Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 355/2009, de 17 de Agosto

Partilhar:

Sumário

Não julga inconstitucional a interpretação dos artigos 1.º, 4.º e 5.º da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, com o sentido de os actos dos mandatários judiciais em processo civil terem obrigatoriamente de ser praticados através do sistema informático CITIUS, sob pena da sua irrelevância processual.

Texto do documento

Acórdão 355/2009

Processo 218/09

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

Relatório

No processo 4066/07.4TBCSC - B, do Tribunal de Família e Menores do Tribunal de Cascais, em 2-2-2009, foi proferido o seguinte despacho:

"Já tivemos oportunidade de referir a nossa opinião acerca da utilização da aplicação informática Citius no que diz respeito aos Magistrados Judiciais seguindo, em anexo, essa nossa exposição, da qual se pode ler que entendemos que a tramitação dos processos através do Citius não pode ser imposta aos Juízes, e porque consideramos que o Citius é ilegal e insegura não a aplicaremos.

A questão que ora nos é suscitada tem a ver com a utilização do Citius pelos senhores

advogados.

A portaria 114/2008 de 06-02, alterada pelas portarias n.os 457/2008 de 20-06 e 1538/2008 de 30-12 impõe aos senhores advogados, tal como faz aos Juízes, a utilização da aplicação informática Citius.

Em nosso modesto entendimento tal imposição é também inconstitucional uma vez que bule directamente com o disposto nos artºs 20.ºe 13.º da Constituição da República

Portuguesa (CRP).

Vejamos.

O artigo 20.º da CRP visa assegurar o acesso dos cidadãos à justiça e à resolução das suas causas por um órgão especificamente destinado a tal: os Tribunais.

Esse acesso não pode ser, de forma alguma, limitado nem sequer por motivos económicos sendo que se trata de um direito fundamental que, por isso mesmo, beneficia de uma protecção constitucional directa - o que já não sucede com as normas constitucionais programáticas - e é exequível obrigando o Estado a assegurar esse

acesso.

Ora, ao obrigar os senhores advogados a utilizarem unicamente uma aplicação informática da envergadura do Citius para o envio das peças processuais e todos os requerimentos - que, como já referimos não oferece qualquer segurança permitindo ao poder político um acesso directo ao que se passa em cada processo - sem lhes permitir o uso de outros meios, tais como o fax, o correio electrónico ou simplesmente os correios normais, está-se a coarctar, na verdade, a limitar o acesso à justiça uma vez que não se pode impor que cada advogado tenha um computador, acesso à internet e que seja obrigado a ceder a sua assinatura para que a mesma passe a ser electrónica face aos graves perigos que tal cedência implica.

Aliás, sendo a assinatura pessoal e intransmissível, estando tutelada pelos direitos da personalidade, nomeadamente pelo artigo 72.º do Código Civil (CC), como se pode obrigar um cidadão, advogado ou não, a ceder contra a sua vontade ou com reserva a

sua assinatura?

E perguntamos quando é que os faxes foram abolidos? Qual a lei ou decreto que acabou com a actividade dos CTT's? Não pode um advogado enviar uma peça manuscrita ao tribunal? Porquê? E se a luz falha e o advogado não consegue aceder em tempo útil ao Citius correndo o risco de não poder cumprir com o prazo e ver precludida a possibilidade de praticar o

acto?

Quem é que aí responde perante o respectivo cliente que mandatou esse advogado? E quem é que paga a multa do artigo 145.º CPC nas situações em que o advogado, por falta de possibilidade técnica porque o computador falhou, porque as linhas da net estão sobrelotadas ou porque perdeu o cartão que lhe dá acesso ao Citius ou porque este não é correctamente lido pelo sistema, não consegue cumprir um prazo legal enviando a peça ou requerimento já fora de tal prazo? Não se pode, em nosso entender, impor um único meio de enviar peças ou requerimentos processuais, quando na prática existem tantos outros, sob pena de se limitar tremendamente o exercício de um direito fundamental cuja tutela não admite essa

limitação.

