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Acórdão 72/2009, de 16 de Março

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Sumário

Julga inconstitucional, [por violação dos nos. 3 e 4 do art. 268º] a norma contida no artigo 63.º do Código de Processo Tributário, quando interpretada no sentido de que uma declaração que não comunique de forma autónoma e individualizada o acto notificando, tornando excessivamente oneroso o acesso à justiça administrativa, deve, ainda assim, ser configurada como notificação.

Texto do documento

Acórdão 72/2009

Processo 916/2007

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - O BANIF - Banco Internacional do Funchal, S. A., apresentou junto da Administração Tributária uma reclamação graciosa de uma eventual correcção da matéria colectável do exercício de 1990 a qual, no entendimento do então reclamante,

nunca lhe teria sido notificada.

Sobre esta reclamação recaiu uma decisão do Sr. Director Distrital de Finanças do Funchal que, em sede já de recurso hierárquico, confirmou a decisão de indeferimento da reclamação com o fundamento de que, ao contrário do alegado pelo então reclamante, a notificação da correcção da matéria colectável tinha efectivamente

ocorrido.

2 - Assume ainda relevância para apreciação do presente recurso a conduta procedimental do ora recorrente. É que, previamente à apresentação da reclamação em que alegava a falta de notificação de um acto que, no seu entendimento, afectava os seus direitos e interesses legítimos, o ora recorrente apresentou, ao abrigo do que dispunha o artigo 22.º, n.º 1, do então em vigor Código de Processo Tributário (CPT), um pedido dirigido à Direcção Distrital de Finanças em que solicitava a fundamentação legal do acto de correcção da matéria colectável. Este pedido, por ter sido apresentado para além do prazo de 30 dias consagrado no normativo em questão, foi indeferido pelo Sr. Director Distrital de Finanças do Funchal.

O BANIF - Banco Internacional do Funchal, S. A., apresentou então, ao abrigo do artigo 53.º, n.º 1, do CPT, requerimento de passagem de certidão o qual mereceu

deferimento.

3 - O BANIF - Banco Internacional do Funchal, S. A., impugnou judicialmente a decisão referida em 1. anterior junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal pretendendo, nesta acção, a anulação do despacho do Sr. Director Distrital de Finanças do Funchal que indeferiu a reclamação graciosa, relativa ao IRC de 1990 e

apresentada em Junho de 1996.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal decidiu pela improcedência desta impugnação por entender que a impugnação judicial havia sido deduzida fora de prazo, intempestividade esta que resultava já da intempestividade da reclamação graciosa referida em 1. anterior fundada, por sua vez, na apresentação, fora de prazo, do pedido a que se refere o disposto no artigo 22.º, n.º 1, do CPT.

O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 4 de Abril de 2006, confirmou,

em sede de recurso, esta decisão.

Deste acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul veio o ora recorrente interpor recurso por oposição de julgados para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo este tribunal proferido acórdão, a 2 de Maio de 2007, no sentido de que, por não existir a oposição de julgados alegada pelo recorrente, não deveria o recurso ser apreciado.

4 - Notificado deste acórdão a 7 de Maio de 2007, e inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, veio o BANIF - Banco Internacional do Funchal, a 15 de Maio de 2007, interpor o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, alterada por último pela Lei 13-A/98, de 26 de

Fevereiro (Lei do Tribunal Constitucional).

5 - Nas conclusões de recurso apresentado junto do Tribunal Central Administrativo Sul o ora recorrente vem dizer, no que importa para o presente processo, que a interpretação do Tribunal a quo do disposto no artigo 63.º do CPT (actual artigo 35.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)), quando admite que os contribuintes se devam considerar notificados de um acto ainda que não disponham de meios suficientes para conhecer o seu conteúdo, viola o disposto no artigo 268.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. Mais refere o ora recorrente que também a interpretação que o tribunal a quo faz do que dispõe o artigo 22.º do CPT (actual 37.º, n.º 1, do CPPT) é inconstitucional por violação do que dispõe o artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (cf. em especial as conclusões XXXIII, XXXVII, XXXVIII e XXXIX a fls. 362 e ss dos autos).

6 - Quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas o Tribunal Central Administrativo Sul fundou a sua decisão, no que importa o presente recurso, nos

seguintes termos:

(...)

Ora, a alteração da situação tributária dos contribuintes, designadamente da alteração da matéria colectável, encontrava-se sujeita a notificação e por carta registada com A/R, nos termos do disposto no art. 65.º do CPT, então vigente, como a própria AT também entende (cf. inf. de fls. 35 a 37 dos autos, onde se considera tal notificação como, uma formalidade essencial do acto tributário...) Porém, a notificação, nos termos do disposto no art. 63.º n.º 1 do CPT, consiste no acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a

juízo.

No caso, dúvidas não restam de que a notificação do 1.º apuramento da matéria tributável (e que alterou a que por si fora declarada) jamais foi notificada à ora recorrente de forma autónoma e individualizada.

Porém, como consta na matéria dos pontos 7., 8., 9., 12., 13., 26., 27. e 31. do probatório e melhor se colhe dos autos, na notificação operada e relativa ao 2.º apuramento e respectiva liquidação (nula), foi contida, também, a matéria do referido 1.º apuramento, enquanto se reflectiu na respectiva ordem de grandeza, ou seja, neste 2.º apuramento que lhe foi remetido, em vez de ter sido indicado o lucro tributável por si declarado na declaração de rendimentos do exercício em causa, de 1.497.409.783$, foi indicado o de 599.090.718$, já apurado no referido 1.º apuramento, pelo que não podendo o ora recorrente deixar de saber que não havia indicado este valor (2.599.090.718$), como lucro tributável do exercício, por ser um facto que lhe é pessoal, não poderia deixar de concluir que ocorrera uma qualquer alteração do montante do lucro tributável que havia declarado.

E nem devia presumir que tal menção daquele montante se devia a lapso da Administração Fiscal, como invoca na matéria da sua conclusão XIII (prova que em todo o caso não veio fazer), face aos princípios que enformam a actuação da Administração na sua relação com os particulares, desde logo aos constitucionais, previstos nas normas dos arts. 266.º e segs. (numeração actual), e, mesmo, perante, uma eventual suspeita de lapso, o caminho a seguir seria o da procura da informação atinente e não o do silêncio ou da omissão.

