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Acórdão 338/2009, de 18 de Agosto

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 278.º do Código de Procedimento e Processo Tributário interpretada no sentido de que, em processo de execução fiscal, só haverá subida imediata da reclamação dos actos do órgão de execução quando, sem ela, ocorram prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução. (Processo n.º 200/09)

Texto do documento

Acórdão 338/2009

Processo 200/09

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional I - Relatório. - 1 - No Serviço de Finanças de Tondela, foi instaurada uma execução, para cobrança de uma dívida ao Instituto da Vinha e do Vinho, contra Cruz &

Companhia Lda. A executada reclamou, ao abrigo do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) do despacho do Chefe do Serviço de Finanças que ordenou a sua citação para a execução.

Por sentença de 30 de Maio de 2008, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu decidiu que não devia conhecer imediatamente do mérito do pedido, considerando que o acto reclamado não gera "uma situação de prejuízo irreparável alicerçador da subida e apreciação imediata da reclamação", pelo que a reclamação só deverá subir ao tribunal "após a ocorrência de um acto lesivo, por exemplo, a realização da penhora, pronúncia sobre a dispensa ou não de garantia, etc.".

Por acórdão de 21 de Janeiro de 2009, o Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Tributário) negou provimento a recurso interposto pela executada, mantendo o entendimento do artigo 278.º do CPPT adoptado pela sentença de 1.ª instância, com a seguinte fundamentação (na parte relevante para o presente recurso):

"(...)

Alega, então, a recorrente que a sentença "a quo" faz uma interpretação da norma contida no artigo 278.º do CPPT segundo a qual haverá subida imediata quando ocorrerem prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução, interpretação essa que padece de inconstitucionalidade orgânica e material.

Mas, também aqui não tem razão a recorrente.

Na verdade, o que se diz na sentença recorrida, e ora se reafirma, citando Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, vol. ii, p. 667, é que "... o facto de se ter previsto a subida imediata da reclamação como excepção à regra da subida diferida aponta no sentido de poderem apenas ser considerados como relevantes para esse efeito prejuízos que não sejam os que estão associados normalmente a qualquer processo executivo, como os transtornos ou incómodos. Na verdade, embora prejuízos deste tipo possam qualificar-se como irreparáveis, a admitir-se que prejuízos omnipresentes na generalidade das execuções possam relevar para efeitos de subida imediata da reclamação, chegar-se-á à conclusão de que este regime de subida seria a regra, o que estaria em contradição com o n.º 1 deste artigo 278.º, que adoptou a regra da subida diferida. Por isso, a interpretação correcta do regime de subida previsto neste artigo será a de que só haverá subida imediata quando, sem ela, ocorrerem prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução.

Por outro lado, não basta invocar-se apenas que a subida diferida fará com que a reclamação perca toda a sua utilidade, pois a predita inutilidade não pode deixar de se relacionar com a irreparabilidade do prejuízo.

Como se refere no acórdão deste Tribunal de 9/8/2006, no recurso 229/06, "a inutilidade resultante da subida diferida da reclamação é noção a definir em presença da de prejuízo irreparável de que fala a lei. E seguro que o legislador não quis impor a subida imediata de todas as reclamações cuja retenção pode originar prejuízos.

Não está em causa, pois, poupar o interessado a todo o prejuízo. Por isso se estabelece que as reclamações sobem imediatamente só quando a sua retenção seja susceptível de provocar um prejuízo irreparável.

Em súmula, a reclamação que não suba logo não perde todo o seu efeito útil, mesmo que não evite o prejuízo que se quer impedir, desde que seja possível repará-lo."

E a jurisprudência tem interpretado de forma exigente o requisito da absoluta ou total inutilidade do recurso (reclamação), entendendo-se que a sua eventual retenção deverá ter um resultado irreversível, não bastando a mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual, sem que aí se possa vislumbrar qualquer ofensa constitucional - cf. Lebre de Freitas, CPC anotado, vol. 3, pp. 115/116 (v. acórdão do STA de 23/5/07, no recurso 374/07).