E os cidadãos comuns que recorrem ao Tribunal sem a necessidade de constituírem mandatários como acontece na grande maioria das acções que tramitamos neste Tribunal de Família e Menores, também eles, alguns dos quais analfabetos, são

obrigados a possuir um computador?

E são obrigados a ter gastos com a internet quando em tantas situações estamos a lidar com pessoas que estão abaixo do limiar da pobreza e os que não estão mal conseguem alimentar os filhos quanto mais pagar uma conta de internet? Mas se se admite que as portarias em apreço não abrangem o cidadão comum, como parece ser, então aí as mesmas infringem também o disposto no artigo 13.º da CRP porquanto obrigam certos intervenientes a utilizar um sistema informático e outros não, violando, assim, o princípio constitucional da igualdade, sem existir um fundamento para

esse tratamento diferenciado.

Ora, sendo, em nosso modesto entendimento (1), as referidas portarias inconstitucionais também em relação aos Juízes por violação directa do disposto no artigo 203.º CRP, devendo estes se recusar a aplicar qualquer instrumento normativo que viole os princípios constitucionais conforme manda o artigo 204.º CRP, não pode a juíza signatária deste despacho impor aos senhores advogados algo que, no seu

entender, é inconstitucional.

E não pode impor aquilo que a própria não pretende seja aplicável a si mesma.

Aliás, as referidas portarias, parecem esquecer o disposto no artigo 150.º do CPC, cuja redacção foi dada ao mesmo tempo que a criação do artigo 138.º-A CPC (onde as portarias encontram a sua aparente legitimação) pelo Decreto-Lei 303/2007 de

24-08.

Diz o artigo 150.º CPC o seguinte:

"1 - Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição.

2 - Os actos processuais referidos no número anterior também podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:

a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do acto processual a da

respectiva entrega;

b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;

c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da

expedição.

3 - [...]

4 - [...]

5 - [...]

6 - [...]

7 - [...]

8 - [...]

9 - [...]" (itálico nosso).

Ora, não pode uma portaria sobrepor-se a uma lei pelo que as mesmas também padecem de ilegalidade, podendo os senhores advogados entregar peças processuais e outros requerimentos pelas formas já previstas no citado artigo 150.º CPC n.º 2, cabendo à secretaria, nos termos do n.º 9 do mesmo artigo 150.º CPC, a digitalização

das respectivas peças.

Em caso algum se vislumbra que a entrega por parte dos senhores advogados de peças processuais ou requerimentos fora do Citius e de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 150.º CPC seja motivo de indeferimento ou não recebimento das mesmas peças.

Assim, em face de todo o acima exposto considero correctamente entregue o fax a que se reporta a presente conclusão avulsa, devendo os mesmos serem, por ora, juntos aos

autos principais de divórcio."

O Ministério Público interpôs recurso desta decisão, nos seguintes termos:

O Magistrado do MºPº, notificado da douta decisão proferida e respectivo documento anexo, que, invocando a inconstitucionalidade da portaria 114/2008 de 6/2, alterada pelas portarias 457/2008 de 20/6 e 1538/08 de 30/12, recusou a sua aplicação e, em consequência, admitiu a autuação, por apenso, como providência cautelar de arrolamento, de um requerimento entregue via fax, vem, nos termos das disposições conjugadas dos artigo 70.º n.º 1 al. a), 72 n.º 1 al. a), 75 75-A, n.º 1 e 76, todos da lei do Tribunal Constitucional, interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

Apresentou alegações, com as seguintes conclusões:

"...A norma constante dos artigos 1.º, 4.º e 5.º da Portaria 114/08, interpretada em termos de terem de ser obrigatoriamente praticados por via informática, através do sistema CITIUS, os actos processuais das partes, no âmbito de acções cíveis, não constitui limitação ou restrição ao direito de acesso aos tribunais, mas - mero condicionamento ou regulamentação de tal direito fundamental, no que respeita à forma

dos actos.

