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Parecer 2/2007, de 11 de Julho

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Sumário

Publica o parecer sobre o documento "Orientações para a reforma do sistema de ensino superior em Portugal".

Texto do documento

Parecer 2/2007

Parecer sobre o documento "Orientações para a reforma do sistema de ensino superior em Portugal"

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projecto de parecer elaborado pelos conselheiros relatores Arsélio Pato de Carvalho (coordenador), Ana Maria Dias Bettencourt, Fernando Jorge dos Ramos, Ivo Luís Azevedo da Costa Santos e Jorge Miguel Luz Marques da Silva, o Conselho Nacional de Educação, na sua reunião plenária de 6 de Junho de 2007, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo, assim, o seu terceiro parecer no decurso do ano de 2007.

O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior informou o Conselho Nacional de Educação (CNE), em 13 de Fevereiro de 2007, de que as grandes linhas de orientação para a reforma do sistema de ensino superior incidem sobre os seguintes temas:

Orientação e regulação;

Governação e estatuto legal das instituições;

Financiamento e eficiência;

Acesso e equidade;

Qualidade no ensino superior e em ciência e tecnologia;

Abertura das instituições à sociedade e à economia.

O documento apresentado pelo Ministro contém orientações gerais, a serem concretizadas posteriormente, tornando difícil, em muitos pontos, entender o seu real alcance e ou a forma de concretização. Assim, o parecer que emitimos com base no conhecimento de que dispomos não pode condicionar outras apreciações ulteriores perante projectos concretos que as venham a materializar.

O CNE e ou as suas comissões especializadas permanentes disponibilizam-se para acompanhar o desenvolvimento das orientações agora em análise e a legislação que delas decorra.

1 - Orientação e regulação

1.1 - Constituição de um conselho superior de orientação estratégica (CSOE) O documento que o Ministro entregou ao CNE indica que a orientação do Governo é para que seja criado um conselho superior de orientação estratégica (CSOE) com verdadeira autoridade para a orientação e regulação do sistema de ensino superior, cujas deliberações poderão ser vinculativas. O Governo prevê que no CSOE estejam representadas as seguintes entidades: a) Governo; b) empresas; c) ciência e a cultura, e d) sociedade civil (que deve ser mais bem definida). Não é claro que este conselho corresponda ao conselho coordenador do ensino superior (CCES), com missão de aconselhamento do membro do Governo responsável pela área da ciência, tecnologia e ensino superior no domínio da política de ensino superior, previsto no artigo 23.º do Decreto-Lei 214/2006, como órgão consultivo.

O CSOE, com verdadeira autoridade para orientação e regulação do sistema de ensino superior, é extremamente importante, dado que a desregulação das últimas décadas constituiu um dos principais problemas do ensino superior em Portugal. A criação do CSOE será importante para estabelecer no País um pensamento avançado sobre o ensino superior, como motor de desenvolvimento da sociedade e que contribua para libertar as instituições de ensino superior da instabilidade resultante dos ciclos eleitorais e governativos. Portanto, a composição e nomeação dos membros do CSOE é matéria que deve ser ponderada.

A recomendação contida no relatório da OCDE relativamente ao CCES propõe a seguinte composição: Primeiro-Ministro, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior como vice-presidente, o Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, cinco representantes de outros ministérios com interesse na educação, cinco membros do mundo social, cultural e económico e cinco membros académicos. Os civis e os académicos seriam nomeados pelo Primeiro-Ministro. Esta composição proposta pela OCDE representa um grande avanço relativamente à composição do Conselho Consultivo do Ensino Superior, criado pelo Decreto-Lei 1/2003 e agora extinto, que tinha um reflexo mais corporativo. O Governo não se pode demitir das suas obrigações na regulação do sistema, nem se escusar a assumir a responsabilidade pelas consequências das orientações adoptadas.

Os membros do CSOE, anunciado no documento apresentado pelo Ministro, devem cobrir um espectro alargado da vida nacional de algum modo relacionada com o ensino superior, devem ser escolhidos em função do mérito pessoal e não devem representar qualquer instituição. O CSOE não deve ser um órgão corporativo, nem deve ser fonte de conflito com o sistema de ensino superior.

A criação do CSOE deve traduzir um forte compromisso estatal com as instituições de ensino superior, vistas como essenciais para a cultura, o desenvolvimento e a afirmação do País. Deve acautelar-se que este organismo tenha um papel positivo na promoção da qualidade, mas poderá ser prejudicado se assumir inicialmente as funções de inspecção, para o que não deve estar vocacionado.

1.2 - Opções políticas para orientação do sistema Revemo-nos na necessidade de aumentar o número anual de diplomados ao longo dos próximos 10 anos, devendo para isso ser aberta a base de recrutamento dos estudantes para o ensino superior, nomeadamente pela atracção de novos públicos, e deverá ser combatido o abandono precoce do ensino superior. É do interesse nacional que a maioria do crescimento se deva verificar no ensino politécnico. As características inerentes a este ensino devem acentuar-se, diferenciando-o claramente do ensino universitário. Assim, o ensino politécnico deverá concentrar-se prioritariamente em formações vocacionais e formações técnicas avançadas de 1.º e de 2.º ciclos, orientadas profissionalmente (v. n.º 5.3, secção sobre "A missão e os docentes dos institutos politécnicos").

Deve haver um forte impulso nas políticas de qualidade e deve-se proceder a uma reanálise das instituições e cursos, das suas condições de funcionamento, com exigência de um forte corpo docente próprio. Estas medidas poderão conduzir à necessidade de um reordenamento da rede de instituições.

A nível da pós-graduação universitária, deve igualmente haver um incremento de doutorados, e o Governo prevê duplicar nos próximos 10 anos o número de doutoramentos. Para isso, serão reforçadas as capacidades científicas e de gestão das universidades e das unidades de investigação, que deverão coordenar esforços para reforçar a oferta de formações científicas sólidas e ter mais influência na gestão e estratégia de desenvolvimento do ensino superior.

No n.º 5 deste documento, sobre "Qualidade no ensino superior e em ciência e tecnologia", é feita uma análise mais pormenorizada e crítica sobre o desenvolvimento dos institutos de investigação como reforço à pós-graduação universitária, para consolidar a existência formal de verdadeiras escolas de pós-graduação (escolas de estudos graduados) nas universidades, com influência marcante na gestão e na qualidade das instituições de ensino superior.

Finalmente, o MCTES deve ser um parceiro activo com vista à simplificação das exigências burocráticas sobre as instituições. A pesada máquina do Estado tem um efeito asfixiante sobre a flexibilidade e iniciativa na vida das instituições.

2 - Governação e estatuto legal das instituições

No documento do Ministro é explicitado que "as actuais limitações à autonomia das instituições em matéria de gestão de recursos humanos, financeiros e patrimoniais dificultam a sua resposta, com energia e responsabilidade, aos desafios que se colocam ao ensino superior. Por sua vez, o actual sistema de governação das instituições de ensino superior não estimula a participação efectiva de experiências externas na orientação das instituições. Impõe-se um novo contrato de autonomia".

No entanto, as orientações expressas no documento do Ministro são indefinidas e algo ambíguas, mesmo contraditórias, no que respeita à organização das instituições. Reconhecemos a importância que tem o Governo querer dar às instituições grande liberdade na sua organização, mas é necessário apontar desde já algumas regras comuns que balizem a organização das instituições. Ao longo de décadas, tem sido discutida a governação e o estatuto legal das instituições de ensino superior, culminando agora com o relatório da OCDE.

2.1 - Governo das instituições de ensino superior É consensual que as instituições de ensino superior precisam de reorganizar o seu governo para criar capacidade estratégica, de definição criteriosa de objectivos, e para aumentar a transparência e os mecanismos de prestação de contas.

O relatório da OCDE, que, na sua maior parte, parece merecer um consenso alargado, aponta para uma separação articulada de dois domínios de governação: o domínio "estratégico", com maioria de membros exteriores, e o domínio académico, havendo amplas formas de colaboração entre estas duas formas de governo com funções diferentes, a definir nos estatutos de cada instituição.

Recentemente, o CRUP publicou a "Carta de princípios" sobre o novo enquadramento legal do ensino superior, em que admite também a existência de dois órgãos de governo com algumas funções semelhantes às previstas no relatório da OCDE. Assim, a "Carta de princípios" do CRUP propõe os seguintes dois órgãos:

"A existência de um órgão de governo composto por membros eleitos pela comunidade universitária, no qual estejam representados todos os corpos da universidade. Este órgão deve ter uma maioria de doutorados, e competências para definir, pelo menos, a política científica e pedagógica e para aprovar as propostas que lhe sejam submetidas pelo reitor.

A existência de um órgão de governo integrando membros exteriores à universidade e por ela designados, com capacidade efectiva para influenciar as grandes opções da universidade, devendo, pelo menos, emitir parecer vinculativo sobre os grandes planos de actividades, os orçamentos e os relatórios de contas."

Os estatutos de cada instituição definiriam ainda o equilíbrio das responsabilidades destes dois órgãos, em questões de orientação e de estratégia e na eleição do reitor por um colégio eleitoral.

Assim, poderá haver um órgão, separado do senado, mas com algumas funções de estratégia e de controlo, ao contrário da solução que parece ser sugerida pelo documento do Ministro, que carece de clarificação no plano conceptual; a gestão regular e a supervisão estratégica são coisas diferentes. Entende-se que não deverá ser regra a participação externa obrigatória no senado, mas esta pode ser uma preferência, por parte de algumas instituições.

Estes princípios gerais garantem a diversidade institucional, um bem essencial para as instituições poderem enfrentar a diversidade de desafios que se colocam ao ensino superior. Propomos que às instituições seja deixada a liberdade de definirem a composição dos seus órgãos, de modo a tornarem o governo mais moderno, consciente dos prós e dos contras de cada opção, as quais terão sempre riscos. Estará sempre subjacente na decisão da instituição o seu desenvolvimento numa cultura de exigência e de qualidade. Aceitamos que existam variações nos modelos de governação de instituição, dentro de um quadro geral previsto na lei que deve assegurar mecanismos que garantam a prevalência do interesse público no funcionamento das instituições de ensino superior.

Assim, cada instituição poderá instituir o governo que melhor se adeque às suas características, à sua fase de desenvolvimento e às suas ambições, sem prejuízo da abertura obrigatória das instituições a uma participação externa no governo institucional de personalidades de grande nível, conhecimento, competência e com crédito de grandes missões por si realizadas. Propõe-se que a escolha dessas personalidades deva ser feita numa lógica pessoal e não de representação. Uma questão que estará sempre subjacente é a questão da accountability, que precisa de análise: uma coisa são as auditorias, a inspecção, o Tribunal de Contas; outra coisa é a avaliação do desempenho; outra ainda é a opinião pública.

2.2 - Estatuto jurídico das instituições de ensino superior Instituição integrada na administração autónoma do Estado No quadro legal actual, as instituições de ensino superior têm o estatuto de instituição integrada na administração autónoma do Estado, mas será possível no futuro considerar outros tipos de organização, bem como novas formas de estatuto jurídico. O presente modelo tem as virtudes e os defeitos frequentemente apontados, mas este modelo pode ser muito aperfeiçoado, removendo-lhe os constrangimentos conhecidos e fazendo-o mais responsável com a aplicação de alguns dos mecanismos enunciados nesta apreciação. Para isso, contribuirá também a entrada em funcionamento do conselho superior de orientação estratégica, com verdadeira autoridade para a orientação e regulação do sistema de ensino superior, conforme já anunciado pelo Ministro. Acresce ainda a criação anunciada da Agência de Avaliação e Acreditação para a Garantia da Qualidade do Ensino Superior. Não deverão ser implementados modelos que representem mudanças bruscas nas instituições.

Não encontrámos consenso relativamente a outros modelos jurídicos das instituições de ensino superior, como o modelo fundacional ou o modelo de entidade pública empresarial. Qualquer destes dois modelos pode significar progressivo descomprometimento do Estado com o futuro e com a qualidade das instituições de ensino superior. Dir-se-ia que a alternativa que está sobre a mesa é as instituições de ensino superior serem institutos públicos e o Estado ser um bom regulador. Isto seria uma experiência nova e vale a pena experimentar! A aceitação de outros modelos que traduzem afastamento em relação ao Estado e ao seu papel essencial são potencialmente mais arriscados.

Os outros dois modelos que têm sido discutidos são o modelo fundacional e o modelo de entidade pública empresarial. É instrutivo analisarmos, ainda que superficialmente, estes dois modelos.

Modelo fundacional das instituições de ensino superior No documento do Ministro apresentado ao CNE, prevê-se que a autonomia e responsabilidade das instituições poderá ser reforçada por um modelo criado num quadro legal novo em que as instituições públicas de ensino superior, no todo ou em parte, possam não pertencer à administração do Estado, nem os seus funcionários serem, necessariamente, funcionários públicos, de forma a permitir-se autonomia na gestão de recursos humanos, financeiros e patrimoniais. O documento do Ministro prevê ainda que a transição para este novo regime, devidamente regulado, possa conduzir aos mecanismos essenciais que devem prevalecer na gestão das instituições de ensino superior que, no nosso entender, são: verdadeira autonomia, flexibilidade na escolha de modelos de organização, desenvolvimento estratégico, gestão eficaz e responsabilização.

Deve tornar-se claro o enquadramento jurídico deste modelo para não se criarem dúvidas quanto à sua viabilidade como alternativa. O modelo de fundação para a rede pública levanta algumas dúvidas porque não existem fundações sem património e a referência a curadores, na realidade portuguesa, parece recorrer a uma figura importada dos EUA, onde as universidades são frequentemente fundações; para a rede privada, o modelo já seria apropriado por exigir património, sustentabilidade financeira e fidelidade aos fins institucionais. Como já foi referido acima, não encontrámos consenso relativamente a este tipo de modelo institucional.

As instituições de ensino superior como entidades públicas empresariais Este modelo, que tem sido discutido em algumas sessões públicas por analogia com o modelo de gestão aplicado em alguns hospitais, poderá também ser uma alternativa para a gestão de algumas instituições de ensino superior, mas não encontrámos consenso que possa levar-nos a considerá-lo, já porque, como no modelo fundacional, tenderá a desresponsabilizar o Estado relativamente ao ensino superior.

3 - Financiamento e eficiência

3.1 - Base de financiamento A fórmula de financiamento que tem vigorado predominantemente premeia o insucesso escolar. O financiamento pelo número de estudantes, sem outras regras, leva ao oportunismo e ao abaixamento qualitativo do sistema. Só a competição em ambiente regulado, com garantias de qualidade, provoca melhoria qualitativa. Com a entrada em vigor do Processo de Bolonha também os novos rácios teriam de contemplar as novas modalidades pedagógicas. Não admira, portanto, que tenha permanecido ao longo dos anos uma atitude de irresponsabilidade por parte das várias faculdades e departamentos, e que nem pequenos ajustes no orçamento, que tomam em conta o conceito de estudante inelegível, constituíram qualquer incentivo à melhoria de qualidade. Aqui, o efeito perverso pode ser o de graduar alunos mal formados.

Este sistema de financiamento também lançou a abertura não controlada das instituições de ensino superior à entrada de alunos mal preparados, incapazes de prosseguir no ensino superior. Outro efeito foi a abertura indiscriminada de novos cursos muitas vezes por instituições mal preparadas para dar as formações que ofereciam. Tudo isto aconteceu com os governos como observadores imperturbáveis! Portanto, além de um financiamento base, uma parte do orçamento deve ser financiamento programático, com base em planos estratégicos e em indicadores de desempenho, mas o financiamento programático não deve nunca constituir a maioria do financiamento público, em virtude de exemplos deste tipo não terem produzido os resultados desejados nas universidades estrangeiras onde foram experimentados.

3.2 - Considerações sobre o modelo de financiamento e eficiência Há um grande défice de financiamento das instituições de ensino superior, porque não é apenas o financiamento em termos de percentagem do PIB que é baixo em Portugal. Mais importante que este défice é o custo médio por estudante que em Portugal é da ordem de Euro 4356, enquanto que a média europeia é de Euro 8049. É aqui que reside o nosso principal défice em termos absolutos, porque a fracção do PIB é um indicador relativo ao PIB baixo de Portugal. Poderá parecer irrealista querermos investir na educação tanto quanto investem os países desenvolvidos, mas se não aumentarmos o nosso investimento como vamos desenvolver o País? A educação é crucial para o nosso desenvolvimento. Dificilmente as nossas instituições poderão competir com as suas congéneres, enquanto os níveis de financiamento em Portugal não forem aumentados para um valor próximo do que recebem essas instituições.

