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Acórdão 197/2016, de 23 de Maio

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Sumário

Não julga inconstitucionais diversas interpretações normativas, relativas à tributação autónoma, retiradas do artigo 88.º, n.º 13, alíneas a) e b), e n.º 14, do Código do Imposto sobre as Pessoas Coletivas (CIRC)

Texto do documento

Acórdão 197/2016

Processo 465/2015

Acordam, na 3.ª secção, do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - A SEMAPA - Sociedade de Investimento e Gestão, SGPS, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, pedindo a declaração de ilegalidade e a anulação parcial da autoliquidação de IRC referente ao exercício fiscal de 2011, na parte relativa às tributações autónomas, suscitando a inconstitucionalidade das disposições do artigo 88.º, n.º 13, alíneas a) e b), e n.º 14 do Código do Imposto sobre as Pessoas Coletivas (CIRC). Por decisão de 24 de abril de 2015, o Tribunal Arbitral julgou improcedente o pedido, pelo que a autora recorreu para o Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das referidas disposições do CIRC.

Tendo o processo prosseguido para decisão de mérito, a recorrente apresentou alegações em que formula as seguintes conclusões:

A) Não são constitucionalmente admissíveis normas (artigo 88.º, n.º 13, alíneas a) e b), do CIRC) que penalizam fiscalmente a uma taxa de 35 %, que pode chegar a 45 %, exclusivamente despesas suportadas com remunerações (variáveis e por cessação de funções) devidas ao universo constituído por administradores, gerentes ou gestores.

B) Não são constitucionalmente admissível normas (artigo 88.º, n.º 13, alíneas a) e b), do CIRC) por virtude das quais a tributação global, direta e indireta, sobre o rendimento, origina o pagamento de imposto que facilmente se aproxima dos 1 OO% do rendimento e pode mesmo ultrapassálo (violação do princípio da proporcionalidade e da proibição de confisco ou da propriedade privada).

C) Não é constitucionalmente admissível (arbitrariedade, desadequação do meio lesivo do património da empresa - princípio da proporcionalidade - e interferência fiscal injustificada com a gestão e propriedade privadas) um regime de tributação que a pretexto de lidar com o potencial desligamento das remunerações variáveis atribuídas a administradores, gerentes ou gestores, dos resultados e contas das empresas, deixa de fora as remunerações fixas e com isso incentiva fiscalmente o reforço desta componente da remuneração, isto é, incentiva justamente o reforço da componente remuneratória que por definição se apresenta mais desligada dos resultados e contas, anuais ou plurianuais, da empresa.

D) Caso se veja uma finalidade primacialmente extrafiscal (Pigou-vian taxes) na norma constante do artigo 88.º, n.º 13, alíneas a) e b), do CIRC, a suposta finalidade de coartar remunerações desligadas dos resultados e contas da empresa é desadequada e prosseguida em excesso, por estas duas razões adicionais ainda:

é desadequada porque medida legislativa adequada e eficaz, e que tem ainda a virtude de não contender com princípios constitucionais, é a que tratasse de impor a recuperação junto dos próprios administradores (autores da gestão enganosa) da remuneração variável em causa; e é excessiva porque se a preocupação primacial for realmente a indicada (por oposição a obter receita) não se percebe por que razão não se prevê a devolução do imposto caso no final dos três anos referidos na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC se confirme o desempenho positivo da sociedade a que a norma alude. Donde a inconstitucionalidade também por mais esta razão:

na medida em que a norma não prevê o reembolso da tributação autónoma caso no final do período de três anos que acolhe se confirme o desempenho positivo da empresa.

E) Não é constitucionalmente admissível, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, sujeitar ao castigo da tributação autónoma prevista na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, também a parte da remuneração variável que se contenha alternativamente dentro de um dos dois limites excludentes dessa tributação (valor absoluto igual ou inferior a € 27.500, ou valor relativo igual ou inferior a 25 % da remuneração anual do administrador). Para além do mais, é de realçar que o princípio da proporcionalidade diznos que a medida (no caso, que atinge o património/propriedade da empresa) não deve ir além do necessário. Ora, é desnecessário para combater fiscalmente o alegado excesso remuneratório legalmente balizado por referência àquelas duas fasquias, tributar também a parte do todo que nelas se contém.

F) A norma que exige imposto adicional a quem apresente prejuízos fiscais, do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, colide frontalmente com os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e do rendimento real (é a antítese deles).

G) Mesmo que se veja na referida norma um objetivo primacialmente extrafiscal (desincentivar remunerações variáveis a gestores, encargos com frota automóvel, etc.), e se lhe reconheça e ao meio usado para o servir, legitimidade constitucional para atingir o património e gestão privadas, não é ainda assim constitucionalmente admissível que a norma do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, imponha um agravamento em dez pontos percentuais de todas as tributações autónomas sobre despesas e encargos (incluindo atribuição de bónus) pelo simples facto de a sociedade incorrer em prejuízos fiscais, mesmo que (na interpretação que se contestou sem sucesso) se prove que o apuramento de prejuízos fiscais é uma mera consequência técnica de algumas normas fiscais, não refletindo prejuízo económico, prejuízo real, de espécie alguma.

