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Acórdão 281/2005/T, de 6 de Julho

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Texto do documento

Acórdão 281/2005/T. Const. - Processo 894/2004. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A - Relatório. - 1 - Mário Luís Rodrigues, identificado com os sinais dos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade "das normas dos artigos 97.º, n.º 4, 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal se interpretadas no sentido segundo o qual a fundamentação da decisão em matéria de facto, proferida em acórdão de recurso que confirmou a decisão de pronúncia, se basta com remissão para a prova indicada na decisão recorrida, sem enumeração dessa prova, sem especificação dos motivos de facto que fundamentam a decisão e sem análise crítica da mesma, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa".

2 - Com o mesmo fundamento foi arguida, invocando-se "deficiente fundamentação", a nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Dezembro de 2003, que se estribou na seguinte argumentação:

"Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

A questão em análise no presente recurso é a questão de saber se no despacho recorrido se procedeu a uma análise criteriosa da prova recolhida nos autos - seja em fase de inquérito, seja na instrução - a fim de verificar se daquela se indicia suficientemente, ou não, a prática pelos arguidos dos crimes que lhe são imputados.

Cabe, por isso começar por transcrever o despacho em questão:

'Alega, em síntese, a assistente no seu requerimento de abertura de instrução que à data dos factos relatados nos autos (28 de Janeiro de 2001), um pinheiro existente na sua propriedade tombou sobre o muro confinante com a linha férrea, ficando alguns ramos a afectar a circulação dos comboios. Por esse motivo os bombeiros, acompanhados de agentes da PSP, compareceram ao local e procederam ao corte das ramadas do referido pinheiro.

Após a PSP e os bombeiros se terem ausentado e sem contacto prévio com a assistente, o arguido ordenou a quatro indivíduos que saltassem o muro da propriedade e que abatessem todas as árvores ali existentes, designadamente magnólias centenárias, que se encontravam a cerca de 5 m do muro e não mostravam sinais de doença ou risco de caírem, pelo que não punham em risco a circulação ferroviária.

O arguido manteve-se na linha férrea, dando ordens directas aos quatro indivíduos que procederam ao derrube das magnólias, contra a vontade expressa de um vendedor da assistente que se encontrava na propriedade.

Entende, por isso, que tal conduta faz incorrer o arguido na autoria dos crimes denunciados.

A prova produzida em instrução consistiu nas declarações do representante legal da assistente, que afirmou que as árvores abatidas a mando do arguido eram centenárias e embelezavam e valorizavam particularmente a propriedade e que nos termos do projecto da Câmara para o local tais árvores deveriam ser obrigatoriamente conservadas.

Mais afirmou que tais árvores não tinham aspecto envelhecido, nem estavam em risco de cair. Mas, ainda que tal acontecesse, cairiam dentro do seu terreno, uma vez que a que se encontrava mais próxima do muro estava a cerca de 3 m de distância da ribanceira que dava para a linha do comboio.

A testemunha José Deodoro Faria Troufa Real, ouvido a fls. 115 e 116, autor do projecto levado a efeito na propriedade da assistente, relatou as condicionantes impostas pela Câmara e que teve de respeitar na elaboração do projecto, aprovado ao fim de seis diferentes soluções por si apresentadas. Uma das condicionantes relacionava-se directamente com as árvores abatidas, que representavam barreira ambiental natural, de valor patrimonial muito elevado.

Esclareceu que se tratava de plantas centenárias e que o seu projecto respeitou rigorosamente a posição de cada uma delas. Aliás, foi imposta desde o início do projecto a obrigatoriedade de um arquitecto paisagista.

Acrescentou que as árvores abatidas não representavam qualquer risco imediato, nem nunca antes daquele dia fora levantado qualquer problema de segurança da linha de comboios, de contrário ele próprio, como autor do projecto, teria tomado as iniciativas pertinentes a eliminar tal risco. Acresce que, segundo afirmou, nem todas as árvores abatidas estavam próximas do muro e não estavam alinhadas.

Finaliza explicando que, ainda que o arguido tivesse entendido existirem razões de segurança, deveria ter contactado a Câmara, ou o autor do projecto, ou o proprietário da quinta, por forma a discutir o assunto e encontrar solução para o problema, que poderia passar pelo transplante das árvores, caso tal fosse entendido necessário, correspondendo tal solução a prática comum nos dias de hoje.

A testemunha José Augusto Martins, autor do projecto de arquitectura paisagística na propriedade da assistente confirmou a existência de condicionantes no projecto, impostas pela Câmara e relacionadas com a existência das árvores aqui em causa.

Esclareceu que tais árvores não estavam em risco de cair, apresentando bom estado de saúde, confirmado pela posterior dificuldade em arrancar os respectivos cepos. Não estavam alinhadas e encontravam-se implantadas a cerca de 4 m a 6 m dentro do muro que delimitava a propriedade.

Referiu, por fim, que em caso de risco poderia sempre ter sido adoptada a solução do transplante das árvores, sem necessidade do respectivo abate.

A testemunha João Manuel Almeida, responsável pela obra, confirmou que, apesar de não estar presente no local quando ocorreram os factos, foi contactado por um funcionário seu pelo telefone que lhe comunicou o que se passava. Disse a esse funcionário que não autorizasse o corte das árvores e que o mandasse de imediato suspender, por se tratar de árvores centenárias. Pediu, ainda, ao funcionário para passar o telefone ao responsável da REFER, o arguido, o qual não quis falar ao telefone, dizendo ao seu funcionário que não era criado da testemunha e que se quisesse que fosse lá falar com ele.

