Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em tribunal pleno:
Pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Fevereiro de 1972, em que intervieram os juizes das duas secções cíveis, decidiu-se que é meramente devolutivo o efeito do recurso interposto pelo senhorio da sentença proferida em 1.ª instância no processo de avaliação requerida nos termos do Decreto 37021, de 21 de Agosto de 1948.
Invocando oposição sobre tal questão fundamental de direito com o Acórdão, também deste Supremo Tribunal, de 23 de Março de 1955, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 48, pp. 647 e segs., interpuseram Mário Lino e a sociedade Fag Portuguesa, Lda., o presente recurso para o tribunal pleno.
Julgada verificada a oposição invocada pelo acórdão de fl. 13, alegaram oportuna e doutamente as partes e o digníssimo representante do Ministério Público emitiu o seu mui douto parecer.
Os recorrentes pretendem que se profira assento no sentido de que o referido recurso tem efeito suspensivo, com base, essencialmente, no disposto nos artigos 16.º e 13.º do citado decreto.
Por seu lado, o recorrido Avelino Martins Carolino e aquele distintíssimo magistrado pronunciam-se no sentido de o assento a proferir dever consagrar a doutrina do acórdão em recurso.
Cumpre decidir.
Como já se declarou no acórdão de fl. 13, é manifesta a oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão anterior invocado pelos recorrentes sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, a de saber qual o efeito legal do recurso da mencionada decisão, pois enquanto um decidiu ser o meramente devolutivo, o outro decidiu ser o suspensivo.
Contudo, assim se declara novamente por força do disposto no n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil, bem como que nenhum obstáculo legal existe ao conhecimento do objecto do recurso, designadamente no que respeita à vigência da mesma legislação processual ao tempo dos dois acórdãos, porque as disposições actuais correspondem exactamente às anteriores.
Passa-se, pois, a apreciar o mérito do recurso.
O acórdão de 1955, para atribuir efeito suspensivo ao recurso, fundou-se em que o artigo 16.º do Decreto 37021, ao declarar que o recurso interposto pelo inquilino não tem efeito suspensivo, traduzia uma excepção ou desvio da regra geral estabelecida no artigo 692.º do Código de Processo Civil, segundo a qual tem efeito suspensivo o recurso de decisões finais.
Ora isto, salvo o devido respeito, parte de uma base inexacta.
Efectivamente, aquele artigo 692.º respeita apenas ao processo ordinário, porque aos processos especiais, por força do n.º 3 do artigo 463.º, correspondente à segunda parte do artigo 472.º do Código de 1939, é de aplicar, em regra, o regime estabelecido no artigo 792.º para o processo sumário, segundo o qual o recurso das decisões que conheçam do mérito da causa tem efeito meramente devolutivo.
E o processo de avaliação regulado no Decreto 37021 é um processo especial, porque não segue os trâmites do processo comum, mas sim trâmites próprios, especialmente nele previstos.
Assim, a regra quanto ao efeito do recurso da decisão final proferida em tal processo é a de que é meramente devolutivo e, portanto, o artigo 16.º não estabelece uma excepção ou desvio a essa regra, mas sim uma afloração ou repetição da mesma.
Esta conclusão legitima a pergunta por que se estabeleceu uma disposição já estabelecida noutra, mas a resposta afigura-se fácil e foi cabalmente dada no acórdão recorrido, com referência ao parecer da Procuradoria-Geral da República de 29 de Setembro de 1959, publicado no Boletim, n.º 95, pp. 48 e segs.
Por um lado, «é, aliás, vulgar na regulamentação de regimes especiais expressarem-se, aflorarem-se ou por qualquer modo lembrarem-se princípios e preceitos que são de carácter geral».
Por outro, «mais do que isso, a conveniência daquela primeira parte do artigo 16.º resulta da necessidade da sua segunda parte, que regula a forma de desconto pelo senhorio do excesso de rendas recebidas em consequência da execução da decisão recorrida e do provimento do recurso, quando é certo que da decisão do recurso do senhorio nunca deriva a restituição de rendas recebidas que haja necessidade de regulamentar».
«Na medida em que a comissão elevou o rendimento, o senhorio foi vencedor e o tribunal ad quem não poderá, a recurso deste quanto à parte em que não foi atendido, baixar o resultado da avaliação feita, mas somente mantê-lo, negando provimento ao recurso, ou elevá-lo, dando provimento a este, total ou parcialmente.» «O efeito meramente devolutivo é instituído normalmente em proveito da parte vencedora e em prejuízo da vencida, recorrente, pelo acatamento que se entendeu de prestar à decisão judicial, embora ainda não transitada em julgado.» O citado parecer continua com outros bem deduzidos argumentos, inteiramente procedentes para se tirar a referida conclusão e que não há necessidade de transcrever agora.
Os recorrentes invocam também a seu favor o disposto no artigo 13.º do Decreto 37021, segundo o qual o processo, até à interposição do recurso, quando o houver, será sumário, concluindo daí que, a partir desse momento, o regime aplicável é o do processo ordinário, incluindo, portanto, o dos recursos nesse processo, por força da alínea b) do citado n.º 3 do artigo 463.º do Código de Processo Civil.
A esta objecção responde-se, porém, facilmente.
Como já se viu, estamos perante um processo especial, e, por consequência, a expressão «o processo, até à interposição do recurso, quando o houver, será sumário», não significa que até esse momento devam praticar-se as formalidades estabelecidas para o processo sumário e daí por diante as do processo ordinário, umas e outras inadequadas ao caso e expressamente repelidas por outras que são mandadas observar.
O que tal expressão significa é que devem reduzir-se ao mínimo as formalidades processuais indispensáveis para a determinação e fixação da renda devida.
Assim, pois, há que concluir que a referida alínea b) não é aplicável à hipótese e, com custas pelos recorrentes, nega-se provimento ao recurso, formulando-se o seguinte assento:
O recurso interposto pelo senhorio da sentença proferida em 1.ª instância no processo de avaliação requerida nos termos do Decreto 37021, de 21 de Agosto de 1948, tem efeito meramente devolutivo.
Lisboa, 3 de Abril de 1973. - J. Santos Carvalho Júnior - Eduardo Correia Guedes - Adriano de Campos de Carvalho - António Pedro Sameiro - Manuel José Fernandes Costa - José António Fernandes - João Moura - Eduardo Arala Chaves - Bruto da Costa - Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos - Daniel Ferreira - Ludovico da Costa - Oliveira Carvalho - Adriano Vera Jardim.
Está conforme.
Supremo Tribunal de Justiça, 26 de Abril de 1973. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.