H) São violadas pelas referidas normas e pelas referidas razões, os seguintes artigos e princípios constitucionais:

2.º (Estado de Direito democrático, com os inerentes princípios da proporcionalidade e da igualdade), 13.º princípio da igualdade), 18.º, n.os 2 e 3 (princípio da proporcionalidade), 62.º (direito de propriedade privada), 80.º, alínea c) (liberdade de iniciativa e de organização empresarial), 81.º, alínea f) (liberdade de gestão empresarial, que tem por contraponto um Estado que promove a neutralidade por oposição a criar distorções), 82.º, n.os 1 e 3 (garantia de existência do setor privado) e 86.º, n.º 2 (proibição de intervenção por parte do Estado na gestão das empresas privadas), 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2 (princípio da tributação, fundamentalmente, do rendimento real e, em conjugação com o princípio da igualdade, princípio da capacidade contributiva), todos da Constituição da Repú-blica Portuguesa.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na qualidade de recorrida, contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

I. Desde logo se diga que a razão de ser das tributações autónomas se fixa no desincentivo do tipo de despesas que tributam, as quais, pela sua natureza, são propiciadoras de pagamento de rendimentos camuflados, permitindo, em última análise, às empresas reaver (até) algum imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário efetivo dos rendimentos, transferindo a responsabilidade deste para a esfera de quem paga esse rendimento.

II. O que, só por si, lhes confere uma clara natureza antiabuso, manifestamente acessória/complementar à tributação segundo a capacidade contributiva revelada pelo rendimento, ainda que só aparentemente em prejuízo da tributação do rendimento real (leia-se, com base na conta-bilidade), porquanto o que com elas se pretende é justamente prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos.

III. É justamente a sua função antiabuso que legitima as tributações autónomas à luz do princípio da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade.

IV. No caso concreto, a norma em questão, cuja ilegalidade a Recorrente sindica, é a do artigo 88.º, n.º 13 do CIRC, sendo que tal norma pode ser considerada como de um combate específico a comportamentos considerados de risco ou potencialmente suspeitos, - a atribuição de bónus e outras remunerações variáveis excessivamente elevados e bem assim de indemnizações pagas pela cessação de funções - a tentativa de remediar uma falha criada e existente no sistema que, por isso, surge no horizonte (e na redação) das tributações autónomas.

V. Claramente, o objetivo do legislador esteve em desencorajar as sociedades dos variados setores em remunerar, excessivamente, os seus órgãos sociais, especificamente durante um período de franca carência, de agravamento de dívida pública e de recessão económica, exaurindo com isso os ativos societários.

VI. Para além do desencorajamento, na base da tributação que se discute, estiveram razões atinentes a uma mais justa repartição de encargos tributários e de moralização progressiva de políticas remuneratórias das empresas.

VII. Deste modo, não se limitando a tributação autónoma ao fim clássico a que, por regra, se propõem os impostos - à obtenção de meios destinados à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas-, mas também prosseguindo objetivos extrafiscais, como sejam a redistribuição equitativa da riqueza e a justa repartição dos encargos.

VIII. Assim, não se está perante uma tributação discriminatória, um imposto de ciasse, que afronte os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da tributação sobre o rendimento real.

IX. Nos termos do artigo 104.º, n.º 1, alínea b) do CIRC, é aos sujeitos passivos pessoas coletivas - e não às pessoas singulares - quem cabe pagar o imposto, que resultará do apuramento, preenchimento e apresentação da declaração de rendimentos.

X. Ou seja, é sobre as pessoas coletivas (e não sobre os trabalhadores) que recai a obrigação do pagamento do imposto, sendo que é sobre elas que recai a norma de incidência prevista no artigo 88.º do CIRC e não sobre os trabalhadores.

XI. É, por isso, falaciosa a primeira questão sugerida pela Recorrente, dado que as tributações autónomas tributam despesas, com base no pressuposto de que as mesmas servem para pagar (camufladamente) a terceiros rendimentos que pela sua natureza seriam tributados e/ou, bem assim, servem como instrumento para repor uma maior justiça fiscal, uma maior igualdade na repartição dos encargos fiscais e um maior respeito pelo princípio da capacidade contributiva.

XII. Foi exatamente com o objetivo de preservar uma justa repartição dos encargos fiscais e de promover um equilibrado sacrifício no pagamento de impostos, a suportar pelo universo de contribuintes, que a lei fixou a tributação, na esfera das empresas, da atribuição de prémios e bónus acima do valor legalmente estipulado.

XIII. Quanto à segunda questão abordada, a da aplicabilidade da tributação autónoma sobre a totalidade dos encargos com bónus de administradores, gerentes ou gestores só dever ser feito sobre o que exceder do valor previsto no artigo 88.º, n.º 13, alínea b) do CIRC - isto é, a incidência deve ser apenas sobre o que exceder 25 % e € 27.500,00 das remunerações anuais de cada um dos administradores-, entende a Recorrida também não assistir razão à Recorrente.