Acrescentou que as árvores abatidas não representavam qualquer perigo para a linha férrea e estavam completamente consolidadas, o que causou posteriormente grandes dificuldades em arrancar os troncos respectivos.

Já durante a pendência do debate instrutório foi ouvido, a seu pedido, o arguido, que declarou, em síntese, que ao chegar ao local no dia em que ocorreram os factos aqui tratados já lá se encontravam os bombeiros da Parede e do Estoril, bem como a Protecção Civil.

Analisou os factos, contactou a sua hierarquia por telemóvel e recebeu instruções para decidir e actuar em conformidade com a situação concreta.

O pinheiro que estava caído foi cortado. Uma das companhias de bombeiros saiu do local.

Esclareceu que constatou depois que três das árvores ali existentes, com cerca de 5 m de altura, estavam no mesmo enfiamento do pinheiro e tinham as copas a penderem para a via férrea. A terra encontrava-se remexida no local e havia intempéries em todo o País.

Perante estas circunstâncias tomou a decisão que lhe pareceu a mais acertada de mandar abater essas três árvores, que se encontravam, segundo afirmou, a cerca de 2,5 m do muro que dá para a linha férrea.

Quando mandou abater as árvores ainda ali se encontravam uma corporação de bombeiros e o representante da Protecção Civil, tendo sido utilizados pelos seus homens alguns dos equipamentos destas instituições.

Durante o período que esteve no local só foi contactado por um vendedor da assistente e por nenhum outro representante da mesma.

A testemunha apresentada pelo arguido, Vítor Manuel dos Santos, prestou declarações coincidentes com as do arguido. No entender desta testemunha e segundo as suas declarações, a decisão de abater as três árvores tomada pelo arguido, com a qual concordou totalmente, foi a mais acertada, pois as árvores colocavam em perigo a circulação ferroviária, uma vez que tinham cerca de 5 m de altura, tinham os ramos inclinados para a linha e encontravam-se a cerca de 1,5 m do muro da propriedade.

Esclareceu que os homens da REFER que procederam ao abate utilizaram duas moto-serras disponibilizadas pelos bombeiros da Parede que ainda ali se encontravam.

Manteve-se com o arguido no local durante cerca de três horas, sempre do lado da linha, fora da propriedade da assistente e só se apercebeu da presença de um funcionário da assistente com um telemóvel na mão.

Estes os elementos disponíveis nos autos, a partir dos quais cumpre averiguar se existirão indícios suficientes que suportem as imputações feitas pela assistente ao arguido.

Apreciada a prova produzida nos autos, verifica-se que, segundo a versão do arguido, que fora já acolhida no despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, este agiu numa situação de emergência, tendo ponderado as circunstâncias concretas que apurou no local. Entendeu que as árvores que mandou abater representavam perigo concreto para a circulação dos comboios, pondo em risco bens materiais e humanos e decidiu nessa convicção.

A assistente, por sua vez, entende que a situação de emergência só se verificava quanto ao pinheiro cujos ramos se encontravam caídos sobre a linha de comboio. Por causa desse pinheiro, deslocaram-se os bombeiros ao local e procederam ao respectivo abate, não merecendo tal conduta qualquer reparo da sua parte.

Já quanto às três magnólias abatidas, entende a assistente que nenhum perigo representavam, pelo que a decisão do arguido, sem qualquer diligência ou contacto prévio com a assistente, é recriminável do ponto de vista penal.

Destina-se a presente fase processual a verificar a existência de indícios suficientes que justifiquem a submissão do arguido a julgamento.

Por indícios suficientes deve entender-se aqueles de que resulte possibilidade razoável de vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena ou medida de segurança (artigo 283.º do CPP).

Assim, devem ser pronunciados os arguidos sempre que, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança, isto é, terem-se verificado factos susceptíveis de integrar a prática de um crime e a respectiva imputação desses factos aos arguidos (artigo 308.º do CPP).

O que se exige, pois, na pronúncia, não é um juízo de certeza, mas tão-só de probabilidade. Não obstante tal probabilidade dever ser séria, ainda assim não deixa de ser apenas uma possibilidade.

Ponderados os elementos recolhidos em instrução, através da inquirição das testemunhas indicadas pela assistente e tida em conta a posição assumida pelo arguido, entende-se encontrar-se suficientemente suportada a posição assumida no requerimento de abertura de instrução, nomeadamente que o arguido ordenou o derrube de árvores, de elevado valor patrimonial (fl. 12), que não aparentavam qualquer risco imediato, sem contacto prévio com a assistente, recusando, aliás, tal contacto através do telefone. Para executar as ordens do arguido, os funcionários permaneceram na propriedade da assistente, sem consentimento ou autorização da mesma.

Justifica-se, por isso, a submissão do arguido a julgamento.'

A questão em análise no presente recurso é a questão de saber se a prova recolhida nos autos - seja em fase de inquérito, seja na instrução - indicia suficientemente, ou não, a prática pelo arguido dos dois crimes que lhe são imputados.

