Decreto-Lei 445/88
de 5 de Dezembro
A intervenção do Estado na área da prestação de cuidados de saúde é largamente legitimada pela natureza pública do bem que está em causa e pela necessidade, que se julga uma aquisição fundamental das sociedades modernas, de que o Estado assegure, tanto quanto possível, que ninguém seja privado daqueles cuidados por razões de carácter económico. O que já não se professa, no entanto, é que ao Estado deva caber o exclusivo da prestação de cuidados; antes pelo contrário, deve a iniciativa privada desempenhar um papel importante, assumindo uma quota-parte de intervenção e contribuindo para a humanização dos cuidados e a rentabilização dos recursos, em parte em competição com o sector público. Ao Estado caberá, em qualquer circunstância, programar e fiscalizar, assegurando também a qualidade do que é prestado pelo sector privado.
Neste contexto se deve entender o presente diploma, que determina a introdução de critérios de programação para a instalação de equipamento médico pesado.
Tal iniciativa inscreve-se em linhas de política ditadas pela necessidade de adequar os recursos disponíveis às necessidades existentes, de assegurar uma melhor cobertura geográfica dos serviços e agentes prestadores de saúde e de prevenir os riscos que uma deficiente instalação e utilização de equipamento médico pesado, utilizado em diagnóstico, tratamento e reabilitação, envolve para a saúde da população, quer pela especificidade dos meios empregues, quer pelas características peculiares dos equipamentos de alta tecnologia.
No sector da saúde verifica-se que a procura de cuidados é largamente determinada pela capacidade e as características da oferta. Assim, e quando são pagos pelo sistema público de saúde - que o mesmo é dizer, no nosso caso, pelos cidadãos contribuintes - cuidados prestados no sector privado, compreender-se-á que ao Estado caiba um indiscutível papel na programação daquilo que naquele sector é criado, sob pena de subversão, pela simples iniciativa de particulares, do critérios de prioridades que só aquele pode determinar na afectação de recursos.
Acresce referir que a situação presente no nosso país, marcada pela inexistência de quaisquer regras de ordenamento ou de distribuição territorial, tem levado à concentração do investimento para instalação de equipamento médico pesado nas áreas metropolitanas de Lisboa, Porto e Coimbra, mesmo nos casos em que tal não tem qualquer justificação técnica.
Esta situação reflecte-se negativamente quer na qualidade dos serviços prestados, na medida em que se verifica um sobreconsumo nas áreas metropolitanas em prejuízo das restantes regiões do País, quer em gasto públicos com a saúde, aumentando, por outro lado, os sacrifícios e gastos em transportes com doentes das regiões em que esse tipo de equipamento não existe.
Entende também o Governo que a salvaguarda, nestes casos, da saúde pública deve condicionar a instalação deste tipo de equipamento em estabelecimentos que ofereçam condições mínimas adequadas ao respectivo funcionamento e disponham de pessoal qualificado para o efeito.
O regime agora instituído, à semelhança do sistema praticado em outros Estados comunitários, sujeitando entidades públicas e privadas a critérios e regras, visa proporcionar claras contrapartidas em termos de melhoria de serviços prestados, em resultado da utilização daqueles equipamentos por entidades públicas e privadas.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Âmbito
O presente diploma estabelece as regras a que deve obedecer a instalação do equipamento médico pesado, referido no anexo ao presente diploma, de que faz parte integrante, em todos os estabelecimentos públicos e privados de saúde, comportando ou não serviços de internamento.
Artigo 2.º
Objecto
A instalação do equipamento médico referido no artigo anterior fica sujeita a autorização do Ministro da Saúde, de acordo com os critérios de programação e distribuição territorial constantes do anexo ao presente diploma e com as regras de segurança adequadas a cada caso.
Artigo 3.º
Obtenção de autorização
1 - A autorização referida no artigo anterior, em relação a estabelecimentos privados, é obtida mediante requerimento fundamentado de que constem obrigatoriamente as menções seguintes:
a) Marca, tipo de aparelho, acompanhado das respectivas especificidades técnicas, representante, condições de manutenção e descrição das peças em stock;
b) Qualificação do pessoal utilizador e plano de acções de formação durante os dois primeiros anos de funcionamento do equipamento;
c) Planta das instalações do estabelecimento, com especificação do local de instalação e eventuais estruturas de apoio.
2 - O requerimento referido no número anterior é dirigido ao Ministro da Saúde, o qual deverá decidir no prazo máximo de 90 dias, em despacho a notificar ao interessado, fundamentado em caso de indeferimento.
3 - Esgotado o prazo referido no número anterior, presume-se deferido o requerimento.
Artigo 4.º
Sanções
1 - A instalação de equipamento médico pesado em infracção ao disposto no artigo 2.º ou a inobservância dos termos e condições de funcionamento constantes do requerimento a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º determina:
a) Quando se trate de entidades públicas, a responsabilidade disciplinar dos seus dirigentes máximos, que incorrerão na sanção prevista no artigo 24.º do Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro;
b) Quando se trate de entidades privadas, contra-ordenação punível com aplicação de coima até 3000000$00, podendo ainda ser determinada a apreensão do material instalado e a cessação de regimes convencionais no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.
2 - A instrução dos processos e a aplicação das sanções previstas no presente diploma são cometidas à Inspecção-Geral dos Serviços de Saúde, com observância do disposto no Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, na parte não expressamente regulada neste diploma.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 22 de Setembro de 1988. - Aníbal António Cavaco Silva - Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Promulgado em 16 de Novembro de 1988.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 22 de Novembro de 1988.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.
Anexo a que se referem os artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei 445/88, de 5 de Dezembro
1 - Tomografia axial computadorizada - um aparelho por cerca de 250000 habitantes (ver nota *).
2 - Ressonância magnética nuclear - um aparelho por cerca de 3 milhões de habitantes (ver nota **).
3 - Equipamento de destruição transpariental de cálculos urinários por ondas de choque (Litotritor) - um aparelho por cerca de 3 milhões de habitantes (ver nota ***).
4 - Equipamento de radioterapia oncológica:
a) Aceleradores lineares;
b) Curieterapia - sistema de afterloading;
c) Aparelhos de cobalto;
um aparelho de cada tipo por cerca de 1 milhão de habitantes.
5 - Ciclotrão de utilização médica - um aparelho por cerca de 3 milhões de habitantes.
6 - Tomografia de emissões de positrões - um aparelho por cerca de 3 milhões de habitantes.
7 - Angiografia de subtracção (angiografia digital) - um aparelho por cerca de 500000 habitantes.
8 - Magnetoencefalografia - um aparelho por cerca de 3 milhões de habitantes.
9 - Câmaras gama - um aparelho por cerca de 250000 habitantes.
10 - Postos de hemodiálise - 45 postos de hemodiálise por cerca de 1 milhão de habitantes.
(nota *) A instalação em hospitais centrais e distritais e no Instituto Português de Oncologia poderá ocorrer independentemente da verificação desta ratio.
(nota **) A instalação em hospitais onde haja ensino médico pré-graduado e no Instituto Português de Oncologia poderá ocorrer independentemente da varificação desta ratio.
(nota ***) A instalação em hospitais onde haja ensino médico pré-graduado poderá ocorrer independentemente da verificação desta ratio.