XIV. Salvo o devido respeito, da leitura do artigo 88.º, n.º 13, alínea b) do CIRC não se retira o entendimento perfilhado pela Recorrente. O que se retira é que para que se tribute autonomamente bónus ou outras remunerações variáveis pagas a membros dos órgãos sociais, os quantitativos ultrapassem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual auferida e possuam valor superior a € 27.500,00.

XV. Caso o legislador (e a lei) tivessem pretendido que a tributação incidisse somente sobre o excesso do valor de € 27.500,00 ou do limite de 25 % da remuneração anual, tê-lo-iam refletido na redação da norma legal, o que, manifestamente, não aconteceu.

XVI. Está implícita a intenção do legislador de que deverão ser consideradas, para efeitos de aplicação da taxa única de 35 %, os bónus ou as remunerações variáveis reconhecidas, na sua totalidade, como gasto de determinado período.

XVII. No caso concreto, a verificarem-se os requisitos de sujeição e não se aplicando a condição de exclusão, a tributação deverá incidir sobre os bónus ou as remunerações variáveis pagas durante o ano de 2011, na sua totalidade, aos administradores e gerentes em causa, cujo gasto foi reconhecido em 2010.

XVIII. De facto, constata-se que a norma estabelece, apenas, um limite mínimo para a delimitação positiva de incidência, não prevendo que a base de incidência sejam somente os montantes que ultrapassem esses limites, ou sequer na parcela que exceda o maior dos limites de € 27.500,00 e 25 % da remuneração anual.

XIX. É ainda de salientar que o exemplo apresentado no artigo 29.º das alegações é vazio de sentido, uma vez que o legislador, em ordem a tributar este tipo de despesas, teve que estipular um limite mínimo (em numerário), a partir do qual, a verificar-se o facto tributário, se aplicaria a taxa correspondente.

XX. Situação, essa, que não é diferente, por exemplo, dos limites (máximos) referentes aos valores patrimoniais calculados nos termos do CIMI (artigo 46.º EBF), a fim de os proprietários poderem beneficiar, durante um certo período de tempo, da isenção do dito imposto.

XXI. Aliás, observando o exemplo avançado pela Recorrente, é de notar que não existe violação do princípio da igualdade (ou da propor-cionalidade), pois que os valores referentes a remunerações variáveis e bónus que apresenta são distintos, isso, pois que, num caso, o prémio é de € 27.500,00 ou seja, não sujeito a tributação; no outro, já esse valor se situa nos € 30.000,00, valor sujeito à aplicação das taxas.

XXII. Está, diga-se assim, nas mãos das entidades (e não da AT) sujeitarem ou não estas despesas a tributação, dependendo esse facto dos valores com que remuneram os seus gestores.

XXIII. Existirá, então, como afirma a Recorrente, violação dos princípios constitucionais invocados? Repare-se na aludida situação da isenção de IMI. Um prédio cujo valor patrimonial se situe nos € 125.000,01 (e que, portanto, não pode beneficiar da isenção de IMI) estará a ser descriminado face a um prédio que foi avaliado em € 124.999,99 (e que goza, por isso, da dita isenção)? Pensamos que não.

XXIV. E, ainda, nesse caso, deverá o prédio cujo valor excede o legalmente permitido em ordem a beneficiar temporariamente de isenção em sede de IMI, ser sujeito a imposto apenas na parte em que o respetivo valor excede os € 1.25.000,00? Pensamos também que não.

XXV. Em abono da verdade, estamos, em qualquer das situações de facto, perante tetos legais fixados pelo legislador, a fim de fixar um dos pressupostos do facto tributário em escrutínio.

XXVI. Seria destituído de teor, e por isso, não merece acolhimento, a tese de que apenas deve ser tributado o diferencial que excede o valor de € 27.500,00, pois que isso representaria, aos olhos da lei, que somente aquele montante excedente devia ser alvo de censura, tido como imoral e, por consequência, ser alvo de tributação.

XXVII. A remuneração variável ou bónus, à luz da ratio legis que perpassa nas tributações autónomas, não é passível de fracionamento, sendo antes havida como um todo que, atingido o limite máximo estipulado (€ 27.500,00), deve ser tributado na totalidade, por se tratar de um valor considerado excessivo;

XXVIII. O mesmo se diga da terceira questão abordada pela Recorrente, onde se versa a questão do agravamento em dez pontos percentuais das taxas de tributação autónoma aplicáveis ao grupo fiscal, por consequência de apuramento de prejuízo fiscal.

XXIX. A Recorrente pretende, parecenos, que faça sol na eira e chuva no nabal, dado que afirma que, como apenas apurou prejuízos económicos - não representando esses prejuízos fraqueza económica ou mau desempenho empresarial - no deve ser censurada peio agravamento em 10 % das despesas sujeitas a tributações autónomas.

XXX. Mas como muito bem foi decidido pela decisão arbitral de que se recorre, « a lei é clara ao referir-se a prejuízos fiscais e não somente a prejuízos ou a prejuízos económicos. Ao empregar a expressão prejuízos fiscais a lei é suficientemente ciara para, na determinação do seu sentido, não deixar margem para dúvidas de que são estes e só estes que relevam para a aplicação do critério de elevação das taxas de tributação autónoma.

