Despacho ministerial
Para a reconversão da agricultura
Normas de cultura cerealífera
1. Em 12 de Junho último o Ministério da Economia tornou públicas as normas a que deveriam obedecer as culturas de cereais para que a sua produção beneficiasse das dotações que foram estabelecidas no Decreto-Lei 46595, de 15 de Setembro de 1965, com vista ao fomento das respectivas culturas em condições de validade técnico-económico enquadradas numa acção de progressiva, mas firme, reconversão da actividade agro-florestal.
As normas então publicadas foram propositadamente redigidas em termos de generalidade, a fim de permitirem que as comissões técnicas regionais fizessem, depois, a sua adaptação precisa para as respectivas regiões. Essa generalidade provocou, no entanto, dúvidas de interpretação quanto a alguns dos objectivos de base dessas normas e suscitou alguns reparos quanto à viabilidade de execução de algumas delas, pelo menos em determinadas regiões.
Pareceu, por isso, conveniente dar nova redacção às normas postas em vigor pelo despacho de 12 de Junho, com vista a um mais perfeito esclarecimento da sua finalidade e, ainda, no desejo de introduzir nas normas gerais as sugestões válidas que foram apresentadas pela lavoura e pelas comissões técnicas regionais, embora a maior parte dessas sugestões pudessem constar apenas dos esquemas da sua aplicação regional a publicar pelas referidas comissões.
2. Embora os objectivos da política agrícola do Governo tenham sido claramente definidos e repetidamente comentados e esclarecidos, parece útil referir, aqui e de novo, aqueles que mais directamente importam às explorações agrícolas onde a cultura cerealífera ocupa posição relativa de grande relevo.
a) Tudo teremos de fazer, lavoura e Governo, para que as explorações agrícolas, pela sua dimensão, estrutura, gestão administrativa e exploração técnica, se transformem em unidades de produção econòmicamente válidas e capazes de assegurar um rendimento que remunere, suficientemente, o trabalho e os capitais requeridos para o seu estabelecimento e sustentação em clima de permanente actualidade da sua produção (adaptação da oferta agro-florestal às exigências e às possibilidades da procura no mercado) e de contínua melhoria da sua produtividade (conjugação dos factores de produção susceptíveis de comando humano, com vista ao progressivo aumento, quantitativo e qualificativo, das produções unitárias e à redução dos respectivos custos de produção). Na verdade, a conservação do solo e o aumento constante do seu fundo de fertilidade; a implantação das culturas no seu meio próprio; a adopção das melhores e mais ajustadas técnicas culturais; a obtenção de uma dimensão mínima suficiente para a exploração, a obter, pela forma mais rápida e mais barata, seja ela, consoante os casos, o emparcelamento ou a simples associação dos empresários para a exploração em comum; os melhoramentos fundiários; o equipamento mecânico - todos estes e outros factores têm que ser conveniente e urgentemente conjugados e utilizados de modo que, quanto antes, os lavradores de hoje possam invocar, perante todos, o seu maior título de legitimidade e de segurança futura e que consiste em poderem afirmar que dão à terra que possuem ou trabalham a utilização tècnicamente mais correcta e econòmicamente mais rentável.
A actividade agrícola, como qualquer outra actividade económica, tem, assim, que ser orientada em termos da maior produtividade e, em consequência, da maior rentabilidade das explorações ou empresas que integram o respectivo sector. Isto não significa que de entre as soluções possíveis se não deva optar, sempre, por aquelas que conduzam a uma constante elevação do grau de auto-suficiência alimentar do espaço português. E isto não só por causa da segurança nacional, mas também por nos ser muito mais fácil proteger as produções agrícolas de base quando elas são consumidas no mercado interno: a exportação de produtos agrícolas só é, hoje, compensadora quando se trate de produtos escassos ou de alta qualidade. E neste campo nós temos, quanto a algumas produções, condições excepcionais - os vinhos de marca, as frutas, os produtos hortícolas, os produtos lácteos -, se na sua produção (agrícola e industrial) e na organização das vendas soubermos estar à altura das nossas possibilidades.