Também o recorrente carece de razão ao invocar que o valor apurado no primeiro apuramento não deveria ter sido inscrito na linha 41, campo 262 da declaração modelo DC 22 - cf. matéria da sua conclusão XIV. Segundo os dizeres dela própria, subordinada à epígrafe, «Apuramento», na linha 40, campo 261, inscreve-se o total das correcções aí apuradas (positivas ou negativas), na linha seguinte (41), campo 262, inscreve-se o lucro ou prejuízo declarado, e na linha 42, campo 263, tem, necessariamente, de se inscrever o resultado dos dois campos anteriores, como o total ou resultado (diferença ou adição) e desta forma alcançar a mensuração do lucro tributável desse exercício. Como forma de "medir" esse lucro tributável, nessa linha 41, campo 262, não poderá deixar de se inscrever o lucro tributável declarado ou, caso ele já tenha sido alterado por algum anterior apuramento, o valor aí encontrado (sendo a própria norma do art. 17.º n.º 1 do CIRC, que nessa determinação o reporta ao lucro tributável declarado ou corrigido), sob pena de não conduzir ao correcto apuramento desse lucro, que é, o que afinal aí se visa alcançar, tal como aliás se repete no «Quadros de Recolha», subordinados aos mesmos números de campo (cf. cópia de fls

19 dos autos de reclamação)

É certo que a norma do art. 21.º do CPT, então vigente, dispõe que a notificação das decisões em matéria tributária que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes conterão os respectivos fundamentos de facto e de direito,

a qual lhes será notificada com a decisão.

E no caso, tal norma não foi integralmente cumprida, porque nenhuma fundamentação lhe foi remetida com a notificação do referido 2.º apuramento e relativo ao referido 1.º apuramento, mas tal falta, como se sabe, não contende com a validade ou perfeição do acto mas tão só com a sua eficácia externa, como constitui jurisprudência que se considera firmada, designadamente do STA [...].

Também a norma do art. 268.º da CRP (numeração actual) não fulmina de nulidade ou anulabilidade do acto administrativo em geral por falta da sua notificação, antes remete para a lei ordinária tais efeitos, e que são, como se disse, de falta da sua eficácia externa, que não da sua validade ou perfeição, o que bem se compreende, sabido que a notificação, constitui um acto extrínseco ou exterior ao próprio acto notificado, não se vislumbrando assim, qualquer inconstitucionalidade na interpretação das normas supra

referidas [...].

Aliás, nem se compreenderia que a sanção por vício respeitante a acto posterior à liquidação e que em nada contende com a perfeição desta fosse a sua anulação.

Perante tal falta de remessa da fundamentação nesta parte, a sanação obtinha-se por requerer a notificação da parte omitida, ou a passagem de certidão que a contivesse, isenta de qualquer pagamento, ou seja quanto à parte das correcções que foram efectuadas no referido l.º apuramento e que naquele 2.º apuramento se dava conta, ao abrigo do disposto no art. 22.º do mesmo CPT, o que, de resto, o ora recorrente não deixou de vir fazer, mas só que já fora do prazo que a lei lhe concede para o efeito, facto que só a si próprio lhe poderá ser imputável.

O uso desta faculdade, não consubstanciando, embora, um ónus de satisfação obrigatória, é, no entanto, condição necessária para que o termo inicial do prazo para a dedução da impugnação ou reclamação graciosa se conte, não com a data da primeira notificação, mas com o daquela que o contribuinte suscite, pois de outro modo se não entenderia a imposição daquele prazo de 30 dias [...].

E assim sendo, tal falta de notificação (autónoma) tem de se considerar suprida pela notificação que, mais tarde, veio a ser efectuada - a de 27.11.1995, referida - onde levou o conhecimento da ora recorrente, não só o montante do 2.º apuramento, como também, conjuntamente, o do 1.º apuramento referido, ainda que de forma imperfeita, por não lhe ter sido remetida também, a respectiva fundamentação desta, assim se tendo suprido qualquer irregularidade procedimental consistente naquela falta de

notificação autónoma.

Como refere Jorge Lopes de Sousa [...], a não observância da forma de notificação exigida constituirá uma irregularidade que não afectará o valor da notificação, desde que se comprove que ela foi efectivamente efectuada, pois as formalidades processuais são meios de garantir objectivos e não um a finalidade em si mesmas.

Por isso, sempre que seja atingido o objectivo, serão irrelevantes as irregularidades.

No mesmo sentido caminha a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, designadamente no acórdão deste Tribunal no recurso n.º 6227/2002, de 11.6.2002, ao se afirmar: ... Tendo a recorrente tomado conhecimento do acto através de carta registada ... deve concluir-se que a irregularidade acima referida em que a recorrente baseou a sua impugnação não acarreta a invalidade da liquidação ... até porque é certo que, à luz do princípio do máximo aproveitamento dos actos administrativos, que é decorrência do princípio geral da proibição da prática de actos inúteis, se teria de

considerar sanada a invocada irregularidade.

Na verdade, as formalidades preteridas deixam de ser essenciais quando apesar da omissão se tenha verificado o facto que elas se destinavam a preparar ou alcançado o objectivo específico que, com elas, se visava produzir.

E no de 27.9.2000, recurso n.º 25.273, do STA:

Devem considerar-se sanadas as irregularidades procedimentais quando, apesar de elas terem sido praticadas, for atingida a finalidade que a lei pretendia atingir com a sua

imposição.

E no de 8.11.2000, recurso n.º 24.532, igualmente do STA:

Alcançado o efeito jurídico perseguido pela lei ao prever a notificação por carta registada, isto é, certeza de que o destinatário daquela tornou conhecimento do teor do acto tributário em causa, a eventual preterição de formalidade legal (notificação por carta registada com aviso de recepção) traduzida em vício formal do procedimento não demanda a invalidade do posterior acto de liquidação.

Aquela formalidade, originariamente essencial, perante a satisfação do escopo legal que

lhe subjaz, degrada-se em não essencial.

Como o ora recorrente foi notificado da liquidação (nula) em 27.11.1995, como não sofre dúvidas, proveniente do lucro tributável do referido 2.º apuramento onde se continha o lucro tributável corrigido no 1.º apuramento, e que este alterara, por sua vez, o por si declarado na respectiva declaração de rendimentos relativa a esse mesmo exercício, e em 18.1.1996, requereu nos termos do disposto no art. 22.º do CPT, então vigente, a fundamentação legal dessas correcções, que lhe foi indeferida por fora de prazo, já a mesma, na realidade, se encontrava fora do respectivo prazo de 30 dias a contar da data dessa notificação, não podendo depois vir fundar na entrega dessa certidão, o termo "a quo" para a contagem do prazo de dedução nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo art. 22.º, quer da reclamação graciosa, quer da impugnação judicial, arrastando consigo, a extemporaneidade originária àquela atinente.

(...)

