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Acórdão Doutrinário , de 2 de Dezembro

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Sumário

Proferido no processo n.º 59377

Texto do documento

Acórdão doutrinário

Processo 59377. - Autos de recurso para tribunal pleno. Recorrente, Alves Carneiro & Coelho. Recorrida, José Simões Coelho, Lda.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Alves Carneiro & Coelho recorre para o tribunal pleno do Acórdão de 25 de Maio de 1962, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 117, p. 486, que lhe negou a revista em que era recorrida José Simões Coelho, Lda.

Alegou que esse acórdão se fundou numa solução radicalmente oposta à adoptada pelo Acórdão de 24 de Maio de 1960, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 97, p. 392, sobre o problema de saber se o simples recibo de sinal, assinado apenas pelo promitente vendedor, satisfaz a exigência do § único do artigo 1548.º do Código Civil para validade formal da promessa de compra e venda de bens imobiliários.

Disse ainda que os dois acórdãos foram proferidos sob o domínio da mesma lei.

A secção considerou verificados esses pressupostos para seguimento do recurso.

Com razão.

É fora de toda a dúvida que os dois acórdãos foram lavrados à sombra da mesma legislação. O preceito que ambos interpretaram e aplicaram para resolver o problema apontado foi o mesmo: o do citado § único do artigo 1548.º do Código Civil.

Em ambos os casos se tratava de acção proposta pelo promitente comprador, com o fim de obter a condenação do promitente vendedor a pagar-lhe o dobro do sinal, por falta de cumprimento de promessa de compra e venda de bens imobiliários.

Em ambos os casos, o único escrito da promessa era o recibo de sinal, com indicação do preço e especificação da coisa, mas assinado apenas, como é natural, pelo promitente vendedor.

O Acórdão de 1960 decidiu que esse escrito era insuficiente para constituição e prova do contrato-promessa e só seria formalmente válido quando tivesse sido assinado também pelo promitente comprador.

O acórdão ora recorrido decidiu, ao contrário, que a exigência do § único do artigo 1548.º do Código Civil estava preenchida e o recibo de sinal titulava perfeitamente a promessa recíproca de compra e venda.

A oposição entre as duas soluções é nítida e indiscutível.

Pretende a recorrente que o conflito de jurisprudência se resolva assentando na solução que ao problema foi dada pelo Acórdão de 1960.

Alega que, sendo elemento dos contratos o mútuo consenso, este há-de resultar do escrito que os titula, quando escrito seja exigido.

Assim, o escrito do contrato-promessa não pode deixar de conter a assinatura de ambos os contraentes.

Tanto a recorrida como o Ministério Público sustentam o contrário.

Vejamos:

Convém definir os limites do problema contraditòriamente resolvido pelos dois acórdãos em oposição.

Ele é tão-sòmente o de saber se um recibo, com declaração de que a importância recebida representa sinal da prometida venda de especificada coisa imobiliária, a determinada pessoa e por certo preço, é título bastante da obrigação de prestar o facto da venda ou restituir o sinal em dobro.

Ora, ao regular a forma externa da promessa recíproca de compra e venda, dispõe o falado § único do artigo 1548.º do Código Civil: «Tratando-se de bens imobiliários, o contrato deve ser reduzido a escrito».

A disposição foi introduzida pelo Decreto 19126, de 16 de Dezembro de 1930, e tem vindo a ser interpretada pelo Supremo, dominantemente, no sentido que lhe atribuiu o acórdão ora recorrido. Só esporàdicamente o tribunal tomou posição contrária.

No sentido do acórdão recorrido é também dominante a doutrina.

Não se vêem razões válidas para enveredar agora por caminho diferente, com risco de ferir situações criadas à sombra de um entendimento quase geral.

Pelo contrário, uma revisão meticulosa do problema leva a seguir esse entendimento.

A disposição em causa deve ter sido inspirada pelo corpo do artigo 1590.º do Código Civil, que determina «O contrato de compra e venda de bens imobiliários será sempre reduzido a escrito».

Esta frase, perfeitamente semelhante à do actual § único do artigo 1548.º, não impunha que o escrito fosse assinado pelas duas partes, pois logo o § 1.º do mesmo artigo 1590.º se contentava com a assinatura do vendedor, ao menos no caso de o escrito ser particular.

Nada indica que o legislador de 1930 quisesse dar um alcance mais rigoroso à fórmula que se limitou a copiar.

Havendo sinal passado, que é a hipótese de que se trata, a falta de cumprimento da promessa tem como única sanção:

Para o promitente vendedor, a restituição do sinal em dobro;

Para o promitente comprador, a perda do sinal entregue.

Por conseguinte, o escrito só é indispensável para reclamar do promitente comprador ou a prestação do facto prometido, ou o dobro do sinal.

Ao promitente comprador, que já entregou o sinal, nada mais pode ser exigido. De nada serviria à outra parte um escrito assinado por ele.

Por idêntica razão, outros preceitos do Código Civil só exigem assinatura de uma das partes no escrito particular de certos contratos: a assinatura do contraente contra o qual o escrito pode ser pràticamente utilizado.

Assim:

O artigo 1434.º só exige a assinatura do depositário no escrito particular do contrato de depósito até certo montante;

O artigo 1534.º só exige a assinatura do mutuário no escrito particular do contrato de mútuo não excedente a certa importância.

De toda a maneira, não pode deixar-se de reconhecer que o signatário de um recibo, no qual se declara que a importância recebida representa sinal de prometida venda de certa coisa, por determinado preço, assume a obrigação de prestar o facto prometido ou indemnizar.

Mesmo que a obrigação assim constituída se considerasse unilateral, o regime de indemnização pelo não cumprimento teria de ser o do dito artigo 1548.º

A verdade, porém, é que um tal recibo, em mão da pessoa a quem se disse feita a promessa, revela um negócio jurídico bilateral e um acordo de vontades.

No recibo está expressa a vontade do promitente vendedor e implícito que o promitente comprador com ela concordou ao entregar o sinal.

Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso, com custas pela recorrente, e assenta-se em que:

Para documentar a promessa recíproca de compra e venda de bens imobiliários é escrito suficiente o assinado só pelo promitente vendedor, em que este declara ter recebido certa importância a título de sinal da prometida venda, com designação da pessoa a quem prometeu vender, determinação do preço e especificação da coisa.

Lisboa, 15 de Novembro de 1963. - Lopes Cardoso - F. Toscano Pessoa - Barbosa Viana - Bravo Serra - Gonçalves Pereira - Cura Mariano - Alberto Toscano - José Meneses - Ricardo Lopes - Fragoso de Almeida - Abreu Lobo - Albuquerque Rocha.

Está conforme.

Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Novembro de 1963. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2468719.dre.pdf .

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