Assim, só é completamente inútil a reclamação com subida diferida quando o prejuízo eventualmente decorrente daquela decisão não possa ser reparado, sendo que não preenche tal condicionalismo a reclamação do acto da instauração da execução fiscal,

com fundamento na sua ilegalidade.

Aliás, a subida da reclamação após a penhora não a torna totalmente inútil, pelo contrário, pois, se deferida a reclamação, o acto processual em causa - a instauração da execução - será anulado, ficando esta sem efeito.

E claro que, como se diz no último aresto citado deste Tribunal, com os prejuízos inerentes mas só a respectiva irreparabilidade é fundamento da subida imediata. A eventual ilegalidade da instauração da execução fiscal não leva, pois, necessária e automaticamente, à subida imediata da reclamação respectiva.

Não procede, também, a invocada violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva pois, como sublinha Jorge de Sousa, CPPT anotado e comentado, vol. ii, p. 667, "no âmbito da protecção constitucional garantida pelo direito à tutela jurisdicional efectiva não se pode incluir protecção contra os inconvenientes próprios de qualquer processo judicial executivo, pois eles são inerentes ao próprio funcionamento do regime judiciário global relativo à tutela de direitos".

E muito menos procede a alegada inconstitucionalidade orgânica da norma extraída do artigo 278.º do CPPT, na dimensão normativa aplicada, e resultante da violação do disposto na Lei 87-B/98, de 31/12, por incompatibilização com as normas da LGT, designadamente com os seus artigos 95.º e 103.º.

A norma do artigo 278.º, n.º 3 do CPPT só contenderia com o disposto nos artigos 95.º e 103.º da LGT se a subida diferida fizesse perder qualquer utilidade à reclamação, o que não sucede no caso em apreço, pois o que está em causa é uma reclamação do acto de instauração da execução fiscal, com fundamento na sua ilegalidade, sendo certo que a subida da referida reclamação após a penhora não a

torna, como vimos, totalmente inútil.

Por último, defende a recorrente que, caso se entenda não dever a reclamação ser objecto de conhecimento imediato, deve, então, ordenar-se a sua subida logo após a

eventual realização de penhora de bens.

Ora, é isso que já decorre necessariamente da decisão recorrida, quando, ao concluir-se não se estar perante uma situação de prejuízo irreparável alicerçador da subida e apreciação imediata da reclamação, dela só se devendo conhecer após a ocorrência de um acto lesivo, por exemplo, a realização da penhora, a pronúncia sobre a dispensa ou não de garantia, etc., se determina a remessa dos autos ao órgão de execução fiscal com vista ao prosseguimento dos mesmos, devendo subir a tribunal no

momento processual supra referido.

E óbvio que ao acrescentar-se em tal decisão a expressão «se necessário» tal só pode significar que a subida só não ocorrerá se eventualmente surgir qualquer circunstância superveniente que venha a tornar inútil a reclamação anteriormente apresentada e, por arrastamento, a sua subida a final, em nada contendendo com o disposto no artigo

278.º do CPPT.

Razão por que, também este recurso, não poderá, pois, proceder.

2 - A executada interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), para apreciação da inconstitucionalidade orgânica e material "da norma do n.º 3 do artigo 278.º do CPPT, interpretado no sentido de que só haverá subida imediata da reclamação quando, sem ela, ocorram prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes

a qualquer execução".

Prosseguindo o recurso, só a recorrente alegou, sustentando o seguinte:

"(...)

1 - O douto Acórdão recorrido faz uma aplicação da norma contida no artigo 278.º do Código do Procedimento e Processo Tributário na dimensão normativa segundo a qual só haverá subida imediata de uma reclamação quando, sem ela, ocorrerem prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução.