7 - No requerimento de recurso de constitucionalidade, o ora recorrente veio suscitar as seguintes questões de constitucionalidade:

(i) inconstitucionalidade do artigo 63.º do CPT (actual artigo 35.º do CPPT), por violação do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição, quando interpretado no sentido de que uma declaração que não tenha por intenção específica a de comunicar o acto notificando deve, ainda assim, ser configurada como um acto do tipo notificação;

(ii) inconstitucionalidade do artigo 63.º do CPT (actual artigo 35.º do CPPT), por violação do artigo 268.º, n.º 4 da Constituição, quando interpretada no sentido de que um acto de notificação que não contenha os elementos suficientes para gerar a cognoscibilidade da decisão pode ainda ser oponível ao interessado, designadamente para desencadear o respectivo prazo de impugnação;

(iii) inconstitucionalidade do artigo 22.º do CPT (actual artigo 37.º, n.º 1, do CPPT) por violação dos artigos 268.º, n.º 4 e n.º 3, da CRP, quando interpretado no sentido de que uma notificação viciada de insuficiência absoluta, por falta dos seus elementos essenciais (indicação do tipo legal de acto, do seu sentido ou conteúdo, do autor e da data), possa ainda desencadear o início do decurso do prazo de impugnação, caso o interessado não use tempestivamente a faculdade de requerer certidão dos elementos

em falta.

8 - Admitido o recurso, foi determinada a produção de alegações, que o recorrente

concluiu da seguinte forma:

I. Desde a sua revisão de 1982 que a Constituição da República Portuguesa inclui entre os direitos e garantias dos administrados o direito à notificação dos actos administrativos. A este direito fundamental dos sujeitos de direito enquanto administrados corresponde o dever da Administração de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, das decisões que os afectem.

II. Entre outras funções, a notificação desempenha um papel garantístico ou processual, na medida em que, só após a notificação, pode o acto ser oponível e iniciar-se o decurso do prazo de impugnação. O direito à notificação dos actos administrativos apresenta, assim, uma estreita conexão com aqueloutro direito fundamental à tutela

jurisdicional efectiva.

III. A exigência de que uma decisão administrativa não produza efeitos ablativos enquanto não tiver sido notificada àqueles que ela afecta constitui uma decorrência

garantística do valor do Estado de Direito.

IV. O acto de notificação é, antes de mais, um acto jurídico e, da própria noção de acto jurídico, resulta logo a ideia de acto voluntário: a notificação há de consubstanciar

uma comunicação intencional de um facto.

V. A notificação há de ser um acto individual, regido pelo princípio da recepção: o direito à notificação do acto administrativo não é apenas o direito de aceder a uma informação que é posta à disposição do interessado, que a pode procurar, mas o direito à recepção do acto na esfera da perceptibilidade normal do destinatário.

VI. Além de acto jurídico, intencional e individual, a notificação tem de ser formal. E, ainda que a própria lei deixe alguma margem de versatilidade (discricionariedade quanto às formalidades), não é de considerar notificação o simples conhecimento

acidental.

VII. Para que uma actuação administrativa possa ser qualificada como notificação, e assim cumprir cabalmente as funções para que se encontra destinada, há-de conter a indicação de elementos essenciais, a saber: a indicação da existência de um acto administrativo, dos seus conteúdo e sentido, do autor, da data de prática e dos fundamentos, bem como, segundo a tendência mais recente da legislação, dos meios de

defesa e respectivos prazos.

VIII. Não correspondendo a actuação administrativa ao que exige que seja uma notificação, há que operar uma distinção entre situações de inexistência ou insuficiência absoluta da notificação e mera insuficiência relativa ou suprível da notificação.

IX. Falte apenas a indicação dos fundamentos do acto - mas dando-se a conhecer a existência do acto, o seu sentido, o autor e a data - prevalece o princípio da autotutela declarativa ou da segurança jurídica: o acto notificando torna-se oponível e é o particular que, dispondo já do conhecimento daqueles elementos essenciais, fica com o ónus de pedir a certidão para obter o elemento em falta e, entretanto, interromper o decurso do prazo. Assim considerou o douto Tribunal Constitucional, no Ac. 245/99.

Apenas em casos de insuficiência relativa é que pode, pois, ter lugar a aplicação de

normas como as do artigo 22.º do CPT.

X. Já assim não se deve entender se a actuação da Administração não corresponder, desde logo, ao tipo da notificação, maxime se não lhe assistir o carácter intencional de levar ao conhecimento (pessoal, receptício) do destinatário o acto que foi praticado.

Assim será, também, se apenas se produzir a comunicação da existência de um acto, sem se indicar qual o seu conteúdo e o seu sentido - caso em que, como já foi afirmado pelo Tribunal Constitucional no Ac. 383/05, estaremos perante uma mera comunicação e não perante uma notificação. Ou quando, por faltarem outros elementos essenciais - como o autor e a data da prática do acto - não seja sequer possível ao particular recorrer ao mecanismo consagrado no artigo 22.º do CPT. Verificando-se a inexistência ou a insuficiência absoluta da notificação, o acto é inoponível ao administrado e não pode ser iniciado o decurso do prazo de defesa.

XI. A distinção entre inexistência ou insuficiência absoluta da notificação e insuficiência relativa da notificação há-de resultar da ponderação, segundo o princípio da proporcionalidade, entre os princípios constitucionais colidentes - de um lado, o princípio, que também consubstancia um direito fundamental, da notificação de actos administrativos, de outro, o princípio da autotutela declarativa e o princípio da segurança jurídica, que depõem contra a manutenção indefinida de um acto

administrativo como impugnável.

XII. Da tarefa de concordância prática entre os princípios colidentes, resulta que, sempre a notificação, apesar de insuficiente, ainda permitir ao destinatário defender-se do acto, utilizando os elementos fornecidos para pedir a certidão e obter os elementos em falta, se estará perante uma mera insuficiência relativa, que não obsta à

oponibilidade do acto.

XIII. Em contrapartida, naquelas situações em que o administrado não dispusesse ao menos dos conhecimentos essenciais para compreender que se encontra emitido um acto administrativo destinado a comprimir de certo modo a sua esfera jurídica e que a Administração considera ter levado a cabo a respectiva notificação, esse acto ser-lhe-á

absolutamente inoponível.

XIV. No douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de que agora se recorre, está em causa a questão de saber se o acto de 1.º apuramento do lucro tributável foi notificado. Este acto não foi notificado autonomamente, como se reconhece expressamente no douto Acórdão recorrido. Simplesmente, o valor desse 1.º apuramento surge englobado numa coluna de um mapa anexo à notificação do 2.º apuramento, sem indicação expressa de que fora praticado um acto anteriormente e sem indicação do seu sentido, do autor, da data, dos fundamentos, dos meios de defesa

e dos prazos respectivos.