Os elementos de prova que, nestes autos, sustentam o juízo incriminatório imputado ao arguido são os indicados no despacho acima transcrito; da sua análise resulta claro existir uma séria probabilidade de o arguido ter cometido os factos denunciados nos autos.

É sabido que, nesta fase processual, a valoração a fazer da prova sustentará não um juízo de absoluta certeza da prática pelo arguido dos ilícitos criminais imputados, mas tão-somente um juízo de forte probabilidade.

Como, aliás, ensina o Prof. Cavaleiro Ferreiro: 'Em processo penal a pronúncia dos arguidos depende de prova bastante ou prova indiciária dos elementos da infracção ou de quem foram os seus agentes. [...]

A prova indiciária permite a introdução do processo em juízo e a sujeição a julgamento dos arguidos. A estes efeitos processuais se limita o seu valor. Não constitui prova, no significado rigoroso do conceito, pois que aquilo que está provado já não carece de prova, e a pronúncia torna apenas legítima a discussão judicial da causa. Tão-pouco determina uma presunção legal, pois que a prova que pode servir de fundamento à decisão judicial é somente a que tiver sido produzida na discussão da causa, em audiência, e não a que, para fins intermédios do processo, consta do corpo de delito.

A prova indiciária [...] conduz à pronúncia. A pronúncia não traduz uma presunção legal de culpabilidade, nem dá origem a uma obrigação de contraprova para a destruição da inexistente presunção legal.

[...]

A prova indiciária, portanto, tem por objectivo primacial autorizar o juiz a não rejeitar a acusação, com o fundamento de falta de prova; conduz não à convicção definitiva da certeza do facto, mas à convicção da sua probabilidade, isto é, de que os factos são naturalmente susceptíveis de vir a ser provados [Curso de Processo Penal, vol. II, pp. 284-285, Lisboa, 1981].'

Analisando a prova recolhida nos autos, à luz destes ensinamentos surge como evidente a conclusão que tais elementos constituem suficiente prova indiciária da prática pelo arguido dos ilícitos criminais que lhe são imputados.

E tal prova indiciária é idónea e bastante para sustentar a pronúncia do arguido.

V - Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo integralmente o douto despacho de pronúncia recorrido".

3 - E, relativamente à inconstitucionalidade suscitada na arguição de nulidade desta decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 7 de Julho de 2004, veio afirmar que:

"A questão em apreciação prende-se com a questão de saber se as decisões judiciais que não se consubstanciem em sentenças finais devem, ou não, obediência aos mesmos preceitos normativos no que toca à sua motivação de facto e de direito.

Sem que se ponha em crise a necessidade de fundamentação, de facto e de direito, de qualquer decisão judicial, por força do constitucionalmente preceituado, considera a jurisprudência dever ser feita uma distinção entre as sentenças, ou acórdãos, que decidem a final e as restantes decisões.

Tal entendimento decorre do estipulado no CPP, o qual nos seus artigos 374.º, n.º 3, e 379.º, n.º 1, alínea a), especifica pormenorizadamente os requisitos da fundamentação relativamente às sentenças finais, uma vez que estas consubstanciam o acto decisório por excelência.

No que respeita às restantes decisões judiciais, bastará que estas contenham, ainda que de forma resumida ou sumária, os elementos que permitam concluir que: 'o julgador ponderou os motivos de facto e de direito da sua decisão - isto é, não agiu discricionariamente; a) a decisão tem virtualidade para os interessados e os cidadãos em geral se convencerem da sua correcção e justeza; e b) o controlo da legalidade não é prejudicado pela forma como foi proferido' Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Março de 1994, Colectânea de Jurisprudência, XIX, 1994.

Assim sendo, e considerando que o texto do acórdão proferido nestes autos fundamenta a sua opção pela pronúncia do arguido na circunstância de que a prova recolhida é suficiente e bastante para alicerçar um juízo indiciário da prática pelo arguido dos ilícitos criminais que lhe são imputados pelo assistente, e como tal para o sujeitar a julgamento, considera-se que aquela decisão se encontra devidamente fundamentada, nos termos legais.

Pelo que se considera improceder a nulidade arguida.

Sendo certo que se considera não estar inquinado de inconstitucionalidade um tal juízo, por se entender que este não viola as garantias constitucionais de defesa, consignadas no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, nem o já invocado dever de fundamentação imposta pelo artigo 205.º da lei fundamental.

E tal, porque os elementos de prova em que assenta o juízo confirmatório da indiciação são exactamente os mesmos que os indicados na decisão recorrida, não se acrescentando qualquer outro elemento relativamente ao qual não tivesse já o ora arguente a correspondente possibilidade de impugnar, ou ainda não se fundamenta a apreciação do juízo de indiciação em outro argumento, ou outra valoração dos elementos de prova que não a constante do despacho recorrido.

Isto é, havendo lugar a uma total confirmação do anteriormente decidido, quer quanto às suas premissas de facto, quer quanto à sua conclusão de direito, não será exigível à decisão a proferir que explicite, especificadamente, os fundamentos dessa adesão, mas tão-só que indique as razões pelas quais valida a conclusão fáctica e jurídica em apreço.

Diferentemente se procederia caso se considerasse que determinado elemento de prova não havia sido considerado, ou o haveria sido de modo julgado inadequado, ou ainda também caso se não aderisse ao enquadramento jurídico-penal dos factos indiciados.

