Acórdão 552/2005/T. Const. - Processo 808/2005. - Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
A - Relatório. - 1 - A CDU - Coligação Democrática Unitária recorre, ao abrigo do disposto no artigo 158.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto (LEOAL), da decisão da assembleia de apuramento geral do concelho do Porto, alegando o seguinte:
"1.º A candidatura do Partido Socialista apresentou recurso gracioso dos resultados eleitorais provisórios das mesas de voto da freguesia da Sé (documento n.º 1);
2.º Por dúvidas no que se refere à afectação dos votos expressos aos partidos concorrentes bem como a verificação dos votos nulos (itálico nosso);
3.º O M.mº Juiz Presidente da Assembleia Geral de Apuramento admitiu o recurso, determinando a abertura dos envelopes que continham os votos expressos e a sua conferência;
4.º Vindo a final a dar provimento ao recurso e as rectificações deram origem a uma nova composição da Assembleia de Freguesia (v. acta da assembleia de apuramento geral das eleições dos órgãos das autarquias locais do concelho do Porto);
5.º Ora acontece que, em tal conferência, se considerou a afectação dos votos expressos aos partidos concorrentes e não se procedeu à verificação dos votos nulos, conforme requerido no requerimento de interposição do recurso gracioso;
6.º Sendo certo que em todas as quatro secções de votos foram detectados inúmeros votos considerados validados, apesar de, visualmente, se constatar que não estavam legalmente preenchidos;
7.º Efectivamente, o sinal (a cruz) encontrava-se totalmente exterior ao quadrado respectivo em que deveria ser colocado;
8.º E não tendo havido, em qualquer dessas quatro secções de voto da freguesia da Sé, qualquer reclamação ou protesto, apesar da presença dos legais representantes do Partido Socialista;
9.º Assim, por omissão, não foram apreciadas estas apontadas irregularidades, apesar de o recurso gracioso interposto requerer a sua apreciação;
10.º A não apreciação das irregularidades referidas fere o disposto no artigo 156.º da lei supra-indicada e favorece, claramente, uma força política (o Partido Socialista) em detrimento de outra (o Partido Social-Democrata);
11.º Porquanto, inicialmente, a contagem determinou a composição da Assembleia de Freguesia com quatro mandatos para o PS, quatro para o PSD e um para a CDU, e, após a recontagem, a composição passou a ser de cinco mandatos para o PS, três para o PSD e um para a CDU;
Em conclusão:
1.º Fez-se incorrecta interpretação do disposto no n.º 1 do artigo 156.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, ao não se apreciar os votos nulos, como requerido;
2.º Verificaram-se ilegalidades que ao não serem apreciadas influíram no resultado geral da eleição do órgão Assembleia de Freguesia da Sé, concelho do Porto;
3.º Por violação do disposto nos artigos 91.º, 115.º, n.º 4, 133.º e 156.º da aludida lei deve ser julgada nula a votação apurada na freguesia da Sé;
Termos em que o presente recurso deve ser admitido e a final anulada a votação da freguesia da Sé, concelho do Porto, para o devem ser notificados todos os outros intervenientes, seguindo-se os ulteriores termos do processo."
2 - Notificados os representantes dos partidos, apenas o do Partido Socialista respondeu, dizendo:
"1 - O PS, Partido Socialista, apresentou recurso gracioso da contagem de votos da freguesia da Sé;
2 - Recurso este que foi admitido e deferido pelo M.mº Juiz que presidia àquela assembleia geral de apuramento, conforme resulta da análise atenta de cópia da 1.ª página da acta desta assembleia (v. documento n.º 1);
3 - Os termos em que o PS formulou e fundamentou o mencionado recurso tiveram por base factos concretos e não ilusões, como o comprova a p. 10 da mencionada acta (documento n.º 2 em anexo);
4 - Com efeito, nas secções de voto n.os 2, 3 e 4 verificaram-se erros materiais de contagem de votos que prejudicavam a candidatura do PS, quer à Câmara Municipal do Porto, quer no que aqui releva à assembleia de freguesia da Sé;
5 - Assim, bem decidiu o juiz a quo e a assembleia a que este Dg.mº Magistrado presidia;
6 - Não se vislumbra pois o escopo do recurso apresentado pela CDU;
7 - Pois inexiste qualquer violação de qualquer das disposições legais;
8 - A recontagem de votos foi admitida e bem efectuada, sendo determinante tal decisão factualmente fundamentada e juridicamente inatacável;
9 - Pelo que deve ser confirmada a deliberação daquela assembleia geral de apuramento eleitoral;
10 - Sendo sempre, consequentemente, confirmada a composição da Assembleia de Freguesia da Sé, em virtude da distribuição de mandatos ditada pela correcta e insuspeita recontagem de votos.
Nestes termos, deve ser declarado improcedente e infundado o recurso ora em apreço, e, a final, deverá ser sempre confirmada a recontagem de votação da freguesia da Sé, concelho do Porto, com todos os devidos e legais efeitos, designadamente a confirmação da composição daquele órgão autárquico, visado pelo recurso ora apresentado a juízo pela CDU."
3 - Tal como foi requerido pelo recorrente, foi ordenada a requisição de cópia da acta da assembleia de apuramento geral do concelho do Porto, na parte pertinente ao conhecimento do recurso (Assembleia de Freguesia da Sé), bem como do edital de apuramento geral respectivo.
B - Fundamentação. - 4 - Dos autos recorta-se o seguinte quadro factual:
a) No dia 11 de Outubro de 2005, o Partido Socialista dirigiu ao juiz presidente da assembleia geral do concelho do Porto um requerimento no qual dizia "apresentar recurso gracioso dos resultados eleitorais provisórios das mesas de voto da freguesia da Sé por dúvidas no que se refere à afectação dos votos expressos aos partidos concorrentes bem como a verificação dos votos nulos";
b) Este requerimento mereceu a seguinte deliberação da assembleia de apuramento geral do concelho do Porto:
"Freguesia da Sé - por requerimento do mandatário do Partido Socialista foi feita a recontagem desta freguesia, e para as três eleições, tendo-se procedido às seguintes rectificações:
Secção de voto n.º 2:
Na Assembleia de Freguesia, e após recontagem, verificou-se que o PS tinha 271 votos e não 270;
Na Câmara Municipal verificou-se a existência de 4 votos para o PND.PPM que não constava da acta;
Na Câmara Municipal verificou-se um erro material no total de votos contabilizados, que é de 591 e não de 595, conforme consta da acta;
Secção de voto n.º 3:
Na Câmara Municipal, e após recontagem, verificou-se que eram 73 e não 71 os votos atribuídos ao PCP-PEV, também, relativamente ao PS verificou-se que o número de votos atribuídos foi de 290 e não 292;
Secção de voto n.º 4:
Na Assembleia de Freguesia, e após recontagem, verificou-se que eram 210 e não 209 os votos atribuídos ao PS. Verificou-se que os votos em branco são em número de 20 e não de 21;
Na Assembleia de Freguesia, para a atribuição do 9.º mandato seguiu-se a orientação do Acórdão 15/90 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 29 de Junho de 1990, pelo que o 9.º mandato foi atribuído ao Partido Socialista;
Tendo em conta os elementos verificados, foi elaborado para cada um dos órgãos da autarquia local o seguinte apuramento geral."
c) O resultado deste apuramento geral foi publicado por edital, no dia 13 de Outubro de 2005, dele constando o seguinte:
"Assembleia de Freguesia da Sé:
Eleitores inscritos: 4962:
Votantes: 2425;
Votos em branco: 62;
Votos nulos: 42;
Partido Socialista: 1042;
CDU - Coligação Democrática Unitária: 351;
Pelo Porto, Uma Vez Mais: 833;
Bloco de Esquerda: 95."
d) Também por edital da mesma data (13 de Outubro de 2005), foi publicado o resultado da distribuição dos mandatos, feita pela mesma assembleia geral, dele constando seguinte:
"A distribuição dos mandatos foi a seguinte:
1.º mandato: Partido Socialista;
2.º mandato: Pelo Porto, Uma Vez Mais;
3.º mandato: Partido Socialista;
4.º mandato: Pelo Porto, Uma Vez Mais;
5.º mandato: CDU - Coligação Democrática Unitária;
6.º mandato: Partido Socialista;
7.º mandato: Pelo Porto, Uma Vez Mais;
8.º mandato: Partido Socialista;
9.º mandato: Partido Socialista."
e) A petição do recurso contencioso deu entrada, por fax, no Tribunal Constitucional, no dia 14 de Outubro de 2005, pelas 22 horas e 16 minutos, tendo sido registada no dia 17 de Outubro de 2005.
5 - Dispõe o artigo 158.º da LEOAL que "o recurso contencioso é interposto perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do edital contendo os resultados do apuramento".
Por seu lado, estipula-se no n.º 2 do artigo 229.º da mesma lei que "quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições".
Ora, de acordo com o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 122.º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, o encerramento normal dos serviços do Tribunal Constitucional ocorre pelas 16 horas.
Conquanto recebida no dia 14 de Outubro de 2005, o certo é que a petição do recurso deu entrada depois do encerramento normal dos serviços do Tribunal Constitucional, razão essa que deu azo até a que apenas fosse registada com a data de 17 de Outubro de 2005 (por 15 e 16 de Outubro terem sido, respectivamente, sábado e domingo).
Assim sendo, tem de concluir-se que o recurso é extemporâneo, estando já caducado o direito de recurso.
Na verdade, vem-se entendendo que, neste tipo de recursos, ainda que os mesmos possam ser interpostos por fax ou telecópia, o requerimento consubstanciador da petição não pode deixar de dar entrada até ao "termo do horário normal" da secretaria judicial do dia seguinte à afixação do edital (cf., neste exacto sentido, quanto a casos idênticos os recentes Acórdãos n.os 540/2005, 542/2005, 543/2005 e 550/2005, todos inéditos).
O recurso não poderá, assim, deixar de ser rejeitado.
6 - Mas, independentemente de tal razão, sempre o recurso deveria ser rejeitado por um outro fundamento. É que decorre do disposto no n.º 1 do artigo 156.º da referida LEOAL que é pressuposto da recorribilidade da decisão da assembleia de apuramento geral que a irregularidade ocorrida no decurso do apuramento geral haja sido objecto de reclamação ou protesto apresentado no acto em que se verificaram.
No caso, importava que, independentemente de a reapreciação dos votos nulos corresponder a um dever oficioso da assembleia de apuramento geral, por força do estabelecido na parte final do n.º 1 do artigo 149.º da LEOAL, o seu incumprimento, mesmo que por força do deferimento do pedido do recurso gracioso, tivesse sido objecto de reclamação ou de protesto pelos interessados.
Ora, o que é certo é que o recorrente nem sequer alega que essa reclamação ou protesto haja acontecido e a acta do apuramento geral também não prova a sua existência.
De tudo flúi, pois, que não pode tomar-se conhecimento do recurso.
C - Decisão. - 7 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 20 de Outubro de 2005. - Benjamim Rodrigues - Gil Galvão - Bravo Serra - Paulo Mota Pinto - Maria João Antunes - Vítor Gomes - Maria Fernanda Palma (voto a presente decisão apenas com os fundamentos constantes do n.º 6 do acórdão) - Mário José de Araújo Torres (com a declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos.
Declaração de voto
Votei o não conhecimento do recurso apenas com fundamento na inexistência de reclamação ou protesto apresentados perante a assembleia de apuramento geral, pois entendo que, diversamente do decidido no precedente acórdão, o recurso foi tempestivamente apresentado, por razões similares às expostas nos votos de vencido que apus aos Acórdãos n.os 414/2004, 540/2005, 542/2005, 543/2005, e 550/2005.
Na verdade, nos termos do artigo 158.º da lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto (doravante designada por LEOAL), o recurso contencioso tendo por objecto as irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento local ou geral ou as decisões sobre as reclamações, protestos ou contraprotestos apresentados contra essas irregularidades "é interposto perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do edital contendo os resultados do apuramento". Trata-se, assim, do prazo de um dia (e não de vinte e quatro horas), a contar da data da afixação do edital contendo os resultados do apuramento geral. No cômputo dos prazos são aplicáveis, salvo disposição especial, as regras do artigo 279.º do Código Civil, das quais deriva que nessa contagem não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr e que o prazo termina às vinte e quatro horas do último dia do prazo [alíneas b) e c) desse preceito, sendo entendimento corrente o de que a regra desta última alínea também se aplica aos prazos fixados em dias]. Isto é, o prazo de um dia para a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional começa a correr no início do dia seguinte ao do da afixação do edital e termina às vinte e quatro horas desse dia.
Entendeu-se, porém, no precedente acórdão que ao caso era aplicável a regra do n.º 2 do artigo 229.ºda LEOAL, nos termos do qual: "Quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições."
A formulação literal do preceito - que não utiliza as fórmulas habituais de o acto ter de ser praticado em juízo [alínea e) do artigo 279.º do Código Civil] ou perante o serviço público [alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo - CPA] - ao aludir explicitamente à circunstância de o acto em causa implicar o envolvimento de entidades ou serviços públicos através de uma intervenção dessas entidades ou serviços, logo inculca que se pretendeu contemplar as situações em que a prática do acto determina o desenvolvimento de uma actividade desses entes públicos, e não já os casos em que os serviços funcionam como mera instância de recepção de documentos. Daqui deriva, pois, a não aplicabilidade da regra do citado artigo 229.º, n.º 2, ao presente caso.
Sendo "aplicável ao contencioso da votação e do apuramento o disposto no Código de Processo Civil", como expressamente dispõe o n.º 5 do artigo 159.º da LEOAL, é, hoje em dia, inequívoco não só que "as partes podem praticar os actos processuais através de telecópia ou por correio electrónico, em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais" (artigo 143.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC), aditado pelo Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto), como também que quando o acto é praticado por "envio através de telecópia, [vale] como data da prática do acto processual a da expedição" [artigo 150.º, n.º 1, alínea c), do CPC, na redacção do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro].
Em face do exposto, terminando às vinte e quatro horas do dia 14 de Outubro de 2005 o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e sendo incontroversa a admissibilidade do envio por telecópia da respectiva petição, independentemente do "horário de funcionamento" do serviço destinatário, o envio efectuado às 22 horas e 16 minutos desse dia 14 de Outubro não pode deixar de ser considerado como tempestivo, sendo inaplicável a regra do artigo 229.º, n.º 2, da LEOAL, por o acto praticado não "envolver a intervenção" (na acepção atrás assinalada) de entidades ou serviços públicos, mas a mera recepção, por qualquer meio, de um documento transmissível por telecópia, recepção essa que não exige a presença física de qualquer funcionário.
O prazo de um dia é, por definição, sempre superior ao prazo de vinte e quatro horas, pois despreza o tempo decorrido no dia em que ocorreu o evento que desencadeia o início do prazo e termina às vinte e quatro horas do dia seguinte. A tese que fez vencimento - considerando que o prazo termina às 16 horas desse dia - tem o efeito (a meu ver inadmissível) de poder transformar um prazo de um dia em prazo inferior a vinte e quatro horas, o que ocorrerá sempre que o edital contendo os resultados do apuramento geral seja afixado depois das 16 horas. - Mário José de Araújo Torres.