XV. Porém, considerou o douto Acórdão recorrido que o 1.º acto acabou por ser notificado ao Recorrente, juntamente com a notificação do 2.º apuramento, «enquanto se reflectiu [nosso destaque] na ... ordem de grandeza ... [do] ... 2.º apuramento que lhe foi remetido», pelo que «... não poderia [o BANIF] deixar de concluir que ocorrera uma qualquer [nosso destaque] alteração do montante do lucro tributável que havia

declarado».

XVI. Parece indiscutível que tal situação não corresponde, de todo, a uma qualquer comunicação intencional do 1.º apuramento, individualizada e formal, o que redunda na inexistência de notificação. Fornecer "uma qualquer" pista da eventual existência de um acto administrativo não constitui notificação do acto. Assim já afirmou o Tribunal Constitucional, no Ac. 383/05: "«O direito à notificação do acto administrativo não é apenas o direito de aceder a uma informação que é posta à disposição do interessado, que a pode procurar, mas o direito à recepção do acto na esfera da perceptibilidade

normal do destinatário»".

XVII. Note-se que, mesmo que tivessem sido omitidos o sentido do acto, o autor e a data da prática, mas houvesse uma comunicação - expressa e intencional - da existência de um acto - ainda assim, tratar-se-ia de mera comunicação, não reconduzível ao conceito de notificação; ou, de outra forma, seria um caso de

inexistência de notificação.

XVII. A Administração Tributária, na notificação do 2.º apuramento, nem sequer declara ter tido lugar a emissão de um primeiro acto. E, não se configurando minimamente a existência de uma decisão autónoma - através de uma menção expressa ao acto da sua emissão e da identificação de um seu conteúdo próprio - também não admira que se não tenha indicado qualquer entidade que a haja praticado, a data, a delegação de competência eventualmente utilizada e os meios de defesa e o prazo para reagir. À pretensa notificação não falta um elemento essencial mas, antes, todos os elementos essenciais. Mais, falta a própria indicação da tomada de uma decisão.

A Fazenda Pública contra-alegou, dizendo:

1. Contra-alegando no recurso interposto por BANIF - Banco Internacional do Funchal, S. A., a representante da Fazenda Pública manifesta o seu total apoio à tese do douto Acórdão recorrido no sentido de que, por constar da notificação relativa ao segundo apuramento também a matéria do primeiro apuramento, na medida em que, no segundo apuramento em vez de ter sido indicado o lucro tributável indicado na declaração de rendimentos da recorrente do exercício em causa, foi indicado o valor de apuramento diferente, "não podendo a recorrente deixar de saber que não havia indicado esse valor (2.599.090.718$00) (apurado pela administração fiscal), como lucro tributável de exercício, por ser um facto que lhe é pessoal, não podia deixar de concluir que ocorrera uma qualquer alteração do montante do lucro tributável que havia

declarado".

2. Com efeito, através da notificação do segundo apuramento a recorrente tomou conhecimento de todo o alcance da actividade da administração fiscal que lhe permitiu decidir do meio de impugnação adequado à defesa do seu direito.

3. O que o douto Acórdão, ao julgar que a falta de notificação autónoma tem de considerar-se suprida pela notificação que mais tarde veio a ser efectuada, onde levou ao conhecimento do recorrente, não só o montante do segundo apuramento, como também conjuntamente o do primeiro apuramento não perfilhou qualquer entendimento susceptível de acarretar para o contribuinte ora recorrente o ónus de procurar um

hipotético acto.

4. Não desrespeitando o direito fundamental dos administrados à notificação dos actos administrativos e o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos n

º s 3 e 4 do artigo 268º da CRP.

Pelo que, com considera o douto Acórdão, não ocorre a alegada inconstitucionalidade, devendo ser mantido o douto Acórdão recorrido.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos

A) Delimitação do objecto do recurso

9 - São três as questões de constitucionalidade que vêm suscitadas no âmbito do presente processo. A saber (i) a inconstitucionalidade do artigo 63.º do CPT (actual artigo 35.º do CPPT), quando interpretado no sentido de que uma declaração que não tenha por intenção específica a de comunicar o acto notificando deve, ainda assim, ser configurada como um acto do tipo notificação (ii) a inconstitucionalidade da norma do artigo 63.º do CPT (actual artigo 35.º do CPPT), quando interpretada no sentido de que um acto de notificação que não contenha os elementos suficientes para gerar a cognoscibilidade da decisão pode ainda ser oponível ao interessado, designadamente para desencadear o respectivo prazo de impugnação e (iii) a inconstitucionalidade do artigo 22.º do CPT (actual artigo 37.º, n.º 1, do CPPT), quando interpretada no sentido de que uma notificação viciada de insuficiência absoluta, por falta dos seus elementos essenciais (indicação do tipo legal de acto, do seus sentido ou conteúdo, do autor e da data), possa ainda desencadear o decurso do prazo de impugnação, caso o interessado não use tempestivamente a faculdade de requerer certidão dos elementos

em falta.

No entanto, e como resulta do relato atrás feito, verifica-se que o pedido formulado pelos recorrentes no seu requerimento de interposição de recurso (e que limita, como muito bem se sabe, os poderes de cognição do Tribunal Constitucional ) depende de uma apreciação, levada a cabo pelo tribunal a quo e cuja bondade não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar, que consiste numa especial e concreta qualificação dos elementos de facto trazidos ao processo (e que vêm, no fundo, balizar o pedido).

No caso, esta qualificação dos factos, para que o Tribunal possa apreciar as questões que lhe são trazidas, traduz-se na necessária existência de:

(i) uma declaração da Administração Tributária que não tenha por intenção específica a

de comunicar o acto notificando;

(ii) um acto de notificação que não contenha os elementos suficientes para gerar a

cognoscibilidade da decisão e

(iii) uma notificação viciada de insuficiência absoluta, por falta dos seus elementos essenciais (indicação do tipo legal de acto, do seus sentido ou conteúdo, do autor e da

data).

Ora, analisando o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul recorrido, verifica-se, como um dado que não cumpre ao Tribunal Constitucional controlar, que aquele tribunal entendeu que a notificação do segundo apuramento incluía a notificação do primeiro apuramento/correcção do lucro tributável faltando tão só a respectiva

fundamentação.

Por outras palavras, dos elementos constantes dos autos, verifica-se que o tribunal a

quo entendeu que não existia

(i) um acto de notificação que não contivesse os elementos suficientes para gerar a

cognoscibilidade da decisão nem

(ii) uma notificação viciada de insuficiência absoluta, por falta dos seus elementos essenciais (indicação do tipo legal de acto, do seus sentido ou conteúdo, do autor e da

data).

