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Acórdão 529/2004/T, de 20 de Agosto

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Texto do documento

Acórdão 529/2004/T. Const. - Processo 496/2004. - Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:

1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional intentou contra o Partido da Democracia Cristã - PDC, com sede na Avenida de António Augusto de Aguiar, 150, 3.º, esquerdo, em 1050-022 Lisboa, a presente acção de extinção de partido político, com processo declaratório comum, sob a forma ordinária, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 1, alínea e), da Lei 2/2003, de 22 de Agosto, 103.º, n.º 3, alínea b), e 103.º-F, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, na redacção dada pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1.º Quer a lei dos Partidos Políticos actualmente em vigor - Lei Orgânica 2/2003, de 22 de Agosto - quer a própria Lei do Tribunal Constitucional estabelecem que incumbe ao Tribunal Constitucional decretar, a requerimento do Ministério Público, a extinção dos partidos políticos que não apresentem contas em três anos consecutivos.

2.º A norma constante do artigo 18.º, n.º 1, alínea e), da referida Lei 2/2003 não se configura como inovatória, limitando-se, quanto a esta matéria, a reproduzir o regime que - desde 1998 - já constava da própria Lei do Tribunal Constitucional [artigo 103.º-F, alínea a)].

3.º Sendo, deste modo inquestionável que este regime jurídico de sujeição à extinção judicial dos partidos que não apresentassem contas em três anos consecutivos já era plenamente aplicável às contas referentes ao ano em que foi editada a Lei 13-A/98 e aos anos seguintes - aplicando-se, pois, inquestionavelmente às contas referentes aos anos de 1998, 1999 e 2000, a apresentar ao Tribunal Constitucional no ano subsequente.

4.º Nos acórdãos n.os 444/2001, 253/2002 e 361/2003 o Tribunal Constitucional condenou o Partido requerido - PDC - pela prática da infracção prevista no artigo 14.º, n.º 1, da Lei 56/98, de 18 de Agosto, decorrente da omissão do cumprimento, quanto aos anos de 1998, 1999 e 2000, da obrigação consignada no artigo 13.º, n.º 1, da mesma Lei - fixando-lhe, como sanção pela infracção consistente na falta de apresentação de contas, as coimas de, respectivamente, Euro 9172,89, Euro 12 729,32 e Euro 16 709,73.

5.º Tais acórdãos transitaram em julgado, tendo sido publicados no Diário da República, 2.ª série, de 16 de Novembro de 2001, 5 de Julho de 2002, e 10 de Outubro de 2003.

6.º Havendo, deste modo, caso julgado quanto ao incumprimento culposo da obrigação de apresentação de contas pelo partido requerido, naqueles três anos sucessivos.

7.º Estando, deste modo, inteiramente preenchida a fattispecie normativa, atrás invocada, o que determina a extinção judicial do partido requerido, na sequência da procedência da presente acção.

Com a petição inicial foram juntas cópias dos acórdãos que julgaram definitivamente verificada a falta de apresentação de contas nos anos de 1998, 1999 e 2000.

Em 28 de Abril de 2004, a relatora proferiu o seguinte despacho (fl. 32):

Proceda à citação do Partido Político requerido por meio de carta registada com aviso de recepção endereçada para a sua sede, nos termos do artigo 236.º do Código de Processo Civil, com a indicação de que o citando pode oferecer a defesa no prazo de 30 dias a contar da citação (artigo 486.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e de que é obrigatório o patrocínio judiciário (artigo 32.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código].

Caso se frustre a citação na sede do requerido, proceda à citação dos seus presumidos representantes, remetendo as cartas para as respectivas residências indicadas nos autos, nos termos do artigo 237.º do Código de Processo Civil.

O Partido Político requerido contestou nos seguintes termos:

"Excepcionando na acção declarativa comum, sob a forma ordinária, diz:

Partido da Democracia Cristã - PDC

A)

1 - O PDC foi apresentando justificação, ou justo impedimento, para a falta de apresentação de contas nos anos em causa (cf. Diário da República, n.º 266, de 16 de Novembro de 2001, fl. 18 952, 1.ª e 2.º cols. - Diário da República, n.º 153, de 5 de Julho de 2002, fls. 12 037 e 12 038).

De qualquer modo,

B)

2 - O artigo 103.º-F, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, não é aplicável ao ano de 1998.

Com efeito,

3 - Ao tempo, não fora publicada tal Lei.

Daí,

4 - Não se perfizeram, em qualquer dos casos, três anos consecutivos sobre a falta de apresentação de contas.

E sempre,

C)

5 - São inconstitucionais os normativos que pretendem extinguir partidos políticos por razões de ordem administrativa.

6 - A criação de um partido político, como foi o caso do PDC, advém da vontade dos cidadãos e consagrada com a ultimação do processo de legalização.

Aliás,

7 - O n.º 6 do artigo 51.º da Constituição da República não permite que, por decisão administrativa, a lei ordinária decrete a extinção de um partido político.

8 - Um Partido Político só pode ser extinto por razões que se prendessem com um comprovado desvio dos seus objectivos ou quando viabilizasse atentados à democracia ou às instituições do Estado.

9 - Nada disto está em causa.

Por outro lado,

D)

10 - Um Partido Político não está obrigado a desenvolver, continuadamente, actividade política.

11 - Nenhum preceito constitucional o impõe.

12 - E, não desenvolvendo actividade política, um Partido não terá, por isso, e obviamente, quaisquer receitas ou despesas.

E,

E)

13 - Se um Partido Político não recolhe receitas e nem realiza despesas, não pode ser obrigado a inventariar factos inexistentes.

14 - Consequentemente, não lhe é exigível que apresente as 'suas contas'.

15 - Outro caso seria se o Partido auferisse comprovadamente receitas e realizasse despesas e estivesse a encobrir tais factos não apresentando 'as suas contas'.

16 - Accionar ou promover a extinção de um Partido por falta de apresentação de contas, mesmo a admitir-se esse fundamento, tinha, em qualquer dos casos, de se partir de um prévio inquérito ou da averiguação de que existem movimentos de receitas e de despesas e que foram encobertos por três anos consecutivos.

17 - De nada disto é indiciado sequer o contestante.

18 - O que se está é a subverter a letra e o espírito da Lei que pretende sancionar, isso sim, uma eventual recusa ou omissão da apresentação de contas que tenham tido existência objectiva, o que não é o caso sub judice.

19 - O que a Lei pretende claramente é sancionar, após alguma fiscalização sendo que, nenhuma foi realizada.

20 - O MP não apurou e nem sequer veio alegar que existam movimentos encobertos de receitas ou despesas relativas ao contestante.

F)

21 - O PDC não possui património de imóveis ou de móveis, sujeitos a registo, não podendo apresentar 'as suas contas' relativas a actividade partidária nos anos em causa, por que não a desenvolveu, não tendo obtido receitas, pelo que não pode elaborar qualquer lista de angariação de fundos (Lei 56/98).

Por consequência,

22 - Não ocorre incumprimento culposo da obrigação de apresentação de contas pelo contestante.

Com efeito,

23 - Não pode incorrer em omissão quem não tem objecto para a acção pretendida.

24 - A omissão só é punível se o acto puder e dever ser praticado.

E sempre,

G)

25 - A instauração da presente acção, a ser intentada no próprio Tribunal Constitucional como o é, não vem a dar a oportunidade de, em recurso, ser a mesma julgada por diferente instância ou órgão jurisdicional que não seja o mesmo Tribunal Constitucional.

26 - A acção, a ser intentada, devia sê-lo de modo a permitir a apresentação de provas pelo MP, nomeadamente, que ocorra sonegação ou ocultasse 'das suas contas' pelo partido político.

Pelo que,

27 - É claramente inconstitucional o processo ora desencadeado num dos topos da hierarquia jurisdicional.

De tudo, deve ser considerada improcedente a presente acção, por falta de fundamento, e sempre por justo impedimento, tudo com base nas invocadas excepções."

Por seu turno, o Ministério Público apresentou réplica que também se transcreve:

"O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da contestação apresentada pelo Partido da Democracia Cristã no processo em epígrafe - e tendo em conta que o réu qualifica expressamente a defesa que nela deduz como matéria de 'excepção' - vem replicar nos termos seguintes:

1.º Para além de impugnar a pretensão deduzida pelo Ministério Público - não cumprindo obviamente replicar à matéria de tal impugnação - o partido-réu vem excepcionar com base na invocação de 'justo impedimento' à apresentação de contas nos anos referenciados na petição inicial.

2.º Na óptica do réu, ocorreria um facto impeditivo do dever de apresentação de contas, consubstanciado na ausência de actividade política e na existência efectiva - a demonstrar pelo A - de movimentos patrimoniais e contabilísticos.

3.º É, porém, evidente a improcedência desta linha argumentativa, aliás já apreciada e definitivamente decidida nos acórdãos que julgaram não prestadas as contas nos anos de 1998, 1999 e 2000.

4.º Tendo sido decidido que tal forma 'atípica' e 'intempestiva' de apresentação de contas não traduzia cumprimento adequado do dever legal que incidia sobre o partido em causa.

5.º Sendo, pois, manifestamente improcedente a invocada 'excepção' de 'justo impedimento' na apresentação de contas pelo partido réu, consumando-se tal dever num momento em que obviamente já estava em vigor - e era perfeitamente conhecida ou cognoscível pelo réu - o teor da Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, plenamente compatível com a Lei Fundamental.

2 - Os autos contêm elementos que permitem a apreciação e a decisão do mérito da presente acção, o que se faz ao abrigo do artigo 510.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

São os seguintes os factos provados:

O Partido requerido não apresentou contas relativas aos anos de 1998, 1999 e 2000, conforme verificado nos Acórdãos n.os 536/99 (quanto ao ano de 1998), 370/2001 (quanto ao ano de 1999) e 319/2002 (quanto ao ano de 2000);

O Tribunal Constitucional condenou o Partido requerido pela prática da infracção prevista no artigo 14.º, n.º 1, da Lei 56/98, de 18 de Agosto, decorrente da omissão do cumprimento da obrigação consignada no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 72/93, de 30 de Novembro, quanto ao ano de 1998, e no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98, de 18 de Agosto, quanto aos anos de 1999 e de 2000, pelos Acórdãos n.os 444/2001, 253/2002 e 361/2003, respectivamente.

Todos os acórdãos mencionados transitaram em julgado. Os Acórdãos n.os 444/2001, 253/2002 e 361/2003 encontram-se publicados no Diário da República, 2.ª série, de 16 de Novembro de 2001, de 5 de Julho de 2002 e de 10 de Outubro de 2003, respectivamente; os Acórdãos n.os 536/99, 370/2001 e 319/2002 são inéditos.

3 - O artigo 103.º-F, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional - assim como a alínea e) do n.º 1 do artigo 18.º da actual Lei dos Partidos Políticos (Lei Orgânica 2/2003, de 22 de Agosto), cuja redacção é idêntica à daquele preceito - prevê como causa de extinção de um partido político a não apresentação das suas contas em três anos consecutivos.

A não apresentação das contas pelo Partido Político requerido está devidamente demonstrada pelos citados acórdãos do Tribunal Constitucional, já transitados em julgado, que verificaram a não apresentação de contas e que sancionaram o Partido em questão.

4 - O Partido Político requerido vem, porém, invocar 'justo impedimento' para a não apresentação das contas.

Contudo, o Tribunal Constitucional já apreciou, nos arestos indicados, a questão relacionada com a não apresentação de contas nos anos de 1998, 1999 e 2000, tendo, como se referiu, tais decisões transitado em julgado.

Assim, afigura-se manifestamente improcedente a linha argumentativa seguida agora pelo Partido requerido, já que a mesma foi devidamente ponderada e apreciada em momento anterior pelo Tribunal Constitucional e nem sequer agora foi infirmada a decisão constante desses Acórdãos quanto a tal matéria.

5 - O Partido requerido defende ainda que a Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, não é aplicável relativamente ao ano de 1998.

No momento em que as contas relativas a 1998 deviam ter sido apresentadas (até ao fim de Março de 1999, de acordo com o disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 72/93, de 30 de Novembro), já a referida lei, que aditou o artigo 103.º-F à Lei do Tribunal Constitucional, se encontrava em vigor há tempo suficiente para que os respectivos destinatários tivessem conhecimento do seu conteúdo (o diploma data de Fevereiro de 1998).

Mas o que é decisivo é que o facto relevante - não apresentação de contas que realiza o ilícito - ocorreu já na vigência da Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro. Tal diploma era pois aplicável no momento em que o Partido requerido não apresentou as contas relativas ao ano de 1998, não consubstanciando qualquer aplicação retroactiva.

6 - O Partido requerido sustenta também que o n.º 6 do artigo 51.º da Constituição 'não permite que, por decisão administrativa, a lei ordinária decrete a extinção de um partido político'".

Ora, desde logo cabe sublinhar que a extinção ocorre por decisão judicial (e não por decisão administrativa). O artigo 51.º, n.º 6, da Constituição, apenas remete para a lei ordinária as regras de financiamento dos partidos políticos bem como as exigências de publicidade do seu património e das suas contas, não vedando quaisquer consequências ou sanções. Finalmente, a apresentação de contas pelos partidos políticos é um instrumento fundamental de controlo da transparência e da organização e da gestão democráticas dos partidos políticos, objectivo assumido pela Constituição (artigo 51.º, n.º 5), o que impede de se considerar vedada, precisamente por tal preceito, a extinção do partido político em consequência da reiterada não prestação de contas.

7 - Por último, o Partido Político requerido sustenta que a instauração da presente acção no Tribunal Constitucional impede a possibilidade de recurso.

Tal argumento não é pertinente. Com efeito, não está agora em causa a interposição de um qualquer recurso, como também a pretensão do Partido requerido, a ser satisfeita, implicaria a apreciação e decisão da presente acção por outra instância de cuja decisão caberia recurso para o Tribunal Constitucional , onde os autos se encontram nesta fase. Aliás, como este Tribunal tem sucessivamente afirmado, não é constitucionalmente imposto em todos os casos um duplo grau de jurisdição e não o é seguramente quando a competência cabe em primeira linha ao Plenário do Tribunal Constitucional.

Improcede, portanto, tal argumentação.

8 - Nestes termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide julgar procedente a presente acção e, consequentemente, decretar a extinção do Partido da Democracia Cristã - PDC, ordenando o cancelamento do respectivo registo.

14 de Julho de 2004. - Maria Fernanda dos Santos Martins Palma Pereira - Mário José de Araújo Torres - Carlos José Belo Pamplona de Oliveira - José Manuel de Sepúlveda Bravo Serra - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza - Maria Helena Barros de Brito - Benjamim Silva Rodrigues - Vítor Manuel Gonçalves Gomes - Artur Joaquim de Faria Maurício - Rui Manuel Gens de Moura Ramos Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão - Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto (vencido, por entender que, tendo a norma em que o Tribunal se fundou entrado em vigor já no decurso do ano de 1998, não deveria ter considerado relevante, para decretar a extinção de partidos políticos nela prevista de forma inovadora, a não apresentação de contas relativas a esse mesmo ano de 1998) - Luís Manuel César Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2237706.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1993-11-30 - Lei 72/93 - Assembleia da República

    Regula o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-18 - Lei 56/98 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das companhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2003-01-13 - Lei 2/2003 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a tipificar como ilícito de mera ordenação social determinadas infracções à legislação da actividade seguradora.

  • Tem documento Em vigor 2003-08-22 - Lei Orgânica 2/2003 - Assembleia da República

    Aprova a lei dos Partidos Políticos.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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