Acórdão 558/2005/T. Const. - Processo 804/2005. - 1 - Por intermédio do Acórdão 550/2005, proferido nestes autos, foi decidido não tomar conhecimento do recurso interposto por António Fernando Menezes Rodrigues, "cabeça de lista" e candidato à Câmara Municipal do Seixal pelo Partido Socialista, da deliberação da assembleia de apuramento geral das eleições realizadas em 9 do corrente mês de Outubro para os órgãos das autarquias locais do concelho do Seixal.
Notificado desse aresto, vem agora o impugnante apresentar "reclamação" com o seguinte teor:
"António Fernando Menezes Rodrigues, recorrente nos autos em epígrafe, notificado do douto acórdão proferido a fls. [...], vem do mesmo, ao abrigo dos artigos 77.º, n.º 1, e 78-A, n.º 3, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, ex-vi artigo 159.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, e 688.º do CPC, com as necessárias adaptações, reclamar para a conferência, o que faz como se segue:
1 - Vem o douto acórdão sob censura, em síntese, invocar que o recurso em causa não deu entrada até ao termo do horário normal da secretaria judicial, pelo que não conheceu da questão de fundo;
2 - Mais fundamenta a sua decisão no facto de ora reclamante ter invocado não ter disponível a acta da assembleia de apuramento em tempo útil, afirmando irrelevante esse facto;
3 - Contudo, salvo o mui devido respeito, confusão anda pela fundamentação dada no doutíssimo acórdão, vejamos;
4 - O ora reclamante, aí recorrente, enviou o seu recurso por correio registado no dia 14 de Outubro de 2005, sendo que tal expediente faz parte dos autos (cf. documento n.º 1 que se junta e se dá inteiramente por reproduzido e www.ctt.pt pesquisa objectos RO408259035PT, INFO.);
5 - E só enviou o fax em causa porquanto sentiu o dever de, dado o imediatismo e urgência especialíssima do processo em causa, desde logo dar conhecimento ao tribunal da sua vontade de interpor recurso;
6 - Donde o ora reclamante apresentou atempadamente o seu recurso, acresce que;
7 - A questão prévia suscitada pelo ora reclamante, como plasmado está na sua fundamentação, foi a título informativo e à cautela de qualquer questão que pudesse ser colocada quanto à tempestividade da interposição do seu recurso;
8 - Não vindo o ora reclamante a desistir ou a colocar questão outra ou diversa sobre essa matéria durante a tramitação do recurso;
9 - Antes pelo contrário, manteve o propósito de que o recurso fosse conhecido;
10 - Ora, a publicação dos resultados eleitorais definitivos segundo a data do edital é de 13 de Outubro de 2005;
11 - O recurso foi enviado por correio registado no dia 14 de Outubro de 2005, todavia;
12 - Não pode o ora reclamante deixar de dizer o seguinte a respeito do altíssimo critério, consagrado na fundamentação do acórdão reclamado quanto ao facto de a telecópia ter sido enviada às 17 horas e 39 minutos do dia 14 de Outubro;
13 - Desde logo, humildemente acompanhar o altíssimo entendimento dos Srs. Juízes Conselheiros que votaram vencidos;
14 - Não porque tenha interesse útil e oportunístico nesse acompanhamento, para o sucesso da presente lide, mas por convicção;
15 - Em primeiro lugar e desde logo na exacta medida porque foi a própria Secretaria Judicial Central que deu como data de entrada do requerimento consubstanciador do recurso o dia 14 de Outubro de 2005;
16 - Depois porquanto, sendo questão controvertida, da sua discussão e solução só pode resultar a aplicação da justiça, tal como se enquadra na lei e nos princípios fundamentais e até naturais da vida;
17 - Vamos a ver: o artigo 229.º da LEOAL, salvo o devido respeito, regula a prática de actos processuais por parte de entidades ou serviços públicos, tão-só;
18 - Aliás seria bom de ver, a atender à interpretação do acórdão sob censura, quais os actos praticados durante a própria assembleia de apuramento fora do horário aí mencionado;
19 - Colocando-se a questão então de saber se todos os actos praticados fora desse horário seriam nulos;
20 - Desde logo o facto de a assembleia de apuramento, por exemplo, ter terminado os seus trabalhos às 20 horas e 30 minutos do dia 12 de Outubro de 2005, o que, por via da interpretação do douto acórdão reclamado, violaria o artigo 147.º, n.º 1, da LEOAL;
21 - Obviamente que a resposta terá de ser negativa, se não vejamos a hora a que se suspendeu a assembleia a quo na sua primeira reunião;
22 - A ratio legis do artigo 229.º é para regular a prática dos próprios actos das entidades públicas, sendo certo que, no caso vertente, a regular os actos pelos sujeitos processuais ter-se-á que atender ao expediente normal de proposição de acções e recursos judiciais, máxime entender-se que o horário normal de uma secretaria judicial é o que prevê o cumprimento de um prazo!