Isso mesmo decorre das considerações do tribunal a quo a fls. 386 a 387, assumindo

especial relevância as seguintes passagens:

No caso, dúvidas não restam de que a notificação do 1.º apuramento da matéria tributável (e que alterou a que por si fora declarada) jamais foi notificada à ora recorrente de forma autónoma e individualizada.

Porém (...) na notificação operada e relativa ao 2.º apuramento e respectiva liquidação (nula), foi contida, também, a matéria do referido 1.º apuramento, enquanto se reflectiu na respectiva ordem de grandeza (...), pelo que não podendo o ora recorrente deixar de saber que não havia indicado este valor (...) como lucro tributável do exercício, por ser um facto que lhe é pessoal, não poderia deixar de concluir que ocorrera uma qualquer alteração do montante do lucro tributável declarado.

(...)

É certo que a norma do artigo 21 do CPT, então vigente, dispõe que a notificação das decisões em matéria tributária que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes conterão os respectivos fundamentos de facto e de direito,

a qual lhes será notificada com a decisão.

E no caso, tal norma não foi integralmente cumprida, porque nenhuma fundamentação lhe foi remetida com a notificação do referido 2.º apuramento e relativo ao referido 1.º apuramento, mas tal falta, como se sabe, não contende com a validade ou perfeição do acto mas tão só com a sua eficácia externa, como constitui jurisprudência que se considera firmada, designadamente do STA". (realce nosso) Significa isto que o juízo do tribunal a quo se baseou tão só na consideração de que com a notificação do segundo acto de apuramento e liquidação ocorrera a notificação do primeiro acto de apuramento da matéria tributável que veio corrigir o lucro tributável, notificação aquela à qual lhe faltava, apenas, a respectiva fundamentação.

Pode eventualmente o recorrente discordar do sentido desta decisão; certo é porém que tal não é sindicável pelo Tribunal, que não discute a forma como o direito ordinário foi ou deveria ter sido aplicado. Como se disse no Acórdão 44/85: " Saber se a norma era ou não aplicável ao caso, ou se foi bem ou não bem aplicada - isso é da competência dos tribunais comuns, e não do Tribunal Constitucional." (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, p. 408).

10 - Assim sendo, resta concluir que a decisão recorrida não fez aplicação de todas as «normas» que foram indicadas pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso, pelo que há duas questões de (in)constitucionalidade que não integram a ratio decidendi da sentença de que se recorre. São elas:

(ii) a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 63.º do CPT (actual artigo 35.º do CPPT), quando interpretada no sentido de que um acto de notificação que não contenha os elementos suficientes para gerar a cognoscibilidade da decisão pode ainda ser oponível ao interessado, designadamente para desencadear o respectivo prazo de

impugnação e

(iii) a questão da inconstitucionalidade do artigo 22.º do CPT (actual artigo 37.º, n.º 1, do CPPT), quando interpretada no sentido de que uma notificação viciada de insuficiência absoluta, por falta dos seus elementos essenciais (indicação do tipo legal de acto, do seus sentido ou conteúdo, do autor e da data), possa ainda desencadear o decurso do prazo de impugnação, caso o interessado não use tempestivamente a faculdade de requerer certidão dos elementos em falta.

Ao invés, deve considerar-se que o entendimento do tribunal a quo em nada obsta a que se considere que a Administração Tributária emitiu uma declaração sem a intenção

específica de comunicar o acto notificando.

Isso mesmo decorre do seguinte excerto do acórdão recorrido (fls. 387) que se

retranscreve:

No caso, dúvidas não restam de que a notificação do 1.º apuramento da matéria tributável (e que alterou a que por si fora declarada) jamais foi notificada à ora recorrente de forma autónoma e individualizada.

Nestes termos, e porque se entende não estarem preenchidas as condições para o conhecimento do objecto do recurso no que respeita as questões (ii) e (iii) citadas, o objecto do presente recurso está limitado ao conhecimento da seguinte questão de

constitucionalidade:

(i) a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 63.º do CPT (actual artigo 35.º do CPPT), quando interpretada no sentido de que uma declaração que não comunique ao seu destinatário, de forma autónoma e individualizada, o acto notificando, deve, ainda assim, ser configurada como um acto do tipo notificação.

Sustenta o recorrente que esta norma, assim interpretada, lesa o disposto nos n.º s 3 do

artigo 268.º da CRP. Vejamos então.

B) A questão de constitucionalidade

I. A norma sob juízo

11 - Dispõe do seguinte modo, o artigo 63.º do Código de Processo Tributário (actual artigo 35.º do Código de Procedimento e Processo Tributário):

Artigo 63.º

Notificações e citações

1 - Diz-se notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma

pessoa ou se chama alguém a juízo.

2 - A citação é o acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa

interessada.

3 - Os despachos a ordenar citações ou notificações podem ser impressos e assinados

por chancela.

Como já se viu, o problema que se equaciona é o de saber se uma declaração que não comunique ao seu destinatário o acto notificando de forma autónoma e individualizada pode ser, sem que tal entendimento lese qualquer norma da Constituição, configurada como um acto do tipo notificação e, como tal, considerar-se, em aplicação do que dispõe o artigo 63.º do CPT, como tendo sido uma actuação procedimental suficiente para levar "um facto ao conhecimento de uma pessoa".

Da análise dos autos decorre que o tribunal a quo entendeu que a recorrida, com a notificação do segundo apuramento e correspondente liquidação, notificou, de forma simultânea, o primeiro acto de apuramento da matéria tributável (notificação que, à luz do entendimento do tribunal a quo, ocorreu através do mero englobamento numa coluna de um mapa anexo à notificação do 2.º apuramento). Entendeu ainda este tribunal que a interpretação do artigo 63.º do CPT que preconizou não contende com os limites constitucionalmente fixados para que um acto administrativo, independentemente da sua forma e quando afecte direitos ou interesses legalmente protegidos, venha a considerar-se notificado ao seu destinatário.

A recorrente, por seu turno, entende que a interpretação levada a cabo pelo tribunal a quo contende com os requisitos fixados pela Constituição no que respeita a notificação de actos lesivos considerando, a este propósito, que a notificação, para sê-lo, deverá conter necessariamente uma intenção específica de comunicação do acto notificando, sob pena de violação do que dispõe o n.º 3 do artigo 268.º da CRP.