2 - A dimensão normativa encontrada e aplicada e referida no ponto anterior padece de inconstitucionalidade orgânica e material;

3 - A inconstitucionalidade orgânica da norma extraída do artigo 278.º do CPPT, na dimensão normativa aplicada, resulta da violação do disposto no artigo 51.º da Lei 87-B/98, de 31 de Dezembro, normativo que autoriza o Governo a aprovar o CPPT "no respeito pela compatibilização das suas normas com as da lei geral tributária e regulamentação das disposições da referida lei que desta careçam"

4 - O direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os actos lesivos vem afirmado pelos artigos 95.º, n.º 1 e n.º 2, alínea j), e 103.º, n.º 2, da LGT, pelo que a referida limitação aos casos em que a subida imediata só se verificará quando, sem ela, ocorrerem prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução, implica a falta de compatibilização dessa norma com as da lei geral tributária, extravasando, por conseguinte, o âmbito da referida lei de autorização legislativa e, por consequência, o âmbito da competência do Governo nesta matéria, no quadro da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 165.º,

n.º 1, alínea i), da CRP);

5 - A inconstitucionalidade material da dimensão normativa extraída do artigo 278.º do CPPT resulta da violação do disposto nos artigos 26.º, n.º 1 (direitos ao bom nome e reputação, a imagem, e a protecção legal contra quaisquer formas de discriminação), 103.º, n.º 3 (ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei) e 268.º, n.º 4 (garantia aos administrados de tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos), todos da

Constituição."

II - Fundamentação. - 3 - As decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que, no processo de execução fiscal, afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de impugnação perante o tribunal tributário de 1.ª instância, mediante um meio processual que o Código de Procedimento e Processo Tributário qualifica como

reclamação (artigo 276.º do CPPT).

A reclamação sobe ao tribunal e é apreciada nos termos do artigo 278.º do CPPT que

dispõe:

"Artigo 278.º

Subida da reclamação. Resposta da Fazenda Pública e efeito suspensivo 1 - O Tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final.

2 - Antes do conhecimento das reclamações, será notificado o representante da Fazenda Pública para responder, no prazo de 8 dias, ouvido o representante do Ministério Público, que se pronunciará no mesmo prazo.

3 - O disposto no n.º 1 não se aplica quando a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades:

a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão

com que foi realizada;

b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida

exequenda;

c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;

d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida.

4 - No caso previsto no número anterior, caso não se verificar a circunstância dos n.os 2 e 3 do artigo 277.º, o órgão da execução fiscal fará subir a reclamação no prazo de

oito dias.

5 - A reclamação referida no presente artigo segue as regras dos processos urgentes, tendo a sua apreciação prioridade sobre quaisquer processos que devam ser apreciados no tribunal que não tenham esse carácter.

6 - Considera-se haver má fé, para efeitos de tributação em sanção pecuniária por esse motivo, a apresentação do pedido referido no n.º 3 do presente artigo sem qualquer

fundamento razoável."

A sentença interpretou este regime como significando que a regra é a do conhecimento diferido das reclamações: apenas sobem após a realização da penhora ou da venda, consoante sejam interpostas antes de um ou outro desses momentos processuais.

Excepcionam-se, subindo imediatamente, além dos casos expressamente previstos no n.º 3, por exigência da garantia de tutela jurisdicional efectiva, as reclamações de actos susceptíveis de causar prejuízo irreparável. Mas entendeu que não cabem neste conceito os actos que causem os inconvenientes próprios de qualquer processo executivo, como é a instauração e a citação para a execução.

É esta leitura do n.º 3 do artigo 278.º do CPPT, no sentido de que - além dos casos expressamente enumerados, aliás todos relacionados com a penhora (de certo modo, a prestação de garantia é um sucedâneo da penhora), o que se compreende por ser o acto de maior lesividade potencial nesta fase - a subida imediata da reclamação só ocorrerá quando, sem ela, ocorram prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução, que a recorrente considera orgânica e materialmente

inconstitucional.

4 - A inconstitucionalidade orgânica resultaria de a norma assim interpretada não observar a directiva resultante do artigo 51.º da Lei 87-B/98, de 31 de Dezembro, que autorizou o Governo a aprovar o CPPT "no respeito pela compatibilização das suas normas com as da lei geral tributária". Alega que o direito de reclamação para o juiz estava assegurado relativamente a todos os actos lesivos da administração fiscal pelo artigo 95.º, n.os 1 e 2, alínea j) e pelo artigo 103.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), sem a referida limitação, pelo que a norma extravasaria do âmbito da referida lei de autorização legislativa e, por consequência do âmbito de competência do Governo uma vez que a matéria cabe na reserva de competência legislativa da Assembleia da República estabelecida pela alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da

Constituição.