No caso vertente, o acórdão procedeu a uma análise do conjunto da prova carreada para os autos, louvando-se no modo de apreciação e enquadramento jurídico-penal a que procedeu a decisão recorrida, não tendo coarctado qualquer garantia de defesa do recorrente ou ainda descurado o dever de fundamentação, como já se explicitou.

Nestes termos, considera-se ser de concluir pela improcedência do arguido."

4 - Recebido o recurso neste Tribunal e ordenada a notificação do recorrente e dos recorridos para apresentação das respectivas alegações e contra-alegações, vieram as partes sustentar os argumentos infratranscritos.

4.1 - Por banda do recorrente:

"1.ª O recorrente, na sequência do Acórdão de 3 de Dezembro de 2003, suscitou a nulidade desse acórdão, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP e arguiu a inconstitucionalidade das normas dos artigos 97.º, n.º 4, 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º n.º 4, do CPP, se interpretadas no sentido segundo o qual a fundamentação da decisão em matéria de facto, proferida em acórdão de recurso que confirmou a decisão de pronúncia, se basta com remissão para a prova indicada na decisão recorrida, sem enumeração dessa prova, sem especificação dos motivos de facto que fundamentam a decisão e sem análise crítica da mesma, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

2.ª A decisão recorrida, a propósito da questão da inconstitucionalidade suscitada, considerou que é conforme à exigência constitucional de fundamentação de acórdãos que não sejam de decisão final, em caso de confirmação do decidido em 1.ª instância, a adesão ao aí decidido, sem necessidade de especificação autónoma.

3.ª Porém, não se afigura, salvo melhor opinião, que tal interpretação tenha acolhimento constitucional.

4.ª Com efeito, nos termos dos artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da CRP, o processo criminal deve assegurar todas as garantias de defesa, devendo as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente ser fundamentadas na forma prevista na lei.

5.ª No caso concreto, a lei aplicável, lei processual penal, impõe, na fundamentação dos actos decisórios, como é o que está em questão, a especificação dos motivos de facto e direito da decisão, nos termos do artigo 97.º, n.º 4, do CPP e, nos acórdãos proferidos em recurso, como é o caso, o exame crítico da prova que serviu para formar a convicção, sob pena de nulidade, nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º, n.º 4, do CPP.

6.ª Exame crítico esse que, aliás, se impunha, tendo em consideração que a redução a escrito dos diversos depoimentos e factos considerados na decisão instrutória de 1.ª instância permitem o seu confronto, para formação do juízo do Tribunal ad quem.

7.ª Neste contexto, a apreciação da questão nos moldes referidos em duas destas conclusões, faria com que os destinatários da decisão ficassem, também, privados de saber quais os factos que foram considerados e os motivos pelos quais, designadamente, se optou por valorizar um segmento probatório em detrimento do outro, para se chegar à decisão, o que constitui uma quebra nas garantias de defesa com redução constitucionalmente insustentável do dever de fundamentação da decisão.

8.ª Sendo certo que a decisão de pronúncia até constitui uma das mais importantes decisões proferidas em processo penal, dado que da mesma depende o envio dos autos para julgamento ou o seu arquivamento, impondo-se, assim, com as devidas diferenças em relação a um acórdão da decisão final, que se especifiquem os motivos de facto relevantes para a decisão e se faça a análise crítica da prova.

9.ª Devendo assim ser declarada a inconstitucionalidade supradeduzida, em uma das presentes conclusões.

Nestes termos e noutros de direito doutamente supridos deverá ser declarada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 97.º, n.º 4, 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º, n.º 4, do CPP se interpretadas no sentido segundo o qual a fundamentação da decisão em matéria de facto, proferida em acórdão de recurso que confirmou a decisão de pronúncia, se basta com remissão para a prova indicada na decisão recorrida, sem enumeração dessa prova, sem especificação dos motivos de facto que fundamentam a decisão e sem análise crítica da mesma, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e, em consequência, ordenada a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido sobre a questão de constitucionalidade, fazendo-se, assim, justiça."

4.2 - Pelo recorrido Ministério Público:

"1 - Em processo penal o dever de fundamentação das decisões judiciais com especificação dos motivos de facto e de direito não é violado quando o Tribunal Superior concorda e adere às razões constantes da decisão da 1.ª instância, do completo conhecimento do arguido.

2 - Não merece censura constitucional a fundamentação por remissão ou transcrição de despachos já proferidos no processo, quando tal facto, como é o caso, não introduz qualquer dificuldade na compreensão dos fundamentos do assim decidido.

3 - Motivos pelos quais deverá improceder o presente recurso."

4.3 - Pelo recorrido Pimenta & Rendeiro, Urbanizações e Construções, S. A.:

I - O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao aderir, na íntegra, à valoração da prova e à fundamentação constantes do despacho instrutório, por forma a confirmar a pronúncia do arguido, preenche os requisitos de fundamentação estabelecidos no artigo 97.º, n.º 4, do CPP e no artigo 205.º, n.º 1, da CRP.

II - O Acórdão em causa é absolutamente claro no que respeita ao sentido e razão de ser da decisão do Tribunal da Relação, pelo que não houve qualquer violação das garantias de defesa do recorrente.

III - O disposto nos artigos 379.º e 374.º, ambos do CPP, aplicam-se à sentença e não aos demais actos decisórios, pelo que a remissão constante do artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma, deve ser interpretado com as necessárias adaptações, quando está em causa o recurso de uma decisão instrutória.

