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Assento DD93, de 13 de Abril

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Sumário

Proferido no processo n.º 32014. - Autos de recurso para tribunal pleno vindos do Tribunal da Relação de Lourenço Marques, em que era recorrente o Ministério Público e recorrido José Eusébio Fernandes Carrona.

Texto do documento

Assento de 15 de Março de 1967

Processo 32014. - Autos de recurso para tribunal pleno vindos do Tribunal da Relação de Lourenço Marques. Recorrente, Ministério Público. Recorrido, José Eusébio

Fernandes Carrona.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O Ministério Público recorreu para o tribunal pleno, nos termos do artigo 669.º do Código de Processo Penal, do Acórdão da Relação de Lourenço Marques de 10 de Setembro de 1965, por oposição com o da Relação de Lisboa de 5 de Abril de 1957, publicado em Jurisprudência das Relações, III, 1957, tomo II, p. 349, sobre a solução dada à questão de direito, que consistia em saber se, nos casos do artigo 47.º do Decreto 35007, de 13 de Outubro de 1945, é aplicável a disposição do artigo 545.º do citado código, segundo a qual a designação de dia para o julgamento de transgressões depende de que o juiz entenda

haver fundamento para a acção penal.

A secção julgou verificada a oposição, seguindo-se alegações do recorrente, que defende

a aplicabilidade da aludida disposição.

Vejamos:

O Acórdão de 1957 revogou um despacho do juiz da comarca que, por entender não constituírem infracção penal os factos constantes de um auto enviado para os efeitos do citado artigo 47.º, se absteve de marcar dia para julgamento e mandou arquivar o processo. O acórdão recorrido, por seu turno, negou provimento a recurso de um despacho que igualmente mandara arquivar o processo, sem audiência de julgamento, por o juiz entender que não havia contravenção.

É, pois, flagrante a oposição entre os dois julgados.

Dada essa oposição, o recurso para o tribunal pleno era admissível desde que, não sendo o acórdão recorrido passível de recurso ordinário, se visa obter a fixação de

jurisprudência.

Assim, é de manter o decidido pela secção quanto ao seguimento do recurso.

Agora quanto ao fundo:

O Acórdão de 1957 fundou-se em que, não só o artigo 545.º, mas também o artigo 555.º, do código são incompatíveis com o artigo 47.º do decreto, posto que este preceito manda marcar «imediatamente» o julgamento das transgressões a que se refere, o que exclui a possibilidade de rejeitar liminarmente a acção penal, e só consente recurso da «decisão final», o que mostra só ser possível que o processo finde por sentença. O acórdão recorrido considera subsistente a regra do artigo 545.º e considera abrangido na expressão «decisão final» o despacho que liminarmente rejeite a acção penal.

Tem-se como exacta esta segunda doutrina.

No regime anterior ao Decreto 35007, a designação de dia para o julgamento de transgressões dependia sempre de promoção do Ministério Público, mas era vulgar que as entidades autuantes, esquecidas de que no tribunal funcionava uma magistratura a quem incumbia representar o Executivo perante o juiz, enviavam a este, em vez de enviarem ao Ministério Público, os autos que levantavam.

Dessa prática errónea resultava passar o juiz a ser o intermediário entre aquelas autoridades e o Ministério Público, a quem os autos tinham de ser enviados, para ser

preenchida a formalidade da dita promoção.

O Decreto 35007, no intuito visível de simplificar e acelerar, conformou-se com essa prática e aboliu a formalidade. Fê-lo pelas disposições do seu artigo 2.º, que o artigo 4.º

completa.

No artigo 2.º transferiu para as entidades aí mencionadas a promoção do julgamento, a que chamou exercício de acção penal, tendo o cuidado de dizer, no § único do mesmo artigo, que esse exercício «equivale, para todos os efeitos, à acusação em processo

penal».

Ora, segundo o falado artigo 545.º do código, a acusação penal por transgressão só conduz ao julgamento se o juiz entender que tem fundamento.