Não afectando as normas regulamentares em questão os princípios fundamentais ou estruturantes do processo civil, tal como se mostram enunciados na lei, está assegurada a possibilidade de - através da utilização dos poderes do juiz na condução do processo, do princípio da cooperação e do direito à invocabilidade do "justo impedimento"; a remoção adequada de quaisquer obstáculos ou dificuldades, anormais ou excepcionais, no acesso à justiça, decorrentes da opção pelo processo electrónico.

Termos em que deverá proceder o presente recurso."

Não foram apresentadas contra-alegações.

Fundamentação

1 - Da delimitação do objecto do recurso. - O Ministério Público veio interpor recurso da recusa pela decisão recorrida de aplicação da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelas Portarias n.º 457/2008, de 20 de

Junho, e n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro.

Nas alegações apresentadas restringiu o objecto do recurso à interpretação dos artigos 1.º, 4.º e 5.º, da referida Portaria, com o sentido dos actos dos mandatários judiciais em processo civil terem obrigatoriamente de ser praticados através do sistema informático CITIUS, sob pena de irrelevância processual, devendo ser esta a dimensão normativa cuja constitucionalidade cumpre verificar.

2 - Do mérito do recurso. - O artigo 138.º- A, do Código de Processo Civil, introduzido neste diploma pelo artigo 2.º, da Lei 14/2006, com a redacção resultante do Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, passou a dispor no seu n.º 1, que "a tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir

por portaria do Ministro da Justiça".

Este novo dispositivo consagrou uma importante mudança na forma de registo dos actos praticados em processo civil, preterindo-se o suporte em papel, em favor de um sistema informático, denominado CITIUS, no prosseguimento duma política visando uma progressiva desmaterialização dos processos judiciais.

Conforme se explicou no preâmbulo do Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, "...estabelece ainda o Programa do XVII Governo Constitucional, enquanto objectivo fundamental, a inovação tecnológica da justiça, para a qual é essencial a adopção decisiva dos novos meios tecnológicos. No âmbito da promoção desta «utilização intensiva das novas tecnologias nos serviços de justiça, como forma de assegurar serviços mais rápidos e eficazes», define-se como objectivo «a progressiva desmaterialização dos processos judiciais» e o desenvolvimento «do portal da justiça na Internet, permitindo-se o acesso ao processo judicial digital». Assim, as alterações acolhidas nesta matéria visam permitir a prática de actos processuais através de meios electrónicos, dispensando-se a sua reprodução em papel e promovendo a celeridade e

eficácia dos processos."

No seguimento do disposto no artigo 138.º - A, do C.P.C., veio a ser aprovada a Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro - entretanto, já alterada pelas Portarias n.º 457/2008, de 20 de Junho, e n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro -, a qual veio dispor sobre várias matérias atinentes à tramitação electrónica dos processos civis, nomeadamente: apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados (artigos 3.º a 14.º - C); distribuição por meios electrónicos (artigos 15.º e 16º); actos processuais de magistrados e funcionários em suporte informático (artigos 17.º a 21.º); notificações (artigos 21.º-A a 21.º-C); consulta electrónica de processos (artigo 22.º); organização do processo (artigo 23.º); e comunicações entre tribunais (artigos 24.º e 25.º).

A decisão recorrida recusou a aplicação desta Portaria, quando interpretada no sentido de impor aos mandatários judiciais a apresentação de peças processuais em processo civil por transmissão electrónica, através do sistema informático CITIUS.

Como fundamento desta recusa invocou a violação do direito ao acesso aos tribunais (artigo 20.º, da C.R.P.), por criar dificuldades aos mandatários judiciais na defesa dos direitos dos seus constituintes, e do princípio da igualdade (artigo 13.º, da C.R.P.), uma vez que os cidadãos não representados por advogado podem intervir nos processos sem estarem obrigados à utilização daquele sistema informático, segundo a

interpretação da decisão recorrida.