Por outro lado, para melhorar a qualidade e a competitividade das instituições é necessário: a) racionalizar a oferta de cursos; b) adequar os programas de ensino às necessidades da sociedade; c) melhorar a qualidade do ensino, e d) reduzir o insucesso escolar, entre outras medidas. Mas para que muitas destas medidas sejam implementadas pelas instituições será necessária a intervenção eficaz da agência reguladora independente (conselho superior de orientação estratégica? Agência de Avaliação e Acreditação para a Qualidade do Ensino Superior?). O financiamento desta função não pode ser transferido para as instituições de ensino superior, como parece estar implícito no projecto de criação da Agência de Avaliação e Acreditação para a Garantia da Qualidade do Ensino Superior, recentemente apresentado ao CNE.

3.3 - Propinas Presentemente, o valor da propina na maioria das instituições é já muito pesado para a maior parte das famílias portuguesas. Deve ser instituída uma acção social equitativa, ou outro mecanismo justo que o Governo encontre para reforçar a capacidade financeira das instituições, e permitir a todos os jovens frequentarem, com responsabilidade, o ensino superior.

Existe uma grande desigualdade nas oportunidades financeiras que permitem o acesso dos Portugueses ao ensino superior. É essencial que o custo real de cada estudante frequentar o ensino seja do conhecimento da generalidade dos cidadãos. Esse conhecimento melhor transmitirá ao estudante, aos pais e à sociedade a importância das instituições, da sua qualidade e do esforço do Governo com a preparação das próximas gerações. Esta transparência também criará uma melhor aceitação de uma partilha socialmente justa do custo do ensino superior.

Deve também ser garantido o financiamento selectivo de cursos dos 2.º e 3.º ciclos, de forma a reforçar o ensino de pós-graduação e a criação de escolas de estudos graduados nas instituições portuguesas, para atrair estudantes de outros países e garantir que os estudantes portugueses não se escoam para instituições de outros países.

3.4 - Outras formas de financiamento Mecenato Não há uma tradição de mecenato em Portugal e não é previsível que esta cultura se generalize na nossa sociedade num futuro próximo sem a criação de incentivos fortes, nomeadamente a nível de dedução nos impostos. O Governo Português deve ponderar este aspecto e encontrar fórmulas que atraiam o interesse de grandes empresas, tais como empresas farmacêuticas e outras empresas internacionais, que se surpreendem de o Governo Português não ter uma posição mais agressiva nesta matéria. Há défice de iniciativa nesta área por parte do Governo, por parte das instituições do ensino superior e por parte das próprias empresas. Trata-se principalmente de falta de uma cultura nesta área.

Overheads É também matéria de preocupação que cada uma das instituições de ensino superior, particularmente aquelas em que está mais desenvolvida a cultura da investigação científica, não tenham ainda negociado com as agências portuguesas financiadoras da investigação um sistema de overheads, credível e funcionalmente prático, que garanta que as agências financiadoras automática e directamente transfiram para as instituições de ensino superior uma verba extra, para além dos valores concedidos competitivamente aos investigadores para realizar os seus projectos. Este seria um processo de o financiamento à ciência reforçar também as instituições.

As receitas próprias em overheads são um "prémio" directo à capacidade das instituições de angariação de fundos para a investigação, mas não se podem substituir às funções do financiamento programático e de base. Os overheads também não são os gastos gerais atribuídos aos projectos, e que devem ser gastos em despesas relacionadas com a execução dos projectos.

As instituições de ensino superior para serem fortes, competitivas no ensino de pós-graduação e na investigação terão de ter um tratamento que já está consagrado nas instituições congéneres estrangeiras com as quais vão ter de competir por estudantes, por fundos internacionais e por uma posição de prestígio no ranking internacional.

4 - Acesso e equidade

No âmbito do acesso e equidade no ensino superior, há três questões fundamentais que devem ser acauteladas se desejarmos massificar o ensino e manter a qualidade. A massificação só por si não resolve o défice educacional.

Assim, será necessário: a) simplificar o catálogo das formações, sem prejudicar a diversificação real de oferta; b) responsabilizar as instituições pelas exigências de acesso, mas implementar mecanismos que penalizem fortemente as políticas institucionais que se preocupem meramente com o aumento do número de alunos, embora se deva assegurar a existência de instituições diversificadas de ensino superior que garantam o acesso de todos, e c) fomentar uma cultura de acesso para maiores de 23 anos, mas simultaneamente criar condições prévias de formação para estes cidadãos de modo que, quando se candidatam ao ensino superior, possuam já níveis de conhecimentos e de competências compatíveis com as exigências dos cursos superiores.

Ou seja, Portugal precisa de uma grande diversidade de instituições para atender um público massificado. Haverá que distinguir claramente entre instituições que se dedicam prioritariamente ao ensino (educação ao longo da vida) e o fazem com qualidade, e instituições que simplesmente não cumprem estes objectivos. Nesse sentido, é importante avaliar como decorreu o 1.º ano do regime de acesso para maiores de 23 anos.