Efectivamente, a impugnação das decisões materialmente administrativas proferidas pela administração tributária no processo de execução fiscal integra o elenco das garantias dos contribuintes. E, como tem sido realçado pela jurisprudência deste Tribunal (cf., verbi gratia, os Acórdãos números, 321/89, 231/92, 268/97, 504/98, 63/2000 e 168/2002, o primeiro publicado na 1.ª série do Diário da República de, 20 de Abril de 1989, e os restantes na 2.ª série daquele jornal oficial de, respectivamente, 2 de Novembro de 1992, 22 de Maio de 1997, de 10 de Dezembro de 1998, de 27 de Maio de 2001 e de 1 de Junho de 2002) e pela doutrina (cf. Cardoso da Costa, in O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal: A Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, 2.º vol., maxime, 409, Ana Paula Dourado, O Princípio da Legalidade Fiscal na Constituição Portuguesa, na mesma colectânea de textos, 438 e segs., Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 32 e 38 e segs.), as "garantias dos contribuintes" é algo que se deve considerar como compreendido na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, numa leitura integrada da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º com o artigo 103.º da Constituição.

Assim, o Código de Procedimento e Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei 433/99, de 26 de Outubro, deve consagrar em tal domínio soluções compatíveis com as estabelecidas na lei geral tributária, para respeitar a extensão e o sentido da autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovado.

Vejamos, então.

O artigo 95.º da LGT garante o direito de impugnação ou recurso, preceituando que o interessado tem direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos segundo as formas de processo prescritas na lei (n.º 1) e indica, no elenco dos actos lesivos, os praticados na execução fiscal [n.º 2, alínea i)]. E o artigo 103.º estabelece que é garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, dando corpo à injunção de "consagrar o direito dos particulares de solicitar a intervenção do juiz no processo", constante da alínea 19) do artigo 2.º da Lei 41/98, de 4 de Agosto, através da qual foi concedida autorização ao Governo para aprovar a Lei Geral Tributária.

Porém, nenhum destes preceitos estabelece que a impugnação dos actos lesivos praticados pelas autoridades da administração tributária no processo de execução fiscal tem de subir imediatamente ao tribunal para apreciação. Essa é matéria que a LGT relega para as formas de processo prescritas na lei. Assim, não é possível ir buscar à directiva de que o Código compatibilize as suas normas com as da lei geral tributária o sentido de que o legislador autorizado estava vinculado a consagrar um regime de subida imediata de todas as reclamações de actos do órgão de execução fiscal.

Ora, a norma em causa não nega ao executado o direito de impugnar os actos lesivos praticados pela Administração nesse processo de execução. Limita-se a disciplinar os termos da impugnação, diferindo a apreciação daqueles que respeitem à fase anterior à penhora para o momento em que esta fase processual esteja concluída. É domínio não regulado nos preceitos da LGT que a recorrente indica - nem o Tribunal consegue vislumbrar que o seja em quaisquer outros - pelo que não pode dizer-se que essa norma contraria o mandato de compatibilização das soluções do Código com as dessa

Lei.

Deste modo, saber se a solução do Código satisfaz as garantias de tutela jurisdicional efectiva contra actos lesivos praticados na execução fiscal será questão de constitucionalidade material, mas não de inobservância do sentido da lei de autorização legislativa, porque a remissão integrativa desta para a Lei Geral Tributária não é susceptível de interpretação como comportando uma directiva ao legislador autorizado quanto a este aspecto do regime da reclamação.

Assim, o recurso é claramente infundado quanto à inconstitucionalidade orgânica.

