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Acórdão 339/2005/T, de 11 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 339/2005/T. Const. - Processo 1034/2004. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório. - O arguido Vítor Manuel Carvalhosa Duarte, tendo sido acusado pelo Ministério Público da prática de factos que integrariam a autoria material de um crime de abuso de confiança, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º e 205.º, n.os 1 e 4, alínea b), por referência à alínea b) do artigo 202.º, todos do Código Penal (fl. 151 a fl. 153), veio requerer a abertura de instrução, nos termos do artigo 287.º, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), requerendo, além do mais, a inquirição de duas testemunhas (fl. 181 a fl. 190).

Por despacho da juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa de 15 de Julho de 2002, foi declarada aberta a instrução e designado dia para inquirição das aludidas testemunhas (fl. 216), não tendo esta última parte do despacho sido notificada aos mandatários da assistente e do arguido (cf. cota a fl. 217). Procedeu-se à inquirição das testemunhas apenas com a presença da juíza de instrução, do funcionário e de cada uma das testemunhas (cf. fl. 225 a fl. 228 e fls. 235 e 236).

No decurso do debate instrutório, o mandatário do arguido arguiu a nulidade processual derivada da sua falta de notificação para a inquirição das testemunhas ouvidas em sede de instrução (fl. 245), arguição que foi desatendida na decisão instrutória de 13 de Maio de 2003, que acabou por pronunciar o arguido pelo crime por que vinha acusado (fl. 249 a fl. 257).

O desatendimento da arguição de nulidade assentou na consideração de que o regime processual penal resultante do CPP de 1987, quer antes quer após a revisão operada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, não prevê a notificação dos mandatários das partes para a inquirição das testemunhas em sede de instrução, como já sustentava, face à redacção originária, Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, p. 160), como foi intenção explicitamente assumida pelo legislador de 1998 (cf. exposição de motivos da proposta de lei 157/VII, donde consta que com o proposto aditamento do n.º 2 do artigo 298.º se visou "clarifica[r] a regra vigente de que, na fase de instrução, apenas o debate instrutório tem natureza contraditória") e como constitui entendimento generalizado da jurisprudência. Mais acrescentou que nunca o pretenso vício processual, a existir, poderia ser qualificado como nulidade, face ao princípio da legalidade relativo às nulidades (artigo 118.º, n.º 1, do CPP: "A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei"), pelo que "quanto muito teria sido cometida uma mera irregularidade verdadeiramente inócua" (artigos 118.º, n.º 2, e 123.º do CPP), dado que "a presença, ou não presença, do mandatário de uma das partes no processo em nada influi na realização e no decorrer da mesma, sendo certo que, podendo ter acesso ao processo, pode consultar as declarações prestadas e apresentar ou solicitar os esclarecimentos que entenda".

Contra esta decisão foi interposto recurso pelo arguido (fl. 264 a fl. 280), que foi admitido para subir com o eventual recurso da decisão que pusesse termo à causa (despacho a fl. 284). Esse recurso veio a subir com o interposto contra o Acórdão de 2 de Abril de 2004 do tribunal colectivo da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, que condenou o arguido, pelo crime por que vinha pronunciado, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por dois anos, e na indemnização de 20 441 105$ (Euro 101 959,80) à assistente (fl. 532 a fl. 559).

A ambos os recursos foi negado provimento pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Outubro de 2004 (fl. 643 a fl. 667), que, no que concerne ao "recurso interlocutório", manifestou inteira concordância com o despacho recorrido e doutrina e jurisprudência nele citadas, reiterando que, "como a produção da prova na instrução não está sujeita a contraditório, o advogado do arguido não tem de ser convocado para a inquirição de testemunhas". Segundo esse aresto, "só o debate instrutório está sujeito ao contraditório e, então, aí sim, a presença do arguido e do seu defensor é obrigatória", como se extrai do n.º 1 do artigo 289.º do CPP. E prossegue: "Ainda que a alínea a) do artigo 61.º do CPP estabeleça que o arguido, bem como (artigo 63.º do CPP) o seu defensor, goza do direito de estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito, é entendimento pacífico, cremos, que essa presença só é obrigatória quando se visa actuar o princípio do contraditório; não havendo a possibilidade de contraditar, não se justifica a sua presença." Donde deriva a inexistência de "qualquer violação dos direitos de defesa do arguido e das normas processuais ou constitucionais que o protegem", acrescentando: "E se o n.º 3 do artigo 32.º da CRP dispõe que o arguido tem o direito a ser assistido pelo defensor em todos os actos do processo, essa garantia refere-se à participação processual do arguido, pelo que só faz sentido quando o arguido deva participar no acto." Com estes fundamentos, conclui o Tribunal da Relação de Lisboa que "o defensor não tinha [...] de ser convocado para aquele acto processual na fase instrutória".

Contra este acórdão, na parte assinalada, interpôs o arguido recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação das garantias de defesa do arguido e do princípio do contraditório, garantidos pelo artigo 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), das normas dos artigos 289.º, n.os 1 e 2, e 297.º, n.º 3, do CPP.

