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Acórdão 260/2009, de 7 de Julho

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Sumário

Decide não julgar inconstitucional a norma ínsita no n.º 2 do artigo 111.º do Código de Processo Civil e determina a reformulação da decisão recorrida, em conformidade com o precedente juízo de constitucionalidade (Processo n.º 120/07).

Texto do documento

Acórdão 260/2009

Processo 120/07

Acordam no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - A.S.F., Sociedade de Serviços de Vigilância e Alarmes, Lda., com sede na Estrada da Beira, em Coimbra, intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga acção administrativa de contencioso pré-contratual, contra o Hospital de S. Marcos, com sede no Largo Carlos Amarante, em Braga, destinada à anulação de acto administrativo relativo à formação de contrato de prestação de serviços.

Por decisão de 12 de Outubro de 2006 foi declarada a incompetência relativa, em razão do território, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e ordenada a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra. Mas este último tribunal também se declarou incompetente, em razão do território, para julgar a causa. Para o

que agora releva, afirmou:

"[...]

Por decisão proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 12/10/2006 sem exercício do contraditório, aquele Tribunal declarou-se incompetente em razão do território declarando competente este Tribunal para decidir o presente pleito.

Assentou o seu entendimento de incompetência na consideração de que o critério determinante da competência do Tribunal, no caso vertente, seria a regra geral, prevista no artigo 16.º do CPTA, ou seja, o da residência habitual ou sede do A.

Esta decisão, notificada às partes, transitou em julgado.

Todavia o entendimento deste Tribunal não é coincidente com o supra exposto.

Com efeito é nosso entendimento que a decisão do tribunal Administrativo e Fiscal de Braga não vincula este Tribunal quanto ao juízo sobre a sua própria competência.

Esta asserção encontra arrimo no princípio constitucional da hierarquia dos tribunais, ou da organização hierárquica dos tribunais, que não se traduz num mero princípio de gestão administrativa, mas antes numa verdadeira garantia para o cidadão, em consonância com o estabelecido nos artigos 210.º, n.os 1, 3 e 4 e 212.º, n.º 1 da

Constituição da República Portuguesa.

Por esta razão, entende este Tribunal que a norma ínsita no artigo 111.º, n.º 2 do CPC padece de inconstitucionalidade material na medida em que viola o princípio da hierarquia dos Tribunais, impedindo, designadamente, os tribunais superiores de fiscalizar a legalidade de tais decisões proferidas por tribunais de 1.ª instância.

Consequentemente, entende este Tribunal desaplicar, no caso concreto, a norma prevista no artigo 111.º, n.º 2 do CPC por inconstitucionalidade material.

Desta feita, a solução para o caso em apreço deve ser encontrada à luz das normas que regulam a competência material dos tribunais de 1.ª instância da jurisdição

administrativa e fiscal.

[...]

Desta feita, propendemos no sentido de que o Tribunal competente, em razão do território, para conhecer da impugnação de actos administrativos praticados por estabelecimentos hospitalares, inseridos ou não num contexto concursal, é o Tribunal em cuja área de jurisdição se localiza a sede daqueles.

Assim sendo,

Na questão em discussão, o estabelecimento hospitalar é o Hospital de São Marcos,

cuja sede se localiza em Braga.

O que implica que, em conformidade com o Mapa em anexo ao Decreto-Lei 325/2003, de 29 de Dezembro, este Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra não é o territorialmente competente, afigurando-se como competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga como o competente.

[...].".

2 - Desta decisão foi interposto recurso obrigatório pelo Ministério Público, nos termos e ao abrigo dos artigos 70.º n.º 1 alínea a) e 72.º n.º 3 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82 de 15 de Novembro), com vista "a apreciação da constitucionalidade do artigo 111.º n.º 2 do Código do Processo Civil, e cuja aplicação foi recusada pela douta sentença recorrida, por violação do princípio da hierarquia dos Tribunais ou da organização hierárquica dos tribunais, consagrado nos artigos 210.º n.os 1, 3 e 4 e 212.º, n.º 1 da Constituição da

República Portuguesa".