Não competindo ao Tribunal Constitucional controlar a correcção da interpretação acolhida pela decisão recorrida, resta verificar se a mesma viola os parâmetros

constitucionais indicados.

Estamos perante uma interpretação de normas regulamentares impositiva da prática pelos mandatários judiciais dos actos em processo civil, por transmissão electrónica, através de um determinado sistema informático.

Se é verdade que essa imposição se traduz num condicionamento à intervenção das partes, representadas por mandatários, no processo civil, uma vez que estes não terão possibilidade de escolha entre os diferentes meios possíveis de apresentação em juízo das peças processuais da sua autoria, considerando que o meio de comunicação imposto apenas exige um acesso à Internet e o registo prévio do mandatário junto da entidade responsável pela gestão dos acessos ao sistema informático (artigo 4.º, da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro), não se pode dizer que esse condicionamento se traduz numa afectação do direito de acesso aos tribunais, dado que essas exigências poderão ser facilmente cumpridas por qualquer profissional do foro.

E se a imposição de um único meio de apresentação pelos mandatários judiciais das peças processuais pode determinar, nalgumas situações, a impossibilidade de cumprimento dos prazos legais por deficiências do funcionamento prático da transmissão electrónica, essas situações poderão ser solucionadas através da invocação da figura do justo impedimento, prevista no artigo 146.º, do Código de Processo Civil, o que impedirá que as partes não possam defender os seus direitos em tribunal por causa da obrigatoriedade da utilização exclusiva daquele meio de intervenção

processual.

Relativamente à invocada violação do princípio da igualdade, por comparação com a liberdade de escolha do meio de apresentação de peças processuais de que gozam as partes não representadas por advogados, é manifesto que a existência de patrocínio judiciário confere à parte representada por advogado uma maior facilidade de intervenção processual, resultante dos especiais conhecimentos e experiência do seu representante, que não permite equiparar as duas situações para efeitos de aplicação

do princípio da igualdade.

Sendo diferente a situação em que se encontra a parte não representada por advogado, daquela que usufrui dessa representação, pela maior facilidade que esta tem em intervir no processo, justifica-se, atenta aquela distinção, que a imposição da utilização do CITIUS para a apresentação de peças processuais só abranja os actos praticados por

mandatário judicial.

Não se constatando que a interpretação recusada viole qualquer parâmetro constitucional, deve o recurso ser julgado procedente.

Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a interpretação dos artigos 1.º, 4.º e 5.º, da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, com o sentido dos actos dos mandatários judiciais em processo civil terem obrigatoriamente de ser praticados através do sistema informático CITIUS, sob pena da sua irrelevância processual; e, em consequência b) Julgar procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida, em

conformidade com o presente julgamento.

Sem custas.

(1) Pelos motivos que constam do despacho que segue em anexo.

Lisboa, 8 de Julho de 2009. - João Cura Mariano - Benjamim Rodrigues - Mário Torres - Joaquim de Sousa Ribeiro - Rui Manuel Moura Ramos.

202164144

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/08/17/plain-259315.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/259315.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2006-04-26 - Lei 14/2006 - Assembleia da República

    Altera o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, bem como o Estatuto da Câmara dos Solicitadores, o regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, e o Decreto-Lei n.º 202/2003, de 10 de Setembro.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-24 - Decreto-Lei 303/2007 - Ministério da Justiça

    Altera, no uso de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro, o Código de Processo Civil, procedendo à revisão do regime de recursos e de conflitos em processo civil e adaptando-o à prática de actos processuais por via electrónica; introduz ainda alterações à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e aos Decretos-Leis n.os 269/98, de 1 de Setembro ( procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não (...)

  • Tem documento Em vigor 2008-02-06 - Portaria 114/2008 - Ministério da Justiça

    Regula vários aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda