Parecer 3/2004. - Parecer sobre transparência das denominações dos cursos. - 1 - Entre os pontos fracos verificados na avaliação global dos cursos superiores, universitários e politécnicos, destaca-se o da existência de formações que o mercado não absorve imediatamente, ao mesmo tempo que o mercado reclama formações mais centradas sobre o saber fazer sem pôr em causa a sua definição nuclear.
Este facto suscita um sentimento de mal-estar entre as direcções empresariais e as instituições de ensino, ao mesmo tempo que os organismos representativos das profissões, com destaque para as ordens, procedem a uma triagem das candidaturas à inscrição, recusando muitas que usam a mesma designação das que são reconhecidas, mas não asseguram as mesmas competências fundamentais.
Parece necessário sublinhar um facto poucas vezes mencionado nesta querela de percepções, e que é o de muitas formações recusadas, nas circunstâncias antes mencionadas, terem boa recepção no mercado de trabalho e portanto, nestes casos, a identificar com rigor, e a semântica poderá ter de ser corrigida, e a representação profissional definida.
Todavia, na área em que se situa, com objecto definido, a diferença de perspectiva entre empregadores e instituições formadoras, verifica-se com frequência a pretensão do empresariado no sentido de fazer aceitar que não são aquelas que definem o que deve ser ensinado, é o mercado que dita o que necessita e pode absorver. As instituições universitárias e politécnicas não podem deixar de repudiar essa pretensão, que violaria os seus valores essenciais de autonomia e independência, bem como distorceria a sua missão fundamental de promover o cultivo científico de saberes, que não se subordina a interesses de imediato ou curto prazo.
Este ponto, que tem repercussões sociais importantes, necessita de esclarecimento partilhado entre mercado e ensino: uma coisa é que as instituições de ensino não cubram áreas de alta tecnologia que asseguram a outros países o triunfo da competitividade, e essa falta exige reformulação do sistema, quer abrindo o ensino a novas iniciativas, quer reformando as instituições que tenham cristalizado o seu currículo; outra, bem diferente, seria admitir que responsáveis pela economia de mercado assumissem a pilotagem do ensino, condicionando a liberdade de ensinar, investigar e projectar os resultados dessa actividade na dinâmica social.
O sentido de equilíbrio é uma componente indispensável do processo, no qual vão intervir factores exógenos que condicionam todos os actores desta complexa dialéctica. O método dos protocolos entre instituições de ensino, empresariado e demais parceiros sociais, bem como a participação mútua e activa em órgãos consultivos, é uma via de conciliação calendarizada para a definição dos espaços de responsabilidade a partilhar, e dos espaços de liberdade a respeitar. Uma conciliação com visão prospectiva que terá de encarar a dificuldade de encontrar uma lógica confiável das tendências evolutivas.
2 - A cooperação entre instituições de ensino, empresariado e demais parceiros sociais, que tem expressão em protocolos e experiência adquirida, concorrerá decisivamente para que seja suprido o défice de especialistas em áreas ignoradas pelo sistema de ensino ou deficientemente servidas, designadamente no campo da qualidade, ambiente e segurança no trabalho, recentemente posto em evidência, e que se refere por isso como exemplo.
Numa data em que a procura primária diminui, sobretudo por razões demográficas, criando dificuldades de financiamento e funcionamento a todos os subsistemas do ensino, as instituições que mais rapidamente identificarem e organizarem a resposta a essas carências terão uma vantagem inquestionável reflectida na acreditação reconhecida publicamente. Tem, porém, de reconhecer-se que a procura tem um espaço a ser despertado pelo esforço de qualificação da população activa, superando um défice formativo antigo, com repercussões inevitáveis nos níveis de produtividade. São os novos "públicos" para os quais o Processo de Bolonha requer atenção urgente.
Se aqui se encontra uma via de desenvolvimento sustentado do sistema de ensino, o ambiente exige clarificação no sentido de serem revistas as grelhas de oferta por todos os subsistemas, com estes objectivos primários: reformular a semântica, clarificando as especificidades e arrumando a oferta por afinidades essenciais; induzir a extinção de ofertas de relevância científico-cultural duvidosa e sem relação averiguada com as necessidades do mercado nacional e transnacional; racionalizar a oferta requerida pela procura, em termos de agir com base em informação fundamentada e não em impressionismos culturais que têm condicionado a procura pela oferta, e não condicionado a oferta pela procura; e garantir a liberdade académica da investigação desinteressada em todos os subsistemas, de acordo com a natureza de cada um. Esta tarefa deverá ser uma exigência permanentemente assumida pelas instâncias envolvidas, estimuladas pelo processo da avaliação, evitando e dispensando intervenções exteriores ao sistema de ensino. Tudo poderá simplificar-se se as instâncias de acreditação profissional, em cooperação com as entidades responsáveis pela acreditação académica, clarificarem atempadamente os requisitos que as condicionam para que a conceptualização dos cursos as tenha em conta e pondere.
3 - Nesta temática, destaca-se a crescente exigência de um ensino profissional que responda à procura de técnicos e cubra a carência de trabalhadores qualificados. Esta exigência agudiza-se pelo facto de o mercado europeu vir a ser proximamente alargado aos países do Leste, onde os padrões de formação são elevados.
Será necessário, para responder a esta incontornável exigência, aprofundar definitivamente o conceito operacional do ensino politécnico. Não é exacto entender este subsistema como sendo um novo patamar das antigas escolas profissionais, das quais não é o continuador.
É certo que as definições legais foram sempre insuficientes para distinguir claramente o novo subsistema de ensino superior, o que contribuiu para que a opinião corrente o entendesse como de grau inferior e proclamasse a transformação de politécnicos em universidades como uma promoção. De facto, foi uma mudança de conceito operacional, e a definição actual do politécnico é mais histórica do que legal, afirmando-se ao longo do tempo pela acção. Daqui resulta a sua condição como subsistema de igual dignidade, mas com identidade diferenciada, em relação ao universitário.
De tudo resulta que o ensino profissional, na linha genealógica das antigas escolas comerciais e industriais, é que deve ser reformulado e enquadrado, designadamente com a complementaridade de ensino organizado por empresas, e com resultados credenciados legalmente. Já existem iniciativas empresariais que devem ser estimuladas e não remetidas para a margem do ensino oficial, designadamente quando se trata de actividades que implantem no País tecnologias inovadoras, de origem nacional ou importadas.
Não se trata de regressar ao modelo napoleónico dos quadros intermédios, trata-se de quadros intermédios para a época do mercado transnacional numa economia global.
4 - A reformulação do tecido cultural que apoiou a explosão da oferta descoordenada dos cursos deve apoiar as metas que o progresso da avaliação tem ajudado a formular. Todas as profissões são igualmente dignas, a diferença está na maneira como se vive e não na maneira como se ganha a vida.
O crescimento demográfico, associado ao numerus clausus instaurado na década de 70, esteve nas causas daquela explosão que, há 10 anos, oferecia 1013 cursos superiores para 60 000 candidatos. Mas enquanto que a oferta de cursos continuou a crescer para mais de 1600, a queda demográfica afectou a viabilidade de algumas insti tuições privadas e o equilíbrio financeiro de algumas públicas, exigindo que a racionalização se apresse para evitar que os desequilíbrios se agravem antes que os novos públicos sejam mobilizados.
O Estado tem de exercer a função reguladora, com o equilíbrio exigido pela concorrência de vários princípios, algumas vezes dificilmente conciliáveis: o direito e a liberdade de aprender e de ensinar, a autonomia das instituições, a preservação da capacidade de investigar sem compromisso com o mercado, e a exigência internacional de excelência estão entre tais princípios.
5 - Entre as medidas preconizadas pela Lei 1/2003, de 6 de Janeiro, consta (artigo 39.º) o possível estabelecimento, pelo Ministro da Ciência e do Ensino Superior, a recomendação do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior e ouvidas as estruturas representativas das instituições de ensino superior, de directrizes quanto à denominação e duração dos cursos e as áreas científicas obrigatórias e facultativas dos respectivos planos de estudo.
Na sequência das considerações anteriores e tendo em conta o enquadramento do Processo de Bolonha, recomenda-se:
a) Avaliação prévia, em todos os casos, do rigor da designação adoptada ou proposta para os cursos, dos respectivos objectivos de formação em função dos conteúdos e das competências;
b) Assegurar o respeito pelos mínimos exigidos pelas directrizes que existam da União Europeia ou das organizações profissionais internacionais para as respectivas áreas científicas;
c) Verificação da coerência das iniciativas ou propostas com a missão e o conceito estratégico das escolas;
d) Manter aberto espaço a novos cursos emergentes do desenvolvimento científico ou da indução de novo conhecimento;
e) Reavaliação das designações existentes, em função dos conteúdos e das competências, distinguindo os conteúdos de formação graduada, e de complemento de formação ou pós-graduação;
f) Cometer às comissões externas de avaliação o encargo de pronunciamento sobre as designações dos cursos que avaliam, emitindo as recomendações decorrentes e acompanhando a sua satisfação.
Aprovado, por unanimidade, na 61.ª reunião plenária de 12 de Fevereiro de 2004.
12 de Fevereiro de 2004. - O Presidente, Adriano Moreira.