IV - O acórdão em causa, ao aderir e remeter para a valoração e fundamentação constantes da decisão do tribunal inferior, não sofre de uma omissão de fundamentação, ou de uma deficiente fundamentação, devendo ser admitido este processo de fundamentação que visa, em termos formais, uma maior celeridade e simplificação das decisões.

Termos em que, no caso sub judice, não deve ser declarada a inconstitucionalidade dos artigos 97.º, n.º 4, 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º, n.º 4, todos do CPP, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da CRP."

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

B - Fundamentação. - 5 - Importa, antes de mais, proceder à exacta delimitação do objecto do recurso, sendo que, para tal, deve partir-se do requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, relevando-se, igualmente, o teor do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que indeferiu a arguição da nulidade invocada pelo recorrente.

Assim, atentando na definição normativa suscitada pelo recorrente, resulta que se pretende a apreciação da constitucionalidade "das normas dos artigos 97.º, n.º 4, 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, se interpretadas no sentido segundo o qual a fundamentação da decisão em matéria de facto, proferida em acórdão de recurso que confirmou a decisão de pronúncia, se basta com remissão para a prova indicada na decisão recorrida, sem enumeração dessa prova, sem especificação dos motivos de facto que fundamentam a decisão e sem análise crítica da mesma, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa".

Por seu turno, da decisão recorrida igualmente emerge que "havendo lugar a uma total confirmação do anteriormente decidido, quer quanto às suas premissas de facto, quer quanto à sua conclusão de direito, não será exigível à decisão a proferir que explicite, especificadamente, os fundamentos dessa adesão, mas tão-só que indique as razões pelas quais valida a conclusão fáctica e jurídica em apreço".

Encontrando-se aqui a ratio decidendi do juízo proferido, máxime, no que tange com a inconstitucionalidade suscitada, tal não pode ignorar-se na concretização interpretativa das "dimensões normativas" invocadas pelo recorrente para ilustrar o alcance da "fundamentação por remissão".

Nesses termos, pode precisar-se que, no caso sub judicio, estará em causa a apreciação da constitucionalidade "das normas dos artigos 97.º, n.º 4, 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que, havendo lugar a uma total confirmação do anteriormente decidido, a fundamentação da decisão em matéria de facto, proferida em acórdão de recurso que confirmou a decisão de pronúncia, se basta com remissão para a prova indicada na decisão recorrida, não sendo exigível à decisão a proferir que explicite, especificadamente, os fundamentos dessa adesão - autonomizando a enumeração dessa prova, a especificação dos motivos de facto que fundamentam a decisão e a análise da mesma -, mas tão-só que se indiquem as razões pelas quais valida a conclusão fáctica e jurídica em apreço, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa".

Consideradas de per se, as normas do Código de Processo Penal invocadas pelo recorrente apresentam a seguinte redacção:

"Artigo 97.º

Actos decisórios

1 - ...

2 - ...

3 - ...

4 - Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

Artigo 379.º

Nulidade da sentença

1 - É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no artigo 374.º, n.os 2 e 3, alínea b); ou

b) ...

Artigo 425.º

Acórdão

1 - ...

2 - ...

3 - ...

4 - É correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento.

..."

Por seu turno, as normas constitucionais consideradas violadas têm a seguinte redacção:

"Artigo 32.º

Garantias de processo criminal

1 - O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

...

Artigo 205.º

Decisões dos tribunais

1 - As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

..."

6 - A questão da fundamentação das decisões judiciais constitui uma das problemáticas mais relevantes envolvida no âmbito da concreta realização judicativo-decisória do direito.

Essa importância específica resulta, desde logo, em termos metodológicos, do reconhecimento de que qualquer "decisão, ao radicar imediatamente na voluntas de quem a profere, é marcada por uma ineliminável subjectividade, pelo que só não se perverterá em arbítrio se for adequadamente fundamentada" (Fernando José Bronze, Lições de Introdução ao Direito, Coimbra, 2002, pp. 569-571).

Não se estranha, pois, que tal preocupação tenha sido manifestada, expressis verbis, no texto constitucional, ainda que, nesta sede, se tenha remetido para o legislador a tarefa de concretizar os aspectos processuais[-formais] concretizadores daquela exigência, e que, em face da regulamentação contida na norma normarum, o Tribunal Constitucional tenha já sido, por diversas vezes, chamado a considerar alguns problemas suscitados nesse domínio particular jurídico-processual (cf., inter alia, os Acórdãos n.os 680/98, 102/99 e 396/2003, publicados, respectivamente, no Diário da República, 2.ª série, de 5 de Maio de 1989, de 1 de Abril de 1999 e de 4 de Fevereiro de 2004, e os Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41.º vol., p. 539, 42.º vol., p. 457, e 56.º vol., p. 801).

E nessa jurisprudência têm-se reflectido as particulares exigências jurídico-constitucionais que densificam o dever de fundamentação das decisões jurisdicionais, considerando, a esse propósito, a importância funcional de que se encontra revestido tal dever no âmbito das decisões proferidas em processo penal.

Atente-se a esse nível no que se escreveu no Acórdão 680/98, estando aí em causa a inconstitucionalidade de "uma interpretação das normas pertinentes do CPP, nomeadamente do artigo 374.º, n.º 2, e 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), no sentido de dispensar a indicação dos elementos que conduziram a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência:

"[...]

[7] Dispõe a Constituição, no n.º 1 do artigo 205.º, que 'as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei'. Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio substituir o n.º 1 do artigo 208.º, que determinava que 'as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei'. A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas 'nos termos previstos na lei' para o serem 'na forma prevista na lei'. A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.

A verdade, porém, é que, estando em causa um elemento da sentença que releva para efeitos da respectiva validade, deve avaliar-se da conformidade constitucional da norma em apreciação à luz do texto constitucional vigente à data da prolação do acórdão. Diga-se porém, desde já, que a alteração do texto constitucional é, neste caso, irrelevante, pois sempre se chegaria à mesma conclusão.

É certo que a Constituição não determina, ela própria, o alcance do dever de fundamentar as decisões judiciais, remetendo para a lei a definição do respectivo âmbito. Certo é também, igualmente, que o legislador, ao concretizar a liberdade de conformação que a Constituição lhe confere, não a pode reduzir de tal forma que, na prática, venha a inutilizar o princípio da fundamentação.

Como se escreveu no Acórdão 310/94 deste Tribunal (Diário da República, 2.ª série, de 29 de Agosto de 1994), ficou "devolvido ao legislador, em último termo, o seu 'preenchimento', isto é, a delimitação do seu âmbito e extensão. Com efeito, o legislador constituinte consagrou o dever de fundamentação das decisões judiciais - fê-lo na revisão constitucional de 1982 -, em termos prudentes, evitando correr o risco de estabelecer uma exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e excessiva. Daí o ter-se limitado a consagrar o aludido princípio 'em termos genéricos', deixando a sua concretização ao legislador ordinário.

Isso não significa, tal como se vincou nos arestos citados deste Tribunal (cf. n.º 8 do acórdão citado), que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional.

Do princípio consagrado no artigo 208.º, n.º 1, da Constituição, enquanto garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (artigo 2.º), há-de decorrer para o legislador, pelo menos, a obrigação de prever a fundamentação das 'decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimidade da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso' (cf. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, pp. 798-799). De qualquer modo, os limites a tal liberdade constitutiva do legislador (ou 'discricionariedade' legislativa) hão-de ser muito largos e respeitar a um núcleo essencial mínimo de decisões judiciais. De outro modo, na verdade, 'subverter-se-á' o próprio sentido da cláusula constitucional (que é intencionalmente o de uma 'incumbência' ao legislador) e o seu citado propósito cautelar".

Ora, tal como se afirma no mesmo Acórdão 310/94, a determinação do alcance que o legislador ordinário há-de conferir à obrigação de fundamentar as decisões judiciais obriga a indagar quais as funções desempenhadas pela fundamentação, tendo em conta que, diferentemente do caso ali em análise, nos encontramos perante uma decisão condenatória proferida em processo penal.

Assim, desde logo, a fundamentação de uma sentença contribui para a sua eficácia, já que esta depende da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral. Escreve Eduardo Correia: "só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, 'convencer' as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por 'convencido' sugere" [parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o artigo 653.º do projecto, em primeira revisão ministerial, de alteração do Código de Processo Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXVII (1961), p. 184].

A fundamentação permite, ainda, quer pelas próprias partes, quer, o que é de realçar, pelos tribunais de recurso (v. Michele Taruffo, 'Note sulla garanzia costituzionale della motivazione', in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LV (1979), pp. 31-32), fazer, como escreve Marques Ferreira, 'intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso' ('Meios de prova', in Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1992, p. 230).

Mais importante, todavia, é a circunstância de a obrigação de fundamentar as decisões judiciais constituir um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (v. Michele Taruffo, op. cit., pp. 34-35, que escreve: 'a garantia constitucional do dever de fundamentação ocupa um lugar central no sistema de valores nos quais deve inspirar-se a administração da justiça no Estado democrático moderno').

É indiscutível que 'o princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de direito e no Estado social de direito contra o arbítrio do poder judiciário', v. Pessoa Vaz, Direito Processual Civil - Do Antigo ao Novo Código, Coimbra, 1998, p. 211.

Embora não venha ao caso fazer a história, nem sequer para o direito português, da obrigação de fundamentar as decisões judiciais, não podemos, a concluir este ponto, deixar de citar Bentham: 'In legislation, in judicature, in every line of human action in which the agent is or ought to be accountable to the public or any part of it -, giving reasons is, in relation to rectitude of conduct, a test, a standard, a security, a source of interpretation. Good laws are such laws for which good reasons can be given: good decisions are such decisions for which good reasons can be given' ("An introductory view of the rationale of evidence", in The Works of Jeremy Bentham, ed. de 1962, Nova Iorque, vol. VI, p. 357), e de repetir que a motivação das decisões judiciais é uma garantia da possibilidade de controlo democrático do exercício do poder judicial em face dos cidadãos e do próprio Estado, exigência do princípio do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição).

[8] Não sendo naturalmente uniformes as exigências constitucionais de fundamentação relativamente a todo o tipo de decisões judiciais, como já se referiu, algumas destas hão-de ser objecto de um dever de fundamentar de especial intensidade. Entre elas facilmente se convirá estarem as decisões finais em matéria penal, mormente as condenatórias, na primeira linha.