»

XXXI. Aliás, refira-se que, a merecer acolhimento a tese da Recorrente, sempre estaríamos perante a violação do princípio da igualdade, dado que, perante duas empresas que obtivessem prejuízos (uma delas, prejuízos fiscais, decorrentes de prejuízos económicos; a outra, prejuízos fiscais, decorrentes da sua má gestão), a lei tratá-las-ia de forma distinta, agravando somente a tributação em 1O% às empresas que apurassem verdadeiro prejuízo fiscal.

XXXII. Ademais, e atento o princípio da liberdade de gestão que assiste às empresas do panorama nacional, que a AT respeita e não contesta, sempre se dirá que foi opção da ora Recorrente apresentar-se à tributação como se tratando de uma única entidade, no âmbito do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades.

XXXIII. Sendo a ela a quem deve ser exclusivamente imputada a responsabilidade de ter apurado - após a soma algébrica dos lucros e dos prejuízos das empresas pertencentes àquele perímetro fiscal-, precisamente prejuízo fiscal.

XXXIV. Sendo ainda que, o dito regime (RETGS), se baseia na soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais das sociedades do perímetro, onde, num grupo de sociedades, as que têm créditos fiscais (prejuízos) poderão cedêlos às empresas do grupo que apresentem ganhos (e que apurem lucro tributável), de modo a reduzir o imposto a pagar por estas.

XXXV. Saliente-se também que o propósito a que se propõe o REGTS é simples e de todo pertinente:

possibilitar que um grupo de sociedades possa ser tributado de acordo com a sua realidade económica e como uma entidade com capacidade contributiva única.

XXXVI. Pelo que, e atento o caráter optativo do REGTS, é forçoso concluir que o que pretenderam as sociedades que compõem o grupo SEMAPA foi que a sua situação tributária (em sede de IRC) passasse a ser tratada de modo global, tendo como base tributável o resultado fiscal da soma algébrica dos seus lucros e prejuízos.

XXXVII. Aqui chegados, somos a afirmar que, apesar de composto por sociedades com personalidade jurídica distinta, o grupo assume-se como uma massa homogénea para efeitos de tributação em sede de IRC, passando, por isso, a relevar uma unívoca realidade económica, a par da revelação de uma capacidade contributiva única, indo, assim, de encontro a que o resultado fiscal do grupo resulte na soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais das sociedades que o compõem.

XXXVIII. Face ao que, se repudia a extensa lista de princípios constitucionais que a Recorrente alega serem violados, aquando do agravamento em 10 % das despesas taxadas em sede de tributação autónoma por apuramento de prejuízo fiscal, no âmbito do REGTS.

XXXIX. E onde aqui se reafirma que o acolhimento por esse Tribunal da tese da ora Recorrente possibilitará uma futura violação do princípio da igualdade entre as empresas que apurem prejuízos ditos económicos ou não reais e as empresas que apurem prejuízos fiscais;

XL. Porquanto, as primeiras - como é o caso da ora Recorrente que, no respeito pela sua liberdade de gestão, optou por se apresentar à tributação como uma única entidade, com uma só capacidade contri-butiva-, não obstante apurarem prejuízo fiscal (nos termos e para os efeitos do artigo 88.º, n.º 14 do CIRC), serão, ainda assim, aliviadas do dito agravamento.

XLI. O que consubstanciará uma inadmissível e intolerável discriminação positiva, não permitida pelo ordenamento jurídico português.

Cabe apreciar e decidir.

II - Fundamentação

2 - A recorrente questiona a constitucionalidade das seguintes disposições do CIRC:

Artigo 88.º, n.º 13, alínea a), na parte em que impõe uma tributação autónoma a uma taxa de 35 % exclusivamente sobre gastos ou encargos com compensações ou indemnizações atribuídas aos gestores, administradores ou gerentes quando se verifique a cessação das suas funções ou a rescisão de contrato antes do termo;
Artigo 88.º, n.º 13, alínea b), quando impõe uma tributação autónoma a uma taxa de 35 % exclusivamente sobre remunerações variáveis atribuídas aos gestores, administradores ou gerentes, quando representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e um valor superior a € 27.500, e dessa mesma norma na parte em que exclui de tributação as remunerações variáveis até 25 % da remuneração anual e as remunerações variáveis até € 27.500:
Artigo 88.º, n.º 13, alínea b), na parte em que exclui de tributação as remunerações variáveis até 25 % da remuneração anual e as remunerações variáveis até € 27.500, na interpretação de que as remunerações variáveis que ultrapassam essas duas fasquias estariam sujeitas desde o primeiro cêntimo, i.e., incluindo na parte coberta por qualquer uma dessas fasquias, à tributação autónoma à taxa de 35 % aí prevista;
Artigo 88.º, n.º 14, quando impõe um agravamento em 10 pontos percentuais de todas as tributações autónomas simples facto de a sociedade incorrer em prejuízos fiscais, e mesmo que se prove que o apuramento de prejuízos fiscais é uma mera consequência técnica de algumas normas fiscais, não refletindo qualquer prejuízo económico.