Neste Tribunal, o recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"I - O presente recurso, fundamentado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e, bem assim, nos artigos 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 1, alínea b), 75.º e 75.º-A, todos da Lei 28/82, de 15 de Novembro, sobe da decisão tomada em sede de tribunal recorrido quanto à alegada questão da inconstitucionalidade dos n.os 1 e 2 do artigo 289.º do Código de Processo Penal e do n.º 3 do artigo 297.º do mesmo diploma, nos termos da qual aquele entendeu inexistir qualquer violação da lei fundamental, rejeitando, assim, a oportuna e invocada nulidade da não notificação e intervenção do arguido, na pessoa do seu mandatário, na diligência probatória (inquirição de testemunhas) em fase de instrução contraditória.

II - O arguido, oportunamente notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 287.º do CPP, veio requerer a abertura de instrução e consequente inquirição de testemunhas, que foram ouvidas sem que o mandatário do arguido estivesse presente à sua inquirição, pois para tanto não foi sequer notificado, facto de que tomou conhecimento em sede de debate instrutório, o que motivou que só então viesse a arguir tal nulidade.

III - A Constituição Portuguesa consagra no n.º 1 do seu artigo 32.º que 'o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa' e entre essas garantias de defesa surge a instrução contraditória, cujo objectivo último se identifica com a contradição da tese da acusação.

IV - Deduzida acusação e por respeito ao 'princípio do contraditório', o legislador regulamentou a sua concretização, conferindo ao arguido o direito a requerer a abertura de instrução e, desse modo, permitindo-lhe colocar-se num mesmo plano de igualdade do Ministério Público, ou seja, facultando-lhe o direito de procurar impugnar as provas carreadas aos autos na fase imediatamente anterior.

V - O exercício do contraditório não pode limitar-se à participação do arguido e ou do seu mandatário no debate instrutório, que mais não é do que a conclusão de um processo de recolha de contraprovas e sua consequente análise.

VI - Assim como ao Ministério Público foi dado o direito de acompanhar, investigar, apurar os factos, também ao mandatário do arguido não pode ser negado similar direito, pelo que, podendo o arguido, através do Sr. Juiz, requerer que se averigúe, se apure, menos se compreende que aquele ou o seu mandatário seja excluído do direito de acompanhar as diligências por si requeridas.

VII - Por isso, defendemos que o princÍpio do contraditório e o cabal assegurar dos direitos de defesa do arguido exigem que o seu mandatário seja convocado e, desse modo, possa acompanhar as diligências de instrução, mormente as por si requeridas, dando assim corpo aos preceitos constitucionais constantes dos n.os 1 e 5, segunda parte, do artigo 32.º da CRP.

VIII - A recusa em permitir que os mandatários dos arguidos assistam aos autos de instrução é uma limitação dos direitos destes e uma violação das normas, colocando-os numa posição de desigualdade face às prerrogativas atribuídas ao Ministério Público, tanto mais que se 'ao Ministério Público compete representar o Estado' (artigo 221.º, n.º 1, da CRP), ao mandatário do arguido compete representar este último.

IX - O facto de o artigo 297.º, n.º 3, do CPP impor a notificação do arguido e, desse modo, do seu mandatário apenas para o debate instrutório traduz uma pálida afloração de respeito pelo princípio do contraditório, mas, sendo aquele apenas um dos 'actos instrutórios', não podia o legislador deixar de impor a notificação do arguido e seu defensor para todos os demais actos da instrução contraditória.

X - Não tendo consagrado tal, há que concluir que o exercício do princípio do contraditório está em causa e, desse modo, também em crise as garantias de defesa que ao arguido deverão ser asseguradas.

XI - O tribunal a quo interpretou de forma limitativa o exercício do princípio do contraditório, reduzindo-o à sua mais simples expressão, ou seja, de que apenas está obrigado a notificar as partes e, assim, o mandatário do arguido e este mesmo para o debate instrutório, face ao disposto no artigo 297.º, n.º 3, do CPP, sem ter em conta o princípio geral contido no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e o normativo contido nos artigos 61.º, n.º 1, alíneas a) e f), e 63.º do CPP.

XII - Ora, o tribunal a quo deveria ter entendido essa norma constante do citado artigo 297.º, n.º 3, como não impeditiva de notificar o mandatário do arguido para participar das diligências instrutórias por si requeridas, como lhe impõe o artigo 32.º, n.os 1 e 5, da CRP e o disposto nos artigos 61.º, n.º 1, alíneas a) e f), e 63.º, ambos do CPP.

XIII - Impondo a lei que o arguido ou o seu mandatário estejam presentes nos actos processuais que lhe digam respeito, nos quais se integram as diligências de produção de prova em sede de instrução, e não tendo o tribunal a quo cumprido tal imposição, estamos perante uma violação da lei processual, conduzindo a uma nulidade insanável, face ao disposto no artigo 119.º, alínea c), do CPP, o que conduz às consequências previstas no artigo 122.º deste diploma.

XIV - Assim, consideramos que as normas dos n.os 1 e 2 do artigo 289.º e do n.º 3 do artigo 297.º, ambos do CPP, estão feridas de inconstitucionalidade material em clara violação do disposto nos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da CRP, o que impedia a sua aplicação pelos tribunais face ao disposto no artigo 207.º da CRP.

XV - Fazê-lo, como sucedeu, imporá sempre como consequência a revogação do despacho que considerou inexistir qualquer nulidade e, bem assim, de todos os actos processuais posteriores.

XVI - Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo, em nossa modesta opinião, violou as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas aos arguidos, previstas no artigo 32.º, n.os 1 e 5, da CRP, bem como viola o princípio do contraditório assumido em toda a sua dimensão, nomeadamente o disposto nos artigos 61.º, n.º 1, alíneas a) e f), e 63.º do CPP, aplicando norma cuja inconstitucionalidade foi invocada e, sendo inconstitucional, lhe estava vedado fazer, pelo que violou a decisão recorrida o disposto no artigo 207.º da CRP."

O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional contra-alegou, concluindo:

"1 - Não é inconstitucional a interpretação normativa que dispensa a participação do arguido e seu defensor nos actos de inquirição de testemunhas, a realizar pelo juiz na fase de instrução e antes de ocorrer o debate instrutório, sendo facultado ao arguido plena oportunidade para aceder ao conteúdo integral das declarações prestadas, podendo questioná-las e requerer a produção de quaisquer provas indiciárias complementares que se revelem necessárias e pertinentes aos fins da fase de instrução.

2 - Termos em que deverá improceder o presente recurso."

Não tendo logrado vencimento a solução propugnada em memorando apresentado pela primitiva relatora, procedeu-se à redistribuição do processo.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação:

2.1 - Como se referiu no despacho judicial confirmado pelo acórdão ora recorrido, o entendimento de que a lei não prevê a participação das partes ou seus mandatários nos actos de inquirição judicial de testemunhas na fase de instrução, para além de corresponder ao expresso propósito enunciado na exposição de motivos da proposta de lei 157/VII (Diário da Assembleia da República, VII Legislatura, 3.ª sessão legislativa, 2.ª série-A, n.º 27, de 29 de Janeiro de 1990, pp. 481 e segs.), que originou a Lei 59/98, de 25 de Agosto, que aditou o n.º 2 do artigo 289.º do CPP), foi o adoptado pela jurisprudência penal (cf., entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Fevereiro de 2000, processo 2199, e do Tribunal da Relação do Porto de 28 de Março de 2001, processo 1344/20000 (Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI, 2001, t. II, p. 218), de 28 de Novembro de 2001, processo 141 048, e de 27 de Outubro de 2004, processo 41 817) e pela doutrina.

No que a esta última concerne, Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, vol. III, 2.ª ed., Lisboa, 2000, pp. 158-159) sustenta:

"Os actos de instrução não estão sujeitos ao princípio do contraditório. Na fase da instrução apenas o debate instrutório é contraditório.

Já era esse o nosso entendimento antes das alterações introduzidas pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, mas agora a lei é expressa. Dispõe, com efeito, o artigo 289.º, n.º 2, que, para além do debate instrutório, o Ministério Público, o arguido, o defensor do arguido, o assistente e o seu advogado apenas podem participar nos casos em que tenham o direito de intervir, nos termos expressamente previstos neste Código.

Quais são esses actos expressamente previstos no Código? O interrogatório do arguido, em que pode fazer-se assistir do seu defensor [artigo 61.º, n.º 1, alínea e)], e os actos para memória futura (artigo 294.º).

Os actos de instrução são, pois, praticados de modo unilateral, em forma inquisitória, pelo juiz ou pelos órgãos de polícia criminal por incumbência do juiz, sem que o arguido, o Ministério Público ou o assistente tenham intervenção activa na sua prática, salvo quando se tratar de actos em que a lei expressamente admita a sua presença.

Entendemos que fora dos casos expressamente previstos na lei, nem o Ministério Público, nem o arguido e seu defensor, nem o assistente e seu advogado, têm o direito de participar nos actos de instrução, mas consideramos também que nada impede que o juiz considere útil para a eficácia da instrução autorizar a sua participação, pois o juiz pratica os actos de instrução que entender e do modo que entender necessário à realização das finalidades da instrução, desde que respeitadas as formalidades legais."

Manifestando a sua adesão à solução consagrada, refere Jorge de Figueiredo Dias ("Os princípios estruturantes do processo e a revisão de 1998 do Código de Processo Penal", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, fascículo 2.º, Abril-Junho de 1998, pp. 199-213, em especial p. 211), "a opção de revisão de não atribuir carácter contraditório aos actos de instrução, mantendo, diversamente do que sucedia com o projecto da comissão (artigo 293.º, por exemplo), a opção correcta do Código no sentido de só o debate instrutório e não os actos instrutórios deverem estar sujeitos ao princípio do contraditório".

Como assinala José Mouraz Lopes (Garantias Judiciárias no Processo Penal - Do Juiz e da Instrução, Coimbra, 2000, pp. 80-81), a comissão de reforma do processo penal chegara a propor, numa primeira versão do projecto de revisão, a consagração da natureza contraditória da instrução, mas "a reforma acabou por não ir tão longe, apenas consagrando como contraditório o debate instrutório, como já era, e permitindo agora ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor, ao assistente e ao seu advogado a participação nos actos em que tenham direito de intervir, 'nos termos expressamente previstos neste Código' - artigo 289.º, n.º 2". Em suma: a instrução assume "apenas a natureza contraditória quando do debate instrutório" e "as diligências de prova efectuadas pelo juiz de instrução serão por isso sempre efectuadas apenas na sua presença, à excepção daqueles actos em que expressamente qualquer dos intervenientes processuais - Ministério Público, arguido, defensor, assistente ou seu advogado - tenha de estar presente".

2.2 - A questão da conformidade constitucional da solução legislativa que não prevê a participação do arguido e seu defensor (nem do Ministério Público, nem do assistente, nem do advogado deste) nos actos de inquirição de testemunhas a realizar pelo juiz na fase de instrução e, por isso, também não prevê a notificação aos mesmos do despacho que designa a data para essa inquirição, já foi apreciada por este Tribunal, embora em contextos legais e factuais diversos.

Foi apreciada, em primeiro lugar, no Acórdão 372/2000 (Diário da República, 2.ª série, n.º 262, de 13 de Novembro de 2000, a p. 18 407, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 499, p. 74, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47.º vol., p. 701), a propósito das normas do artigo 61.º, n.º 1, alíneas a) e f), do CPP:

"1 - O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de:

a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;

...

f) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias;

..."

"quando interpretadas em termos de considerar que não conferem ao arguido e ao seu defensor o direito de estar presente e intervir nos actos de inquirição de testemunhas por si arroladas, a realizar na fase de instrução, que hajam sido delegados pelo juiz nos órgãos de polícia criminal". Embora reportada a preceitos legais diversos dos agora invocados e incidindo num caso em que a inquirição das testemunhas havia sido delegada pelo juiz de instrução num órgão de polícia criminal (a GNR) - possibilidade que veio a ser expressamente afastada pela nova redacção dada ao artigo 290.º, n.º 2, do CPP pela Lei 59/98 -, a questão de inconstitucionalidade é substancialmente idêntica à ora em apreço. Nesse acórdão, o Tribunal Constitucional - após recordar o entendimento da jurisprudência constitucional, que remonta ao parecer 18/81 da Comissão Constitucional e foi reiterada, entre outros, pelos Acórdãos n.os 434/87 e 172/92 do Tribunal Constitucional, de que o conteúdo essencial do princípio do contraditório consiste "em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar", e de que a extensão processual desse princípio abarca a audiência de julgamento e "os actos instrutórios que a lei determinar" -, fundou o seu juízo de não inconstitucionalidade da dimensão normativa questionada na seguinte argumentação:

"A Constituição remete assim para a lei ordinária a tarefa de concretização dos actos instrutórios que hão de ficar subordinados ao princípio do contraditório. A este propósito, escreveu-se no Acórdão 434/87 (já citado):

"Na determinação dos actos instrutórios que hão-de ficar subordinados ao princípio do contraditório goza, assim, o legislador de grande liberdade. Ele só não pode esquecer que o arguido tem de ser sempre respeitado na sua dignidade de pessoa, o que implica ser tratado como sujeito do processo, e não como simples objecto da decisão judicial. Ou seja, tem sempre de ter presente que o processo criminal há de ser a due process of law, a fair process, onde o arguido tenha efectiva possibilidade de ser ouvido e de se defender, em perfeita igualdade com o Ministério Público. É que, como adverte Eduardo Correia, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 114.º, p. 365, o princípio do contraditório se traduz 'ao menos, num direito à defesa, num direito a ser ouvido'."

8.2 - Pois bem, em face do que antecede, a pergunta relevante é então a de saber se a interpretação normativa que a decisão recorrida fez das alíneas a) e f) do n.º 1 do artigo 61.º do Código de Processo Penal - considerando não ser obrigatória a presença do arguido e do seu defensor nos actos de inquirição de testemunhas por si arroladas, a realizar na fase de instrução, que hajam sido delegados pelo juiz nos órgãos de polícia criminal - obsta ou não a que o processo criminal se mantenha como um due process of law, a fair process (para utilizarmos as palavras do Acórdão 434/87), onde o arguido tenha efectiva possibilidade de ser ouvido e de se defender, em perfeita igualdade com o Ministério Público, num momento prévio a qualquer decisão que o possa afectar.

Cremos, efectivamente, que não.

Sublinhe-se, neste momento, que ao Tribunal Constitucional não compete decidir se estamos ou não em face de uma boa solução legislativa (solução que, aliás, já foi em parte alterada, uma vez que o artigo 290.º, n.º 2 do Código de Processo Penal proíbe hoje expressamente ao juiz de instrução a delegação nos órgãos de polícia criminal dos actos de inquirição de testemunhas), mas, apenas, decidir se essa solução legislativa está ou não de acordo com a Constituição e, no caso concreto, se se situa ou não ainda dentro dos limites impostos pelo contraditório.

O núcleo essencial do princípio do contraditório, tal como vem sendo definido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, não será, in casu, afectado, na medida em que ao arguido e ao seu defensor seja garantido o direito de, num momento prévio à decisão instrutória, se pronunciar e contraditar os depoimentos em causa.

É o que acontece. Na situação que agora é objecto dos autos, tal direito (ao contraditório) encontra-se efectivamente garantido no seu núcleo essencial, sendo apenas - como, bem, nota o Ministério Público - diferido o momento do seu exercício.

Efectivamente, o respeito pelo contraditório é aqui garantido não apenas pelo facto de o arguido e o seu defensor puderem ter acesso integral aos depoimentos prestados, que são obrigatoriamente reduzidos a escrito, mas, fundamentalmente, pelo facto de, nos termos do artigo 302.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o defensor do arguido poder, no início do debate instrutório, contraditar o teor das declarações anteriormente prestadas pelas testemunhas ouvidas pela GNR, podendo inclusivamente requerer a produção de prova indiciária suplementar (incluindo mesmo, se necessário, uma nova inquirição daquelas testemunhas) que considere pertinente."

Não se ignora que foram apostos a esse acórdão dois votos de vencido, que entenderam violar a norma impugnada o direito de defesa do arguido, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP (e não - ou não fundamentalmente - o princípio do contraditório). A violação do direito de defesa derivaria, de acordo com esses votos de vencido, da circunstância de o contraditório a posteriori ser "exercido relativamente a depoimentos cuja emissão e redução a escrito não pode, irremediavelmente, ser verificada pelo arguido e pelo seu defensor, o que restringe de forma inaceitável os seus direitos de defesa", pois "fica definitivamente fora do seu alcance verificar a formulação das perguntas, acompanhar a forma como as testemunhas lhes respondem e conhecer da correspondência entre os depoimentos prestados e o relato escrito que lhes é, depois, apresentado", sendo certo que "a possibilidade de, no debate instrutório, poder contrariar o conteúdo desses depoimentos ou a fidedignidade da sua reprodução escrita fica, senão impedida, pelo menos, seriamente afectada; no fundo, a inquirição de testemunhas, durante a instrução, nos termos permitidos pela norma impugnada, equivale à repetição do inquérito, assim sendo desrespeitadas as garantias de defesa do arguido".

Mas os riscos detectados nesses votos de vencido não podem deixar de se considerar consideravelmente atenuados quando - como passou a ter de acontecer após a reforma de 1998 e como efectivamente aconteceu nestes autos - a inquirição de testemunhas na fase de instrução tem de ser feita pessoalmente pelo juiz de instrução, não podendo ser delegada em órgãos de polícia criminal (designadamente em elementos da GNR, como aconteceu no caso então em apreço). Tendo agora a inquirição de testemunhas de ser feita pessoalmente pelo juiz de instrução, que assegura maiores garantias de competência técnica e de isenção, quer quanto à adequação e pertinência das perguntas formuladas quer quanto à fidedignidade da transcrição das respostas, não se pode hoje dizer que ela equivale à repetição do inquérito, com restrição inaceitável dos direitos de defesa do arguido.

No segundo caso em que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a questão - Acórdão 59/2001 (Diário da República, 2.ª série, n.º 87, de 12 de Abril de 2001, p. 6563, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 49.º vol., p. 203) - estava em causa a constitucionalidade da norma do artigo 289.º, n.º 2, do CPP, (na redacção da Lei 59/98, que prescreve: "2 - Fora do caso previsto no número anterior [o caso do debate instrutório], o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado apenas podem participar nos actos em que tenham o direito de intervir, nos termos expressamente previstos neste Código, na interpretação segundo a qual as diligências de instrução prévias ao debate instrutório, nomeadamente os depoimentos das testemunhas, são realizadas sem a notificação e presença do mandatário do assistente." Apesar de então estar em causa a notificação e presença do mandatário do assistente, e no presente caso estar em causa a notificação e presença do mandatário do arguido, algumas das considerações tecidas para fundamentar o juízo de não inconstitucionalidade emitido por esse Acórdão 59/2001 são aproveitáveis para a situação ora em análise. Com efeito, nesses aresto, após se reproduzir grande parte da fundamentação do Acórdão 372/2000, consignou-se:

"E, acolhendo os argumentos expendidos naquele acórdão, também agora se entende que, na determinação dos actos instrutórios que hão-de ficar subordinados ao princípio do contraditório, goza o legislador de grande liberdade (tal como, aliás, decorre do próprio teor literal do artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, na parte em que determina que estão subordinados ao princípio do contraditório os actos instrutórios que a lei determinar) e que o respeito pelo contraditório é garantido não apenas pelo facto de o mandatário do assistente poder ter acesso integral aos depoimentos prestados, que são obrigatoriamente reduzidos a escrito, mas, fundamentalmente, pelo facto de, nos termos do artigo 302.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, esse mandatário poder, no início do debate instrutório, contraditar o teor das declarações anteriormente prestadas pelas testemunhas ouvidas durante a fase da instrução, podendo requerer a produção de prova indiciária suplementar (incluindo mesmo, se necessário, uma nova inquirição daquelas testemunhas) que considere pertinente.

Assim, nenhuma censura merece a interpretação normativa ora em causa, à luz do n.º 5 do artigo 32.º da Constituição."

2.3 - O juízo de não inconstitucionalidade da norma que só prevê a participação do Ministério Público, do arguido, do defensor, do assistente e do advogado deste no debate instrutório e nos actos em que tenham o direito de intervir formulado nos anteriores acórdãos do Tribunal Constitucional é de reiterar no presente caso, em que está em causa o segmento daquela norma que não prevê a intervenção do arguido (e do seu defensor) no acto de inquirição de testemunhas por ele apresentadas.