Alegou o Ministério Público, neste Tribunal:

"1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada O presente recurso obrigatório vem interposto de decisão, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou inconstitucional a norma constante do artigo 111.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável no âmbito do contencioso administrativo, por entender que violaria o princípio da "hierarquia dos tribunais" a vinculação do tribunal declarado competente para a causa, por decisão do outro

tribunal, transitada em julgado.

Na verdade, e como refere a decisão recorrida, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga declarou-se territorialmente incompetente para a acção contenciosa perante si intentada, tendo tal decisão, notificada às partes, transitado em julgado - entendendo o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, para onde os autos foram remetidos, que não estaria vinculado àquele julgamento quanto à competência.

A questão suscitada parece-nos manifestamente improcedente, já que a "vinculação do tribunal, tido por competente para a causa, surge como decorrência do trânsito em julgado de uma precedente decisão jurisdicional sobre a questão da competência. Tal vinculação é, pois, mera decorrência da figura do caso julgado formal e da tutela constitucional conferida a tal instituto, com vista à garantia de um princípio de segurança jurídica e estabilidade das decisões judiciais definitivas.

Como é evidente e incontroverso, as decisões sobre matéria processual, transitadas em julgado ao longo de um processo, impõem-se inteiramente aos juízes que nele intervenham subsequentemente - incluindo aos dos tribunais superiores, que deverão ter por intocadas as precedentes decisões, mesmo tidas por ilegais, que hajam constituído caso julgado formal (cfr a situação sobre que versou o juízo de inconstitucionalidade

formulado no Acórdão 44/04).

Note-se que, no caso dos autos, estamos perante decisões tomadas por tribunais administrativos situados no mesmo patamar da "hierarquia judiciária", pelo que carece de sentido a invocação de que o caso julgado formal impediria "os tribunais superiores de fiscalizar a legalidade de tais decisões proferidas por tribunais de 1.ª instância".

Como é evidente, a sujeição à força vinculativa do caso julgado não afronta o princípio da hierarquia e independência decisória dos tribunais e dos juízes, constituindo mero afloramento ou decorrência de que as decisões judiciais, não tempestivamente impugnadas num processo, se tornam vinculativas para todos os sujeitos e intervenientes processuais, incluindo o próprio tribunal, que deixa de poder discutir o acerto e legalidade da decisão coberta pelo caso julgado.

2 - Conclusão

Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:

1.º A norma constante do artigo 111.º, n.º 2, do Código Processo Cível, aplicável subsidiariamente no âmbito do contencioso administrativo, ao estabelecer que a formação de caso julgado formal sobre a questão da competência do tribunal preclude a possibilidade de a questão ser novamente suscitada oficiosamente pelo tribunal julgado competente não afronta os princípios constitucionais da hierarquia e da

independência decisória.

2.º Termos em que deverá proceder o presente recurso."

II. Fundamentação

3 - A decisão recorrida afastou a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 111.º do Código de Processo Civil, aplicável ao contencioso administrativo por força do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com fundamento na sua inconstitucionalidade por entender que esta norma, ao impedir os tribunais superiores de fiscalizar a legalidade das decisões proferidas por tribunais de 1.ª instância, viola o princípio constitucional da hierarquia dos tribunais ou da organização hierárquica dos tribunais (artigos 210.º n.º 1, 3 e 4 e 212.º n.º 1 da

Constituição).

O n.º 2 do artigo 111.º do Código de Processo Civil, o qual dispõe sobre a instrução e julgamento da excepção de incompetência relativa do tribunal, estabelece que "[a] decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada."

Por sua vez, o artigo 108.º do mesmo Código enuncia os casos em que se verifica a incompetência relativa do tribunal estabelecendo que "A infracção das regras de competência fundadas no valor da causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99.º e 100.º determina a incompetência relativa do tribunal".

Ora, atenta a natureza instrumental do recurso de inconstitucionalidade, o presente recurso tem por objecto a apreciação da conformidade constitucional unicamente da norma constante do n.º 2 do artigo 111.º do Código do Processo Civil, que determina que a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência

territorial.