Imputa às referidas disposições a violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade (artigo 13.º e 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição), da tributação segundo o rendimento real em conjugação com o princípio da capacidade contributiva (artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2), e ainda a violação dos princípios da iniciativa privada, da propriedade privada e da liberdade de gestão e organização empresarial (artigos 62.º, 80.º, alínea c), 81.º alínea f), 82.º, n.os 1 e 3, e 86. °, n.º 2).

As normas impugnadas têm a seguinte redação:

Artigo 88.º

Taxas de tributação autónoma

[...] 13 - São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:

a) Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efetuado diretamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade;

b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.

Como tem sido frequentemente assinalado, a tributação autónoma começou por se reportar a despesas confidenciais e não documentadas (artigo 4.º do DL 192/90, de 9 de junho), passando depois a abranger os encargos com viaturas, as importâncias pagas a pessoas com regime fiscal mais favorável e as despesas de representação, e, mais tarde, os encargos com ajudas de custo ou despesas de deslocação.

Com a Lei do Orçamento do Estado de 2010 (Lei 3-B/2010, de 28 de abril), a tributação autónoma veio ainda a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes por virtude de cessação de funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a € 27 500. Entretanto, a Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, aditou um n.º 14 ao artigo 88.º, prevendo a elevação das taxas de tributação autónoma previstas nesse artigo em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.

A introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada, por outro lado, por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 407).

Para além disso, a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.

Naquelas situações especiais elencadas na lei, o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável, tanto mais que quando a empresa venha a sofrer um prejuízo fiscal, não haverá lugar ao pagamento de imposto, frustrando-se o objetivo que se pretende atingir que é o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.

No entanto, através de sucessivas alterações legais, o legislador tem vindo a alargar o âmbito da tributação autónoma, tendo passado a incluir, com a Lei do Orçamento do Estado de 2010, os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estes cessem funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas ultrapassem certos limiares.

O relatório do Orçamento de Estado para 2010 justifica essas medidas como uma forma de assegurar “uma distribuição mais justa dos encargos tributários e a uma moralização progressiva das políticas remuneratórias das empresas”. Como a doutrina tem reconhecido, trata-se, neste caso, de mecanismos de tributação autónoma que se afastam do desígnio inicial de combater a fraude e a evasão fiscais - como sucedia com as despesas não documentadas-, mas que poderão ainda enquadrar-se no objetivo de limitar despesas que poderão repercutir-se no rendimento coletável das empresas.

No caso da alínea a) do n.º 13 do artigo 88.º, a finalidade é a de penalizar pela via fiscal a atribuição de indemnizações inexigíveis, por não estarem contratualmente previstas ou não se relacionarem com objetivos de produtividade, ou indemnizações de montante excessivo por ultrapassarem o valor das remunerações que seriam devidas se não houvesse lugar à rescisão do contrato antes do seu termo.

No caso da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º, a intenção da lei parece ser a de sujeitar a tributação autónoma as remunerações variáveis que se não encontrem associadas a critérios de produtividade, isso porque se excecionam da tributação aquelas situações em que o pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

O agravamento da tributação em 10 pontos percentuais introduzido pelo n.º 14 do artigo 88.º visa penalizar as empresas que, apurando resultados fiscais negativos, mantêm a sua política de gastos em matéria de despesas de representação, ajudas de custo, compensação por deslocações ao serviço da empresa, indemnizações e bónus pagos a gestores, administradores ou gerentes (cf. HELENA MARTINS, Lições de Fiscalidade, Coimbra, 2012, págs. 282-284).

No caso das medidas previstas no n.º 13 do artigo 88.º, não está em causa a indeterminação dos beneficiários ou o risco de fuga ao pagamento do imposto devido pelo recebimento das importâncias que são despendidas pelas empresas, visto que os beneficiários são identificáveis e as verbas estão sujeitas à correspondente tributação em IRS. Não se trata, por isso, de medidas diretamente dirigidas ao combate à fraude e evasão fiscais, pretendendo-se antes reduzir, mediante a incidência do imposto, a vantagem fiscal que resulta para as empresas da realização de despesas que são dedutíveis mas não têm uma causa empresarial.

3 - Como resulta do já anteriormente exposto, torna-se claro que a tributação autónoma não põe em causa o princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e o princípio da capacidade contributiva. Com efeito, como se fez notar, o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC - segundo a própria jurisprudência constitucional-, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Por isso se entende que estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012).

Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa (acórdão do STA de 12 de abril de 2012, Processo 77/12).

Em todo este contexto, como é bem de ver, as normas dos n.os 13 e 14 do artigo 88.º do CIRC não violam o princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição. Este princípio reflete o direito do contribuinte de ser tributado sobre os lucros efetivamente verificados, e que são variáveis de ano para ano, e não sobre os lucros normais, isto é, sobre os lucros que a empresa poderia obter operando em condições normais e que poderiam exceder ou ficar aquém dos efetivamente obtidos. E pressupõe que a determinação do lucro tributável seja efetuada de acordo com a contabilidade da empresa, com base na documentação e comprovação das receitas e dos custos do sujeito passivo.