Esta determinação de fazermos a lavoura sair, progressiva, mas decididamente, do círculo vicioso em que se encontra é uma constante do nosso pensamento de governantes e estamos certos de que ela o sabe.
b) Na realização dos objectivos superiores da reconversão agro-florestal, apontados na alínea anterior, a política de preços e a garantia de uma estabilidade de preços das produções fundamentais têm importância de primeiro plano.
O Governo, à luz de todos os interesses nacionais, que, mesmo quando legítimos, são muitas vezes aparentemente contraditórios - os do produtor e os do consumidor -, deve assegurar à produção agrícola preços que remunerem, com justa suficiência, o trabalho e o capital empregados nessa produção - e isso temos procurado fazer. No entanto, a fixação desses preços envolve dificuldades e perigos que a lavoura não pode ignorar para bem compreender as decisões tomadas. A título de exemplo, apontaremos só uma dessas dificuldades e um desses perigos.
A diversidade de características dos solos e dos climas, aliada a diferenças profundas na estrutura da propriedade, a que correspondem desníveis enormes na capacidade técnica e financeira das explorações e dos respectivos empresários, faz com que, de região para região, sejam muito diferentes, para um mesmo produto, as médias da produção unitária e os respectivos custos. Essas diferenças verificam-se, muitas vezes, dentro da mesma região. No caso de produções fundamentais a oferecer ao mercado nacional - e é o caso do trigo, do milho e dos restantes cereais -, é pràticamente impossível fixar, para um mesmo produto, vários preços, de modo a ter em conta as diversidades regionais de custos de produção. De resto, se enveredássemos pela senda dos preços regionais diferenciados, acabaríamos, no caso de produções não cadastradas ou de comercialização não organizada, por provocar a fuga dos produtos das regiões de custos mais baixos para as de mais elevados. O preço de garantia tem que ser um só. Daí que sempre haverá regiões mais ricas e regiões menos ricas, e que o esforço de diminuição desses desequilíbrios regionais, que a natureza criou, tenha que se exercer no sentido da correcção possível dos solos o das suas condições de produção (a rega, a drenagem, etc.) e no da especialização regional das produções - especialização que se baseará, quer queiramos, quer não, na ocupação dos solos pelas culturas para que eles são mais aptos e na própria concorrência dentro do mercado que, pelo menos quanto às produções que são comercializadas livremente, necessariamente provocará a localização dessas produções onde elas forem mais competitivas.
Este esforço de correcção dos desequilíbrios e de ajustamento dos ordenamentos culturais será obra de muitos anos, mesmo que de cada hora se não desperdice um minuto; e, até lá, o preço de garantia, se permitirá em cada ano maior rendimento àqueles que forem capazes de retirar da mesma área, e com o mesmo ou menos trabalho, maiores produções, já não permitirá, por si só, compensar, como tanto desejávamos, os que são forçados a trabalhar e a viver em regiões menos aptas para a agricultura. Nesses casos, teremos que utilizar outros meios de acção e de apoio técnico e financeiro - as dificuldades serão, em muitos casos, enormes, e não se pense que sempre se poderão dominar pelo simples recurso à actividade florestal. A solução destas situações limites terá necessariamente que conjugar os vários aspectos do domínio florestal com o que for possível realizar no campo das actividades mineira, industrial e turística (nomeadamente com base na caça e na pesca). Há, para estas hipóteses extremas, uma situação de transição delicada que procuraremos ajudar até ao limite das possibilidades de que o Governo disponha. Mas é impossível pensar que a solução destes esteja em fixar preços que tornem rentável a produção agrícola em solos que para ela não tem uma aptidão mínima: além do erro técnico-económico que praticaríamos, os mecanismos de compensação de preços não teriam força para amortecer a parte desse sobrepreço que a grande massa dos consumidores, por si, não poderia suportar nem seria lícito impor-lhe.
