Assento de 13 de Fevereiro de 1968
Processo 61784. - Autos de recurso para tribunal pleno vindos da Relação de Lisboa. Recorrente, Ministério Público. Recorrida, Federação de Caixas de Previdência - Habitações Económicas.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
O Ministério Público, em representação da Câmara Municipal de Sintra, recorreu, para o tribunal pleno, do acórdão da Relação de Lisboa, datado de 4 de Janeiro de 1967, que julgou procedente a reclamação da Federação de Caixas de Previdência - Habitações Económicas contra a liquidação, feita por aquela Câmara, de licenças de construção respeitantes a um grupo de casas de renda económica que a reclamante construiu na área do concelho de Sintra.
O recorrente invocou oposição do acórdão recorrido com outro da mesma Relação, proferido em 25 de Novembro de 1966, quanto à solução dada à questão fundamental de direito, que era saber se a edificação de casas de renda económica feita ao abrigo da base I da Lei 2092, de 9 de Abril de 1958, estava ou não isenta de licença de construção, nos termos do § único da base XV da Lei 2007, de 7 de Maio de 1945.
A secção mandou seguir o recurso, o que, em todo o caso, não dispensa o pleno de averiguar se ele era de seguir.
Entende-se que sim.
Na verdade, enquanto o acórdão recorrido resolveu a aludida questão no sentido afirmativo, o de 1966 resolveu-a negativamente.
Por outro lado, o artigo 727.º do Código Administrativo limita os recursos das reclamações contra a liquidação de impostos, taxas e outros rendimentos municipais a dois únicos graus - tribunal da comarca e Relação -, proibindo assim revista ou agravo dos acórdãos desse segundo tribunal, como o pleno sempre tem entendido.
Preenchida está, pois, também, a segunda condição posta pelo artigo 764.º do Código de Processo Civil para a admissibilidade de recurso para o tribunal pleno de acórdãos da Relação: o acórdão ora recorrido não era passível de revista ou de agravo para o Supremo, e isso por motivo estranho à alçada.
Por conseguinte, cumpre conhecer do recurso.
Só o recorrente alegou. Pediu que se revogue o acórdão recorrido e que se assente na doutrina seguida pelo Acórdão de 1966.
Vejamos:
Dispõe o n.º 1 da base III da Lei 2092:
As casas de renda económica a que se refere a base I regular-se-ão pelo disposto no presente capítulo e na base XVII deste diploma e pelo preceituado nas bases VI, XX, XXIV e XXIX da Lei 2007, de 7 de Maio de 1945, e nos artigos 6.º a 9.º e § 3.º do artigo 10.º do Decreto-Lei 35611, de 25 de Abril de 1946.
Esta a disposição cujo entendimento está em causa.
Na minuciosa indicação dos preceitos aplicáveis à regulamentação das casas de renda económica construídas ao abrigo da base I da Lei 2092 não está incluída a base XV da Lei 2007.
O problema posto é o de saber se, a despeito da não inclusão, o § único da referida base XV é também de aplicar.
O acórdão recorrido concede que, à primeira vista, a letra da disposição transcrita sugere uma solução negativa. Conclui, porém, no sentido afirmativo, e isto com o fundamento de que a dita disposição só teria querido tratar do funcionamento e exploração das casas depois de construídas, pois só ao regime posterior à construção respeitariam os preceitos que o n.º 1 da base III da Lei 2092 manda observar.
E acrescenta o aresto: «Aquilo que precede a sua edificação, desde o estudo das características daquele tipo de habitação, que devem constar do projecto de construção a apresentar na respectiva câmara municipal, até à sua discussão e aprovação, continua a ser regulado pela base XV da Lei 2007.» Assim, não faria sentido que fosse aplicável o corpo dessa base e não se aplicasse o respectivo § único.
Ora, nem a primeira nem a segunda premissa são exactas.
Em primeiro lugar, não é verdade que as disposições mandadas observar pelo n.º 1 da base III da Lei 2092 respeitem apenas ao regime posterior à construção das casas de renda económica. Essa base manda observar a base VI da Lei 2007, que se refere a actos muito anteriores à construção, e manda observar os artigos 6.º a 9.º do Decreto 35611, que só à construção respeitam.
Em segundo lugar, não é verdade que tenha de aplicar-se o corpo da base XV da Lei 2007 à construção de casas de renda económica feita ao abrigo da base I da Lei 2092.
Aquela base XV trata da aprovação dos projectos das casas, matéria que a base III da Lei 2092 manda regular, para as casas construídas nos termos da base I, pelo artigo 8.º do citado Decreto 35611.
Improcede, por conseguinte, e de todo, a argumentação do acórdão recorrido.
O problema objecto do conflito de jurisprudência em causa tem de resolver-se em face da letra da disposição atrás transcrita, tendo como certo que ela se refere tanto ao regime anterior como ao posterior à construção.
Tal disposição especifica os preceitos de outras leis que quis se observassem. Na mais elementar hermenêutica, tem de entender-se que não quis a aplicação daquelas que não especificou.
Acresce que a própria Lei 2092 estabelece, na sua base XXX e em capítulo especial, as isenções fiscais concedidas às casas construídas ao abrigo das suas disposições, incluindo até algumas que eram estabelecidas pela Lei 2007, mas não a que constava do falado § único da base XV desta lei.
Também aqui é de ter em conta o princípio hermenêutico de que a lei disse quando quis e omitiu quando não quis.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido, com custas pela recorrida, e assenta-se em que:
O § único do base XV da Lei 2007, de 7 de Maio de 1945, é inaplicável a construção de casas de renda económica feita ao abrigo da base I da Lei 2092, de 9 de Abril de 1958.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 1968. - Lopes Cardoso - Gonçalves Pereira - Albuquerque Rocha - Torres Paulo - Ludovico da Costa - Joaquim de Melo - H. Dias Freire - Fernando Bernardes de Miranda - Oliveira Carvalho - Francisco Soares - Adriano Vera Jardim - J. S. Carvalho Júnior - Eduardo Correia Guedes - António Teixeira de Andrade - José Cabral Ribeiro de Almeida.
Está conforme.
Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Fevereiro de 1968. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.