Mas, como se viu, a tributação autónoma não interfere no método destinado a determinar os resultados empresariais, nem implica que a matéria coletável que servirá base à tributação em IRC passe a incluir lucros ou rendimentos que a empresa não tenha efetivamente auferido.

Por identidade de razão, as disposições impugnadas não põem em causa o princípio da capacidade contributiva. Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, o princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que

« a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto »

. E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um (cf. o Acórdão 187/2013 e a jurisprudência aí citada).

4 - A específica configuração da tributação autónoma conduz também, necessariamente, à improcedência da invocada violação do princípio da proporcionalidade e do direito de propriedade.

Alega a este propósito a recorrente que a tributação globalmente considerada resultante da aplicação da taxa incidente sobre os rendimentos sujeitos a IRC e da taxa incidente sobre as despesas tem natureza confiscatória, pondo em causa o direito de propriedade e a exigência constitucional da proporcionalidade das medidas fiscais.

De facto, a questão das taxas confiscatórias tem sido analisada, no domínio tributário, no âmbito do princípio da proporcionalidade ou proibição de excesso:

o tributo não pode assumir uma tal dimensão quantitativa que absorva

« a totalidade ou a maior parte da matéria coletável »

, nem pode ter um efeito de estrangulamento, impedindo

« o livre exercício das atividades humanas » ou pondo em causa que
« a cada um seja assegurado um mínimo de meios ou recursos materiais indispensáveis (cf. o Acórdão 187/2013 e as referências doutrinais aí indicadas).

Cabe recordar que a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico. E o objetivo do legislador - como se referiu - é o de desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa.

A lógica da tributação autónoma a que se referem as disposições do n.º 13 do artigo 88.º parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para atribuir aos seus gestores indemnizações excessivas e não contratualmente previstas e que não têm direta relação com o de-sempenho individual na obtenção de resultados económicos positivos. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas.

A despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização despesa.

Ora, a variável quantitativa que poderá conferir caráter confiscatório a um imposto não se coloca, evidentemente, quando estão em causa dois tributos com distinta base de incidência. A taxa aplicável às despesas abrangidas pelo disposto no artigo 88.º, n.º 13, não se adiciona à taxa prevista para a tributação em IRC, pela linear razão, já antes explicitada, de que estamos aí perante factos tributários distintos e que são objeto de um tratamento fiscal diferenciado. A tributação autónoma não tem um qualquer efeito cumulativo em relação ao IRC e só incide sobre as despesas concretamente efetuadas e não sobre os rendimentos empresariais sujeitos a imposto, e, por conseguinte, ela não tem a consequência que a recorrente lhe atribui de ampliar a taxa sobre a tributação global relativa aos rendimentos da empresa. Com efeito, a tributação autónoma não pode ser entendida como um adicional ao imposto que o contribuinte deva pagar a título de IRC.

E, por outro lado, o índice percentual mais elevado que é aplicável à realização de despesas (e que é suscetível de ser agravado no caso de empresas com prejuízo fiscal) é justificado justamente por se tratar de uma medida fiscal penalizadora do contribuinte e destinada a evitar a realização de despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial. E como se trata de uma taxa que recai, não sobre os rendimentos empresariais, mas sobre uma despesa que o contribuinte pôde realizar e que se contém na sua disponibilidade financeira, não pode naturalmente atribuir-se-lhe um efeito confiscatório.

5 - A recorrente também invoca a violação do princípio da igualdade tributária por considerar que a tributação autónoma é discriminatória na medida em que atinge as remunerações ou indemnizações pagas apenas a uma classe de contribuintes e porque atende apenas a remunerações variáveis sem pôr em causa os excessos que possam ser praticados pelas empresas no que se refere às remunerações fixas.

Uma tal argumentação não tem qualquer cabimento. O legislador identificou um conjunto de despesas que são passíveis de tributação autónoma e o regime é aplicável a todos os contribuintes que se encontrem na situação legalmente descrita. Por outro lado, as indemnizações e remunerações variáveis são tributados em IRS em relação aos respetivos beneficiários, assim como o será qualquer outro tipo de remunerações que venham a ser auferidas por gestores, administradores ou gerentes e pelos trabalhadores em geral, sem que haja qualquer discriminação em relação ao universo dos sujeitos passivos do imposto.

Não existe, por conseguinte, uma qualquer discriminação em relação a classes profissionais. O que unicamente sucede é que o legislador, através da inclusão no regime da tributação autónoma de certas indemnizações pagas pelas empresas, enquadrou fiscalmente uma situação específica que traz consequências negativas para o apuramento do lucro tributável sujeito a IRC, sendo inteiramente indiferente, do ponto de vista da finalidade que se pretende atingir com a lei, a qualidade ou o estatuto profissional das pessoas que são beneficiárias das indemnizações.