E é por todos estes motivos que, para além da dificuldade que reveste o cálculo de um preço de garantia, referimos também o perigo que uma política de preços faz correr ao processo de correcção e actualização da actividade agrícola.
De facto, ao fixarmos os níveis de garantia de preços, não podemos, evidentemente, deixar de ponderar, cuidadosamente o que é justo e o que é possível pedir aos consumidores, sem pormos em causa a estabilidade financeira interna e sem esquecermos a diversidade de grau e de características dos poderes de compra que constituem a procura global no mercado: para além de um problema de justiça, que se traduz em não exigir do consumidor mais do que o que é justo, há ainda que ter presente que a grande massa do consumo se dirige para produtos de substituição (muitas vezes de origem estrangeira), logo que é considerável a diferença entre os preços destes e os dos produtos nacionais, ainda que de muito maior qualidade (caso, por exemplo, do azeite e do óleo).
Mas, para além deste aspecto, o maior perigo que a determinação dos níveis de garantia de preços oferece está no facto de estes tanto poderem transformar-se em instrumento de progresso da economia como em factor da sua estagnação: que a lavoura precisa de certeza de que pelo menos as suas produções fundamentais lhe serão pagas a um preço que remunere suficientemente o valor do capital e do trabalho investidos nas explorações agrícolas, é para nós ponto assente. Mas evidente nos parece também que essa garantia de remuneração se deve basear nos custos médios de produção das explorações agrícolas técnicas e econòmicamente viáveis. De outro modo, iríamos, pela via dos preços, consolidar erros técnicos o económicos da exploração agrícola e premiar a estagnação do seu progresso. Um exemplo: sabemos que os solos arados de vastas zonas do Norte produzem, hoje, sete ou oito vezes menos do que poderiam produzir se fossem convenientemente explorados; não ignoramos que aí, em matéria de progresso, quase se podem fazer milagres, se os empresários agrícolas se quiserem associar ou agrupar para formar explorações com dimensão que permita a sua utilização em termos de correcção técnica e de validade económica.
Ora, se fossemos fixar preços para o milho e para o leite que tornassem compensadora a exploração agrícola tal como ela presentemente se faz, não só tentaríamos impor ao consumidor preços que ele não pode suportar, como iríamos consagrar e estimular a manutenção, por mais alguns anos, de situações que sabemos serem insustentáveis e lesivas tanto dos interesses da economia nacional como dos próprios proprietários e empresários agrícolas.
Temos, pois, por assente que, em princípio, os preços devem constituir factor de garantia e de estimulo apenas para os empresários que se organizem ou estejam prontos a organizar-se em condições técnicas e económicas viáveis.
E, se nos limitássemos a cumprir escrupulosa ,e firmemente este princípio, estaríamos, só por isso, a dar á lavoura válida uma segurança que, durante muitos anos, ela não teve e cuja falta tanto prejuízo lhe causou.
À luz deste princípio, e reconhecendo que o processo de desenvolvimento económico do País encontra, neste momento, um grave gargalo de estrangulamento na baixa produtividade global do sector agro-florestal, haverá muitos que pensam que, uma vez assegurada à agricultura o escoamento das suas produções principais a preços de garantia suficiente, tudo se deve deixar fazer para que funcionem as leis da economia de mercado em que vivemos e que, por essa via, se não dificulte a transferência das explorações agrícolas e da sua propriedade para outras mãos mais ricas em capitais indispensáveis à reorganização da actividade agrícola; situados em posição oposta, outros pensarão que ao Estado cabe intervir, directamente, não apenas no plano da organização e da produtividade das explorações agrícolas, mas, mais fundo, actuando sobre a terra e a sua propriedade, forçando a juntar aqui e a dividir acolá e realizando, em nome das necessidades da economia e da técnica, uma política que, começando por ter as melhores intenções sociais, se arriscaria a acabar por enfermar das piores consequências de um socialismo de Estado.
Outro tem sido o sentido da acção que desenvolvemos: se, em nome dos interesses gerais da economia e dos interesses próprios do sector agro-florestal, consideramos imperiosa a sua reconversão ou reorganização no plano das explorações ou empresas em que a actividade se concretiza, temos procurado, por outro lado, e ao mesmo tempo feito, quanto está ao nosso alcance para que essa reconversão, ainda que realizando-se mais lentamente, se processe de modo que, tanto quanto possível, não sejam os actuais proprietários ou os actuais proprietários agrícolas substituídos por outros que, dispondo embora de maiores capitais, e muitas vezes também de maior preparação empresarial, teriam, no entanto, além do outros, o grave inconveniente de, na maior parte dos casos, serem estranhos às raízes da vida e à paisagem moral e social de cada região. Preferiremos, sem dúvida nenhuma, que, pela mobilização dos seus recursos próprios, pelo trabalho, pelo sacrifício imediato de gostos e de práticas ultrapassados, apoiados e orientados, na medida do possível e do razoável, pelo Estado, sejam os actuais proprietários e empresários a criar as condições que lhes permitam manter, amanhã, na posse dos seus filhos, acrescentada em riqueza, pelo aumento de produção e reforçada em segurança, pela viabilidade económica dessa mesma produção, a terra que hoje lhes pertence e nem sempre é aproveitada de modo a render-lhes o bastante.
Para atingirmos este objectivo, que é condição proclamada e esclarecida da nossa acção, temos procurado mobilizar, a favor da lavoura, todo o apoio financeiro que o Ministério pode conceder nas actuais e difíceis condições de mercado do dinheiro; e ao serviço do mesmo fim temos igualmente posto a política de preços.
Estamos certos de que a concentração dos nossos caudais de apoio financeiro (crédito e subsídios) no Fundo de Melhoramentos Agrícolas e a melhoria progressiva dos mercados monetário e financeiro nos permitirão não só aumentar consideràvelmente o montante anual de apoio financeiro à lavoura, como ainda e sobretudo planear a sua aplicação de acordo com as prioridades mais adequadas. A este propósito, há, no entanto, um ponto para o qual queríamos pedir a atenção da lavoura: ainda que aumente consideràvelmente, como esperamos, o apoio financeiro e o apoio técnico devem ter sempre carácter supletivo - seria, na verdade, muito perigoso se insensível e progressivamente nos encaminhássemos para uma situação em que a dependência financeira e técnica da lavoura, em relação ao Estado, pudesse permitir especulações quanto á capacidade das explorações agrícolas como empresas privadas.
A par do apoio financeiro possível, o Ministério da Economia tem procurado, pela via dos preços agrícolas, que estes permitam à lavoura autofinanciar uma parte dos enormes e urgentes investimentos de que necessita.
Isto significa que, se não queremos, nem devemos, fixar preços que garantam tranquila remuneração às actuais empresas agrícolas deficientemente dimensionadas e erradamente exploradas, também não desejamos cair no extremo oposto, que consistiria em pôr desde já em prática uma política de preços que apenas e só constituísse paga suficiente e estimuladora de novos progressos para aquelas empresas agrícolas que neste momento se encontrassem já organizadas em condições de razoável viabilidade económica.
Perante este complexo de situações contraditórias, que é a nossa realidade agrícola, a partir de 1965 foi iniciada uma revisão de preços dos principais produtos, tendo sempre em vista condicionar os respectivos aumentos a um começo efectivo, por parte da lavoura, da melhoria quantitativa e qualificativa dessas mesmas produções.
E, na sequência deste pensamento, logo também se inovou quando se decidiu criar «dotações de fomento», que, consoante os casos, ou seriam acrescentadas aos preços base de determinados produtos (trigo, centeio, leite, recria de bovinos até aos três meses, produção de carne e dotações para a sustentação das fêmeas até à segunda parição) ou seriam dadas a determinadas culturas (milho).
A própria designação deste apoio financeiro - dotação de fomento - logo indica que ele se destina, não a sustentar produções, mas sim a fomentá-las. E este fomento, no nosso conceito de hoje, só se entendo se for realizado em condições técnicas (solo e esquema cultural) que confiram às explorações viabilidade económica, dentro, evidentemente, daquele clima de protecção razoável de que a actividade agrícola hoje beneficia em toda a parte.
Por isso, em 1965, ao estabelecer o regime dos cereais, logo se disse: «As dotações e apoios técnicos e financeiros previstos na lei cerealífera não serão dados a todos os que se empenham na cultura dos cereais, mas apenas àqueles que a realizem em determinadas condições.»
A dotação de fomento é, assim, um suplemento ao preço base destinado a auxiliar a lavoura no auto-financiamento de uma parte dos investimentos indispensáveis á sua reconversão, e, por isso, dotação de fomento significa movimento para a frente, e não consolidação das situações existentes, desde que erradas.
Esta técnica das «dotações de fomento» como apoio financeiro à reconversão das explorações permite, em certos casos - e é, por exemplo, o do trigo -, uma crítica fácil e aparentemente válida. Vejamos: a brilhantíssima campanha do trigo, lançada em 1934, obedeceu a um determinado clima de economia nacional e foi executada segundo uma determinada fase da ciência e da técnica cultural. Basta pensar que, no plano da economia, a campanha não teve por objectivo o equilíbrio técnico, económico e financeiro das explorações agrícolas a obter por correctos e complexos esquemas da sua capacidade produtiva - a campanha dirigiu-se a uma cultura, a do trigo; no plano técnico conduziu a um aumento da produção nacional deste cereal, em grande parte obtido pela via da cultura em extensão. Ultrapassámos, já e por completo, esta fase, quer no plano das necessidades da economia, quer no dos conhecimentos técnicos.
E, por isso, hoje é impensável o estímulo à produção do trigo em zonas e em condições que de antemão sabemos não serem, à luz dos conhecimentos científicos e das possibilidades técnicas do presente, susceptíveis de assegurarem produções unitárias médias a custos que as tornem econòmicamente aceitáveis. Procuraremos, sem dúvida, aumentar o grau de independência do País em cereais panificáveis. Mas, quando falamos assim, estamos a pensar em independência autêntica e segura, a ganhar pela correcta intensificação das produções unitárias, e não em independência aparente e insegura, a obter pela simples e antieconómica extensão cultural. Se o Ministério da Economia procedesse de outra forma, estaria a trabalhar contra o interesse nacional e contra os interesses, a prazo, da própria, lavoura.
Temos, pois, de concluir que a reconversão da actividade agrícola e da própria cultura cerealífera levará muitos empresários a reduzir as folhas de trigo ou de centeio, quando não a abandonar estas culturas. E, sendo assim, é de perguntar para que serve um apoio financeiro para a reconversão das explorações agrícolas dado através de um suplemento de preço (a dotação de fomento), justamente àquelas mesmas produções que as explorações em reconversão terão de reduzir ou de abandonar.
À pergunta responderemos que a dotação de fomento é inteiramente válida como estímulo à melhoria da produtividade (aumento das produções unitárias e redução do respectivo custo) nas explorações com características próprias para a produção de trigo e do centeio. E diremos ainda que este tipo de dotações de fomento será ainda válido como compensação, pela via do preço, para as empresas agrícolas que não tenham que abandonar a cultura destes cereais, mas apenas reduzir a dimensão que as respectivas folhas ocupavam nos seus esquemas de exploração.
Por outro lado, não se esquecerá que as dotações para fomento da cerealicultura não constituem os únicos apoios financeiros oferecidos para a reconversão da agricultura: os empréstimos e subsídios a conceder pelo Fundo de Melhoramentos Agrícolas para uma vasta gama de acções, que vai desde os melhoramentos fundiários ao equipamento mecânico, à instalação de pomares, às diversas fases do fomento pecuário, à constituição e funcionamento de cooperativas e outras formas de associação de produtores ou de agricultura de grupo, até à vasta acção prevista no Fundo de Fomento Florestal, tudo isto constitui um núcleo de apoio financeiro e técnico à reconversão agro-florestal e que deve ser utilizado prioritàriamente naquelas explorações que, por terem que abandonar ou reduzir a cultura cerealífera, não poderão beneficiar do apoio financeiro para ela previsto.