A questão de constitucionalidade que cumpre resolver é, pois, a de saber se a Constituição obsta a que um acto praticado pela Administração, lesivo de um direito subjectivo de um particular, possa produzir efeitos relativamente ao seu destinatário quando tenha sido objecto de uma "notificação" que se consubstancie numa declaração feita de forma não autónoma e não individualizada.

Como já se viu, invoca aqui o recorrente, apenas, violação do disposto no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição. No entanto, e não estando naturalmente o Tribunal vinculado aos fundamentos de Direito aduzidos no recurso, deve já adiantar-se que, em bom rigor e no presente caso, os n.º s 3 e 4 do artigo 268.º da CRP se encontram irremediavelmente relacionados, pelo que a solução para o problema será, quanto a

ambos preceitos, apenas uma.

II. A especificidade da notificação de actos lesivos no nosso ordenamento jurídico II.1. A diferença entre notificar e publicar 12 - Foi na primeira revisão constitucional que se veio consagrar, no n.º 2 do artigo 268.º, o dever de os actos administrativos com eficácia externa serem notificados aos interessados. Este dever de notificação encontrava-se, à data, limitado aos casos em que os actos administrativos não tinham de ser oficialmente publicados.

Na revisão constitucional de 1989, o legislador constituinte tomou a opção de consagrar o dever de notificação a todos os actos administrativos com eficácia externa independentemente de estes deverem ou não ser obrigatoriamente publicados.

Já na revisão constitucional de 1997 o legislador constituinte acrescentou, no artigo 268.º, n.º 3 (renumerado na revisão de 1989), ao dever de notificação e de fundamentação expressa que esta última fosse ainda acessível quanto aos actos que afectassem direitos ou interesses legalmente protegidos.

13 - O caminho seguido pelo legislador constituinte a respeito da conformação deste dever de notificação dos actos administrativos com assento constitucional indicia, desde já, que deve distinguir-se a notificação da publicação dos actos administrativos.

Com efeito, da consagração constitucional do dever de notificar os actos, ainda que os mesmos venham a ser objecto de publicação obrigatória, retira-se que a notificação é um plus relativamente à publicação (quando esta seja obrigatória), não sendo, regra geral, os interesses dos destinatários [do acto] tutelados em termos constitucionalmente adequados se, no caso de um acto que afecte os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, aquele for apenas objecto de publicação.

Isto mesmo vem sendo dito pelo Tribunal em diversos arestos. No Acórdão 383/2005, de 13 de Julho de 2005 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 62.º vol., 2005), por exemplo, o Tribunal explicou, de forma detalhada e em fundamentação que se acompanha, qual a diferença essencial entre publicação e notificação de actos, diferença essa que justifica que os actos lesivos devam ser notificados (ainda que sejam, simultaneamente, objecto de publicação obrigatória).

O que importa reter a este respeito é que a notificação, ao contrário do que sucede com a publicação, almeja a comunicação individual do conteúdo do acto ao seu destinatário específico, por não serem consentâneas com as funções da notificação (geralmente desenhadas como sendo a função informativa, processual e constitutiva) aquelas «comunicações» que apenas acidentalmente informem sobre o conteúdo de

certo acto.

Quer isto dizer que quando a Constituição determina, em separado, a necessidade de notificar os actos administrativos lesivos dos particulares, independentemente de os publicitar, a lei fundamental vem, no fundo, afastar-se do entendimento segundo o qual o conhecimento do acto é, antes de mais, ónus do destinatário. Pelo contrário, a Constituição faz recair tal ónus sobre a própria Administração, que deverá levar a cabo, com alguns limites que adiante se analisará, todos os passos necessários e adequados para que o destinatário de um acto venha a efectivamente dele tomar

conhecimento.

II.2 A ratio da notificação: não tornar excessivamente oneroso o conhecimento dos

actos lesivos

13 - Pode perguntar-se por que razão consagrou o legislador constituinte este dever da Administração, ao invés de lhe conferir, sem mais, o poder de praticar actos (e de os executar) sem se ocupar do conhecimento dos mesmos por parte dos seus

destinatários.

A razão de ser desta opção constitucional reside na tutela de dois diferentes valores que se reconduzem, no essencial, a dois princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico: de um lado, o princípio da segurança (ínsito na ideia de Estado de Direito), do qual decorre a necessária cognoscibilidade, por parte dos destinatários dos actos da Administração, de todos os elementos que os integrem; de outro lado - mas de forma indissociável do primeiro - o princípio da tutela jurisdicional efectiva, dado que só será

impugnável o que for cognoscível.

Daqui decorre a relação estreita que se estabelece, a este propósito, entre o disposto no n.º 3 e o disposto no n.º 4 do artigo 268.º da CRP. O dever de notificação vem consagrado no n.º 3. Tal dever tem, como acabou de se ver, uma razão de ser ou um fundamento autónomo, na medida em que é ele próprio concretização de uma ideia mais vasta de segurança - ou da necessária cognoscibilidade de todos os actos do poder - , que vem inscrita no princípio do Estado de direito. Mas é este um dever que se justifica por ser, ele também, instrumento de realização do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no n.º 4 do mesmo artigo, dado que, se não forem cognoscíveis os actos da administração, se não poderá nunca vir a garantir a efectiva protecção judicial dos «direitos e interesses» dos administrados.

Mas então, indaga-se agora, não seria a publicação dos actos suficiente para atender

aos dois princípios referidos?

O legislador constituinte e a jurisprudência do Tribunal respondeu já negativamente a

esta questão. Vejamos:

II.3 O dever de notificar e a necessidade de garantir o efectivo conhecimento do acto

notificando

13 - No Acórdão 383/2005 já citado o Tribunal considerou não haver fundamento constitucionalmente relevante para o autor do acto ser dispensado do dever de notificação pessoal, formal e oficial dos destinatários de actos administrativos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, dever este constitucionalmente consagrado no artigo 268.º, n.º 3, e de forma reflexa, atendendo ao direito de impugnação

contenciosa, no artigo 268.º, n.º 4.

No Acórdão 145/01, de 28 de Maio, disponível para consulta em www.tribunalconstitucional.pt, o Tribunal teve oportunidade de tomar posição quanto à iniciativa do acto de notificação. A este propósito escreveu-se no citado aresto:

(...) a iniciativa da notificação deve sempre caber aos serviços, na medida em que se impõe constitucionalmente um dever à Administração de «dar conhecimento aos interessados mediante comunicação oficial e formal», dos actos administrativos que lhe respeitem (sublinhado nosso; cf. Pedro Gonçalves, «Notificação dos Actos Administrativos», in Ab Uno Ad Omnes, Coimbra Ed. pág 1091). Ora, aquela forma de conhecimento pessoal não preenche de todo a exigência de comunicação oficial e formal, desde logo porque o interessado residente no concelho da sede da conservatória, no acto registral, fica na incerteza quanto ao registo (se é lavrado ou se há recusa ou se há registo provisório por dúvidas) e quanto ao momento do decidido, sendo que só se prevê a notificação oficial e formal se os despachos de recusa e de registo provisório por dúvidas «tiverem sido lançados fora de prazo de realização do registo», que é de 15 dias (artigo 75.º, do Código de Registo Predial).