E sendo assim, é também claro que a medida não é arbitrária e encontra fundamento material bastante na finalidade de desincentivar as empresas a realizar despesas relativas a indemnizações ou a remunerações variáveis que, sendo excessivas e não justificadas do ponto de vista empresarial, têm efeitos desfavoráveis para a obtenção da receita fiscal.

6 - A recorrente coloca ainda a questão da proporcionalidade da norma do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, na vertente da adequação, por considerar que a medida adequada seria aquela que permitisse a recuperação a favor do erário público das indemnizações ou remunerações variáveis que tivessem sido pagas aos administradores e também porque a tributação abrange apenas, no caso das remunerações variáveis, aquelas que ultrapassem em 25 % a remuneração anual, constituindo um incentivo ao aumento, por parte das empresas, da componente fixa da remuneração.

Em relação à norma da alínea b) desse n.º 13, invoca ainda a violação do princípio da proporcionalidade na vertente da necessidade e da justa medida, no ponto em que essa disposição faz incidir a tributação sobre o montante global dos bónus ou remunerações variáveis que tenham sido pagas, quando excedam 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a € 27.500, e não apenas na parte que ultrapasse esses limiares.

No que respeita à adequação do meio usado para a prossecução dos fins que são visados pela lei, cabe recordar que o princípio da idoneidade ou da aptidão significa que as medidas legislativas devem ser aptas a realizar o fim prosseguido ou contribuir para o alcançar.

No entanto, o controlo da idoneidade ou adequação da medida, enquanto vertente do princípio da proporcionalidade, refere-se exclusivamente à aptidão objetiva e formal de um meio para realizar um fim e não a qualquer avaliação substancial da bondade intrínseca ou da oportunidade da medida. Ou seja, uma medida é idónea quando é útil para a consecução de um fim, quando permite a aproximação do resultado pretendido, quaisquer que sejam a medida e o fim e independentemente dos méritos correspondentes. E, assim, a medida só será suscetível de ser invalidada por inidoneidade ou inaptidão quando os seus efeitos sejam ou venham a revelar-se indiferentes, inócuos ou até negativos tomando como referência a aproximação do fim visado (cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 188/2009, que seguiu, nesse ponto, o entendimento sufragado por REIS NOVAIS, Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, págs. 167-168).

Ora, objetivamente, a norma em causa atinge o objetivo a que o legislador se propôs, sendo inteiramente irrelevante que a mesma finalidade pudesse ser alcançada por uma outra via, tendo em conta que a escolha dos meios destinados a obter um certo efeito de política fiscal se enquadra na margem de livre conformação legislativa.

A recorrente questiona, do ponto de vista do princípio da proporcionalidade, a opção legislativa de tributar a totalidade da despesa, quando ultrapasse aqueles limiares, e não apenas a parte que, ultrapassando esses limiares, a tornam objeto de incidência fiscal.

Ora, como se afirmou já repetidamente, a norma visa penalizar certo tipo de despesas que, sendo excessivas, não se encontram justificadas por razões empresariais, tendo ainda em linha de conta que se trata de despesas que afetam o lucro tributável das empresas. Sendo esse o objetivo, a norma, ao fixar um limite relativo de 25 % da remuneração anual do beneficiário e um limite absoluto de € 27.500, tem o alcance de uma norma de isenção fiscal, excluindo da tributação as despesas que se mantêm dentro de certos patamares de razoabilidade.

Não pode, por isso, dizer-se que a norma é desnecessária com base no argumento de que seria possível atingir a mesma finalidade através de um outro meio tão idóneo ou eficaz e com uma consequência mais favorável para o contribuinte. No contexto legislativo em que a norma se insere, não é possível sequer estabelecer um termo de comparação entre meios igualmente idóneos em relação ao fim que se pretende atingir. De facto, a lei pretende dissuadir os contribuintes a efetuar certo tipo de despesas a partir de certo montante e esse efeito dissuasor não poderia ser obtido se se limitasse a tributar o volume de despesa que situa acima do valor que se entendeu ser o razoável.

Por identidade de razão, não pode dizer-se que a medida é excessiva ou desproporcionada. Na ponderação feita pelo legislador, havia que fixar um limite para a realização de certas despesas em vista a evitar um prejuízo para a arrecadação do imposto. O sacrifício que é imposto ao contribuinte destina-se a realizar o benefício que se pretende obter para o sistema fiscal, na medida em que se trata de compensar o resultado prejudicial que, por via da redução do lucro tributável, a despesa acarreta para o erário público.

7 - A recorrente alega ainda, sem qualquer outro desenvolvimento, a violação da liberdade de iniciativa e de organização empresarial (ar-tigo 80.º, alínea c)), da liberdade de gestão empresarial (artigo 81.º, alínea f)), da garantia de existência do setor privado (artigo 82.º, n.os 1 e 3) e da proibição de intervenção por parte do Estado na gestão das empresas privadas (artigo 86.º, n.º 2).

Não se vê em que termos - nem a recorrente esclarece - é que a simples tributação autónoma de despesas das empresas no estrito quadro do sistema fiscal, visando a satisfação das necessidades financeiras do Estado, põe em causa a garantia institucional do setor privado, e de que modo é que essa medida fiscal pode representar uma intervenção indevida do Estado na gestão das empresas privadas.

É também muito evidente que, por efeito de uma medida de política fiscal, não é posta em causa a liberdade de iniciativa económica, seja esta entendida no sentido da liberdade de iniciativa ou da liberdade de organização empresarial.

Como o Tribunal tem afirmado, a liberdade de iniciativa económica que pode retirar-se do disposto no n.º 1 do artigo 61.º e da alínea c) do artigo 80.º da CRP, visa garantir, no contexto de uma economia de mercado, que a produção e distribuição de bens ou serviços não seja vedada à ação dos privados, que terão assim um direito a uma atividade não obstaculizada por intervenções desrazoáveis ou injustificadas dos poderes públicos. Tal implica que no âmbito de proteção da norma contida no n.º 1 do artigo 61.º se conte, não apenas a liberdade de iniciar uma certa atividade económica mas também a liberdade de organização e de ordenação dos meios institucionais necessários para levar a cabo a atividade que entretanto se iniciou (acórdão 304/2010).

Essa liberdade não é afetada pelo sistema fiscal, que tem, além do mais, uma função de regulação da economia.

De facto, as empresas não estão impedidas de atribuir aos seus trabalhadores indemnizações ou remunerações acessórias, ainda que estas possam parecer ser desproporcionadas e não se revelem indispensáveis à obtenção de resultados económicos. O ponto é que a atividade das empresas, como a de quaisquer outros contribuintes, se encontra subordinada a critérios de fiscalidade que estão legalmente definidos. E. desse modo, os atos de gestão empresarial que adotem, no quadro de liberdade de iniciativa económica, poderão originar o pagamento de imposto quando preencham os correspondentes requisitos de incidência tributária.

É o que sucede com as despesas sujeitas a tributação autónoma. Ao tributar essas despesas o Estado não está a criar qualquer obstáculo à liberdade de organização e de gestão empresarial, mas a realizar o objetivo estritamente financeiro do sistema fiscal, que se traduz na obtenção de receitas para financiar as despesas públicas.

8 - Por fim, a recorrente alega a inconstitucionalidade do artigo 88.º, n.º 14, quando impõe um agravamento em 10 pontos percentuais da taxa de tributação autónoma em relação a sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação.

Imputa a essa disposição a violação dos mesmos parâmetros de constitucionalidade que já foram analisados em relação à precedente norma do n.º 13 - e que não justificam neste outro contexto qualquer novo desenvolvimento-, e, autonomamente, a violação do princípio da igualdade pelo facto de a lei não distinguir entre a situação das empresas que, por efeito do regime fiscal que lhe é especialmente aplicável, não podem deduzir certo tipo de encargos, daquelas outras que, por não estarem sujeitas a essa restrição, poderão efetuar deduções que lhes poderão permitir a obtenção de um lucro tributável.

A norma agora em análise não suscita nenhuma especial dificuldade interpretativa. Prevê-se um agravamento da taxa de tributação quanto às empresas que, tendo incorrido nos gastos sujeitos a tributação autónoma, apresentem prejuízo fiscal no período de tributação. Não há aqui qualquer discriminação arbitrária:

a diferenciação de tratamento baseia-se numa distinção objetiva de situações. A lei, através da tributação autónoma, e especialmente em relação à tributação prevista no n.º 13 do artigo 18.º, pretende estimular os contribuintes a evitar a realização de despesas excessivas que, injustificadamente, possam afetar os resultados económicos e provocar uma diminuição da receita fiscal. O n.º 14 o que prevê é o agravamento da taxa quando a empresa incorre nesse tipo de despesas apesar de vir a apresentar, no respetivo período de tributação, um prejuízo fiscal.

A diferenciação encontra-se suficientemente justificada, visto que, se é censurável, do ponto de vista fiscal, a realização de despesas que determinam desnecessariamente uma redução do rendimento tributável, mais o será se a empresa realiza essas despesas apesar de não conseguir sequer apurar um resultado económico positivo.

Se, entretanto, existem disposições fiscais - que, aliás, a recorrente não identifica precisamente - que possam gerar situações de desigualdade entre contribuintes, mediante a imposição de diferentes critérios de dedução de despesas, é em relação a essas normas que se terá de averiguar a eventual violação do princípio da igualdade, sendo que, em todo o caso, elas não são objeto de impugnação no presente recurso de constitucionalidade.

III - Decisão Por todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.

Lisboa, 13 de abril de 2016. - Carlos Fernandes Cadilha - Maria José Rangel de Mesquita - Lino Rodrigues Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro - Maria Lúcia Amaral.

209583405

TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2609275.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2010-04-28 - Lei 3-B/2010 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2010. Aprova ainda o regime excepcional de regularização tributária de elementos patrimoniais (RERT II), que não se encontrem no território português, em 31 de Dezembro de 2009.

  • Tem documento Em vigor 2010-12-31 - Lei 55-A/2010 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2011. Aprova ainda o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II) e o regime que cria a contribuição sobre o sector bancário.

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