Julgamos que este esclarecimento torna claro o motivo pelo qual as dotações de fomento, previstas no regime cerealífero, não constituem fundamento a invocar para que se continue a produzir cereais onde não podem ser produzidos sem prejuízo dos interesses reais e permanentes dos próprios produtores.
Outras soluções melhores são fàcilmente encontráveis no domínio da teoria, mas todas aquelas em que pensámos ou nos foram sugeridas nos pareceram de excluir, no plano prático - por exemplo, a da atribuição anual de uma dotação ou subsidio global a cada um dos empresários que iniciasse e executasse a reorganização da sua exploração. São óbvios, e por isso dispensam esclarecimento, os inconvenientes e as impossibilidades de uma solução deste tipo.
Vem, no entanto, a propósito lembrar sempre termos pensado que o prestígio dos governantes se não mede pela força com que eles sustentam, teimosos, as suas soluções, mas sim pela capacidade que tenham do pôr imediatamente em prática, como se suas fossem, as soluções alheias, quando se lhes demonstre serem estas as melhores. Por isso, estaremos sempre de inteligência aberta à compreensão e apreciação de todas as sugestões construtivas que nos sejam feitas para bem do interesse geral.
c) Apesar da reduzida superfície do território europeu do País, não há dúvida de que dentro dela se encontram as mais diversas situações quanto a estrutura e potencialidades do solo e do clima, e mesmo quanto ao jeito do pensar e sentir das populações rurais, trate-se de empresários, trate-se de trabalhadores agrícolas. E as diversidades de características das empresas e da própria preparação e capacidade técnico-financeira dos respectivos empresários constituem, evidentemente, uma das expressões desta pluralidade de realidades. E estas últimas, as que se ligam com o modo de ser da população, têm, no plano da economia agrícola, importância talvez maior que a dos demais factores da produção, pois que as populações rurais - directas destinatárias e executoras da política agrícola - vivem integradas no seu meio ambiente muito mais que as populações industriais: estas quase sempre se desenraízam e passam a viver um clima de vida e a determinar-se por objectivos que nada têm a ver com a tradição e o modo de ser regional, ainda que a actividade industrial se exerça na sua própria região.
A perfeita consciência desta realidade levou-nos, logo no início das nossas funções, à criação das comissões técnicas regionais. Estas comissões, constituídas por funcionários dos serviços centrais destacados nas diversas regiões, não só deverão apresentar superiormente os problemas da sua região, como lhes compete ainda adaptar, localmente, as orientações dos serviços centrais e da própria equipa ministerial que, quer por estarem no cimo, quer para defesa da unidade da orientação, naturalmente correm o risco da formulação de soluções concretas a aplicar, uniformemente, a situações com características diferentes.
Esse dever que as comissões técnicas regionais têm de fazer a adaptação local das orientações gerais superiormente formuladas não pode ser entendido como desvio dessa mesma orientação: bem ao contrário, esse será o modo mais certo e mais rápido de atingirmos os objectives gerais superiormente definidos, que, esses sim, só por quem teve competência para os formular podem ser alterados.
É neste clima de trabalho que as comissões técnicas regionais vão entender e executar as normas sobre a cultura cerealífera publicadas em 12 de Junho e revistas agora pelo presente despacho.
O acto de confiança que se faz nas comissões técnicas tem contrapartida de igual valor e esta é a responsabilidade, que para elas se transfere.
d) Dias depois de assumir a gerência do Ministério da Economia, ao dirigirmo-nos à lavoura, dissemos que procuraríamos construir uma política que «partisse do ser actual da agricultura para o seu dever ser futuro». E, a esclarecer este pensamento, acrescentámos depois: «Serão inúteis quaisquer planos de reconversão que não estejam ao alcance das possibilidades técnicas e financeiras dos empresários, acrescidas do apoio efectivo que o Estado lhes possa dar.»