5 - Passando à inconstitucionalidade material, a recorrente alega que a norma em

apreço:

Viola a garantia de impugnação de quaisquer actos administrativos lesivos, consagrada no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição;

Viola o direito de não pagar impostos cuja liquidação ou cobrança se não façam nos termos da lei, concedido pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição;

Viola os direitos ao bom nome e reputação e à imagem e o direito à protecção contra qualquer forma de discriminação, reconhecidos a todos pelo artigo 26.º da

Constituição.

5.1 - No n.º 4 do artigo 268.º, a Constituição garante aos interessados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, designadamente a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem. A efectividade da tutela jurisdicional implica a instituição de procedimentos conducentes a uma protecção jurisdicional sem lacunas e temporalmente adequada. Mas não impede o legislador ordinário de submeter a apreciação da impugnação dos actos da administração a pressupostos e requisitos adjectivos que compatibilizem o direito dos particulares com outros valores constitucionalmente reconhecidos que ao legislador incumba prosseguir, designadamente a realização do interesse público a que o procedimento se destina, a eficiência administrativa e a celeridade processual.

A norma em causa não afasta a impugnabilidade de quaisquer actos lesivos da administração tributária praticados em processo de execução fiscal. O interessado pode submeter ao juiz toda e qualquer actuação do órgão de execução que tenha como lesiva dos seus direitos e interesses legítimos. O que da norma resulta é o condicionamento temporal da apreciação jurisdicional da impugnação, fazendo depender a intervenção imediata do tribunal da insusceptibilidade de reversão ou de reparação dos efeitos dos actos cuja legalidade se discuta.

Desse modo, importa saber se a subordinação da subida imediata da reclamação à condição de susceptibilidade de ocorrência de prejuízos irreparáveis tem justificação razoável e se o momento processual escolhido para a subida da reclamação quando aos actos anteriores à penhora é arbitrário. E, adianta-se, tem justificação e não é

arbitrário.

Recordemos que a questão que agora se aprecia surgiu no âmbito de uma reclamação em que a recorrente, protestando não prescindir dos seu direito de deduzir oposição, pretende impugnar, mediante reclamação, a decisão de mandar instaurar a execução e de mandar citá-la para os termos da execução. Portanto, a dimensão da norma que interessa é a que respeita à reclamação de actos praticados na fase que antecede a penhora cuja reclamação só é apreciada após efectuada esta (e não os que respeitam a actos que respeitem à fase posterior, cuja reclamação sobe após a venda).

O processo de execução fiscal (abstracção feita dos casos em que certos créditos devam ser cobrados por essa forma processual nos tribunais comuns, que não vem ao caso) é instaurado nos serviços periféricos da administração tributária com base num título pelo qual se determinam os limites da obrigação que se imputa ao executado e que garante prima facie que o Estado, ou a pessoa colectiva de direito público exequente, tem direito a obter do executado a quantia que pretende cobrar. Destina-se a tornar efectivo um crédito a favor do ente público que, em princípio, já foi estabelecido através de um procedimento anterior que o tornou certo líquido e exigível

(cf. artigo 162.º do CPPT).

Iniciado o procedimento executivo com a instauração da execução, o executado é citado para pagar (ou requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento) ou deduzir oposição à execução. A oposição ou qualquer outro meio em que se discuta legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda apenas suspendem a execução se for prestada caução ou realizada a penhora de modo a assegurar a satisfação do direito do

credor (artigos 169.º e 212.º do CPPT).

A fase inicial do procedimento executivo é ordenada de modo a obter o pagamento ou a possibilitar rapidamente a penhora ou a prestação de garantia que assegurem a satisfação do crédito exequendo. Processando-se a reclamação no próprio processo da execução fiscal [artigo 97.º, n.º 1, alínea n), do CPPT], a subida imediata da reclamação antes de completada a penhora ou garantida a quantia exequenda e acréscimos permitiria sucessivas paralisações dos actos de execução, afectando a pretendida celeridade do processo de execução fiscal. Especial celeridade, até no confronto com o processo de execução comum, que encontra justificação na natureza do crédito e na finalidade de arrecadação dos dinheiros públicos, em especial dos proporcionados pelo sistema fiscal que visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza (artigo 103.º da CRP), que sairiam frustrados se os actos definitórios das receitas não tivessem realização efectiva. Foi o equilíbrio entre o interesses do credor público e os interesses do executado ou de terceiro afectado por actos praticados no processo de execução que o legislador procurou alcançar ao congregar a regra da subida diferida da reclamação com a excepção para os casos de ilegalidades susceptíveis de causar prejuízos irreparáveis.