O artigo 47.º do decreto não reproduz a condição; limita-se a dizer: «o juiz designará imediatamente dia para julgamento», acrescentando, todavia: «se o auto não satisfizer aos requisitos legais, será devolvido para sua regularização ou instrução do processo».

Quer dizer: o artigo só prevê rejeição liminar fundada em deficiências formais do auto.

Daí não pode, em todo o caso, concluir-se, apressadamente, que o legislador tivesse tido em vista afastar a rejeição por motivos substanciais, por manifesta improcedência da acção penal, em casos como os dos acórdãos em conflito, ou seja em casos de os factos constantes do auto não constituírem infracção penal.

Não havia necessidade de repetir o que sobre tal rejeição dizia o artigo 545.º do código quanto à acusação do Ministério Público, à qual o § único do artigo 2.º equipara, para

todos os efeitos, o envio dos autos ao juiz.

Do advérbio «imediatamente», contido no artigo 47.º, também não pode inferir-se que entre o recebimento do auto em juízo e a designação de dia para julgamento nada possa intercalar-se. É o próprio artigo 47.º a admitir expressamente a rejeição da acção penal pelas referidas deficiências formais do auto.

Compreende-se perfeitamente que, na passagem abrupta da tradição inveterada de o julgamento depender de prévia promoção do Ministério Público para um regime revolucionário que dispensava tal promoção, se sentisse necessidade de frisar que não havia lugar àquela promoção quando a acção penal fosse exercida nos termos do artigo 2.º do decreto. A isso se deve ter destinado o aludido advérbio.

Não se justificaria que o juiz tivessse que exercer censura sobre a dedução da acção penal deduzida por um magistrado especializado e a não pudesse exercer quanto à

intentada por simples agente de polícia.

Aliás, tem de haver-se como regra que a lei quando exige despacho judicial é porque considera necessária a verificação, por um juiz, dos pressupostos por ela estabelecidos

para a prática do acto a ordenar.

Os despachos de mero expediente, que infelizmente ainda não puderam ser inteiramente banidos, constituem excepção. Só excepcionalmente são atribuídas ao juiz funções

puramente burocráticas, no processo.

Nada indica, por forma segura, que o despacho a que alude o artigo 47.º pertença à

espécie excepcional.

Acresce ser inadmissível que uma reforma tendente a simplificar o processo, dispensando a tradicional promoção do Ministério Público, o quisesse complicar noutro ponto, obrigando ao formalismo inútil de uma audiência de julgamento só para se concluir que a

acusação era inicialmente infundada.

Isso seria um retrocesso inaceitável, relativamente ao regime do artigo 545.º do código, e uma aberração, dentro do nosso sistema processual, tanto crime como cível, pois até neste último a lei veio estabelecer o indeferimento liminar, em ordem a evitar inúteis perdas de tempo para a justiça e incómodos e despesas para as partes.

Também não colhe o argumento de que o falado artigo 47.º só consente recurso da

decisão final.

Isso não é contrário ao que dispõe o artigo 555.º do código, que, aliás de uma maneira menos correcta, prevê recurso da «sentença final» e do despacho que não receba a acusação. A expressão do artigo 47.º «decisão final» é mais ampla que a do artigo 555º «sentença final»; compreende tanto a sentença final como o despacho final.

Pelo exposto, assenta-se em que:

O artigo 545.º do Código de Processo Penal, na parte em que atribui ao juiz o poder de verificar se é fundamentada a acusação, não foi afectado pelo artigo 47.º do Decreto n.º

35007, de 13 de Outubro de 1945.

Sem imposto de justiça.

Lisboa, 15 de Março de 1967. - Lopes Cardoso - José Cabral Ribeiro de Almeida - Adriano Vera Jardim (vencido. No projecto do acórdão apresentado defendi que nos casos previstos no artigo 47.º do Decreto-Lei 35007 não era lícito ao juiz usar da disposição do artigo 545.º do Código de Processo Penal para rejeitar a acção penal, uma vez que esta última disposição não podia aplicar-se naqueles casos: «Transgressões verificadas em auto que faça fé em juízo ou instruídas pelas autoridades policiais».