Razão, pois, tem o acórdão recorrido quando se diz "o interessado no registo deve ser sempre informado por escrito dos motivos da recusa ou do registo provisório, quer tenha apresentado o requerimento pessoalmente ou pelo correio e que, portanto, a Conservatória do Registo Predial de Aveiro deveria ter informado as recorrentes por escrito dos motivos do registo provisório por dúvidas.

Também no Acórdão 489/97, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 242, de 18 de Outubro de 1997, o Tribunal veio tornar claro que "o direito dos cidadãos a receberem uma comunicação pessoal e directa dos actos administrativos que lhes digam respeito se traduz numa garantia constitucional infungível, que não pode ser sub-rogada pela mera possibilidade objectiva do conhecimento de tais actos através da sua publicação" (José Manuel M. Cardoso da Costa ("A jurisprudência constitucional portuguesa em matéria administrativa", em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, págs. 177-221, pág. 204).

Destes arestos retira-se a tutela específica que é dada aos particulares, independentemente de estes tencionarem ou não recorrer para os tribunais judiciais dos actos que lhe sejam lesivos e que reputam inválidos, no que se refere ao efectivo conhecimento dos actos de que sejam destinatários.

Na verdade, decorre do que dispõe o artigo 268.º, n.º 3, da Constituição que o conhecimento efectivo dos actos lesivos dos particulares, independentemente das suas intenções impugnatórias, merece tutela constitucional. A Administração deve preocupar-se com o efectivo conhecimento, por parte dos particulares, dos actos lesivos que lhes dirige. E essa preocupação traduz-se, entre nós, na necessidade de uma notificação do acto através de uma declaração que contenha os elementos essenciais do mesmo (sem os quais não se poderá sequer falar de um conhecimento efectivo do acto) e que seja, fora algumas excepções que adiante serão analisadas, eminentemente pessoal. A cognoscibilidade efectiva do acto notificando e a pessoalidade da notificação constituem dois requisitos que, como é bom de ver, se interligam de forma estreita. A necessidade de a notificação ser endereçada à pessoa do interessado explica-se pelo facto de se considerar que não preenche as exigências constitucionais aquela «notificação» que só acidentalmente permita o conhecimento do

acto notificando.

As palavras de Pedro Gonçalves ("Notificação dos Actos Administrativos (Notas sobre a génese, âmbito, sentido e consequências de uma imposição constitucional)", em Ab Uno Ad Omnes - 75 Anos da Coimbra Editora - 1920-1995, Coimbra, págs.

1091-1121, pág. 1115) são, a este respeito, claras quando escreve que O dever de notificar exige da Administração o exercício de uma actividade comunicativa especialmente dirigida ao interessado (...) O direito à notificação do acto administrativo não é apenas o direito de aceder a uma informação que é posta à disposição do interessado, que a pode procurar, mas o direito à recepção do acto na esfera da perceptibilidade normal do destinatário.

Argumenta, pois, com razão o recorrente quando refere que V. A notificação há de ser um acto individual, regido pelo princípio da recepção: o direito à notificação do acto administrativo não é apenas o direito de aceder a uma informação que é posta à disposição do interessado, que a pode procurar, mas o direito à recepção do acto na esfera da perceptibilidade normal do destinatário.

Do exposto decorre que a publicação, na medida em que não se ocupa em garantir o efectivo conhecimento do acto, não é, à luz da nossa Constituição, um instrumento adequado para garantir a posição jurídica dos particulares destinatários de actos

lesivos.

II.4 O dever de notificar enquanto remédio para um fácil acesso à justiça 14 - Ainda ao delimitar o dever de notificação, estabelecendo as suas fronteiras quanto ao dever de publicação, o Tribunal considerou que uma das razões que determinavam a notificação de um acto lesivo, ainda que o mesmo tivesse sido publicado, era a necessidade de não tornar particularmente oneroso ao destinatário do acto o acesso à justiça administrativa, porquanto a publicação obriga o destinatário a estar atento sem que haja qualquer elemento que justifique a predisposição para tal atenção.

Foi este o sentido do Acórdão 489/97, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 242, de 18 de Outubro de 1997, e do Acórdão 579/99 publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 43, de 21 de Fevereiro de 2000.

Outros acórdãos vieram ainda sancionar legislação infraconstitucional que consagrava exigências desprovidas de fundamento racional e sem conteúdo útil que condicionavam o direito de recorrer contenciosamente de actos lesivos. Foi este o sentido do Acórdão 384/98, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 277, de 30 de Novembro de 1998 e do Acórdão 438/2002 publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º

276, de 29 de Novembro de 2002.

Nesta linha, há ainda que considerar os casos em que o Tribunal foi chamado a decidir sobre normas infraconstitucionais que faziam recair sobre os interessados o ónus de requerer, em determinado prazo fixado na lei, a notificação da fundamentação em falta do acto. Nestes arestos, em que a Administração procedia à notificação ao interessado do sentido da decisão tomada, a data em que o foi e quem a tomou, o Tribunal pronunciou-se pela não inconstitucionalidade dos preceitos em causa fundando a sua decisão na circunstância de a norma sob juízo não dispensar a Administração da notificação integral do acto administrativo, prevendo apenas, prevenindo a hipótese de tal não ter sido feito, que o prazo para impugnação contenciosa se conte da data em que o interessado tome efectivamente conhecimento do acto (Cf. Acórdão 245/99, de 29 de Abril disponível para consulta em www.tribunalconstitucional.pt).

Estas foram pois as preocupações do Tribunal para justificar o dever de notificação enquanto corolário do disposto no artigo 268.º, n.º 4 da Constituição.

O que importa reter, a este respeito, é acima de tudo, a posição que vem sendo assumida pelo Tribunal quanto à relação estreita existente entre os n.os 3 e 4 do artigo 268.º Como se disse no Acórdão 384/98, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 30 de Novembro de 1998, em fundamentação a que aderiu o Tribunal no

acórdão 438/02, de 23 de Outubro,

a impugnação de uma decisão pressupõe o conhecimento integral dos respectivos fundamentos. Enquanto o recorrente não tiver acesso ao raciocínio argumentativo que subjaz à decisão tomada, não pode formar a vontade de recorrer, porque não dispõe dos elementos que lhe permitem avaliar a justeza de decisão.