Esta conformação do regime de subida da reclamação, tal como resulta da interpretação adoptada pela decisão recorrida do regime instituído pelo artigo 278.º do CPPT, satisfaz as exigências de adequação, necessidade e justa medida, condicionando temporalmente mas não sacrificando a efectividade da tutela jurisdicional contra actos lesivos, que é ressalvada pela subida imediata da reclamação quando a subida diferida criar um deficit que não seja remediável pela anulação dos actos processuais entretanto

praticados.

E não se torna lesivo dessa garantia pelo facto de, para este efeito, não serem considerados susceptíveis de integrar o conceito de prejuízos irreparáveis os efeitos coactivos ou desfavoráveis inerentes à própria instauração da execução e à convocação (mediante o acto de citação) para os termos do processo de execução fiscal. Eles são os mesmos de qualquer processo judicial executivo, não podendo considerar-se compreendidos no âmbito da protecção constitucional, como salienta o acórdão recorrido, os incómodos inerentes ao próprio funcionamento do regime global relativo à tutela dos direitos. Esses efeitos inevitáveis, resultantes para um dos sujeitos processuais do facto de o outro sujeito da relação accionar os meios de tutela jurisdicional a que também tem direito, só podem encontrar remédio nas sanções contra a litigiosidade abusiva ou imprudente e pela via de indemnização. Ora, mesmo que não se retire argumento da qualificação legal de tal processo como judicial (artigo 103.º, n.º 2, da LGT) porque o que se trata é de controlar a legalidade de actos da autoria de um órgão administrativo, seria manifestamente lesivo do interesse constitucionalmente legítimo que se pretende realizar através do processo de execução fiscal e do cometimento da prática de actos de natureza não jurisdicional nesse processo a órgãos da administração fiscal permitir a sua paralisação com fundamento em tais incómodos (Sobre a constitucionalidade da atribuição de competência para os actos não materialmente jurisdicionais da execução fiscal a órgãos administrativos, Acórdão 152/2002, Diário da República, 2.ª série, de 31 de Maio de 2002.

Deste modo, encontrando este regime de subida das reclamações fundamento constitucionalmente legitimado pelo interesse público, que ao legislador também é imposto proteger, de celeridade do processo de realização coerciva da dívida e não constituindo uma barreira ou constrangimento excessivos ao direito dos contribuintes a verem apreciadas em sede contenciosa as reclamações que deduzam dos actos praticados pelos órgãos de execução fiscal, não se considera violada a garantia de acesso aos tribunais para impugnação dos actos administrativos lesivos (artigo 268.º,

n.º 4, da CRP).

5.2 - Alega, depois, a recorrente que a norma em apreciação conduz à violação do direito de não pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei (artigo 103.º, n.º 3, in fine, da CRP).

É arguição manifestamente destituída de fundamento.

Com efeito, a norma em causa, respeitando apenas ao momento de subida da reclamação e não ao seu conteúdo, não veda ao executado a possibilidade de discutir seja o que for. Se tiver razão, os actos praticados serão anulados e nada pagará.

Obviamente, não é da competência do Tribunal Constitucional dizer qual é o meio idóneo - designadamente, a oposição à execução ou a reclamação - para discutir a irregularidade ou insuficiência do título, a ilegalidade da instauração da execução ou os

vícios do acto de citação.

5.3 - Por último, invoca a recorrente a violação dos direitos ao bom nome e reputação, à imagem e à protecção contra quaisquer formas de discriminação, a todos reconhecidos pelo n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.

Também quanto a este fundamento do recurso a improcedência é evidente e se encontra já nas considerações anteriores o princípio de resposta do Tribunal.