A questão que se coloca é, pois, a de saber se é inconstitucional, por violação princípio constitucional da hierarquia dos tribunais ou da organização hierárquica dos tribunais (artigos 210.º, n.º 1, 3 e 4 e 212.º, n.º 1 da Constituição), como considerou o tribunal recorrido, a norma ínsita no n.º 2 do artigo 111.º do Código do Processo Civil, que determina que a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da

competência territorial.

4 - A resposta a esta questão é claramente negativa.

O tribunal recorrido decidiu desaplicar, no caso, a norma ínsita no n.º 2 do artigo 111.º do Código do Processo Civil por entender que a vinculação do tribunal declarado competente em razão do território por decisão de outro tribunal, transitada em julgado, viola o princípio da hierarquia dos tribunais, por impedir os tribunais superiores de fiscalizar a legalidade de tais decisões proferidas por tribunais de 1.ª instância.

Todavia, ao contrário do que se refere, a decisão sobre a competência territorial, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, não está, por força do n.º 2 do artigo 111.º do Código de Processo Civil, subtraída à fiscalização dos tribunais superiores. Com efeito, a força vinculativa da decisão sobre a competência territorial de um tribunal, atribuída pelo n.º 2 do artigo 111.º do Código de Processo Civil, apenas opera, como neste preceito expressamente se refere, após o trânsito em julgado da decisão, ou seja, quando a decisão já não for susceptível de recurso ordinário.

O que está em causa nesta norma não é, por conseguinte, a insusceptibilidade de recurso da decisão sobre a questão da competência territorial, mas sim o valor dessa decisão, uma vez transitada em julgado, pois a vinculação do tribunal declarado competente para decidir o processo deriva do trânsito em julgado da decisão sobre a competência. Dito de outro modo: a vinculação do tribunal para o qual é remetido o processo decorre da força do caso julgado, ou seja, da força obrigatória da decisão que recaiu sobre um dos pressupostos da relação processual, transitada em julgado.

Na verdade, no julgamento da excepção de incompetência relativa, em razão do território, ao contrário do que se verifica no julgamento da excepção de incompetência absoluta, a procedência da excepção não conduz à extinção da instância, por absolvição do réu da instância ou por indeferimento em despacho liminar, apenas determinando a remessa do processo ao tribunal competente, nele prosseguindo os

seus trâmites.

Ora, como é incontroverso, as decisões sobre a relação jurídica processual transitadas em julgado ao longo do processo, ou seja, as que não foram adequada e tempestivamente impugnadas, formam caso julgado sendo vinculativas para todos os sujeitos e intervenientes processuais, incluindo os próprios tribunais, como não podia

deixar de ser.

Em suma, o que o n.º 2 do referido artigo 111.º implica é atribuir a uma decisão transitada sobre matéria processual força de caso julgado. E é deliberadamente assim, por serem regras menos relevantes no que toca à organização da competência (territorial), do que as que determinam a competência absoluta.

E a verdade é que o tribunal recorrido está no mesmo plano hierárquico do tribunal onde a questão ficou julgada, sendo por isso desajustada a invocação de regras de competência hierárquica; o que de útil se retira daquela norma nada tem a ver com a hierarquia, porque o regime que dela consta tanto vale para os casos em que a decisão definitiva sobre incompetência relativa provém da 1.ª instância como quando provém

de um tribunal de recurso.

Deste modo, a norma ínsita no n.º 2 do artigo 111.º do Código do Processo Civil, que determina que a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência territorial, não afronta outros interesses dotados de tutela constitucional, designadamente a organização hierárquica dos tribunais.

A norma não padece, em suma, da apontada inconstitucionalidade material.

III. Decisão

5 - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional julga procedente o recurso e, em consequência, decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma ínsita no n.º 2 do artigo 111.º do Código do Processo Civil, que determina que a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência territorial;

b) Determinar a reformulação da decisão recorrida, em conformidade com o

precedente juízo de constitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 26 de Maio de 2009. - Carlos Pamplona de Oliveira - Gil Galvão - José Borges Soeiro - Maria João Antunes - Rui Manuel Moura Ramos.

201978445

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/07/07/plain-256320.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/256320.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2003-12-29 - Decreto-Lei 325/2003 - Ministério da Justiça

    Define a sede, a organização e a área de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, concretizando o respectivo estatuto.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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