A questão vem colocada, nas alegações do recorrente, em primeira linha, com base em pretensas violações dos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da CRP, ou seja, de violação das garantias de defesa e do princípio do contraditório. Nesta perspectiva, valem aqui, essencialmente, os argumentos desenvolvidos nos citados Acórdãos n.os 372/2000 e 59/2001, sendo novamente de salientar que, diversamente do que sucedeu no caso sobre que versou o Acórdão 372/2000, no presente caso a inquirição das testemunhas foi feita pessoalmente pelo juiz de instrução, e não por órgão de polícia criminal, através de delegação daquele cuja possibilidade foi eliminada pela revisão processual penal de 1998. A aferição do respeito das garantias de defesa que o processo criminal está constitucionalmente vinculado a assegurar deve ser feita encarando globalmente o sistema processual penal e é nesta perspectiva que se reputam relevantes as considerações, nesses acórdãos tecidas, quanto à possibilidade de, no debate instrutório, o arguido e o seu defensor se pronunciarem sobre a valia, credibilidade e relevância das declarações prestadas no decurso da instrução, e requererem mesmo a reinquirição das pessoas ouvidas, assegurando-se, assim, a faculdade de o arguido influenciar, num momento adequado, a decisão de o sujeitar, ou não, a julgamento. No que especificamente concerne ao princípio do contraditório, a Constituição confere ao legislador ordinário uma ampla liberdade na determinação de quais os actos instrutórios que entenda subordinar a esse princípio, determinação essa que só seria de considerar constitucionalmente censurável se se limitasse a um número tão reduzido e pouco significativo de actos instrutórios que equivalesse a um esvaziamento ou intolerável cerceamento do comando constitucional. Não é esse o juízo que se formula quanto ao regime da instrução criminal actualmente vigente, sendo certo que não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre se a solução legal ora questionada é, ou não, a preferível ou a mais correcta em termos de direito ordinário.

Neste contexto, saliente-se que, não sendo legalmente consentida a intervenção (intervenção activa, com interferência, directa ou indirecta, na inquirição - entenda-se) dos participantes processuais elencados no n.º 2 do artigo 289.º do CPP, nenhum efeito útil teria a notificação aos mesmos da data da realização da diligência.

2.4 - Por outro lado, é manifestamente improcedente a alusão feita a eventual desigualdade de tratamento entre o Ministério Público e o arguido, já que as normas impugnadas (n.os 1 e 2 do artigo 289.º e 3 do artigo 297.º do CPP) tratam da mesma forma "o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado" e, no presente caso, também o Ministério Público não esteve presente nas inquirições das testemunhas efectuadas pelo juiz de instrução.

2.5 - Porém, cumpre ainda encarar a questão sob outra perspectiva, que centra a inconstitucionalidade não tanto no alegado desrespeito do princípio do contraditório directamente reportado ao acto de inquirição de testemunhas pelo juiz de instrução mas na eventual relevância da prova assim obtida na determinação da decisão final, atenta a possibilidade de leitura desses depoimentos em sede de audiência de julgamento. Tal é a tese sustentada por Joaquim Malafaia ("O acusatório e o contraditório nas declarações prestadas nos actos de instrução e nas declarações para memória futura", Revista Por tuguesa de Ciência Criminal, ano 14, n.º 4, Outubro-Dezembro de 2004, pp. 509-539), sintetizada nas seguintes conclusões:

"1 - O processo penal português é um processo de estrutura acusatória, que existe ao longo de todo o processo, o que implica a possibilidade de os sujeitos processuais poderem definir as questões que possam ser submetidas a juízo, fornecer critérios de resolução desses problemas, traduzindo-se, também, numa separação entre a entidade que investiga, que não julga, e a entidade que julga, que não investiga.

2 - O princípio do contraditório, no nosso processo penal, traduz-se na faculdade que cada sujeito processual tem de discutir questões de facto e de direito, de oferecer as suas provas e de controlar as provas oferecidas pelos outros que o possam afectar.

3 - Apesar de o princípio do contraditório vigorar de forma limitada nas fases de inquérito e instrução, em todos os actos que possam influir na decisão final de condenação e absolvição, tomada por via de regra na audiência de discussão e julgamento, este princípio não pode sofrer quaisquer limitações e por isso vigora plenamente.

4 - A produção de prova para formar a convicção do julgador tem de ser realizada na audiência de discussão e julgamento segundo os princípios de um processo de estrutura acusatória: os princípios de imediação, da oralidade e da contraditoriedade na produção dessa prova. Contudo, esta regra tem excepções, nomeadamente as estatuídas no artigo 355.º, n.º 2, do CPP, que permite a leitura em audiência de provas que apesar de não serem aí produzidas podem ser lidas e valoradas livremente.

5 - Entre as provas que podem ser lidas e por isso valoradas em audiência de discussão e julgamento, sem que aí tenham sido produzidas, além das declarações para memória futura, encontram-se as declarações prestadas em sede de instrução, desde que na data da audiência a testemunha não se recorde dos factos ou na parte necessária para avivar a memória, e, ou, quando houver contradições entre o anterior depoimento e o prestado em audiência, contradições ou discrepâncias sensíveis que não possam ser esclarecidas de outro modo.

6 - Por a leitura das declarações prestadas em instrução poder influir na decisão final a tomar no processo, as mesmas têm de ser obtidas com o exercício do contraditório por todos os sujeitos processuais. O exercício do contraditório dessas declarações não pode ser feito no debate instrutório, pela simples e elementar razão que se em audiência de julgamento podem ser lidas as declarações antes de serem contraditadas, existe uma prova que sem contraditório pode influenciar e ajudar o tribunal a formar a sua convicção sem que o contraditório tenha sido cumprido. Por isso, a interpretação de que o artigo 289.º, n.º 2, permite que sejam tomadas declarações das testemunhas em instrução sem o contraditório é inconstitucional por violação da estrutura acusatória do processo penal e do princípio do contraditório, consagrados no artigo 32.º, n.º 5, da CRP."

Entende-se, mesmo perante esta nova perspectiva de suscitação do problema, que não se justifica a alteração da posição do Tribunal no sentido da não inconstitucionalidade da norma questionada.

Na verdade - para além de sempre se poder questionar se, a existir alguma inconstitucionalidade, ela não seria com maior propriedade imputada às normas que permitem a leitura, no decurso da audiência de julgamento, de declarações prestadas durante a instrução, e não na norma que não prevê a participação do arguido e seu defensor nesse acto de inquirição -, a regulação processual penal é clara no sentido de que, quando se pretende que "o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento", como ocorre com as "declarações para memória futura", sejam elas colhidas na fase de inquérito (artigo 271.º do CPP) ou na fase da instrução (artigo 294.º do CPP), aí funciona plenamente o princípio do contraditório, sendo comunicados "ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis [...] o dia, a hora e o local da prestação do depoimento, para que possam estar presentes se o desejarem" (n.º 2 do artigo 271.º, para que remete o artigo 294.º do CPP). A contrario, as declarações prestadas na instrução sem sujeição a estes requisitos de contraditório não podem, enquanto tais, ser tomadas em conta no julgamento.

É certo que, para além das referidas "declarações para memória futura" e de consenso de todos os intervenientes processuais quanto à leitura de declarações (n.º 2 do artigo 356.º do CPP), o n.º 3 deste preceito consente "a leitura de declarações anteriormente prestadas perante o juiz": i) "na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos"; ou ii) "quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias sensíveis que não possam ser esclarecidas de outro modo". Porém, nestas situações - e recorde-se que "é proibida, em qualquer caso, a leitura do depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor" (n.º 6 do citado artigo 356.º) -, a leitura em causa, como refere José Damião da Cunha ("O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento (artigos 356.º e 357.º do CPP)", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 7, fascículo 3.º, Julho-Setembro de 1997, pp. 403-443, em especial pp. 417-418), "não permite uma utilização directa das declarações anteriormente prestadas". Concluindo-se, assim, que "as anteriores declarações não são objecto de prova e, neste sentido, não são provas verdadeiramente produzidas na audiência de julgamento", nenhuma ofensa à Constituição se comete ao possibilitar que o acto de prestação de declarações seja feito apenas perante o juiz de instrução.

3 - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 289.º, n.os 1 e 2, e 297.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, enquanto não prevê a participação do arguido e seu defensor (nem do Ministério Público, do assistente e do seu advogado) nos actos de inquirição judicial de testemunhas na fase de instrução e, por isso, também não prevê a notificação aos mesmos do despacho que designa a data para essa inquirição; e, consequentemente

b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.

Lisboa, 22 de Junho de 2004. - Mário José de Araújo Torres - Paulo Mota Pinto - Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos da declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos. - Tem voto de conformidade do Exmo. Sr. Conselheiro Benjamim Silva Rodrigues, que não assina por não estar presente. - Mário Torres.

Declaração de voto. - Tendo sido a primitiva relatora, votei vencida o presente acórdão pelas razões que passo a expor.

A questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente consiste numa alegada violação das garantias de defesa e do princípio do contraditório, consagrados, respectivamente, nos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da Constituição. Está em crise, neste processo, a dimensão normativa emanada dos artigos 289.º, n.os 1 e 2, e 297.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, nos termos da qual são dispensadas a notificação e a intervenção do arguido, através do seu defensor, na diligência probatória de inquirição de testemunha, requerida pelo próprio arguido na fase de instrução.

No cerne do problema suscitado está a natureza da fase instrutória, ante o mencionado princípio constitucional. E, quanto a isso, perfilam-se duas concepções inconciliáveis: a que admite que a instrução adopte uma metodologia de tipo inquisitório, sem a presença do arguido ou do seu defensor e sem qualquer possibilidade de intervenção por parte deste (exceptuando o debate instrutório, por força dos artigos 298.º, 301.º, n.º 2, e 302.º, n.os 2 e 4, do Código de Processo Penal), e a que reconhece que naquela fase processual facultativa, que pode ser requerida pelo arguido, para além do assistente, ao abrigo do artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, vale uma metodologia cooperativa para comprovar judicialmente a acusação (finalidade assumida, aliás, pelo artigo 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Este dilema não é superado, como parece pretender o acórdão, por o acto de instrução em causa (a diligência probatória de inquirição de testemunha) ser da competência de um juiz e não poder ser delegado nos órgãos de polícia criminal, nos termos do artigo 290.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, como sucedia nos casos versados em anteriores arestos deste Tribunal. Na verdade, tal argumento prova demais, pois levaria ao absurdo de o contraditório ser dispensado mesmo em audiência de julgamento, por o juiz singular ou o colectivo de juízes que presidem a essa fase processual serem rigorosamente independentes em função da natureza do poder que exercem e do estatuto que lhes é conferido (artigos 203.º e 216.º, n.os 1 e 2, da Constituição). Por outro lado, o mesmo argumento pressuporia a inaceitável tese de que os órgãos de polícia criminal não teriam condições para serem imparciais.

O único aspecto positivo que resulta, ainda assim, de tal perspectiva é o reconhecimento de que as garantias processuais se constroem a partir de condições objectivas de isenção, que concorrem por dever de ofício na função jurisdicional. Na verdade, são as próprias funções atribuídas aos tribunais pelo legislador constitucional, incluindo a defesa de direitos e da legalidade democrática, que favorecem tal conclusão (cf. artigo 202.º, n.º 2, da Constituição).

Mas essa lógica de sedimentar garantias de defesa em condições de actuação dos sujeitos processuais há-de implicar, na instrução, que o juiz siga uma via contraditória que integre a cooperação do arguido e dos restantes sujeitos processuais. Por outras palavras, se a confirmação da acusação pelo juiz de instrução não assentar numa via discursiva, que crie a possibilidade de contradição pelos sujeitos processuais (sobretudo pelo arguido, que beneficia das garantias de defesa e esteve numa posição de manifesta "inferioridade" na fase do inquérito), então o processo de fundamentação do despacho de pronúncia não será suficientemente "garantístico". Não se aplicará ao processo penal uma ética do discurso. A instrução tornar-se-á um segundo inquérito, redundante e dilatório, oferecendo como especialidades voluptuárias a intervenção de um novo sujeito processual e o afloramento moderado do contraditório no debate instrutório.

Ora, esta concepção do processo penal parece-me insatisfatória, tendo em conta que na instrução se joga o direito do arguido de não ser submetido a julgamento quando não se confirmarem os indícios suficientes que a acusação invoca. Esse direito parte do reconhecimento de que o arguido inocente possui um interesse juridicamente relevante em não ser julgado: para além do irrecusável efeito estigmatizante da audiência, subordinada a uma regra geral de publicidade (artigo 321.º do Código de Processo Penal), a continuação do processo permite a aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e a realização de diligências probatórias, umas e outras privativas ou restritivas de direitos fundamentais.

Nesse sentido, a referida perspectiva sobre a instrução em sentido estrito viola o artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, quando prescreve que "a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar" estão subordinados ao princípio do contraditório. Com efeito, tal remissão não implica arbítrio ou pura discricionariedade do legislador, mas pressupõe um critério constitucional de exigência mínima de contraditório, que se deduz através de argumentos sistemáticos e teleológicos.

Assim, de acordo com critérios de analogia substancial com a audiência de julgamento, estão sujeitos ao contraditório: meios de prova que possam ser utilizados em audiência, como as declarações para memória futura (artigos 271.º, 294.º e 320.º do Código de Processo Penal), medidas de coacção e de garantia patrimonial que envolvam a privação ou a restrição de direitos fundamentais, a começar pela prisão preventiva, e actos de que dependa decisivamente o exercício das garantias de defesa (cf., desde logo, a parte final do n.º 1 do artigo 28.º da Constituição).

Neste contexto, um acto instrutório como aquele a que respeita o presente processo (inquirição de testemunha) está também sujeito ao contraditório: em primeiro lugar, porque a instrução (não apenas o debate instrutório) permite exercer o direito de não ser julgado; em segundo lugar, porque é permitida, em certas circunstâncias, a leitura das declarações prestadas pela testemunha durante a instrução na audiência - cf. artigo 356.º, n.os 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal.

Para além de considerar que o presente acórdão não modifica no essencial, ao contrário do que sugere, a orientação anterior deste Tribunal, creio que o entendimento agora sufragado não supera a questão da violação do contraditório na audiência. Questão que resulta, precisamente, da possibilidade de leitura das declarações da testemunha no decurso da audiência.

Ponderando as observações de Joaquim Malafaia ("O acusatório e o contraditório nas declarações prestadas nos actos de instrução e nas declarações para memória futura", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 14, n.º 4, Outubro-Dezembro de 2004, pp. 509-539), o acórdão defende que a dimensão normativa impugnada é distinta da que subjaz à "relevância da prova assim obtida na determinação da decisão final atenta a possibilidade de leitura desses depoimentos em sede de audiência de julgamento". No entanto, esta distinção é artificial, pois não se pode cindir a norma que autoriza a diligência probatória de inquirição de testemunha sem a presença e a intervenção do arguido, através do seu defensor, da relevância atribuída ao meio de prova dela resultante.

Não há, verdadeiramente, duas normas, apesar de estar em causa a eventual aplicação da mesma norma em distintos momentos processuais.

A norma em causa é sempre a que autoriza a inquirição de testemunha na instrução sem exercício do contraditório, com todas as possibilidades de utilização desse meio de prova legalmente admitidas. É esta concepção unitária, funcional e orientada teleologicamente que o próprio Código de Processo Penal acolhe em matéria de prova (cf. artigo 124.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Por outro lado, a tese segundo a qual a utilização das declarações prestadas pela testemunha na instrução sem sujeição ao contraditório só seria viável na instrução, mas já não no julgamento, é inconsistente. Na realidade, a razão pela qual, no julgamento, o contraditório impede que tais declarações sejam tomadas em conta impõe que elas também não fundamentem, no termo da instrução, uma pronúncia que nega a pretensão do arguido de não ser sujeito a julgamento - pretensão essa, repete-se, que se fundamenta num verdadeiro direito do arguido inocente de não ser julgado.

É minha convicção profunda de que nenhuma verdade se define prescindindo de um discurso cooperativo. Esta afirmação é válida para o processo penal, impondo a estrutura acusatória e o princípio do contraditório. Aí reside, sem dúvida, uma das pedras angulares do Estado de direito democrático. As limitações ao contraditório previstas em sede de inquérito aceitam-se em nome do princípio da investigação (e da consequente exigência de segredo de justiça), mas não podem constituir a regra numa fase processual de carácter facultativo, cuja finalidade precípua é comprovar judicialmente a acusação (ou o arquivamento do inquérito). Por todas estas razões, não posso, em consciência, subscrever o presente acórdão. - Maria Fernanda Palma.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2344053.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

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