Com efeito, o objecto de recurso é a norma respeitante ao momento de subida da reclamação e não, em concreto, saber se efectivamente a instauração da execução é susceptível de afectar o crédito, a confiança ou a imagem de que na praça goze a recorrente. E esse conteúdo normativo é, por si, neutro relativamente a esses supostos efeitos lesivos, de que não é causa adequada.

Mesmo que se considere que, na medida em que não permita atalhá-los imediatamente, contribui para os efeitos prejudiciais ao executado decorrentes do acto da instauração da execução (necessidade de deduzir oposição, sujeição à penhora ou à prestação de garantia para obter efeito suspensivo), a norma em causa não infringe o n.º 1 do artigo

26.º da Constituição.

Desde logo, não se vislumbra qualquer nexo entre o diferimento da subida da reclamação e a protecção contra qualquer forma de discriminação. E a recorrente também não fundamenta essa imputação. O regime é universal, aplicando-se a qualquer reclamante em processo de execução fiscal que não sofra prejuízo irreparável com a retenção, pelo que, sendo evidente a improcedência do fundamento seria ocioso entrar em mais detalhada explicação sobre o recorte jurídico e dogmático deste novo direito pessoal acrescentado pela Lei Constitucional 1/97 (5.ª Revisão) ao elenco dos

direitos fundamentais pessoais.

E também revela uma disfuncionalidade interpretativa patente, mais a mais tratando-se de uma pessoa colectiva, a alegação de que uma tal norma pode violar o direito à imagem. Como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., pág. 467, tem um conteúdo assaz rigoroso, abrangendo, primeiro, o direito de definir a sua própria auto-exposição, não sendo fotografado nem vendo o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento e, depois, o direito de não o ver apresentado em forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida. Além de ser direito insusceptível de ser lesado pela norma em causa, é direito incompatível com a natureza das pessoas colectivas, porque só é concebível relativamente a pessoas físicas (artigo 12.º, n.º 2, da CRP). A recorrente parece ter confundido o termo constitucional "imagem" com a reputação ou consideração no

mundo dos negócios.

Por último, o direito ao bom nome e reputação, como referem os autores anteriormente citados, consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a correspondente reparação. Este direito fundamental pessoal só em termos translatos assiste às pessoas colectivas, que têm credibilidade, prestígio e confiança e o direito à correspondente protecção, mas dificilmente se concebe que sejam dotadas de honra e dignidade pessoal.

De todo o modo, a instauração de um processo executivo não é, na generalidade das situações, susceptível de causar lesão irreparável do bom nome e reputação. A protecção do bom nome não pode excluir o direito do credor de instaurar um processo executivo com vista à cobrança do crédito a que o título o habilita, fazendo-se a compatibilização ou concordância prática entre os direitos em conflito através dos meios judiciais de reacção contra a pretensão ilegal do credor eventualmente completados pela indemnização dos danos decorrentes da actuação abusiva ou manifestamente imprudente. Meios esses que, neste aspecto, não sofrem diminuição essencial da eficácia de protecção pelo diferimento que resulta da norma.

Por tudo o exposto, conclui-se que a norma do n.º 3 do artigo 278.º do CPPT, interpretado no sentido de que, em processo de execução fiscal, só haverá subida imediata da reclamação dos actos do órgão de execução quando, sem ela, ocorram prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução, não viola os artigos 165.º, n.º 1, alínea i), 103.º, n.os 2 e 3, e 26.º, n.º 1, da Constituição.

6 - Decisão. - Termos em que se decide negar provimento ao recurso e condenar a recorrente nas custas fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UC.

Lisboa, 8 de Julho de 2009. - Vítor Gomes - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Gil Galvão.

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Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/08/18/plain-259384.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/259384.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-04 - Lei 41/98 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a publicar uma lei geral tributátia donde constem os grandes princípios substantivos que regem o direito fiscal português e uma definição mais precisa dos poderes da Administração e das garantias dos contribuintes.

  • Tem documento Em vigor 1998-12-31 - Lei 87-B/98 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento de Estado para 1999.

  • Tem documento Em vigor 1999-10-26 - Decreto-Lei 433/99 - Ministério das Finanças

    Aprova o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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