5 - Qualidade do ensino superior em ciência e tecnologia

5.1 - Criação da Agência Nacional de Avaliação e Acreditação Quanto à Agência de Avaliação e Acreditação para a Garantia da Qualidade do Ensino Superior, a ser criada pelo Governo enquanto organismo responsável pelos procedimentos de garantia da qualidade, o CNE teve já oportunidade de recentemente emitir parecer sobre o projecto de diploma do Governo.

Reitera-se aqui que um ensino superior desregulado e sem mecanismos de garantia de qualidade fica caríssimo ao País: o financiamento de instituições e formações sem qualidade é um desperdício e estão por avaliar os efeitos nefastos da entrada no mercado de trabalho de diplomados por cursos sem qualidade.

5.2 - Representação institucional dos laboratórios associados e de outras unidades de investigação A partir da década de 90, a investigação científica foi muito reforçada nas instituições de ensino superior, particularmente nas universidades, embora isso não tenha acontecido uniformemente em todas as universidades, nem em todas as áreas. A investigação científica desenvolveu-se em unidades de investigação, em muitos casos autónomas, independente dos conselhos científicos dos departamentos e das faculdades. Assim, a ciência cresceu nas universidades, em muitos casos à margem da estrutura organizativa das universidades, por iniciativa de grupos de docentes e investigadores que passaram a ter grande autonomia na definição da política científica dos grupos que chefiavam. Esta autonomia acentuou-se ainda mais, a partir de 2000, com a criação dos laboratórios associados que hoje representam a maior força científica nas principais áreas das ciências físicas, engenharias, ciências biológicas, ciências biomédicas, na biotecnologia, na ciências do mar e ambiente, e exercem também já grande influência nas ciências sociais.

Assim, a grande capacidade científica e de formação pós-graduada das universidades é gerida, em grande parte, independentemente das faculdades e dos seus conselhos científicos. Por outro lado, as unidades de investigação, salvo raras excepções, não estão representadas nos órgãos das instituições de ensino superior. É esta realidade institucional que tem de ser normalizada no novo quadro institucional. É sempre preferível acomodar nas novas leis situações de facto, que neste caso já existem, do que criar leis para situações hipotéticas.

Neste sentido, o legislador tem a tarefa simplificada, particularmente no que respeita a universidades com aspirações a serem competitivas internacionalmente, com base na qualidade da sua investigação científica.

Também aqui, as alterações a introduzir devem permitir grande grau de flexibilidade para acomodar as diferentes modalidades e graus de desenvolvimento científico das instituições. Algumas universidades terão já atingido um desenvolvimento estratégico em áreas científicas específicas e aspirarão a um reconhecimento desse valor institucional para promover a sua capacidade competitiva nessas áreas. Claramente, nenhuma universidade portuguesa atingiu (ou atingirá) desenvolvimento científico competitivo em todas as áreas do conhecimento. Será mesmo através da diversificação das competências das instituições do ensino superior que Portugal poderá competir no mercado internacional para captação de estudantes dos 2.º e 3.º ciclos.

Portanto, os laboratórios associados e outras unidades de investigação que atinjam a qualidade de excelência que lhes permita serem competitivos, serão particulares agentes de mudança e de dinamização e, para isso, deverão estar representados e serem influentes institucionalmente. Será importante tornar clara a relação entre laboratórios associados e universidades, o relativo grau de independência e prestação de contas e a relação com os novos órgãos dos governos institucionais.

As escolas de estudos graduados (pós-graduação) A gestão da investigação científica e da pós-graduação nas instituições de ensino superior requer uma organização própria, que em muitas das instituições existentes não se coaduna com a visão institucional vigente, mais vocacionada para o 1.º ciclo. Portanto, novas estruturas dedicadas à pós-graduação devem ser criadas dentro das universidades. No entanto, em alguns (poucos) casos, as instituições existentes já contemplam na sua organização estruturas dedicadas à investigação científica, com representação no senado ou nos conselhos científicos, que podem evoluir para modelos modernos de gerir a pós-graduação, sem a criação de novas estruturas. Mais uma vez, esta questão encontrará soluções diversificadas nas diferentes instituições.

Parece consensual que sejam abertas oportunidades institucionais para serem criadas nas universidades, que se desejem afirmar pela pujança da sua investigação científica, novas unidades orgânicas que podem ser designadas escolas de estudos graduados, equivalentes em estatuto às faculdades. É essencial que este modelo de unidade orgânica seja criado principalmente em áreas interdisciplinares que, pela sua natureza, ultrapassaram os limites da definição das áreas científicas mais clássicas dos departamentos e faculdades tradicionais característicos das universidades portuguesas.

Podem ser concebidos vários modelos organizativos para as escolas de estudos graduados e cada instituição deverá ter a liberdade de criar o seu modelo, salvaguardando que as unidades de investigação estão representadas nos órgãos institucionais, de modo a serem agentes de mudança e de dinamização da instituição. Exemplo de um modelo minimalista é a criação em cada universidade de uma escola de estudos graduados, com um conselho científico, um órgão executivo e com representação no senado da universidade. Noutro modelo podemos considerar a criação de uma escola de estudos graduados por cada grande área científica, com grande interdisciplinaridade.

Os laboratórios associados e as outras unidades de investigação mantêm a sua autonomia funcional, sujeitos às normas instituídas para a escola, mas devem associar-se na organização de grandes institutos temáticos, como por exemplo (para dar exemplos da área das ciências da vida e da saúde): biomedicina, biotecnologia, nanotecnologia, etc. Estas seriam instituições com grande dinamismo, com grande flexibilidade para se adaptarem aos desafios modernos, baseadas nas unidades de investigação existentes, ou que venham a ser criadas, que seriam garante de sucesso dos projectos mais ambiciosos ditados pela estratégia de desenvolvimento das instituições de ensino superior.

Assim, será um grande avanço na evolução da universidade moderna, a criação de escolas de estudos graduados que formalmente coexistam com as faculdades tradicionais, cada qual com a sua missão que seria explicitada nos estatutos da cada universidade. Claramente, as escolas de estudos graduados estarão vocacionadas para coordenar a estratégia da investigação e do ensino, principalmente do 3.º ciclo e da formação pós-doutoral. O 2.º ciclo ocupará uma posição intermédia, admitindo-se que em alguns casos, de carácter mais profissionalizante, os alunos completem os 1.os ciclos e permaneçam na esfera das faculdades tradicionais, e outros de características mais científicas, façam a ligação aos 3.os ciclos, funcionando nas escolas de estudos graduados. Isto constitui um desafio de grande dimensão para as instituições de ensino superior no âmbito do Processo de Bolonha, que ainda não está a ser seriamente enfrentado.

A criação das escolas de estudos graduados nas universidades que o conseguirem vai trazer maior vigor, visão e internacionalização às universidades.

Este vigor reflectir-se-á também na transformação do ensino do 1.º ciclo, pois que parte da metodologia e da filosofia do ensino de pós-graduação, já instituídas nos centros de investigação, deverá vir a ser implementada no ensino do 1.º ciclo. Mais alunos do 1.º ciclo deverão ser integrados nos trabalhos e na vivência dos institutos de investigação, como parte da sua formação académica.

Nesta fase do seu desenvolvimento, os alunos ainda andam à procura do que querem fazer com as suas vidas. Pretende-se também que o ensino do 1.º ciclo seja ministrado pelos melhores professores.

Admitimos que nem todas as universidades e, certamente também não será o caso geral dos institutos politécnicos, atinjam o desenvolvimento acima referido, mas mesmo as instituições menos ambiciosas devem aspirar a ter competências científicas em pelo menos algumas áreas, e que estas áreas contribuam para uma cultura de excelência no ensino. Claramente, Portugal não tem dimensão para muitas universidades de investigação.

Deve ser equacionada a criação de escolas de estudos graduados interuniversitárias, de carácter colaborativo, congregando esforços de diversas universidades nacionais e estrangeiras, de resto em consonância com a realidade institucional dos laboratórios associados e com as colaborações recentemente protocoladas com universidades estrangeiras de referência. Isto põe, evidentemente, um desafio à criatividade institucional, mas pode ser a única possibilidade de criar massa crítica a partir de capacidades dispersas e que têm de permanecer dispersas, porque estão associadas a recursos humanos afectos à diversidade espacial e institucional das formações de 1.º ciclo.

5.3 - Estatutos da Carreira Docente e de Investigação O documento entregue ao CNE pelo Ministro anuncia nova legislação e, em particular, novos Estatutos da Carreira Docente e de Investigação, com vista a reduzir a endogamia nas instituições, a potenciar a atracção para Portugal de recursos humanos mais qualificados, estimular a mobilidade de docentes e investigadores e o rejuvenescimento institucional. Estas são questões de princípio, mas desejamos chamar a atenção para que serão também as condições institucionais, particularmente o financiamento e a consistência das políticas científicas, que determinarão o sucesso da legislação. Felizmente, em muitos casos há já meios humanos em Portugal e no estrangeiro, disponíveis para regressar a Portugal, mas terá de haver uma política consistente de suporte ao desenvolvimento das instituições de ensino superior.

Chama-se a atenção para o facto de ser urgente acabar com a contratação obrigatória, como professores auxiliares, dos assistentes quando se doutoram. A contratação deve basear-se na competência sem qualquer privilégio pelo mero facto de ter ocupado um cargo anteriormente. Deve também distinguir-se entre promoções e novas contratações dos docentes e investigadores.

Oportunamente, analisaremos as propostas de legislação agora anunciadas, quando elas estiverem disponíveis, mas desde já consideramos fundamental que sejam acautelados os seguintes dois pontos: a) intercomunicação das carreiras, e b) recrutamento de pessoal científico e docente.

Intercomunicação das carreiras docente e de investigação O ensino do 1.º ciclo deve ser feito por professores experientes. Os estudantes do 1.º ciclo deverão ter oportunidade de ser ensinados por professores com uma larga experiência para poderem comunicar aos alunos também a sua vivência académica. Em muitos casos, estes alunos estão ainda numa fase de indefinição dos seus percursos e precisam de ser influenciados positivamente.

Já nos 2.º e 3.º ciclos, o ensino deverá ser dado necessariamente por investigadores, que comunicam o seu saber, fazendo e comungando de perto com os estudantes as suas tarefas de investigação. Nesta função não se distinguem os docentes dos investigadores.

Parece, assim, que a universidade precisa de bons cientistas, com disponibilidade para produzir e transmitir conhecimento, e que as diferenças entre o docente e o investigador não devem ser muito marcadas. Mesmo nos institutos de investigação, uma das funções importantes é transmitir conhecimento a um contingente de jovens cada vez maior. Portanto, a diferença entre as duas carreiras não deve ser muito marcada. Certamente, deve haver sobreposição de funções, tanto docentes como de investigação, previstas para as duas carreiras. Admitimos o cenário de haver uma única carreira de docente/investigador no ensino superior. Deve ser facilitada a diversidade de missões e de avaliações de desempenho dos docentes/investigadores, segundo as estratégias das escolas e das unidades orgânicas e os ciclos de vida dos docentes (equilíbrio ensino-investigação).

