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Acórdão 49/2003/T, de 16 de Abril

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Texto do documento

Acórdão 49/2003/T. Const. - Processo 81/2002. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Helena Maria da Câmara Chaves de Sanches Osório vem recorrer para o Tribunal Constitucional da decisão do vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Dezembro de 2001 (a fls. 109-110), que, confirmando o despacho proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não admitiu recurso do acórdão condenatório proferido por este último Tribunal, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, uma vez que "está em causa um acórdão da Relação em processo por crime a que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a 5 anos, não sendo assim admissível recurso para este Supremo Tribunal".

O recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, visa a apreciação da alegada inconstitucionalidade da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal em vigor, por violação do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, questão oportunamente colocada na motivação do recurso que a arguida interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça e que este Tribunal julgou improcedente.

Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as correspondentes alegações.

2 - Assenta o presente processo na circunstância de a arguida ter sido condenada na pena de multa de 120 dias e em prisão subsidiária, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, pela prática, como cúmplice, do crime de difamação por meio de imprensa, na sequência de recurso interposto pela assistente (CAP - Confederação dos Agricultores de Portugal) da decisão absolutória proferida pelo tribunal singular no 1.º Juízo Criminal de Lisboa.

Por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, não é admissível recurso de "acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a 5 anos [...]".

A recorrente sintetiza deste modo os fundamentos do recurso interposto nas conclusões das alegações apresentadas:

"A) A recorrente, no uso do seu direito de defesa, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório, que não confirmou a decisão proferida em 1.ª instância;

B) Tal recurso não foi admitido, por aplicação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP;

C) Ora, se é certo que nos acórdãos proferidos pela Relação que confirmem a decisão proferida em 1.ª instância, está cumprido integralmente o direito de defesa, incluindo o recurso, por ter sido submetida a apreciação de uma jurisdição superior a decisão desfavorável ao arguido, existindo, assim, um duplo grau de jurisdição;

D) No caso dos autos, porque a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa não confirmou a decisão proferida em 1.ª instância, não sendo permitido à recorrente interpor recurso dessa decisão, é-lhe vedado o exercício do seu direito de defesa mediante recurso, não existindo, neste caso, duplo grau de jurisdição, em clara violação do disposto no n.º 1 do artigo 32.º da CRP; e

E) Violando também a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu artigo 11.º, e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela Lei 29/78, de 12 de Junho, no seu n.º 5 do artigo 14.º, uma vez que ambos consagram o duplo grau de jurisdição;

F) Nesta conformidade, quando se trate de acórdãos condenatórios que não confirmem a decisão proferida em 1.ª instância, o cabal exercício do direito de defesa implica, necessariamente, o direito ao recurso de tal decisão, sendo inconstitucional qualquer limitação em nome da grandeza ou inferioridade do ilícito alegadamente cometido. Só assim se cumprirá o duplo grau de jurisdição, conforme reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional - Acórdãos n.os 54/98 e 168/2001.

[...]."

Perspectiva diferente assume o Ministério Público, que, em síntese, veio defender o seguinte (nas conclusões das contra-alegações):

"1.º A norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, ao restringir a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos processos que tenham por objecto crimes puníveis com sanções de gravidade considerada menor - garantindo, todavia, o duplo grau de jurisdição, a exercer pela Relação, em via de recurso, sobre a matéria do processo - não viola o direito ao recurso, ínsito no princípio das garantias de defesa, nem afronta o princípio constitucional da igualdade.

2.º Na verdade, o princípio do duplo grau de jurisdição é assegurado através da possibilidade de as partes ou sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão, proferida sobre a matéria do processo.

3.º Podendo naturalmente o arguido, inicialmente absolvido, intervir como recorrido no recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, contraditando a argumentação do recorrente na sua contra-motivação e, deste modo, influenciando naturalmente a decisão final que venha a ser proferida pela Relação sobre o objecto do processo."

Por seu turno, a recorrida veio propugnar pela improcedência do recurso, negando a verificação da inconstitucionalidade da norma impugnada.

3 - Constitui objecto do presente recurso a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei 59/98, de Agosto, e que dispõe:

"Artigo 400.º

Decisões que não admitem recurso

1 - Não é admissível recurso:

...

