra a admissão da candidatura apresentada pelo PS para a Assembleia de Freguesia de Troviscoso, no que respeita ao candidato Manuel Fernando Pinto Coração de Maria, pugnando pela declaração de inelegibilidade do mesmo, com fundamento no disposto no artigo 7.º n.º 2 alínea a) da Lei 1/2001.

O artigo 7.º n.º 2 da supracitada lei dispõe que "Não são também elegíveis para os órgãos das autarquias em causa:

a) Os concessionários ou peticionários de concessão de serviços da autarquia respectiva;

b) Os devedores em mora da autarquia local em causa e os respectivos fiadores;

c) Os membros dos corpos sociais e os gerentes de sociedades, bem como os proprietários de empresas que tenham contrato com a autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada."

Apesar de invocar a alínea a) do n.º 2 do artigo 7.º, parece-nos que o reclamante pretendia aludir à alínea b) Em face dos argumentos que utiliza.

A inelegibilidade consiste na impossibilidade legal de apresentação de candidatura a cargo electivo.

O reclamante alega factualidade que não se encontra provada, porquanto inexiste sentença judicial transitada em julgado no processo referido (e que serve de base a toda a alegação - AO n.º 453/05.0 TBMNC).

Afirmar que o candidato em causa se apossou de bens imóveis de domínio público e do domínio privado da autarquia, tendo causado danos nesses bens (artigo 12.º da reclamação), é apenas uma afirmação do reclamante que está por provar.

Não está minimamente demonstrado que o candidato em causa se encontre em qualquer uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 7.º, pelo que não pode o Tribunal concluir pela sua inelegibilidade.

Em face do exposto, admite-se a candidatura de Manuel Fernando Pinto Coração de Maria, pela lista apresentada pelo PS à Assembleia de Freguesia de Troviscoso, indeferindo-se o peticionado a fls. 190 ss.

Notifique.

[...]»

O recurso, interposto no Tribunal Judicial de Monção em 3 de Setembro de 2009, foi recebido por despacho datado de 7 do mesmo mês.

Fundamentos. - 4 - Na resposta ao recurso, o mandatário concelhio do PS questionou a legitimidade processual do recorrente, alegando que a "competência" para recorrer caberia unicamente ao partido concorrente "através do seu mandatário" e não a qualquer candidato.

Mas não tem razão; o artigo 32.º da LEOAL confere expressamente legitimidade para interpor este tipo de recursos aos candidatos. Solução que, aliás, se mostra em plena coerência com o que se prevê no n.º 1 do artigo 29.º da mesma LEOAL sobre a legitimidade para apresentar reclamação ao próprio juiz das decisões relativas à apresentação de candidaturas, e que é igualmente conferida, entre outros, aos candidatos.

Deve, em suma, reconhecer-se legitimidade processual ao recorrente, sendo, por isso, improcedente a questão prévia suscitada.

5 - A razão da presente questão consiste nisto: entende o recorrente que o candidato Manuel Fernando Pinto Coração de Maria, integrado na lista do PS para a eleição da Assembleia de Freguesia de Troviscoso, deveria ser julgado inelegível, por, em datas anteriores, se ter "apossado" de uma parcela de terreno do domínio privado da referida autarquia, "vedando o terreno e dele retirando valiosas árvores de madeira, saibro e outras utilidades", assim como de uma faixa de "caminho público vicinal", razão pela qual pende no Tribunal Judicial de Monção uma acção cível de condenação, intentada pela mesma Junta de Freguesia contra o aludido candidato e sua mulher, na qual também se pede uma verba por indemnização dos danos sofridos.

Todavia, o juiz entendeu "que afirmar que o candidato em causa se apossou de bens imóveis de domínio público e do domínio privado da autarquia, tendo causado danos nesses bens (artigo 12.º da reclamação), é apenas uma afirmação do reclamante que está por provar", não estando, por isso, demonstrado "que o candidato em causa se encontre em qualquer uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 7.º, pelo que não pode o Tribunal concluir pela sua inelegibilidade".