23 - O que significa, in casu, o cumprimento de um prazo excepcional e curtíssimo que é o previsto no artigo 155.º, n.º 3.º, da LEOAL;
24 - Por outro lado fixa o artigo 159.º da referida lei: o recurso contencioso é interposto perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do edital contendo os resultados definitivos, sucede que;
25 - Reza o artigo 155.º, n.º 3, da mesma lei que: a proclamação e a publicação dos resultados, nos termos do artigo 150.º, têm lugar no dia da última reunião da assembleia de apuramento;
26 - Ora, por maioria de razão, e numa interpretação literal do artigo 229.º da LEOAL, a publicação dos resultados terá de obedecer ao horário aí constante;
27 - Isto é, a assembleia de apuramento geral só poderia publicar os resultados até às 17 horas, horário de funcionamento dos serviços camarários;
28 - Fiquemos, para já, por uma análise em abstracto desta interpretação: assim sendo e estando o recurso condicionado à sua apresentação até às 16 horas na secretaria judicial, o dia, consagrado no artigo 159.º da LEOAL, seria um dia sui generis, salvo o devido respeito, seria um dia com vinte e três horas;
29 - Ora, o referido dispositivo normativo não se refere a 'horas' mas sim um dia;
30 - Se fosse o caso de horas, então aplicar-se-ia o artigo 279.º, alínea b), do Código Civil, mas relativamente às horas que integrassem o prazo;
31 - Mas, como já vimos, não é. Aplicando-se, assim, a alínea b) do artigo 279.º do Código Civil, na parte em que dispõe quanto à contagem quando se trata de um prazo referido em dias;
32 - Ora a norma é claríssima, sendo que uma boa interpretação da lei impõe aplicar os princípios e comandos previsto no artigo 9.º do Código Civil, que, com a devida vénia, reproduzimos:
'Artigo 9.º
Interpretação da lei
1 - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o pensamento em termos adequados.'
33 - Ora, in casu, o legislador no mesmo diploma legal consagrou um prazo referindo-se a 'dia', bem sabendo da redacção do artigo 279.º do Código Civil;
34 - Sendo certo que da interpretação sistemática da lei só pode resultar que o horário normal, sendo o prazo um dia, contém, também, a possibilidade do exercício do direito por outras vias que não só a presencial;
35 - Mas vamos ao caso concreto dos autos:
36 - Diz a acta de apuramento geral que os trabalhos de apuramento foram encerrados às 20 horas e 30 minutos do dia 12 de Outubro de 2005;
37 - Acrescentando que os resultados foram proclamados pelo presidente e, seguidamente, publicados por meio de edital [...];
38 - Todavia o referido edital tem a data de 13 de Outubro;
39 - Não contendo a hora da sua afixação;
40 - Ora, face à disparidade entre a hora do encerramento dos trabalhos e a ausência de hora de afixação do edital, não podemos concluir a hora a que o edital dos resultados definitivos foi publicado;
41 - Assim sendo, impossível se torna contar o prazo nos termos do invocado artigo 229.º da LEOAL;
42 - Ora, num processo desta natureza não podem as pessoas ou entidades com legitimidade para recorrer ficar na dependência total e absoluta da organização da assembleia, sendo certo que o domínio das horas e a sua contagem pode ser vital para o sucesso do recurso;
43 - Recurso apresentado na base de um processo de contencioso especialíssimo, urgentíssimo, mas cuja finalidade é garantir o estado democrático de direito relativamente a um acto soberano:
Conclusões:
a) A questão prévia colocada pelo recorrente foi meramente informativa e de acautelamento;
b) O recorrente, ora reclamante, apresentou o seu recurso pelo correio, exercendo assim um direito que lhe assiste;
c) O edital que publicou os resultados definitivos não contém a hora da sua publicação;
d) O horário dos serviços onde funcionou a assembleia de apuramento (CM Seixal) é diferente dos da secretaria judicial, sendo certo que os primeiros encerram às 17 horas e os segundos às 16 horas;
e) Assim o prazo fixado pelo artigo 158.º da LEOAL fica absolutamente na medida em que um dia significa, naturalmente, vinte e quatro horas, e deste modo o recorrente só teria no máximo vinte e três horas;
f) Sendo que o artigo 229.º da referida lei tem como ratio legis a sua aplicação aos actos processuais a praticar pelas entidades públicas, só fazendo sentido a sua interpretação literal cotejando com o artigo 158.º da LEOAL, que não menciona e estatui horas como prazo de recurso mas sim o dia seguinte: ou seja, um dia;
g) Sendo que, deste modo, se aplica, in casu, o artigo 279.º, alínea b), do Código Civil, na parte em que se refere à contagem de prazos quando a lei menciona 'dias';
h) Dada a natureza e especialidade do processo em causa;
i) Cujo fim primeiro e essencial é o de garantir a legalidade das eleições, acto soberano do povo;
j) E que não se compadece, apesar da urgência implícita, com interpretações restritivas da lei:
Termos em que deve proceder a presente reclamação, sendo admitido o recurso apresentado, por estar em tempo, devendo consequentemente conhecer-se da questão de fundo, fazendo-se assim a costumada justiça.
III - Requerimento.
Ao abrigo do artigo 159.º, n.º 1, da LEOAL, requer-se a V. Exmas. se dignem requisitar junto da assembleia de apuramento geral, caso este venerando Tribunal ainda não o tenha efectuado, certidão da actas da assembleia do apuramento geral, bem como do edital que publicou os resultados definitivos."
Cumpre decidir.
2 - Em primeiro lugar, não é minimamente entendível a vertente "reclamação" esteada ao abrigo dos artigos 77.º, n.º 1, e 78.º-A, n.º 3, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, já que o presente processo cura de um recurso contencioso interposto nos termos dos artigos 156.º e seguintes da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, e não de um processo de reclamação de não admissão de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade ou ilegalidade intentado interpor para este Tribunal, ou de um recurso daquele jaez em que foi proferida decisão sumária ao abrigo do n.º 1 do citado artigo 78.º-A.
Em segundo lugar, mesmo aceitando-se que, tendo em conta a sua natureza de especial urgência, é possível, nos recursos atinentes ao contencioso eleitoral, a admissão dos incidentes de arguição de nulidade e pedidos de rectificação, esclarecimento ou reforma, questão que aqui se não enfrentará, é por demais claro que a peça processual consubstanciadora da "reclamação" acima transcrita mais não representa que a manifestação de uma dissidência quanto ao decidido pelo acórdão reformando.
Ora, os pedidos de reforma a que alude o n.º 2 do artigo 669.º do diploma adjectivo civil só poderão ser deduzidos caso tenha havido manifesto lapso na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou, ainda, desde que constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que, por manifesto lapso, não foram tomados em consideração na decisão.
Não podem, desta sorte, tais pedidos ser utilizados fora do circunstancialismo do indicado n.º 2 do artigo 669.º, com o desiderato de se obter decisão diversa da tomada.
No caso sub specie, a decisão ínsita no Acórdão 550/2005 encontra-se devidamente fundamentada, não repousando, por isso, em qualquer dos lapsos manifestos permissores de dedução de reclamação nos termos daquele n.º 2.
Poderá o "reclamante" não concordar com o que foi decidido e com a fundamentação carreada, ajuizando, assim, para si, no sentido de ter havido "erro de julgamento" no tocante à interpretação normativa que deu lugar à decisão. Simplesmente, essa não concordância não tem a virtualidade de modificar o decidido e, seguramente, não se pode levar a efeito recorrendo a um pedido de reforma.
Nestes termos, indefere-se o peticionado.
Lisboa, 20 de Outubro de 2005. - Bravo Serra - Paulo Mota Pinto - Maria João Antunes - Maria Fernanda Palma - Mário José de Araújo Torres - Vítor Gomes - Benjamim Rodrigues - Gil Galvão - Rui Manuel Moura Ramos.