Foi em nome desta posição que, no que toca à cultura do milho, reduzimos, a título transitório, a área mínima de exploração de que o Decreto-Lei 46595 faz depender a concessão da respectiva dotação de fomento; quanto ao trigo e ao centeio, e a titulo de apoio para recapitalização, entregámos aos produtores, durante as três primeiras campanhas de regime, as respectivas dotações do fomento, sem qualquer condição e excedendo mesmo o montante global para elas fixado na lei.
Aqueles que assim procederam não seriam lógicos com o seu próprio pensamento se impusessem o cumprimento já na presente campanha da totalidade das condições estabelecidas nas normas publicadas e agora revistas. E, por isso, as comissões técnicas regionais, ao fazerem a adaptação local das normas referidas, ficam autorizadas a escalonar o seu integral cumprimento ao longo das três próximas campanhas.
Mas isto não pode ser entendido como permissão de adiar para amanhã o que pode ser feito hoje: por isso, das normas a seguir estabelecidas, tudo quanto possa entrar em vigor na presente campanha, sem grave perturbação imediata da maioria das explorações agrícolas da região, não será deixado para a campanha seguinte.
A energia com que defendemos esta nova fase da política agro-florestal do Governo provém de uma só fonte, mas muito forte e muito pura - a certeza de não nos determinarmos em nome de outro fim que não o da defesa, custe ela o que custar, dos lavradores e da sua lavoura.
3. Nestes termos, ao abrigo do antigo 10.º do Decreto-Lei 46595, de 15 de Outubro de 1965, determino que a concessão das dotações para reconversão e melhoria das técnicas culturais fique sujeita, a partir da próxima campanha, além das regras já constantes do despacho de 10 de Maio de 1966, ao cumprimento das seguintes normas:
NORMA 1
Os empresários agrícolas só beneficiarão das dotações de reconversão e melhoria das técnicas culturais estabelecidas no Decreto-Lei 46595 para o trigo, centeio e milho desde que:
a) Procedam às culturas destes cereais nos solos considerados aptos para esse efeito:
§ 1.º Existindo espécies florestais nestes solos, é admissível a cultura sob coberto quando o arvoredo seja mantido e na medida em que não impeça as operações culturais, nomeadamente a sua mecanização.
§ 2.º Quando o arvoredo implantado nos mesmos solos seja de olival alinhado e com compasos largos, é admissível fazer a cultura cerealífera nos intervalos das linhas fora da projecção das copas; quando seja do olival não alinhado, é admissível a mesma cultura desde que a densidade por hectare seja inferior a 80 árvores.
§ 3.º A correcção da densidade do arvoredo para efeito da realização da cultura cerealífera só poderá efectivar-se mediante autorização do serviço competente, sob parecer da respectiva comissão técnica regional.
b) Cumpram as normas específicas estabelecidas para cada cultura;
c) Acatem a orientação emanada do Ministério da Economia em matéria de reconversão cultural, bem como as regras técnicas que lhes forem impostas, com vista ao necessário equilíbrio e intensificação cultural, conservação do solo e melhor aproveitamento da capacidade produtiva;
d) Pratiquem as rotações de cultura que garantam o equilíbrio cultural e a manutenção ou aumento da capacidade produtiva dos solos, respeitando os períodos que forem determinados para intervalar no mesmo terreno as culturas hortícolas e horto-industriais;
e) Promovam o aproveitamento das potencialidades existentes nas explorações, tanto no que respeita à produção agro-pecuária como florestal e, bem assim, para o fomento da motomecanização, segundo as indicações que lhes forem transmitidas pelos serviços competentes.
NORMA 2
1. Para os efeitos previstos na norma anterior, são considerados com aptidão para a cultura do trigo e do centeio os solos que o Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário classifica, ao sul do rio Tejo, nas classes de capacidade de uso A, B e C e, a norte deste rio, nos grupos I, II e III.
2. Para efeitos de dotação, a cultura do milho terá de fazer-se nos solos das classes de capacidades de uso A, B e C e dos grupos I, II e III, com disponibilidades suficientes de água.
NORMA 3
1. Na cultura do trigo e do centeio deverão observar-se as seguintes regras específicas:
a) Não repetir na folha em anos sucessivos a sementeira do mesmo cereal, salvo se uma das culturas se destinar à produção de forragem; no caso de cereais diferentes é permitida a sua cultura sucessiva para grão desde que seja garantida fertilização que impeça o esgotamento do solo;
b) Não queimar palha nem restolhos, salvo por motivos justificados e confirmados pelas comissões técnicas regionais;
c) Não mobilizar os terrenos no sentido de maior declive, quando daí resulte visível acção erosiva;
d) Não praticar a cultura em pomares e nas vinhas;
e) Assumir o compromisso de promover progressivamente a drenagem dos solos nos casos em que o excesso de água possa constituir factor limitativo da produção;
f) Usar os esquemas de fertilização mínima que lhes forem determinados;
g) Proceder à despedrega, sempre que a pedregosidade dificulte a utilização económica das máquinas;
h) Utilizar sementes seleccionadas, sempre que delas haja disponibilidades.
2. Na cultura do milho híbrido as regras a cumprir serão as seguintes:
a) Utilizar sementes híbridas de valor cultural aceite pelos serviços para as diferentes regiões;
b) Fazer sementeiras estremes;
c) Não fazer a cultura sob coberto ou em consociação com espécies arbóreas ou arbustivas;
d) Usar os esquemas de fertilização mínima que lhes forem determinados;
e) No caso do milho para verde, estabelecer um esquema tècnicamente correcto da sua utilização directa na alimentação do gado ou dispor de silos ou outros meios que garantam a boa conservação dessa forragem para utilização ao longo do ano.
NORMA 4
1. O empresário agrícola, na altura da inscrição, deverá entregar no grémio da lavoura a factura comprovativa do adubo adquirido para essa campanha, bem como a factura relativa à aquisição de sementes seleccionadas, sempre que esta seja exigida, as quais serão passadas pelas entidades vendedoras e sob sua responsabilidade, devendo ser apensas ao impresso destinado à comissão técnica regional.
2. Se se prevê realizar a aquisição de adubos posteriormente à data da inscrição, o empresário agrícola deverá mencionar este facto no acto da inscrição e entregar oportunamente a factura respectiva no grémio da lavoura, que a remeterá à comissão técnica regional.
3. A falta das facturas que se destinam à verificação da adubação exigida e da aquisição de sementes seleccionadas é motivo suficiente para determinar a não concessão das dotações.
NORMA 5
Os empresários que pratiquem a cultura cerealífera em solos sem aptidão para essa cultura poderão beneficiar das dotações financeiras sobre a sua produção total desde que, no prazo máximo de dois anos, se comprometam a apresentar ajustado plano de aproveitamento dos seus terrenos não agrícolas, que comprove o progressivo abandono da cultura cerealífera nesses terrenos.
No caso do o aproveitamento ajustado desses solos ser dominantemente florestal, a taxa média anual de arborização não deve ser inferior a 10 por cento.
NORMA 6
Os empresários agrícolas inscritos obrigam-se a permitir, no conjunto de todos os prédios que constituem as respectivas explorações agrícolas, a fiscalização dos vários serviços do Ministério da Economia e, bem assim, a facultar todos os elementos que lhes sejam solicitados.
4. As comissões técnicas regionais ficam por este despacho autorizadas a adaptar as presentes normas às condições particulares das suas regiões, podendo para tanto escalonar por um período não superior a três anos o inteiro cumprimento das regras de reconversão estabelecidas se porventura a sua imedita observância for susceptível de causar graves inconvenientes.
As comissões técnicas regionais divulgarão até ao dia 15 de Outubro próximo, nas suas respectivas regiões, as regras que ao abrigo desta autorização estabelecerem.
Ministério da Economia, 11 de Setembro de 1968. - O Ministro da Economia, José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira.