Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º
5/2008/M
Pedido de inconstitucionalidade da lei do Orçamento do Estado para 2008
No dia 16 de Novembro de 2007, o gabinete do Presidente da Assembleia da República remeteu à Assembleia Legislativa da Madeira as propostas de alteração à proposta de lei 162/X/3 - «Orçamento do Estado para 2008», para efeitos de emissão de parecer, após o decurso da discussão e votação na generalidade na reunião plenária n.º 15 da Assembleia da República.
Sendo as mesmas recepcionadas na Assembleia Legislativa da Madeira no dia 19 de Novembro.
De acordo com o disposto no artigo 229.º, n.º 2, da Constituição, os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente a questões da sua competência respeitantes às Regiões Autónomas, os órgãos de governo regional.
A Constituição nada dispõe acerca do procedimento de audição das regiões autónomas. Essa matéria encontra-se regulada em legislação ordinária, designadamente na Lei 40/96, de 31 de Agosto, nos artigos 89.º a 92.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e nos artigos 78.º a 80.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Também o artigo 152.º do Regimento da Assembleia da República (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/93, de 2 de Março, e alterado pelas Resoluções da Assembleia da República n.os 15/96, de 2 de Maio, 3/99, de 20 de Janeiro, 75/99, de 25 de Novembro, e 2/2003, de 17 de Janeiro) e o artigo 23.º do Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo Constitucional (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2005, de 15 de Abril, e alterado pelas Resoluções do Conselho de Ministros n.os 186/2005, de 6 de Dezembro, e 64/2006, de 18 de Maio, com Declaração de Rectificação 31/2006, de 12 de Junho) tratam do procedimento de audição das Regiões Autónomas.
Nos termos do artigo 6.º da Lei 40/96, de 31 de Agosto, os pareceres devem ser emitidos no prazo de 15 ou 10 dias, consoante a emissão do parecer seja da competência respectivamente da assembleia legislativa regional ou do governo regional, sem prejuízo do disposto nos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas ou de prazo mais dilatado previsto no pedido de audição ou mais reduzido, em caso de urgência.
Não tendo sido solicitada qualquer urgência ou redução do prazo, aplicando-se o prazo de 15 dias, a Assembleia Legislativa da Madeira teria como data limite para emissão do parecer o dia 4 de Dezembro de 2007.
Distribuída à 2.ª Comissão Especializada de Economia, Finanças e Turismo as propostas de alteração à proposta de lei 162/X/3, em 19 de Novembro de 2007, o seu presidente, nos termos regimentais da Assembleia Legislativa da Madeira - n.º 1 do artigo 106.º, agendou a reunião da referida Comissão para o dia 22 de Novembro de 2007.
Reunida a Comissão, teve a mesma conhecimento que estavam a consumar-se votações irreversíveis, no Plenário da Assembleia da República, pois no dia 22 de Novembro de 2007 deu-se início à reunião plenária do debate e votação na especialidade e, no dia 23 de Novembro de 2007, ocorreu a reunião plenária para a continuação do debate e votação, encerramento e votação final global na especialidade.
O que envolve um total desrespeito pelo direito de audição da Assembleia Legislativa da Madeira, cujo parecer não poderia ser tido em consideração pela Assembleia da República e, consequentemente, nenhum efeito podia produzir ao arrepio das obrigações decorrentes da lei de audição.
Na esteira do Acórdão 551/2007 do Tribunal Constitucional, tem-se entendido que os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas não têm que ser novamente ouvidos quando a alteração da proposta de lei consubstancia uma mera variação (sem dilatação) do âmbito temático e problemático das matérias reguladas na iniciativa legislativa originária. Ora, se (a contrario) os órgãos de governo regionais devem ser ouvidos quando ocorre uma ampliação do elenco de matérias reguladas na proposta de lei originária, o mesmo deverá suceder quando há uma ampliação do âmbito de aplicação do regime fixado, que seja relevante para as Regiões Autónomas.
No mesmo sentido, o Prof. Doutor Jorge Miranda no parecer enviado à Assembleia Legislativa da Madeira, em 27 de Fevereiro de 2001, «toda esta problemática reclama o equilíbrio de dois valores: conferir alcance útil à audição das regiões ao serviço do desígnio constitucional de participação e permitir aos órgãos de soberania que tomem as providências necessárias da sua competência, também constitucional, em tempo adequado».
Continuando, «apesar de os preceitos constitucionais se referirem apenas a questões, a consulta tem por objecto também as soluções que se tenham em vista ou que se pretenda vir a adoptar, sob pena de se defraudarem a cooperação entre os órgãos de soberania e os órgãos de governo próprio regional e a lealdade institucional, mas, naturalmente, cabe ao órgão de soberania decidir, por fim, na perspectiva do bem comum. O pedido de audição tem de ser formulado antes da decisão».
Mais recentemente, o Acórdão 581/2007, de 21 de Novembro, em plenário do Tribunal Constitucional veio ditar que «é o momento da consulta e o prazo disponível para o órgão regional se pronunciar que levam a questionar a observância do dever de audição da Assembleia Legislativa Regional».
Para aferirmos se o procedimento adoptado corresponde ao cumprimento perfeito daquele dever, há que atentar se ele preservou ou não o sentido útil da imposição constitucional. O que, naturalmente, só acontecerá, como se afirma no Acórdão 670/99, «se puder considerar-se alcançado o objectivo com que a Constituição consagra tal dever. Ou dito de outra forma, se a Região Autónoma, através dos órgãos competentes, tiver disposto do tempo necessário para se pronunciar cabalmente sobre as questões que lhe respeitam e se o parecer que eventualmente houvesse sido emitido ainda poderia ser considerado na sua aprovação final, por ser conhecido na Assembleia da República em tempo útil».
Idêntica orientação se pode colher no Acórdão 130/2006: «Entende o Tribunal que - sob pena de se esvaziar o direito de audição, convertendo a obrigatoriedade de audição numa formalidade sem sentido útil - a oportunidade da pronúncia do titular do direito deve situar-se numa fase do procedimento legislativo adequada à ponderação, pelo órgão legiferante, do parecer que aquele venha a emitir, com a possibilidade da sua directa incidência nas opções da legislação projectada».
O momento em função do qual se há-de ajuizar se ao órgão regional foi dada oportunidade efectiva de se pronunciar em tempo útil é outro: é o início do debate na especialidade, no âmbito do qual serão discutidas as normas sobre que incide o dever de audição, só então podendo ser considerada a pronúncia sobre elas eventualmente emitida pelo órgão consultado. Nesse momento, as questões sobre as quais os órgãos regionais têm o direito de ser ouvidos - o conteúdo das normas que especificamente respeitam às Regiões Autónomas - ainda estão em aberto, pelo que a decisão definitiva pode ser influenciada pelo parecer formulado pelos órgãos regionais.
Desta forma se dá cumprimento ao que o Acórdão 130/2006 justificadamente considera exigível:
«O cabal exercício do direito de audição pressupõe, assim, que, além de um prazo razoável para o efeito, ele se exerça (ou possa exercer) num momento tal que a sua finalidade (participação e influência na decisão legislativa) se possa atingir, tendo sempre em conta o objecto possível da pronúncia.» O que importa, como condição infringível da compatibilidade constitucional dos termos em que foi dado cumprimento ao dever de audição, é que a consulta se faça com a antecedência suficiente sobre aquela data, por forma a propiciar ao órgão regional o tempo necessário para um estudo e ponderação das implicações, para os interesses regionais, dos preceitos em causa.
A questão gira em torno de saber sobre o que deve entender-se, para este efeito, como um prazo razoável, padrão normativo a que o Tribunal tem lançado mão, nesta matéria, desde o Acórdão 403/89.
É sempre espinhosa a tarefa de concretização e quantificação precisa de um critério normativo indeterminado, de base teleológica.
A Lei 40/96, de 31 de Agosto, ao regular o direito de «audição dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas», não hesitou em lançar mãos a essa tarefa.
Fê-lo no seu artigo 6.º, neste termos:
«Os pareceres devem ser emitidos no prazo de 15 ou 10 dias, consoante a emissão do parecer seja da competência respectivamente da assembleia legislativa regional ou do governo regional, sem prejuízo do disposto nos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas ou de prazo mais dilatado previsto no pedido de audição ou mais reduzido, em caso de urgência.» Como não faz sentido que o legislador submeta os órgãos regionais a um ónus de cumprimento impossível, ou gravosamente pesado, é manifesto que, no seu entender, aqueles prazos são suficientes para o exercício cabal do direito de audição. Mas, muito embora se trate de uma concretização qualificada, ela não tem o valor firme de um parâmetro de constitucionalidade, como oportunamente adverte o Acórdão 529/2001. De todo o modo, o que não pode negar-se é que aqueles prazos têm um forte valor indicativo de compatibilidade constitucional, pois, pelo menos na generalidade das situações, eles propiciam um lapso de tempo objectivamente apropriado à participação efectiva - e não meramente formal - dos órgãos regionais no processo legislativo. Em condições de normalidade, e tendo sempre em conta o objecto da pronúncia, esses prazos permitem alcançar a finalidade que levou à consagração constitucional do dever de audição - o ponto de vista valorativo verdadeiramente decisivo para ajuizar do cumprimento desse dever.
Ora, no caso vertente, verifica-se que a proposta de lei 162/X/3 foi recepcionada na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 19 de Novembro de 2007, tendo-se dado início ao debate e votação na especialidade no dia 22 do mesmo mês.
Dispôs, assim, a Assembleia Legislativa da Madeira de três dias para se pronunciar.
Tendo presente o âmbito circunscrito da audição, é de entender que a Assembleia da República não respeitou integralmente o dever consagrado no artigo 229.º, n.º 1, da Constituição da República.
Assim:
A Assembleia Legislativa da Madeira, nos termos da Lei 130/99, de 21 de Agosto, resolve mandatar o Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira para suscitar a inconstitucionalidade da lei do Orçamento do Estado para 2008 por violação do dever de audição consagrado no artigo 229.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Da presente resolução deverá ser dado conhecimento ao Presidente da República.
Aprovada em sessão plenária da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 9 de Janeiro de 2008.
O Presidente da Assembleia Legislativa, José Miguel Jardim d'Olival Mendonça.