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Acórdão 293/2009, de 10 de Julho

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma constante do artigo 138.º-A do Código de Processo Civil, com a redacção resultante do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, na parte em que remete para portaria a regulação das disposições processuais relativas a actos dos magistrados. Não julga inconstitucional a norma constante do artigo 17.º, n.º 1, da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro. (Proc. n.º 297/09).

Texto do documento

Acórdão 293/2009

Processo 297/09

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

Relatório

No processo 3665/08.1 BPTM - B, do 3.º Juízo Cível do Tribunal de Portimão, em despacho proferido no dia 25 de Março de 2009, após se efectuar uma análise crítica do novo sistema de tramitação electrónica dos processos civis, decidiu-se o seguinte:

«[...] ao abrigo do disposto do artigo 204.º da CRP, recuso a aplicação das normas que a seguir se referem com fundamento na respectiva inconstitucionalidade e

ilegalidade nos termos infra-enunciados:

Inconstitucionalidade orgânica e material da norma constante do artigo 17.º, n.º 1, da Portaria 114/2008 (alterada pelas Portarias n.os 457/2008, de 20 de Junho, e 1538/2008, de 30 de Dezembro), por violação do disposto nos artigo 164.º, alínea m) (reserva legislativa absoluta da AR), artigo 215.º, n.º 1 (unidade do EMJ), artigo 2.º (separação de poderes) e 203.º (independência dos tribunais e dos juízes), todos da

CRP;

Inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 138.º A do CPC, interpretada no sentido de que a mesma remete para portaria do Ministro da Justiça a regulação das disposições processuais relativas a actos dos magistrados nos termos depois regulados no arigo 17.º, n.º 1, da Portaria 114/2008, por violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 5 (tipicidade) da CRP.

Ilegalidade da norma constante do artigo 17.º, n.º 3, da Portaria 114/2208, interpretada à luz do artigo 2.º, alínea c), do Decreto-Lei 290-D/99, de 2 de Agosto (substituição da assinatura autógrafa pela assinatura electrónica), por violação do disposto no arigo 157.º, n.os 1 e 3, do CPC.

Notifique as partes com cópia, sendo ainda o Ministério Público para os efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da CRP.

Com os fundamentos expostos, consigno que este despacho e os subsequentes serão proferidos e remetidos à secção em folha impressa ou manuscrita.

Com vista a garantir a integralidade do processo, proceda-se à impressão e junção aos autos dos elementos que daí não constem e que se encontrem apenas no 'processo electrónico' e coloque-os no processo físico por ordem cronológica, antes deste

despacho, disso fazendo menção.»

Desta decisão interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, nos

seguintes termos:

«O presente recurso tem em vista a apreciação da inconstitucionalidade:

Do artigo 17.º, n.º 1 da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro (alterada pelas Portarias n.os 457/2008, de 20 de Junho, e 1538/2008, de 30 de Dezembro), cuja aplicação foi recusada no referido despacho com fundamento na violação dos artigos 2.º, 164.º, alínea m), 203.º e 215.º, n.º 1, todos da Constituição da República

Portuguesa;

Do artigo 138.º-A do Código de Processo Civil, na parte em que remete para portaria a regulação das disposições processuais relativas a actos dos magistrados, cuja aplicação foi, recusada no referido despacho com fundamento na violação do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

O presente recurso tem ainda em vista a apreciação da legalidade da norma constante do artigo 17.º n.º 3, da Portaria 114/2008, interpretada à luz do artigo 2.º, alínea e), do Decreto-Lei 290-D/99, de 2 de Agosto - substituição da assinatura autografa pela assinatura electrónica - por violação do disposto no artigo 157.º n.ºs 1 e 3, do

Código de Processo Civil.»

O recorrente apresentou alegações em que, após abandonar a questão de ilegalidade colocada no requerimento de interposição, concluiu do seguinte modo:

«1.º A norma constante do artigo 138.º-A do Código de Processo Civil, ao admitir que constem de diploma meramente regulamentar - portaria do Ministério da Justiça - aspectos atinentes ao regime dos actos processuais, nomeadamente a previsão da sua prática em suporte electrónico e a respectiva regulamentação adjectiva, não viola o princípio constante do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

2.º A norma constante do n.º 1 do artigo 17.º da Portaria 114/08, alterada pelas Portarias n.os 457/08 e 1538/08, ao prever que os actos dos magistrados devam ser praticados em suporte electrónico, através do sistema CITIUS (sem, naturalmente, precludir ou pôr em causa os princípios estruturantes, afirmados, nomeadamente, pelos artigos 265.º e 265.º-A do Código de Processo Civil) não tem natureza estatutária, versando apenas sobre a matéria da forma de actos processuais, não pondo em causa os princípios constitucionais da independência dos tribunais, da separação de poderes e da unidade estatutária dos juízes dos tribunais judiciais.

3.º Termos em que deverá proceder o presente recurso.»

Fundamentação

1 - Da delimitação do objecto do recurso. - No requerimento de interposição de recurso afirmou-se que se pretendia ver apreciada a ilegalidade «da norma constante do artigo 17.º, n.º 3, da Portaria 114/2008, interpretada à luz do artigo 2.º, alínea c), do Decreto-Lei 290-D/99, de 2 de Agosto (substituição de assinatura autografa pela assinatura electrónica), por violação do disposto no artigo 157.º, n.os 1 e 3 do

Código de Processo Civil».

Contudo, nas suas alegações, o recorrente pronunciou-se pela inadmissibilidade do recurso relativamente a esta questão, restringindo, assim, o seu objecto, o qual passou a abranger apenas as questões de constitucionalidade colocadas.

2 - Da constitucionalidade da norma constante do artigo 138.º-A do CPC. - A decisão recorrida recusou a aplicação do disposto no artigo 138.º-A do CPC, na parte em que remete para portaria a regulação das disposições processuais relativas a actos dos magistrados, com fundamento na violação do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

O artigo 138.º-A do Código de Processo Civil, introduzido neste diploma pelo artigo 2.º da Lei 14/2006, com a redacção resultante do Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, passou a dispor no seu n.º 1, que «a tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça».

Este novo dispositivo consagrou uma importante mudança na forma de registo dos actos praticados em processo civil, preterindo-se o suporte em papel, em favor de um sistema informático, denominado CITIUS, no prosseguimento de uma política visando uma progressiva desmaterialização dos processos judiciais.

Conforme se explicou no preâmbulo do Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, «[...] estabelece ainda o Programa do XVII Governo Constitucional, enquanto objectivo fundamental, a inovação tecnológica da justiça, para a qual é essencial a adopção decisiva dos novos meios tecnológicos. No âmbito da promoção desta 'utilização intensiva das novas tecnologias nos serviços de justiça, como forma de assegurar serviços mais rápidos e eficazes', define-se como objectivo 'a progressiva desmaterialização dos processos judiciais' e o desenvolvimento 'do portal da justiça na Internet, permitindo-se o acesso ao processo judicial digital'. Assim, as alterações acolhidas nesta matéria visam permitir a prática de actos processuais através de meios electrónicos, dispensando-se a sua reprodução em papel e promovendo a celeridade e

eficácia dos processos.».

No seguimento do disposto no artigo 138.º-A do CPC, veio a ser aprovada a Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro - entretanto, já alterada pelas Portarias n.os 457/2008, de 20 de Junho, e 1538/2008, de 30 de Dezembro - , a qual veio dispor sobre várias matérias atinentes à tramitação electrónica dos processos civis,

nomeadamente:

Apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de

dados (artigos 3.º a 14.º-C);

Distribuição por meios electrónicos (artigos 15.º e 16.º);

Actos processuais de magistrados e funcionários em suporte informático (artigos 17.º a

21.º);

Notificações (artigos 21.º-A a 21.º-C);

Consulta electrónica de processos (artigo 22.º);

Organização do processo (artigo 23.º); e

Comunicações entre tribunais (artigos 24.º e 25.º).

A decisão recorrida recusou a aplicação da norma contida no n.º 1 do artigo 138.º-A do CPC, no segmento em que remete para portaria do Ministério da Justiça a regulamentação da prática dos actos dos magistrados judiciais na tramitação electrónica dos processos civis, por entender que se trata de matéria que é obrigatoriamente

conformada por lei.

Invoca a decisão recorrida que se trata de matéria pertencente ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, pelo que está sujeita à reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República [artigo 164.º, alínea m), da CRP].

O Estatuto dos Magistrados Judiciais constitui um instrumento legislativo material concretizador do princípio do Estado de direito, na medida em que se destina a garantir a independência e a imparcialidade dos juízes no exercício da função jurisdicional.

Por isso devem aí constar as normas relativas às condições de exercício do cargo de juiz, com influência na sua independência e imparcialidade, nomeadamente as que definem os respectivos deveres, incompatibilidades, direitos e regalias, forma de provimento e de progressão na carreira, assim como as regras relativas ao procedimento disciplinar e cessação de funções.

Ora, a forma que devem revestir os actos escritos praticados pelos magistrados judiciais nos processos civis tramitados electronicamente não é matéria que integre as condições de exercício do cargo de juiz com influência na sua independência e imparcialidade, pelo que não é matéria que deva integrar o seu estatuto.

Não se incluindo a matéria em causa na normação obrigatoriamente estatutária dos magistrados judiciais, não se vê razão para estar abrangida pela reserva de lei, pelo que a sua remissão para portaria, não constitui um acto de «deslegalização» proibido pelo

artigo 112.º, n.º 5, da CRP.

3 - Da constitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 17.º da Portaria 114/2008. - O artigo 17.º, n.º 1, da Portaria 114/08, de 6 de Fevereiro, dispõe que «os actos dos magistrados judiciais são sempre praticados em suporte informático através do sistema informático CITIUS - Magistrados Judiciais, com aposição de assinatura electrónica qualificada ou avançada».

Tendo o artigo 138.º-A do CPC determinado que a tramitação dos processos civis é efectuada electronicamente, este preceito regulamentador dessa forma de tramitação veio impor que os juízes praticassem os actos escritos nesses processos em suporte informático, através de uma determinada aplicação informática.

A decisão recorrida recusou aplicar esta norma, invocando que a mesma não pode constar de portaria, por respeitar a matéria reservada ao Estatuto dos Magistrados Judiciais e ainda pelo seu conteúdo violar o princípio da separação de poderes e a

garantia da independência dos juízes.

Como já acima se concluiu, a forma pela qual os juízes devem praticar os seus actos nos processos civis não é matéria estatutária, pelo que a sua inclusão em portaria não resulta em qualquer inconstitucionalidade orgânica.

O princípio da separação dos poderes que preside ao modelo de organização do Estado na nossa República (artigo 2.º da CRP) caracteriza-se pela reserva de competência dos vários órgãos de soberania perante os outros, nomeadamente pela reserva de competência jurisdicional atribuída em exclusivo aos tribunais (reserva de jurisdição) e pela liberdade do acto de julgar (independência dos juízes).

Não se vê como a imposição aos juízes de praticarem os seus actos escritos em processos civis em suporte informático, através de uma determinada aplicação informática, possa comprometer o princípio da separação de poderes ou a liberdade do acto de julgar, na medida em que se limitam a indicar o meio técnico através do qual os juízes devem realizar as suas intervenções escritas no processo, sem qualquer

influência no seu sentido e conteúdo.

Nem a definição dos meios que devem ser utilizados para os juízes praticarem os seus actos no processo civil se insere na área reservada à função jurisdicional, nem essa definição pelo poder legislativo é susceptível de afectar a independência dos juízes.

Argumenta ainda a decisão recorrida que o princípio da separação de poderes e a independência dos juízes é posto em causa, uma vez que o administrador da rede onde opera a aplicação informática que os juízes estão obrigados a utilizar para praticarem os seus actos escritos no processo civil é o ITIJ, I. P.

O Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça, abreviadamente designado por ITIJ, I. P., é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e património próprio (artigo 1.º, n.º 1, do

Decreto-Lei 130/2007, de 27 de Abril).

O ITIJ, I. P., prossegue atribuições do Ministério da Justiça (MJ), sob superintendência e tutela do respectivo Ministro (artigo 1.º, n.º 2, do mesmo diploma).

O controlo da rede onde opera a aplicação informática através da qual os juízes praticam os seus actos no processo civil, ainda que possa ter influência na maior ou menor eficácia ou segurança da tramitação electrónica dos processos, não se traduz em qualquer interferência na área reservada ao poder jurisdicional, uma vez que não estamos perante uma actividade materialmente jurisdicional, nem é susceptível de pôr em risco a independência dos juízes, uma vez que esse controle em nada condiciona ou

interfere com a liberdade de julgar.

Pelas razões explicitadas também não se verifica que o artigo 17.º, n.º 1, da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, ao determinar a obrigatoriedade de os juízes praticarem os seus actos escritos em processo civil através do sistema informático CITIUS - magistrados judiciais viole qualquer parâmetro constitucional.

Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 138.º-A do Código de Processo Civil, com a redacção resultante do Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, na parte em que remete para portaria a regulação das disposições processuais

relativas a actos dos magistrados;

b) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 17.º, n.º 1, da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro; e em consequência c) Julgar procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida, em

conformidade com o presente julgamento.

Sem custas.

Lisboa, 17 de Junho de 2009. - João Cura Mariano - Vítor Gomes - Maria João Antunes - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Pamplona de Oliveira - Mário José de Araújo Torres - Gil Galvão - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro -

Rui Manuel Moura Ramos.

201995333

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/07/10/plain-256671.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/256671.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1999-08-02 - Decreto-Lei 290-D/99 - Ministério da Ciência e da Tecnologia

    Aprova o regime jurídico dos documentos electrónicos e da assinatura digital.

  • Tem documento Em vigor 2006-04-26 - Lei 14/2006 - Assembleia da República

    Altera o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, bem como o Estatuto da Câmara dos Solicitadores, o regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, e o Decreto-Lei n.º 202/2003, de 10 de Setembro.

  • Tem documento Em vigor 2007-04-27 - Decreto-Lei 130/2007 - Ministério da Justiça

    Aprova a orgânica do Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça, I. P. (ITIJ, I.P.), definindo as respectivas atribuições, órgãos e competências.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-24 - Decreto-Lei 303/2007 - Ministério da Justiça

    Altera, no uso de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro, o Código de Processo Civil, procedendo à revisão do regime de recursos e de conflitos em processo civil e adaptando-o à prática de actos processuais por via electrónica; introduz ainda alterações à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e aos Decretos-Leis n.os 269/98, de 1 de Setembro ( procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não (...)

  • Tem documento Em vigor 2008-02-06 - Portaria 114/2008 - Ministério da Justiça

    Regula vários aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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