Atentos os fundamentos encontrados para o dever de fundamentação, é inelutável que abrange a decisão em matéria de facto e a decisão em matéria de direito. Ora a fundamentação das sentenças penais - especialmente das sentenças condenatórias, pela repercussão que podem ter na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas - deve ser susceptível de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador, devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida. Afigura-se ser este o núcleo central da exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais".

Subscrevendo-se, nesta sede, a bondade substantiva subjacente a esta argumentação, importa, em face do caso sub judicio, apurar se a reconhecida fundamentação por remissão cumpre tais exigências constitucionais (lembrando-se que, in casu, não se está perante uma decisão condenatória, mas perante um acórdão de recurso que confirmou a decisão de pronúncia do arguido).

Ora, numa aproximação a esta concreta questão de constitucionalidade, faz sentido recordar, desde já, a jurisprudência deste Tribunal que, apesar de em hipótese não coincidente, considerou a legitimidade constitucional de uma fundamentação por remissão no seio do processo penal.

Atente-se, por exemplo, na argumentação constante do Acórdão 147/2000 (onde se apreciou "a questão de saber se é conforme à CRP a norma do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, interpretada no sentido de se considerar como mera irregularidade, sanável por falta de impugnação, o despacho que decreta a prisão preventiva fundamentado por remissão para as razões - que faz suas - de outras peças processuais"):

"Ora, disse-se já que o artigo 205.º, n.º 1, da CRP deixa ao legislador ordinário a conformação da matéria relativa à forma da fundamentação, dispondo aquele de uma margem de determinação apenas condicionada pelo respeito do núcleo essencial do dever de fundamentação.

O que a fundamentação visa - disse-se já também - é assegurar a ponderação do juízo decisório e permitir às partes - no caso, ao arguido - o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a opção reactiva (impugnatória ou não) adequada à defesa dos seus direitos.

Não se vê que a Constituição, no caso de decretamento de prisão preventiva, vá para além dessa exigência; quer a informação imediata e de forma compreensível das razões da prisão que a Constituição impõe que seja prestada à pessoa privada da liberdade (artigo 27.º, n.º 4), quer a comunicação do juiz ao arguido das causas que determinaram a detenção, quando se procede ao interrogatório (artigo 28.º, n.º 1), quer, por fim, a comunicação a parente ou pessoa de confiança do detido, por esta indicada, da decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação de liberdade (artigo 28.º, n.º 3) são comandos que nada têm a ver com a fundamentação do acto judicial que decreta a medida de coacção.

Mas se isto é assim, não é o facto de, na sua fundamentação, o despacho judicial remeter para as razões expressas noutras peças processuais que, só por si, põe em causa a razão de ser da imposição constitucional. Sucede, apenas, que a leitura do despacho em causa não é directa e imediata, como o seria se o acto decisório contivesse, ele mesmo, as razões do decidido; ela só se completa com o conhecimento das outras peças processuais para que o despacho remete, o que, de todo, não compromete as garantias de defesa do arguido.

No limite, poderia, apenas, suscitar dúvidas a constitucionalidade da norma em causa, nos casos em que, pelo facto da remissão, a acessibilidade dos fundamentos se tornasse labiríntica ou particularmente complexa. Mas não é o caso.

E nem poderá argumentar-se com a falta de conhecimento da peça para que, por sua vez, a promoção do Ministério Público em parte também remetia - a questão seria aqui, como bem se acentua no acórdão recorrido, de validade do acto de notificação, mas não da fundamentação do acto decisório.

O que se deixa dito e que poderá justificar a conformidade constitucional de uma norma que expressamente permitisse a fundamentação por remissão não nos desvia da questão concreta de constitucionalidade agora em causa.

É que a 'deficiência formal' da fundamentação por remissão, na interpretação dada no acórdão recorrido ao regime das nulidades em processo penal e, em especial, do citado artigo 123.º, geraria, ainda, a irregularidade do despacho que dela enfermasse. E isto significa que se abre sempre a possibilidade de o arguido, no próprio acto, com a assistência do seu defensor, invocar essa irregularidade; só não o fazendo a irregularidade fica sanada.

Ora, concluindo que a Constituição não obsta à fundamentação por remissão e não impõe, por isso, que a ela corresponda a nulidade do acto decisório, por maioria de razão se convirá que a não violará a sujeição do despacho que ordena a prisão preventiva, proferido com tal forma de fundamentação, ao regime das irregularidades em processo penal, por força das normas do título V do livro II, em particular do artigo 123.º, n.º 1, do CPP ."

7 - Assim recortado o âmbito material dos parâmetros constitucionais aqui relevantes, pode antecipar-se, desde já, que "as normas dos artigos 97.º, n.º 4, 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal interpretadas no sentido de que, havendo lugar a uma total confirmação do anteriormente decidido, a fundamentação da decisão em matéria de facto, proferida em acórdão de recurso que confirmou a decisão de pronúncia, se basta com remissão para a prova indicada na decisão recorrida, não sendo exigível à decisão a proferir que explicite, especificadamente, os fundamentos dessa adesão - autonomizando, em texto próprio, a enumeração dessa prova, a especificação dos motivos de facto que fundamentam a decisão e a análise da mesma -, mas tão-só que se indiquem as razões pelas quais valida a conclusão fáctica e jurídica em apreço", não padecem de inconstitucionalidade por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Como é consabido - e foi, de resto, exemplarmente concretizado nos arestos supra-referidos -, apesar de o dever de fundamentação das decisões judiciais poder assumir, conforme os casos, uma certa geometria variável, o seu cumprimento só será efectivamente logrado quando permitir revelar às partes - e, bem assim, à comunidade globalmente considerada - o conhecimento das razões "justificativas" e "justificantes" que subjazem ao concreto juízo decisório, devendo, para isso, revelar uma "sustentada aptidão comunicativa ou compreensividade" sustentada na exteriorização do(s) critério(s) normativo(s) que presidem à sua resolução e do seu respectivo juízo de valoração de modo a comunicar, como condição de inteligibilidade, a intrínseca validade substancial do decidido.