Os doutorandos e os pós-doutorados devem ter oportunidade de adquirir uma formação para a docência ao longo da sua preparação, pelo que a legislação deve prever a participação dos doutorandos, mesmo que sejam bolseiros, em actividades de docência.

A missão e os docentes dos institutos politécnicos Este tema está a ser intensamente discutido, particularmente no âmbito dos institutos politécnicos, e será necessário mais algum tempo para se criar um consenso sobre a missão e os pontos fortes do ensino politécnico. Como já foi referido, as missões das universidades e dos institutos politécnicos não devem ser confundidas. As universidades e os institutos politécnicos têm igual dignidade, mas têm identidades diferentes. Esta questão está repleta de ambiguidades e preconceitos, e é necessário acentuar a necessidade de um ensino terciário diversificado, mas clarificar o que se entende por ensino politécnico e por ensino universitário, definindo as necessidades futuras. O ensino politécnico deve ter como objectivo primário a formação de profissionais especializados, intimamente ligados à prática (excluem-se aqui a Medicina, Direito e Engenharia), enquanto que o ensino universitário deve ter como objectivo primário, numa das suas vertentes, formar académicos com uma formação científica sólida intimamente ligados à investigação e, noutra vertente, formar cidadãos versáteis preparados para os desafios de uma sociedade moderna.

Mas esta dicotomia é uma simplificação, pois que estamos a assistir em vários países ao alargamento do leque de formações possíveis com combinações inovadoras entre as formas clássicas do ensino terciário. Assim, as instituições devem organizar leques de formações que vão desde médicos até enfermeiros e técnicos de saúde, e de engenheiros com formação teórica sólida, mas também especialistas em computação e programação. Assim, pode haver colaboração entre institutos politécnicos e universidades, o que se deve evitar é que escolas de ensino politécnico se transformem em escolas universitárias por medidas administrativas (e vice-versa), o que levaria à perda de qualidade dos dois tipos de instituições na realização das suas missões primárias.

No entanto, pode haver colaboração efectiva entre universidades e institutos politécnicos, mas essa colaboração deve ser a nível das escolas, ou faculdades, dos dois tipos de instituições. Poderão ser criadas comissões nos vários sectores, como saúde, educação, economia, informática, etc., para avaliar as potencialidades de colaboração entre as respectivas escolas, ou faculdades.

Nada impede que se criem pólos geográficos de interligação entre o ensino universitário e o ensino politécnico.

Pode ser possível criar mestrados comuns em que colaboram docentes das escolas politécnicas e das universidades. Mas esta colaboração deve ser feita por sectores, com um prazo longo de planeamento para a sua execução, e deve ser acompanhada por avaliações exigentes. Não deve haver precipitações para criar cursos de mestrado que não tenham objectivos profissionais bem definidos.

A diferenciação entre institutos politécnicos e universidades tem consequências na definição das competências do pessoal docente e das infra-estruturas. O ensino politécnico necessita de docentes bem integrados na prática das actividades profissionais, enquanto que o ensino universitário precisa de docentes/investigadores. Isto dita também a distribuição de tempo que uns e outros dedicam à docência e a outras actividades, bem como os requisitos de futuras avaliações de desempenho e regras de progressão.

6 - Abertura das instituições à sociedade e à economia

As instituições de ensino superior ainda se encontram pouco ligadas às necessidades da sociedade e não preparam os cidadãos para as exigências da sociedade moderna. Analisemos esta questão primeiro a nível do 1.º ciclo. O Processo de Bolonha veio criar oportunidades extraordinárias para o ensino superior se adaptar às exigências da sociedade, mas está a ser difícil mudar a cultura estabelecida.

É o 1.º ciclo que primeiro terá de responder à massificação cada vez maior do ensino superior, e não poderá este ciclo conter já especializações que só o serão virtualmente. Este ciclo de ensino superior tem objectivos diferentes nos institutos politécnicos e nas universidades. Nos institutos politécnicos, a definição da missão deste ciclo será mais objectiva e mais fácil de definir. Mas nas universidades e num ensino universitário massificado, um dos grandes objectivos do 1.º ciclo é preparar cidadãos para fazer face aos múltiplos desafios que vão encontrar na sociedade.

Mas o 1.º ciclo também tem de preparar os estudantes que vão dar continuidade aos seus estudos nos 2.º e 3.º ciclos, já mais especializados. Portanto, o 1.º ciclo deve ter currículos muito flexíveis, ao contrário do que parece estar a acontecer devido à limitação de tempo (três anos) e à predominância do pensamento tradicional dos nossos docentes. Nos próximos anos devemos produzir um grande número de cidadãos com uma cultura liberal, isto é, cidadãos que tiveram uma vivência universitária que lhes deu agilidade mental, conhecimento, sentido ético e de responsabilidade, autoconfiança, mas acima de tudo uma visão informada do mundo em que vão participar. Para muitos, o 1.º ciclo deve oferecer ferramentas de estudo e algum aprofundamento de uma área por opção do aluno. Deve ser promovida uma discussão ampla sobre os objectivos do 1.º ciclo, de modo a facilitar que estes estudantes possam, ao fim de três anos, encontrar acolhimento na dinâmica da sociedade e possam eles também ser motores de mudança.

Estamos atentos ao grande progresso que as instituições fizeram nos últimos anos no que respeita a divulgação científica e cultural, particularmente com a intervenção do Ciência Viva, que é uma associação principalmente de laboratórios associados que assumiu a responsabilidade de criar uma agência não governamental, embora dependente de fundos públicos, com a finalidade de criar uma ligação dos institutos universitários às escolas e à sociedade. Aqui tem havido grande progresso, com uma participação muito grande das unidades de investigação, que assim têm também dado grande visibilidade às instituições de ensino superior e à importância da investigação científica.

