Acórdão 507/2002/T. Const. - Processo 389/2002. - 1 - Ulisses Manuel da Silva Gomes Vieira e outra deduziram, ao abrigo do disposto nos artigos 285.º e seguintes do Código de Processo Tributário, oposição à execução fiscal contra eles instaurada para cobrança da importância de 12 864 556$, correspondente a dívida do IRS do ano 1992 (fls. 3 e seguintes).
Aí sustentaram, em conclusão, que a execução deveria considerar-se improcedente "[e]m relação ao executado por ser parte ilegítima, na medida em que a dívida tributária lhe é estranha, não foi autorizada por ele, não foi contraída em benefício do casal, e decorre apenas de uma declaração inexacta feita pela executada, que não corresponde a rendimentos recebidos pelo casal, pelo que a dívida, a existir, o que não se concede, só pode responsabilizar a executada, tudo ao abrigo do disposto no artigo 286.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário conjugado com o disposto no artigo 1692.º, alínea a), do Código Civil", bem como que "deverá a execução ser suspensa, aguardando o resultado do processo de impugnação, atempadamente intentado ao abrigo do disposto nos artigos 294.º e 255.º, n.os 5 e 1, do Código de Processo Tributário".
A fls. 51 e seguintes, os opoentes requereram, de entre o mais, e ao abrigo do disposto nos artigos 286.º, n.º 1, alínea h), e 293.º, n.º 2, do Código de Processo Tributário, a junção aos autos de documento comprovativo do não recebimento da quantia exequenda.
O representante da Fazenda Pública veio, nas alegações a fls. 63 e seguinte, referir que a oposição não poderia proceder com base no fundamento alegado e, bem assim, que, atenta a pendência da impugnação judicial do acto de liquidação da quantia exigida no processo de execução e o seu carácter prejudicial relativamente à oposição, se poderia mostrar conveniente que esta aguardasse a decisão a proferir no processo de impugnação.
Os opoentes, por seu lado, na alegação a fls. 67 e seguintes, concluíram do seguinte modo:
"1) Foi feita cabalmente a demonstração, inclusive por documentos juntos aos autos, de que os executados não receberam a quantia a que respeita o imposto pedido nesta execução, que foi recebida por outras pessoas que se encontram claramente identificadas nesta oposição e que confessaram, por escrito, o seu recebimento;
2) Do exposto decorre a total ilegitimidade dos executados na presente execução, na medida em que nunca receberam o rendimento a que se refere o imposto, tendo feito a demonstração cabal de quem o recebeu, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 268.º, n.º 1, alíneas b) e h), do Código de Processo Tributário, deverá ser reconhecida a ilegitimidade dos executados e arquivado o presente processo, a isso determinado também o princípio da verdade material estabelecida neste Tribunal;
3) Além disso, é patente, a fls. 34 e 35, que configuram o título executivo, que este carece de indicação precisa da proveniência da dívida do imposto, como o exige o disposto no artigo 249.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Tributário, o que determina a nulidade insanável do título e da presente acção."
O Ministério Público, finalmente, sustentou que a oposição deveria ser julgada improcedente e que a instância deveria ser suspensa até à resolução da acção de impugnação judicial que estava pendente (fls. 72 e 72 v.º).
2 - Por sentença proferida em 3 de Maio de 2001 (fls. 74 e seguintes), o juiz do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa julgou a oposição improcedente e indeferiu a requerida suspensão da instância. Pode ler-se no texto da sentença:
"A problemática de saber se a opoente recebeu efectivamente a quantia que foi considerada omitida na sua declaração de rendimentos e que provocou a liquidação adicional que foi dada à execução não constitui fundamento de oposição, pois que se trata de apreciar da legalidade da liquidação, constituindo, na procedência do invocado, inexistência de facto tributário.
Ora, como é sabido, a matéria da legalidade da liquidação está excluída do processo de oposição, salvo se não for assegurado meio de recurso ou impugnação (artigo 286.º do Código de Processo Tributário); sendo que, no caso, não só o meio existe como foi efectivamente utilizado através da dedução da competente impugnação.
Por outro lado, aquilo a que os oponentes apodam de ilegitimidade tem também a ver com a legalidade da liquidação, especificamente com a determinação do que se reporta às concretas situações referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 286.º do Código de Processo Tributário (em que, manifestamente, se não integra o alegado).
[...]
Por outro lado, ainda, a impugnação judicial só suspende a execução nos termos previstos no artigo 255.º do Código de Processo Tributário. E, não se verificando esse condicionalismo, não há lugar à suspensão da execução.
Resta, por último, apreciar da eventualidade de suspensão da instância até à resolução da impugnação.
Tal situação só se justificaria se entre a oposição e a impugnação ocorresse uma relação de prejudicialidade.
Essa relação consiste no facto de numa acção se discutir um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção; situação que não ocorre no caso.
Com efeito, na impugnação discute-se a legalidade da liquidação, que não é apreciável na oposição e, consequentemente, não é um pressuposto necessário desta. No caso de a impugnação ser procedente, isso não implica a necessidade de qualquer apreciação na oposição para a extinção da dívida ou da execução; antes esse é um efeito directo da procedência da impugnação.
Não há, assim, qualquer razão para a suspensão da instância."
3 - Inconformados, Ulisses Manuel da Silva Gomes Vieira e outra recorreram da referida sentença para o Tribunal Central Administrativo (fl. 79), tendo assim concluído a alegação respectiva (fls. 80 e seguintes):
"[...]
3 - Ainda que não se considerasse a nulidade da sentença, o que só por dever de patrocínio se admite, deveria a sentença ser revogada por se encontrar eivada de ilegalidades várias:
3.1 - Não ter considerado os opoentes como parte ilegítima na execução, quando deveria considerá-lo por ter ficado provado que quem recebeu o rendimento a que respeita o imposto não foram os opoentes mas outra pessoa claramente identificada nos autos, e que confessou tê-los recebido, assim violando a norma jurídica constante do artigo 286.º, n.º 1, alíneas b) e h), do Código de Processo Tributário;
3.2 - Com a interpretação restritiva e meramente literal que o Tribunal fez do artigo 286.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário, aplicou esta norma de modo materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, constante do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
[...]
4 - Por último, indeferiu o pedido alternativo de suspensão da execução até à decisão do processo de impugnação judicial, onde está a ser apreciada a situação que, no entender do M.mº Juiz, não podia ser apreciada neste processo. Ao agir deste modo, a sentença violou o disposto nos artigos 97.º e 279.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, realizando-se um acto propiciador de contradição entre julgados."
Não houve contra-alegações.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo emitiu o parecer a fls. 94 e seguintes, no qual sustentou que o recurso não merecia provimento, designadamente pelos seguintes fundamentos:
"3 - Ilegitimidade substantiva (conclusão n.º 3.1) - a sentença pronunciou-se com acerto no sentido de que, sob invocação da sua ilegitimidade substantiva, os recorrentes pretenderam discutir na oposição à execução a concreta legalidade da dívida exequenda, em sobreposição à impugnação judicial oportunamente deduzida e com violação de imperativo legal (artigo 236.º do Código de Processo Tributário).
4 - Inconstitucionalidade (conclusão n.º 3.2) - a sentença não incorreu em interpretação restritiva e meramente literal do artigo 286.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário, com violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa), porquanto:
a) Não se pronunciou sobre a legalidade da liquidação do IRS, na medida em que a pronúncia excedia o poder cognitivo do Tribunal em sede de oposição à execução;
b) Não recusou qualquer equiparação entre a ilegitimidade substantiva da pessoa citada que não figura como devedora no título executivo e da pessoa citada que, embora figurando como devedora no título, não auferiu o rendimento sujeito a tributação, donde emergiu a dívida exequenda;
c) A pretendida identidade de tratamento violaria a natureza do título executivo, equiparado a decisão com trânsito em julgado (artigo 235.º do Código de Processo Tributário).
[...]
6 - Suspensão da execução (conclusão n.º 4) - é espúria a invocação dos artigos 97.º e 279.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na medida em que os pressupostos da suspensão da execução fiscal estão expressamente previstos no Código de Processo Tributário, não se tendo verificado no caso sub judice (artigo 255.º, n.os 1 e 5, do Código de Processo Tributário).
Não tem fundamento o receio de contradição de julgados manifestado pelos recorrentes, na medida em que uma eventual procedência da impugnação judicial (com anulação da liquidação do imposto) terá como consequência necessária a extinção da execução, por anulação da dívida exequenda, da competência da Constituição da República Portuguesa [artigo 176.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário]."
4 - Por acórdão de 5 de Fevereiro de 2002 (fls. 98 e seguintes), o Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso, podendo ler-se no respectivo texto, para o que aqui releva, o seguinte:
"II - A ilegitimidade (conclusão n.º 3.1) - alegam os recorrentes que a sentença não considerou os opoentes como parte ilegítima na execução, quando deveria considerá-lo por ter ficado provado que quem recebeu o rendimento a que respeita o imposto não foram os opoentes mas outra pessoa, claramente identificada nos autos, e que confessou tê-los recebido, assim violando a norma jurídica constante do artigo 286.º, n.º 1, alíneas b) e h), do Código de Processo Tributário.
Analisando atentamente a sentença, vê-se que ela se pronunciou com acerto no sentido de que, sob invocação da sua ilegitimidade substantiva, os recorrentes pretenderam discutir na oposição à execução a concreta legalidade da dívida exequenda, em sobreposição à impugnação judicial oportunamente deduzida e com violação de imperativo legal (artigo 236.º do Código de Processo Tributário).
É que, sobre a questão de saber se a oponente recebeu efectivamente a quantia que foi considerada omitida na sua declaração de rendimentos e que provocou a liquidação adicional que foi dada à execução, dúvidas não podem subsistir de que essa factualidade não constitui fundamento de oposição, pois que se trata de apreciar a legalidade da liquidação, constituindo, na procedência do invocado, inexistência de facto tributário.
E, como também acertadamente refere o M.mº Juiz, a matéria da legalidade da liquidação está excluída do processo de oposição, salvo se não for assegurado meio de recurso ou impugnação (artigo 286.º do Código de Processo Tributário); sendo que, no caso, não só o meio existe como foi efectivamente utilizado através da dedução da competente impugnação. Por outro lado, aquilo que os opoentes apodam de ilegitimidade tem também a ver com a legalidade da liquidação, especificamente com a determinação do sujeito passivo, e a ilegitimidade relevante como fundamento para oposição é apenas a que se reporta às concretas situações referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 286.º do Código de Processo Tributário (em que, manifestamente, se não integra o alegado).
Termos em que improcede a conclusão sob análise.
III - A inconstitucionalidade (conclusão n.º 3.2) - sustentam os recorrentes que, com a interpretação restritiva e meramente literal que o Tribunal fez do artigo 286.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário, aplicou esta norma de modo materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, constante do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Todavia, é lapidar a este propósito o expendido pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCA, de que resulta que a sentença não incorreu em interpretação restritiva e meramente literal do artigo 286.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário, com violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa), porquanto:
a) Não se pronunciou sobre a legalidade da liquidação do IRS, na medida em que a pronúncia excedia o poder cognitivo do Tribunal em sede de oposição à execução;
b) Não recusou qualquer equiparação entre a ilegitimidade substantiva da pessoa citada que não figura como devedora no título executivo e da pessoa citada que, embora figurando como devedora no título, não auferiu o rendimento sujeito a tributação, donde emergiu a dívida exequenda;
c) A pretendida identidade de tratamento violaria a natureza do julgado título executivo, equiparado a decisão com trânsito em julgado (artigo 235.º do Código de Processo Tributário). Não colhe, pois, a conclusão em apreço.
[...]
V - A suspensão da execução (conclusão n.º 4) - os recorrentes insurgem-se também contra a sentença por esta ter indeferido o pedido alternativo de suspensão da execução até à decisão do processo de impugnação judicial onde está a ser apreciada a situação, que, no entender do M.mº Juiz, não podia ser apreciada neste processo. Ao agir deste modo, entendem os recorrentes que a sentença violou o disposto nos artigos 97.º e 279.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, realizando-se um acto propiciador de contradição entre julgados.
Quanto a esta questão, fundamentou o Sr. Juiz a quo que a impugnação judicial só suspende a execução nos termos previstos no artigo 255.º do Código de Processo Tributário e, como não se verifica esse condicionalismo, não há lugar à suspensão da execução.
Também considerou que não se justifica a suspensão da instância até à resolução da impugnação, pois tal só poderia acontecer se entre a oposição e a impugnação ocorresse uma relação de prejudicialidade, a qual consiste no facto de numa acção se discutir um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção.
O M.mº Juiz afirma, e com razão, que essa situação não se verifica no caso concreto, já que na impugnação se discute a legalidade da liquidação, que não é apreciável na oposição e, consequentemente, não é um pressuposto necessário desta, e, no caso de a impugnação ser procedente, isso não implica a necessidade de qualquer apreciação na oposição para a extinção da dívida ou da execução; antes, esse é um efeito directo da procedência da impugnação.
Não há, assim, e como o declara o M.mº Juiz recorrido, qualquer razão para a suspensão da instância.
Ademais, o pedido de suspensão não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, não é um pedido próprio desta forma de processo, que constitui meio de defesa do executado visando a extinção da execução contra a sua pessoa, sendo no processo de execução que o executado, querendo obter a sua suspensão, deve formular esse pedido à entidade competente: o chefe da repartição de finanças [artigo 43.º, alínea g) do Código de Processo Tributário], que apreciará se se verificam os pressupostos do artigo 255.º do Código de Processo Tributário, cabendo da sua decisão recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, nos termos do citado artigo 355.º do mesmo Código.
Termos em que improcedem in totum as conclusões de recurso."
5 - De novo inconformados, Ulisses Manuel da Silva Gomes Vieira e outra recorreram do mencionado acórdão do Tribunal Central Administrativo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, "em virtude de naquele acórdão se ter interpretado e aplicado o artigo 286.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário (Decreto-Lei 154/91, de 23 de Abril, com as sucessivas alterações de que foi objecto), com violação do princípio da igualdade entre os cidadãos e contribuintes, constante do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, e, portanto, interpretando e aplicando a referida norma de modo materialmente inconstitucional" (fls. 110 e seguintes).
O recurso foi admitido por despacho a fl. 115.
Os recorrentes produziram as alegações a fls. 119 e seguintes e, não apresentando, embora, formalmente conclusões, sustentaram, em síntese, que:
"A interpretação restritiva do artigo 286.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário, que considera que nele não cabem todas as hipóteses em que se demonstre, fundadamente, que quem consta do título executivo não foi, na realidade, quem recebeu os bens ou rendimentos de que deriva o imposto, cria uma situação de injustificada discriminação entre os vários tipos de rendimentos e de cidadãos contribuintes, violando o artigo 13.º da Constituição da República, pelo que faz uma interpretação inconstitucional da referida norma (fl. 128);
A interpretação restritiva daquele preceito, como foi feito e aplicado no caso sub judice, discrimina os contribuintes consoante a origem dos rendimentos, beneficiando apenas e sem causa aqueles cujo ren dimento provém de imóveis, sem nenhum fundamento aceitável, pelo que se configura como uma interpretação do preceito contrária à Constituição da República, no seu artigo 13.º, portanto inconstitucional e inaplicável (fls. 129 e 130);
O artigo 286.º do Código de Processo Tributário demonstra claramente que a apreciação da ilegitimidade da executada, nos casos em que a realidade se apresenta em desconformidade com o que consta do título executivo, é um vício cuja apreciação cabe no processo de oposição à execução, independentemente de existir ou não um processo distinto de impugnação de liquidação do imposto (fl. 130)."
Terminaram pedindo que o Tribunal Constitucional apreciasse e julgasse materialmente inconstitucional a referida interpretação restritiva da norma do artigo 286.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário, por violação do princípio da igualdade dos cidadãos contribuintes perante a lei, constante do artigo 13.º da Constituição.
Nas suas contra-alegações (fls. 134 e seguinte), a representante da Fazenda Pública sustentou, em síntese, que:
"Os recorrentes, ao insurgirem-se contra o não conhecimento da oposição à execução por o Tribunal ter decidido que a questão era a de legalidade da execução, a qual não constitui fundamento de oposição, pretendem o acesso a uma determinada via processual, cujos fundamentos são taxativos, pelo que o não enquadramento dos fundamentos da petição de oposição num desses fundamentos legais não permite qualquer termo de comparação para aferir do alegado tratamento desigual.
São os próprios recorrentes que, ao mesmo tempo que alegam que lhe foi vedado o acesso aos tribunais ou à justiça, vêm dizer que "apresentaram neste caso também um processo de impugnação".
Os recorrentes não foram, pela via da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 286.º do Código de Processo Tributário, alvo de qualquer discriminação susceptível de pôr em causa o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa."
Terminou pedindo que fosse mantido o acórdão recorrido.
Cumpre apreciar.
II - 6 - Dispõe o artigo 286.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário (aprovado pelo Decreto-Lei 154/91, de 23 de Abril, e, entretanto, já revogado pelo Decreto-Lei 433/99, de 26 de Outubro, nos termos do artigo 2.º deste diploma):
"Artigo 286.º
Fundamentos da oposição à execução
1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
...
b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida."
O actual Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo já referido Decreto-Lei 433/99, de 26 de Outubro, contém um preceito praticamente com o mesmo teor literal, o artigo 204.º, n.º 1, alínea b).
Entendeu o tribunal recorrido (supra, n.º 4) que a referência, constante do mencionado preceito, a não ser o executado o possuidor dos bens que originaram a dívida exequenda, não abrange uma qualquer situação em que for outra a pessoa que "recebeu efectivamente a quantia que foi considerada omitida na sua declaração de rendimentos e que provocou a liquidação adicional que foi dada à execução". Dito de outro modo, a legitimidade do executado não será excluída, em geral, pela circunstância de não ter efectivamente recebido certa quantia, dado que tal constituirá matéria atinente à legalidade da liquidação, a discutir em sede diversa: no processo de impugnação judicial da liquidação, e não no processo de oposição à execução.
Consideram os recorrentes que se está perante uma interpretação restritiva do preceito, que é inconstitucional.
7 - Será assim?
A resposta afirmativa dos recorrentes assenta em que, se a dívida fiscal respeitasse a rendimento proveniente de imóvel, o executado poderia fundar a oposição que eventualmente deduzisse à execução na circunstância de não ter possuído o imóvel durante o período a que a dívida dissesse respeito (supra, n.º 5). Haveria, como tal, um tratamento privilegiado dos contribuintes cujo rendimento proviesse de imóveis, ofensivo do princípio da igualdade dos cidadãos contribuintes perante a lei.
Não obstante a decisão recorrida não aludir expressamente à situação dos contribuintes cujo rendimento provém de imóveis, adianta-se desde já que a interpretação perfilhada na decisão recorrida [concedendo que ela segue a orientação que, a propósito do artigo 286.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário de 1991, tem sido seguida pela corrente jurisprudencial que os recorrentes denominam maioritária, cf. fl. 125 das alegações respectivas] em nada viola o princípio da igualdade dos cidadãos contribuintes perante a lei.
Os recorrentes não explicitam de modo muito claro em que medida a interpretação do tribunal recorrido acarretaria um prejuízo para os contribuintes cujo rendimento não provém de imóveis e um benefício para os contribuintes cujo rendimento deles provém. Pode todavia depreender-se das alegações apresentadas que tal prejuízo resultaria de aos primeiros estar cerceada a via da oposição à execução para se defenderem de uma ilegalidade da liquidação tributária (dispondo para tanto apenas do processo de impugnação judicial), via esta que já estará aberta aos segundos.
A verdade, porém, é que existe uma razão para o tratamento diferenciado contra o qual os recorrentes se insurgem, que sempre justificaria o alegado prejuízo e o alegado benefício.
A propósito do fundamento de oposição à execução previsto no preceito em análise, assinalam Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão (Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 1997, pp. 594 e 595):
"Outro tipo de ilegitimidade é o decorrente do facto de a pessoa citada, embora figurando no título como executada, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram.