Do que se expõe decorre que a notificação deve ser sempre um acto comunicativo que garanta, ao respectivo destinatário, a efectiva cognoscibilidade do acto notificando, de modo a não tornar excessivamente oneroso o acesso à justiça administrativa. Pode eventualmente a notificação vir a ser incompleta (não podendo esta incompletude equivaler à sua falta absoluta) deixando a Constituição, nestes casos, abertura para que o legislador infraconstitucional, sempre garantindo o efectivo e integral conhecimento do acto, imponha ao destinatário a adopção de determinadas condutas (regra geral, um requerimento dirigido à administração, em determinado prazo, para que a mesma venha completar a notificação do acto). Nestas situações, ponderam-se o valor da eficiência administrativa, necessário à prossecução do interesse público por parte da Administração (artigo 266.º, n.º 1 da CRP), e os valores tutelados pelos direitos e garantias dos administrados; e da ponderação resulta a já mencionada possibilidade de o legislador ordinário prever a necessidade de adopção, por parte dos particulares, de comportamentos tendentes a requerer a completude da notificação. Tal não significa, porém, que se possa confundir a notificação incompleta com aquele outro acto comunicativo que, ao não preencher os requisitos já mencionados (recorde-se: de pessoalidade da notificação; de cognoscibilidade efectiva do acto notificando; de não excessiva onerosidade de acesso à justiça administrativa) se distancie de sobremaneira do conceito constitucional decorrente do disposto nos n.º s 3 e 4 do artigo 268.º da

CRP.

II.5 As excepções à pessoalidade da notificação 15 - Para além do que ficou dito quanto ao conteúdo do dever de notificação - conteúdo este determinado muito em função da distinção que cumpre fazer entre publicação e notificação de acto administrativo - resta ainda referir as excepções que têm sido consagradas entre nós quanto à notificação pessoal de actos administrativos.

Estas excepções (cuja conformidade constitucional, tal como as de dispensa de notificação, não cabe, aliás, agora apreciar) justificar-se-ão, em princípio, pelo que pode ser considerado como sendo a «outra face da moeda» da notificação dos actos: o

privilégio da autotutela declarativa.

É com efeito este privilégio que justificará, em última instância, as duas especiais situações em que, conforme decorre do que dispõe o artigo 70.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, se prescinde da notificação pessoal de actos administrativos lesivos: a saber, quando os interessados forem desconhecidos e quando os interessados forem em tal número que se torne inconveniente outra forma de

notificação.

Nestes casos, o valor da "eficiência administrativa" ou da "impossibilidade objectiva de comunicar pessoalmente o acto administrativo ao interessado" explicam - na esteira da doutrina jus-administrativista dominante e se bem que sendo sempre ressalvada a necessidade de interpretar estas normas à luz do que dispõe o artigo 268.º, n.º 3, da Constituição - o desvio à regra segundo a qual a notificação deve ser sempre individual e autonomamente endereçada ao destinatário do acto.

Como é bom de ver, no caso sob juízo não ocorre nenhuma das excepções que acabámos de analisar. Na verdade, não se trata aqui de uma situação em que o destinatário do acto seja desconhecido nem tão pouco haverá qualquer razão aliada à "eficiência administrativa" que permita ao recorrido prescindir de uma notificação pessoal. Assim, é à luz dos requisitos atrás enunciados, e que integram afinal o conceito constitucional de notificação, que importa, no âmbito do presente recurso, concluir.

III. Conclusão. Do conceito constitucional de notificação 16 - Decorre de tudo quanto atrás se disse que o dever de notificar, que impende sobre a administração nos termos do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, tem um conteúdo - determinado em parte, e como já se sabe, pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no n.º 4 do mesmo preceito constitucional - que pode ser compreendido pela reunião dos seguintes requisitos essenciais: a pessoalidade, a efectiva cognoscibilidade do acto notificando, e a não excessiva onerosidade do acesso à justiça

administrativa.

Já se sabe que o acto de notificação deve ser, antes do mais, pessoalmente dirigido ao seu destinatário (salvo as excepções atrás analisadas), por não valerem aqueles casos em que o mesmo destinatário só acidentalmente pode vir a ter conhecimento da prática do acto lesivo. Depois, deve a notificação, pelo seu conteúdo, possibilitar ao seu destinatário a efectiva cognoscibilidade do acto notificando, nos seus elementos essenciais, de modo a não tornar excessivamente oneroso o acesso do particular à

justiça administrativa.

In casu, não restam dúvidas de que seria excessivo impor ao recorrente a «obrigação» de se manter atento a todos os actos administrativos que lhe são dirigidos, fazendo uma "autopsia" a números e quadros, sob pena de não poder lançar mão - por força do decurso do prazo - dos meios de natureza judicial postos ao seu dispor para a defesa do seus «direitos e interesses legalmente protegidos».

Assim, é de concluir que não constituiu um acto de notificação constitucionalmente admissível a emissão, por parte do seu autor, de uma comunicação por forma não autónoma e individualizada do acto notificando, que torne excessivamente oneroso o acesso à justiça administrativa. Na verdade, tal forma de comunicação, ao ser, quando muito, um mero "alerta genérico" para a existência daquele acto, não garante que o mesmo se torne cognoscível para o seu destinatário, impedindo-se assim que a notificação seja instrumento adequado para realizar as funções para as quais foi gizada:

a função informativa, processual e constitutiva.

Neste contexto, e uma vez que não estamos perante uma das situações que justificam uma eventual postergação do dever de notificação pessoal dos actos administrativos, não se antevêem razões para considerar que a recorrida pudesse estar dispensada de notificar, de forma autónoma e individualizada, o acto em que se consubstanciou o primeiro apuramento da matéria tributável, acto este que, conforme decorre dos autos, por ser lesivo de um direito e interesse legalmente protegido do ora recorrente, deveria ter sido objecto de um acto de notificação pessoal, formal e oficial.

III - Decisão

Em face do exposto, acordam em:

a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 268.º, n.º 3 e n.º 4 da Constituição da República, a norma contida no artigo 63.º do Código de Processo Tributário, quando interpretada no sentido de que uma declaração que não comunique de forma autónoma

e individualizada

o acto notificando, tornando excessivamente oneroso o acesso à justiça administrativa, deve, ainda assim, ser configurada como notificação; e, consequentemente, b) Conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009. - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Fernandes Cadilha - Gil Galvão.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/03/16/plain-247966.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/247966.dre.pdf .

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  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

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