A problemática de inserir os cidadãos com doutoramento no desenvolvimento da economia do País é complexa, e não temos mecanismos para aferir as estratégias anunciadas. Só agora começamos a ter um número razoável de cidadãos com esta formação, que ainda não chega para satisfazer todas as necessidades das instituições de ensino superior, se se implementar a obrigatoriedade de todos os docentes e investigadores destas instituições possuírem o grau de doutor. Começamos agora a beneficiar das iniciativas destes doutores na criação de novas empresas especializadas, especialmente na área da informática e da biotecnologia, onde já há exemplos de sucesso.

Começamos também a ter competências para estabelecer novas parcerias com instituições de prestígio, como o MIT, Carnegie Mellon e outras instituições que permitirão aos nossos melhores cérebros ter acesso a tecnologias e estratégias empresariais de ponta. Esta universalização dos nossos jovens coloca-os em posição de conceber e participar futuramente na nova vida empresarial que terá de evoluir em Portugal no futuro próximo.

Sem podermos analisar as medidas que o Governo está a tomar neste âmbito, por não as conhecermos, reconhecemos que a modernização das nossas instituições passa por incrementar a sua internacionalização e por apostas arriscadas cujo aproveitamento não será total.

Algumas considerações sobre a evolução da integração dos doutorados na economia O problema dos doutoramentos é muito complexo em Portugal e, eventualmente, irá traduzir-se numa situação grave num futuro próximo. O sector público emprega actualmente cerca de 45% de todos os licenciados e cerca de 95% de todos os doutorados. Com o congelamento do sector público, o sector privado a curto/médio prazo não criará emprego qualificado em número que permita compensar a perda de emprego público. No entanto, se houver congelamento nos sectores estratégicos do ensino superior e da investigação, muitas das metas acima definidas não serão alcançáveis a médio prazo.

Estamos, de certo modo, numa fase de desenvolvimento em que as universidades produzem em avanço às necessidades do mercado. É interessante comparar com o que aconteceu nos países africanos, embora numa escala diferente, no período pós-independência. Na sequência da independência destes países, criou-se um clima de euforia em torno das universidades nacionais, consideradas como motor do futuro desenvolvimento económico.

Porém, passados os primeiros anos durante os quais os novos licenciados foram usados na modernização dos quadros do Estado, surgiu uma crise de emprego porque os quadros públicos estavam saturados e o sector privado não tinha um nível de desenvolvimento capaz de absorver licenciados. Ou seja, o Estado assumiu-se como o sector moderno da Nação, concentrando os recursos humanos mais qualificados, ao passo que o sector privado, menos moderno, continuava a apostar na mão-de-obra barata e pouco ou nada qualificada. Nas palavras de Neave e Van Vught:

"A relação entre o governo e o ensino superior, particularmente em África, reflecte de forma considerável a ausência de um sector moderno da economia ...

Não é possível ligar um sistema universitário ao 'mercado privado' quando as infra-estruturas para o desenvolvimento desse sector não estão criadas. Isto não quer dizer que a universidade não possa desempenhar o papel de instituição de 'serviço', para criar esse sector de mercado a longo prazo. Isso significa, porém, que a universidade desempenha essa função em antecipação à futura economia baseada no mercado.

[...] Mas, pela mesma razão que é um factor de modernização numa economia ainda largamente tradicional, o ensino superior revela algumas das suas maiores contradições ao actuar como um instrumento de política antecipadora. Quer se chame 'desajustamento' ou 'falta de sensibilidade às necessidades nacionais', os produtos da universidade não correspondem ao que se consideram as 'necessidades do mercado'. Está, porém, sintonizada com um sector 'moderno' da actividade nacional, ou seja, com o serviço governamental.

O grau de desemprego de graduados resultante é, ao mesmo tempo, o reflexo da forma como os que provêm de uma sociedade tradicional imaginam a modernidade e a falta de capacidade do sector moderno privado em os absorver. O ensino superior ultrapassou as necessidades do serviço do governo, enquanto que o sector privado não tem capacidade suficiente para absorver estes excedentes de graduados."

Salvaguardadas as devidas proporções, podemos dizer que é esta a situação que se vive em Portugal em relação à pós-graduação. As universidades estão a produzir doutorados claramente em avanço às necessidades de um sector privado pouco moderno, tradicionalmente apostado em sectores de mão-de-obra intensiva e baixa qualificação, o que força o Estado ou a empregar directamente esses doutorados, ou a subsidiar a sua permanência no sector privado, na expectativa que isso possa acelerar a mudança deste sector. E, mesmo ao nível da licenciatura, é possível ver que a grande concentração de mão-de-obra qualificada se dá no sector público, não no sector privado. Assim, iremos ter um período difícil, em particular fora da região de Lisboa (aqui a concentração de organismos e serviços do Estado dará provavelmente alguma protecção), onde o emprego qualificado começa a ser uma raridade.

6 de Junho de 2007. - O Presidente, Júlio Pedrosa.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2007/07/11/plain-215566.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/215566.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2003-01-06 - Decreto-Lei 1/2003 - Ministério da Saúde

    Reorganiza as estruturas de coordenação do combate à droga e à toxicodependência.

  • Tem documento Em vigor 2006-10-27 - Decreto-Lei 214/2006 - Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

    Aprova a Lei Orgânica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

Aviso

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