Este fundamento de oposição só pode verificar-se em relação aos tributos incidentes sobre o rendimento ou fruição dos respectivos bens e, portanto, nas execuções por dívidas de contribuição autárquica e de impostos rodoviários, com excepção do imposto de circulação.
[...]
A situação de facto integradora da ilegitimidade nestes casos é a falta de posse dos bens no período a que respeita a dívida exequenda.
A oposição com tal fundamento sobrevirá porque no acto da citação pessoal o funcionário dela encarregado não cumpriu ou não teve elementos que lhe permitissem cumprir o disposto no artigo 244.º"
Existe uma razão para que, em certas execuções, o executado possa invocar como fundamento da oposição à execução a circunstância de não ter sido o possuidor dos bens no período a que respeita a dívida exequenda: a natureza da conexão entre a incidência objectiva e a incidência subjectiva do imposto torna compreensível o sistema estabelecido na lei.
Com feito, é explicável que, estando em causa uma dívida tributária relativa a imóveis ou a certo tipo de outros bens corpóreos (relativa ao respectivo uso e fruição) - e o facto de o imposto se reportar a um certo e determinado desses bens -, possa invocar-se ainda na oposição à execução fiscal um fundamento que, respeitando afinal apenas à "ilegalidade em concreto" da liquidação, em princípio, e na lógica da nossa lei processual tributária, só poderia ser invocado na impugnação judicial. E isto tanto mais quanto, em tais impostos, a liquidação se opere independentemente da declaração do contribuinte.
Como consequência deste sistema, aliás, a lei permite a "reversão contra possuidores", regulada no artigo 244.º do Código em análise. Este preceito prevê a "correcção, por via executiva, do acto tributário, quanto ao respectivo sujeito passivo, operando-se oficiosamente uma modificação subjectiva da instância", sendo que tal correcção pode justamente advir "da procedência da oposição à execução deduzida pelo originário executado" (cf. os autores e ob. cit., p. 505).
Também Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Lisboa, VISLIS, 2000, pp. 852 e 853), em anotação ao artigo 204.º, n.º 1, alínea b), do actual Código de Procedimento e de Processo Tributário (correspondente ao preceito que constitui o objecto do presente recurso), observa:
"A segunda situação referida na alínea b) do n.º 1 deste artigo 204.º é a de o executado figurar no título mas não ter sido o possuidor dos bens que originaram a dívida no período a que respeita a dívida.
Esta situação de ilegitimidade está conexionada com as situações de reversão da execução contra possuidores, fruidores e proprietários, previstas no artigo 158.º deste Código, podendo esta reversão ser uma consequência do julgamento que se fizer sobre a ilegitimidade referida nesta alínea b).
[...]
Trata-se de situações em que há um prévio acto de liquidação do tributo, que deverá ter sido notificado aos interessados, que não o impugnaram, pelo que, em princípio, não haveria a possibilidade de discutir no processo de oposição a questão de saber se a pessoa a quem foi imputada a responsabilidade pelo pagamento da dívida é ou não responsável.
Porém, excepcionalmente, neste tipo de situações admite-se que a pessoa a quem é imputada a dívida possa no processo de execução fiscal demonstrar que não se verifica em relação a ela, quanto ao período a que se refere o tributo, o pressuposto da incidência (posse, fruição ou propriedade).
A razão de ser de tal excepção residirá na constatação de que o acto de liquidação está viciado por erro sobre os pressupostos de facto, imputável à administração tributária, que impõe a revisão do acto tributário [...]"
Não existe, por conseguinte, qualquer diferenciação arbitrária subjacente à interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido, pelo que o alegado prejuízo dos contribuintes cujo rendimento não provém de imóveis e concomitantemente o alegado benefício dos contribuintes cujo rendimento deles provém sempre teria uma justificação plausível.
Como tal, improcede a inconstitucionalidade invocada.
III - 8 - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 286.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei 154/91, de 23 de Abril, na interpretação apontada pelos recorrentes, por entender que não existe qualquer violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que se refere à questão de constitucionalidade.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2002. - Maria Helena Brito (relatora) - Luís Nunes da Almeida - Artur Maurício - José Manuel Cardoso da Costa.