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3.

..."

Note-se que, como observa, aliás, o Ministério Público nas suas alegações, a recorrente não questiona a constitucionalidade de qualquer outra norma; nomeadamente, e em particular, não impugna nenhuma norma ao abrigo da qual o Tribunal da Relação de Lisboa, como afirma no n.º 6 das suas alegações, tenha "vedado à recorrente a reanálise da matéria de facto dada como provada, conforme esta tinha requerido na sua resposta à motivação da assistente".

A questão de constitucionalidade suscitada reside, assim, em saber se o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição impõe o direito a recorrer de decisões condenatórias proferidas pelo tribunal da relação em recurso de decisões absolutórias, relativamente a crimes de pequena gravidade (puníveis com pena de multa ou com prisão até 5 anos). Apenas se considera, portanto, a norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal quando aplicada a recursos interpostos de acórdãos condenatórios da Relação proferidos em recursos interpostos de decisões absolutórias da 1.ª instância, pois que é a esta dimensão que as alegações apresentadas neste Tribunal pela recorrente restringem o objecto do recurso de constitucionalidade.

4 - A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.

Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos.

Desde logo, a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com efeito, mesmo que se observem todas as regras legais e prudenciais, a hipótese de um erro de julgamento - tanto em matéria de facto como em matéria de direito - é dificilmente eliminável. E o reexame do caso por um novo tribunal vem sem dúvida proporcionar a detecção de tais erros através de um novo olhar sobre o processo.

Mais do que isso, o direito ao recurso permite que seja um tribunal superior a proceder à apreciação da decisão proferida, o que, naturalmente, tem a virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão obtida nesta nova sede.

Por último, está ainda em causa a faculdade de expor perante um tribunal superior os motivos - de facto ou de direito - que sustentam a posição jurídico-processual da defesa. Neste plano, a tónica é posta na possibilidade de o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma que a nova decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa.

Resulta do exposto que os fundamentos do direito ao recurso entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição. A ligação entre o direito ao recurso e o duplo grau de jurisdição é, pois, evidente, sendo reconhecida pela recorrente nas alegações apresentadas neste Tribunal (cf. a conclusão D).

5 - A norma impugnada pela recorrente - contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal - exclui, nos casos nela previstos, a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos em recurso pela relação.

Importa ter presente, todavia, que tais acórdãos resultam justamente da reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da relação), perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. Por outras palavras, o acórdão da relação, proferido em 2.ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso.

Dir-se-á - como faz a recorrente - que, tendo havido uma decisão absolutória na 1.ª instância, o direito ao recurso implicaria a possibilidade de recorrer da primeira decisão condenatória: precisamente o acórdão da relação.

Tal entendimento não só encara o direito ao recurso desligado dos seus fundamentos substanciais (como resulta do que já se disse) mas levaria também, em bom rigor, a resultados inaceitáveis, como se passa a demonstrar.

Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição, sendo antes perspectivado como uma faculdade de recorrer - sempre e em qualquer caso - da primeira decisão condenatória, ainda que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão condenatório do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1.ª instância. O que ninguém aceitará.

A verdade é que, estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias.

Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada. Esta segunda justificação, aliás, explica a diferença entre as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal; com efeito, se ao crime em causa for aplicável pena de prisão "não superior a oito anos" [alínea f)] - não sendo hipótese abrangida pela alínea e), naturalmente -, só não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório proferido pela relação se este confirmar "decisão de 1.ª instância".

Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela norma que constitui o objecto do presente recurso, já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.

6 - A concluir, refira-se o artigo 2.º do Protocolo 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 22/90, de 27 de Setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/90, da mesma data), cujo texto é o seguinte:

Artigo 2.º

"1 - Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido são regulados por lei.

2 - Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em 1.ª instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição."

Como se vê, a parte final do n.º 2 ressalva, precisamente, a hipótese que está em apreciação no presente recurso.

7 - Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.

29 de Janeiro de 2003. - Maria dos Prazeres Beleza - Alberto Tavares da Costa - Bravo Serra - Gil Galvão - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2111391.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1978-06-12 - Lei 29/78 - Assembleia da República

    Aprova, para ratificação, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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