Vejamos.

No seu artigo 5.º a LEOAL proclama, como regra geral, a da universalidade da capacidade eleitoral passiva: são elegíveis para os órgãos das autarquias locais todos os "cidadãos portugueses eleitores". Mas tal regra apresenta excepções:

no artigo 6.º fixam-se as inelegibilidades passivas "gerais", tendo em conta qualidades pessoais dos candidatos em razão dos cargos que exercem, os falidos e insolventes não reabilitados, além de estrangeiros em certas situações que aqui manifestamente não interessam. O caso em apreço não se enquadra, porém, neste normativo, mas no preceito seguinte que enuncia as inelegibilidade especiais. No n.º 2 desse artigo 7.º prevêem-se na verdade situações que, face a uma particular relação jurídica do sujeito para com o órgão autárquico, podem afectar o desempenho isento e imparcial do cargo, uma vez eleito o candidato. E é nesse normativo que o recorrente vê o fundamento do seu recurso.

Diz o preceito, na parte que interessa:

Artigo 7.º

Inelegibilidades especiais

1 - ...

2 - Não são também elegíveis para os órgãos das autarquias locais em causa:

a) Os concessionários ou peticionários de concessão de serviços da autarquia respectiva;

b) Os devedores em mora da autarquia local em causa e os respectivos fiadores;

c) Os membros dos corpos sociais e os gerentes de sociedades, bem como os proprietários de empresas que tenham contrato com a autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada.

3 - ...

É fora de dúvida que lei pretende, desta forma, dar relevo à preocupação de assegurar o exercício isento, desinteressado e imparcial dos cargos autárquicos, impedindo a candidatura dos cidadãos que, por virtude das eleições a que pretendam concorrer, possam vir a fazer parte dos órgãos da autarquia com a qual mantêm a já referida especial relação jurídica. O Tribunal Constitucional tem, no entanto, entendido (veja-se, por exemplo, o Acórdão 430/05 in DR, 2.ª série de 3 de Outubro de 2005, e a jurisprudência nele citada) Que as inelegibilidades constituem restrições ao direito fundamental de ser eleito para cargos políticos, razão pela qual as normas que as estabelecem devem ser tidas como enumerações taxativas, não podendo ser objecto de interpretações extensivas ou aplicações analógicas, alegadamente impostas por argumentos encontrados "por maioria de razão".

Na tese do recorrente distinguem-se, afinal, duas razões que deveriam conduzir à inelegibilidade do candidato impugnado: a primeira residiria na ocorrência de determinados factos, alegadamente ilícitos, praticados pelo candidato em prejuízo da freguesia; a segunda, consequente da anterior, consistiria na pendência de uma acção cível proposta pela autarquia contra esse candidato.

Mas a verdade é que nenhuma destas circunstâncias cabe nas espécies previstas no aludido n.º 2 do artigo 7.º da LEOAL.

Com efeito, lidas taxativamente as situações previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 7.º da LEOAL apura-se que em nenhuma delas cabem os factos invocados contra o candidato impugnado; a única situação que poderia, por manifesta inaplicabilidade das restantes, ser aqui pertinente, era a prevista na alínea b) do citado preceito, na parte em que prevê a inelegibilidade dos "devedores em mora da autarquia local". Mas o certo é que se deve entender que a expressão "devedor em mora" representa um conceito normativo que inclui a certeza quer da dívida, quer da ultrapassagem do prazo do seu pagamento, circunstâncias que não é possível, de maneira nenhuma, dar agora por assentes.