E isto porque: em primeiro lugar, o mencionado artigo 47.º diz que o juiz designará imediatamente dia para julgamento, acrescentando que só há recurso da decisão final, expressão esta que se refere à sentença, como se conclui do mesmo artigo; em segundo, porque o artigo, não contendo disposição semelhante à do artigo 555.º do Código de Processo Penal, que permite o recurso do despacho que, não recebendo a acusação, não designe dia para julgamento, deixava sem possibilidade de recurso tal despacho - o que seria inadmissível -, ou então teria de chegar-se à conclusão de que a parte final do artigo 47.º não tinha aplicação - o que também é, e mais flagrantemente, inaceitável.

Por outro lado, fazia-se realçar que o artigo 47.º, tendo apenas aplicação naqueles dois casos, se compreendia perfeitamente, pois a acção penal tem, nesses casos, um carácter de maior seriedade, de verdade, sendo certo que ao juiz é dado o poder de fiscalizar a regularidade formal do meio por que a acção é exercida.

Além disto, sustentava-se que a afirmação de que o artigo 47.º, ao prescrever que o juiz designará imediatamente dia para julgamento quer simplesmente significar que o juiz assim procederá independentemente de promoção do Ministério Público, o que se harmoniza com o princípio estabelecido no § único do artigo 2.º do Decreto-Lei 35007 (declaração de voto constante do acórdão invocado em oposição), deixaria a disposição sem qualquer significado, pois já se sabe que a remessa do auto ao tribunal, nos termos daquele parágrafo, equivale à acusação em processo penal.

Combatiam-se, por outro lado, tendo em vista a natureza das infracções a que se refere o artigo 47.º e o poder conferido ao juiz de mandar regularizar o auto ou instruir o processo, certos argumentos que se referiam a um suposto perigo em que era posta a dignificação da função de julgar e ao facto de poder constituir para os cidadãos um vexame o conhecer-se apenas do mérito da acção em julgamento, perigo e vexame que, a nosso ver, não existem, e pelos motivos apontados, sendo, aliás, certo que outras legislações têm ido muito mais longe - e em matéria não contravencional - sem que a seu respeito se tenham proferido observações daquela natureza, que no caso não parecem pertinentes.

A nossa conclusão, como do que resumidamente se deixa ver, era, pois, que o artigo 545.º não foi revogado pelo artigo 47.º do Decreto-Lei 35007, mas que este dispôs para dois casos especiais em que aquele artigo do código não podia ter aplicação.

Podemos agora acrescentar, em face da posição que fez vencimento, que o citado artigo 47.º não tem qualquer aplicação, pois, sendo de respeitar sempre o artigo 545.º daquele código, nos casos de acção penal exercida nos termos do § único do artigo 2.º do Decreto-Lei 35007, e portanto nas hipóteses previstas no artigo 47.º, estas, submetidas também ao disposto no artigo 545.º, são equiparadas a todo o meio de exercício de acção penal pelas entidades a que se refere o mencionado artigo 2.º, o que significa que o artigo 47.º é letra morta. A menos que se entenda - o que não é de admitir - que com a disposição a lei só pretendeu dar ao juiz o poder de mandar regularizar o auto ou instruir o processo. Mas, nesse caso, há que concordar que tem palavras a mais e que está deslocada) - Fernando Bernardes de Miranda (vencido, pelas razões constantes do voto de vencido que antecede) - H. Dias Freire (vencido, pelos fundamentos do primeiro voto de vencido) - Francisco Soares (vencido, pelas razões constantes do primeiro voto de vencido). - Tem voto de conformidade dos Srs. Conselheiros Torres Paulo, Albuquerque Rocha, Ludovico da Costa, Santos Carvalho, Correia Guedes e Joaquim de Melo, e votos de vencidos dos Srs. Conselheiros Gonçalves Pereira e Oliveira Carvalho; não assinam,

por não estarem presentes. - Lopes Cardoso.

Está conforme.

Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Abril de 1967. - O Secretário, Joaquim Múrias de

Freitas.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1967/04/13/plain-260043.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/260043.dre.pdf .

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