Não se esquecendo que o juízo decisório (e por ser "juízo") envolve sempre uma "ponderação prudencial de realização concreta orientada por uma fundamentação", é imprescindível que esta, como base desse juízo, seja exteriorizada em termos de permitir desvelar o iter "cognoscitivo" e "valorativo" justificante da concreta decisão jurisdicional.

Ora, esta função não fica materialmente prejudicada quando uma decisão, como a recorrida, sindicando um juízo que considera totalmente adequado, remeta para as razões aí invocadas, autonomizando - ou, recte, explicitando - "as razões pelas quais se valida a conclusão fáctica e jurídica em apreço".

É claro que, em sede de recurso, está sempre em causa uma avaliação crítica incidente sobre o seu objecto - in casu, a já referida "questão de saber se a prova recolhida nos autos, seja em fase de inquérito, seja na instrução, indicia suficientemente, ou não, a prática pelo arguido dos dois crimes que lhe são imputados".

Todavia, nada impede que o resultado dessa avaliação crítica que não pode deixar de ser cabalmente equacionada - acabe por conduzir ao "acolhimento" das razões fundamentantes da decisão recorrida, hipótese na qual, mostradas que estejam as razões pelas quais se valida tal juízo, se há-de ter por fundamentada uma decisão que, ao concordar integralmente com a valoração previamente efectuada - que se encontra transcrita e até formalmente integrada na parte decisória do aresto em crise -, remeta para a motivada ponderação do anteriormente decidido, fazendo seus os argumentos aí explicitados.

Ora, como transparece dos autos, a decisão recorrida louvou-se numa total adesão ao que previamente havia sido decidido, concluindo expressamente que a prova indiciária constante da decisão em crise "é idónea e bastante para sustentar a pronúncia do arguido", não deixando de avaliar ou analisar - e fazer suas - as razões pelas quais "os elementos de prova que, nestes autos, sustentam o juízo incriminatório imputado ao arguido [que] são os indicados no despacho [...] [permitem afirmar que] resulta claro existir uma séria probabilidade de o arguido ter cometido os factos denunciados nos autos". Assim sendo, é indubitável que o acórdão recorrido sindicou e ponderou "a questão de saber se a prova recolhida nos autos - seja em fase de inquérito, seja na instrução - indicia suficientemente, ou não, a prática pelo arguido dos dois crimes que lhe são imputados", tendo, na sua decisão, manifestado concordância com a fundamentante argumentação que constava da decisão recorrida.

Por isso, a autonomização, em texto próprio, da enumeração da prova, da especificação dos motivos de facto que fundamentam a decisão e da análise da mesma, num caso, como o dos autos - em que o tribunal manifesta total concordância com a prova enumerada, os motivos de facto que fundamentaram a decisão e análise crítica efectuada na decisão recorrida -, nada acrescentaria, num plano material-substantivo, à decisão aqui em crise.

Assim sendo, nestas circunstâncias, não poderá dizer-se que o acórdão sindicando se louvou numa interpretação normativa dos preceitos supracitados que se haja de considerar inconstitucional, designadamente por daí pode resultar, como sustenta o recorrente, "que os destinatários da decisão ficassem, também, privados de saber quais os factos que foram considerados e os motivos pelos quais, designadamente, se optou por valorizar um segmento probatório em detrimento do outro para se chegar à decisão, o que constitui uma quebra nas garantias de defesa com redução constitucionalmente insustentável do dever de fundamentação da decisão".

Tal resultado apenas ficaria comprometido se a fundamentação para a qual se remeteu não permitisse lograr o cabal conhecimento das razões determinantes do juízo fixado, o que, in casu, é patente não suceder - basta considerar, a esse nível, as próprias alegações do recorrente em sindicância ao despacho de pronúncia.

Não se duvida, como é óbvio, que estando em causa o recurso de uma "sentença" jurisdicional, o acórdão que, em recurso, sindique o mérito jurídico da decisão controvertida não pode deixar de equacionar os fundamentos em que aquela se baseia, existindo aqui sempre um plus, concretizado na avaliação crítica do juízo sindicando, sendo que, por isso, é impreterível que se afirmem os motivos determinantes da confirmação da decisão sindicada.

Todavia, como resulta do critério normativo que presidiu, como ratio decidendi, ao juízo decisório aqui sindicado, é manifesto que tal exigência também foi normativamente cumprida.

C - Decisão. - 8 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com 20 UC de taxa de justiça.

Lisboa, 25 de Maio de 2005. - Benjamim Rodrigues (relator) - Paulo Mota Pinto - Maria Fernanda Palma - Mário José de Araújo Torres - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2322095.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

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