Tais certezas decorreriam ou do trânsito em julgado de uma condenação jurisdicional, que não existe, ou da eficácia jurídica de acto produzido no âmbito do poder de auto titulação de natureza administrativa da autarquia, que igualmente se não verifica, pois não há dúvida de que não cabe na sua competência o poder de definir juridicamente a situação em causa, dirimindo conflitos de interesses públicos e privados, como são os relativos à propriedade e posse de bens imóveis e à fixação de indemnizações por acto ilícito. Trata-se de matéria cuja definição se inclui na função jurisdicional que exclusivamente está atribuída aos tribunais - artigo 202.º n.os 1 e 2 da Constituição.

Sendo seguro que os factos invocados não se enquadram na referida alínea b) do n.º 2 do artigo 7.º da LEOAL, deve concluir-se que se não verifica, no caso em apreço, qualquer motivo de inelegibilidade do candidato impugnado.

6 - Sustenta ainda o recorrente que "seria inconstitucional uma interpretação do artigo 7.º n.º 2 b) da LEOAL no sentido de que esta permite a elegibilidade dos candidatos que já desde antes do processo eleitoral estão a ser judicialmente demandados pelas autarquias por responsabilidade por acto ilícito (artigo 805.º3, 2.ª parte), por obrigação que tinha prazo certo (n.º 2-a) Ou para cujo cumprimento já houvera interpelação judicial ou extrajudicial (n.º 1) Ou só não a houvera porque o próprio devedor a impediu (n.º 2-c) - para mais quando a autarquia actua em gestão pública ou como tal pode/deve actuar."

Mas, uma vez mais, não lhe assiste qualquer razão.

Não revela o recorrente a razão próxima da invocada inconstitucionalidade, para além dos juízos de natureza conclusiva e, assim, aqui imprestáveis, da violação do dever de imparcialidade da Administração, decorrente do artigo 266.º n.º 2 da Constituição. A verdade é que a invocação de uma omissão legislativa constitucionalmente ilegítima - como seria a não inelegibilidade de candidatos na situação do candidato impugnado - só é admissível quando resulte da Constituição uma imposição normativa em sentido contrário, ainda que decorrente da aplicação dos princípios constitucionalmente consagrados.

Não há dúvida de que o legislador constitucional exige o exercício isento, desinteressado e imparcial dos cargos autárquicos de carácter electivo. Mas este resultado não depende unicamente da inelegibilidade dos cidadãos que, por virtude das eleições a que pretendam concorrer, possam vir a fazer parte dos órgãos da autarquia com a qual mantêm já uma especial relação jurídica de interesses. É mesmo inquestionável que a situação invocada pelo recorrente poderia ocorrer depois das eleições, no decurso do mandato autárquico, momento em que seria totalmente ineficaz a aludida restrição. Mas a lei prevê um outro sistema de garantia de imparcialidade que se concretiza no impedimento (e na suspeição) De agentes públicos, que determina a sua não participação na tomada de decisões do órgão autárquico que possam colidir com o seu interesse pessoal, conforme se acha genericamente previsto nos artigos 44.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo. Fica assim acautelado o interesse público que a dita norma constitucional visa proteger, sem necessidade de recurso à aludida inelegibilidade.

Além disso, numa lógica de aferição da adequação e necessidade normativa da restrição, impõe-se constatar que a automática proibição de candidatura a quem se ache demandado pela autarquia poderia conduzir a abusos inadmissíveis que fatalmente escapariam ao controlo efectivo dos órgãos jurisdicionais competentes.

Não há, por isso, qualquer razão que permita considerar constitucionalmente desconforme a não inelegibilidade do cidadão cuja candidatura foi impugnada.

Decisão. - 7 - Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão que julgou elegível, nas eleições de 11 de Outubro de 2009 para a Assembleia de Freguesia de Troviscoso, Município de Monção, o candidato Manuel Fernando Pinto Coração de Maria, integrado na lista do Partido Socialista.

Lisboa, 14 de Setembro de 2009. - Carlos Pamplona de Oliveira - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Gil Galvão.

202324905

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/09/24/plain-261073.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/261073.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-01-04 - Lei 1/2001 - Assembleia da República

    Altera a Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, que aprova a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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