Acordam no Supremo Tribunal de Justiça em sessão de tribunal pleno:
A Hidroeléctrica do Cávado, S. A. R. L., invocando oposição sobre a mesma questão fundamental de direito entre os arestos da Relação do Porto, de 28 de Janeiro de 1970 e de 23 de Julho de 1969, recorreu para o tribunal pleno para que seja resolvido esse conflito de jurisprudência e se fixe doutrina.
Como se decidiu no acórdão de fls. 59 e seguintes, que admitiu o recurso, efectivamente existe tal antagonismo, pois no aresto recorrido julgou-se que o ano em que a liquidação é feita só se conta se ela foi posterior a 1 de Julho, dado que só em 30 de Junho termina o prazo para o pagamento voluntário do imposto desse ano e começa a correr o prazo de caducidade de cinco anos;
e no aresto agora invocado decidiu-se que se conta o ano em que a liquidação é feita se estiver vencido o imposto desse ano, o que ocorre em 1 de Abril.
A ora recorrente, na sua douta alegação, formulou as conclusões seguintes:
1.ª Na contagem do prazo de cinco anos inclui-se o ano em que a liquidação é feita, ao menos quando ela o seja após 1 de Abril do próprio ano, porque nessa data se vence o imposto desse ano;
2.ª A não ser assim, a Câmara poderia exigir seis anos e não os cinco, que são o máximo legal;
3.ª Nunca o prazo se podia contar desde 30 de Junho, porque a caducidade se refere ao direito de liquidação, e não à exigência coerciva do imposto; ora, a liquidação tem de ser anterior a 31 de Março, pois até esse dia tem de ser expedido o aviso que, contendo-a, intima o contribuinte ao seu pagamento a partir do dia seguinte.
Uma vez que a Câmara, após 1 de Abril, pode incluir na liquidação adicional o imposto do ano em que ela é feita, o prazo tem de incluir esse ano, que já é exigível sem prévio processo de transgressão ou sem ter de aguardar-se o início do prazo de cobrança coerciva de que não depende a liquidação e que, aliás, agora começa a correr findo o prazo para pagamento voluntário marcado no Decreto 28220, e não em 30 de Junho.
A recorrida contra-alegou.
O Exmo. Procurador da República, no douto parecer de fls. 77 e seguintes, pronuncia-se no sentido de que no prazo de cinco anos a que alude o § 3.º do artigo 7.º do citado Decreto-Lei 28220 deve computar-se o ano em curso, excepto no caso de a liquidação e a notificação para o pagamento serem feitas antes do prazo normal de pagamento voluntário do imposto, ou seja, antes de Abril, se se tratar do imposto de comércio e indústria (antiga licença de estabelecimento comercial ou industrial).
Decidindo:
Como deflui do que ficou relatado, o ponto controvertido confina-se à exegese do § 3.º do artigo 7.º do Decreto-Lei 28220, de 24 de Novembro de 1937, aplicável aos corpos administrativos ex vi do artigo 7.º do Decreto-Lei 31665, de 4 de Julho de 1941.
O diferendo consiste, pois, em perquirir sobre o modus relativo à contagem do prazo de cinco anos fixado no pré-citado § 3.º A jurisprudência e a doutrina divergem quanto à qualificação deste prazo.
Semelhante controvérsia não releva, porém, dado que já na vigência do Código Civil de 1867 entendia-se que à contagem dos prazos de caducidade eram de aplicar as normas estatuídas para os prazos de prescrição.
Logo, os preceitos pertinentes, in casu, para a contagem dos prazos são os contemplados nos artigos 560.º a 563.º do aludido Código. Isto é, o prazo conta-se por ano, meses e dias, e não de momento a momento, salvo nos casos em que a lei expressamente o determinar, devendo o ano regular-se pelo calendário gregoriano, sendo de salientar, no que tange ao início do prazo, que o artigo 536.º fixa-o no momento em que a obrigação se torna exigível, excepto se outra data for especialmente assinada na lei para o efeito.
Tais coordenadas, integradas na ordem jurídico-fiscal, suscitam dificuldades na sua aplicação, em razão do regime especial a que estão submetidos certos impostos.
Efectivamente, como sublinha o Exmo. Procurador da República no seu douto parecer, essas dificuldades procedem de duas ordens de reflexões:
a) O imposto, nalguns casos, refere-se a um determinado período (em regra, um ano), renovando-se a obrigação fiscal enquanto subsistir a condição pressuposto da tributação (é o que ocorre com os impostos periódicos, de entre eles o agora em apreço);
b) Fixar a ordem fiscal um prazo, com princípio e fim, para pagamento voluntário do imposto, no qual, aliás, se distinguem duas fases: a do pagamento à boca do cofre e a do pagamento com juros de mora (artigos 20.º e 21.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.) Na liquidação a que se procede nos termos do artigo 7.º do sempre citado Decreto-Lei 28220, faz-se mister considerar a circunstância de o contribuinte continuar, ou não, a exercer a actividade que é objecto de tributação.
No primeiro caso, que é o pertinente, a liquidação, em princípio, deve incluir o ano em curso à data em que ela é feita, a menos que a Administração ainda esteja em tempo de cobrar, nos prazos normais, o imposto relativo a esse ano.
Importa, porém, nesta hipótese, não restringir o prazo que a lei concede ao devedor do imposto para efectuar o seu pagamento voluntário.
Logo, como salienta o Exmo. Procurador da República, na licença de estabelecimento comercial e industrial (imposto de comércio e indústria), o ano em curso à data da liquidação só se não computará no prazo de cinco anos, a que se refere o § 3.º do artigo 7.º do citado Decreto-Lei 28220, se tal liquidação for feita antes do início do prazo de pagamento voluntário do imposto, isto é, antes do mês de Abril. Ou melhor, como a liquidação em apreço deve ser notificada ao contribuinte no prazo de quinze dias, é mister que tal notificação, e não apenas a liquidação, seja feita antes do início do aludido prazo (antes de Abril).
Como adverte o Dr. Alexandre do Amaral, in Direito Fiscal, p. 226, «o prazo só poderá considerar-se observado se a notificação se verificar dentro dele, pois no caso contrário seria fácil à Administração furtar-se ao cumprimento da lei antedatando a liquidação».
Por estes fundamentos, o tribunal concede provimento ao recurso, revoga o douto acórdão recorrido e profere o assento seguinte:
No prazo de cinco anos, a que se refere o § 3.º do artigo 7.º do Decreto-Lei 28220, de 24 de Novembro de 1937, aplicável aos corpos administrativos ex vi do artigo 7.º do Decreto-Lei 31665, de 4 de Julho de 1941, deve computar-se o ano em curso, excepto no caso de a liquidação e a notificação para o pagamento serem feitas antes do prazo normal de pagamento voluntário do imposto, ou seja antes de Abril, por se tratar do imposto de comércio e indústria (antiga licença de estabelecimento comercial ou industrial).
Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 24 de Novembro de 1972. - Manuel José Fernandes Costa - José António Fernandes - João Moura - Arala Chaves - Ludovico da Costa - Oliveira Carvalho - Vera Jardim - Santos Carvalho - Correia Guedes - Adriano de Campos de Carvalho - Pedro Sameiro - Bruto da Costa - Daniel Ferreira.
Está conforme.
Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Dezembro de 1972. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.