A criação, de facto, do Parque Natural da Madeira, instituído pelo Decreto 13/75, de 15 de Janeiro, que virá a englobar certamente uma vasta superfície montanhosa da ilha (talvez superior a 20000 ha), é imperiosa e urgente, porque se tem, por um lado, de defender a todo o transe áreas já definidas e conhecidas de inestimável valor científico (e económico também), como reservas naturais integrais e reservas geológicas, e, por outro lado, de estabelecer convenientemente as zonas de sossego, de recreio de montanha, de caça e de paisagem protegida.
O Parque Natural da Madeira terá de ser, como todos os parques naturais do mundo civilizado, um lugar privilegiado de ordenamento do território e será, num futuro próximo, o valor primeiro a que se terá de submeter toda a actividade sócio-económica que, dentro dos seus limites geográficos, se pretenda prosseguir. A protecção da natureza, o equilíbrio ecológico e a salvaguarda de altos valores científicos, a defesa da paisagem e do habitat rural, a luta contra a erosão, a promoção do recreio, desporto e turismo na montanha, têm tal importância para a vida da região, que nada se poderá fazer que os afecte nos seus fins específicos ou os prejudique na sua harmonia global.
A entrega dos terrenos baldios, que estavam submetidos ao regime florestal, às comunidades, correspondendo a um anseio antigo e legítimo dos povos, sendo uma medida de grande alcance, tem de ser feita com toda a ponderação a fim de não prejudicar a instituição do Parque Natural da Madeira.
Na realidade, há no Parque valores que se sobrepõem, em muitos casos, aos interesses imediatos dos utentes dos baldios ou do povo em geral: são os que se referem à Região, no seu todo, ou ao mundo culto, em geral.
No primeiro caso, como valores principais da região, temos a conservação dos solos e defesa contra a erosão, tendo em vista a salvaguarda de vidas e do património fundiário; a infiltração das águas das chuvas para munutenção de caudais que abastecem as nascentes; a preservação da paisagem natural e humanizada, com indiscutível interesse cultural e turístico; a manutenção e o incremento, racionalmente possível, das florestas de exploração e a conservação das matas naturais - o que constitui a defesa intransigente dos poucos recursos naturais desta região pequena e pobre.
No segundo caso, como valores insuperáveis, que respeitam ao mundo civilizado, e daí como deveres inalienáveis da Madeira, há a obrigação de proteger, a todo o transe, o que resta - e que ainda é muito, felizmente - da floresta típica da Macaronésia (a Laurisilva) e salvaguardar os principais monumentos geológicos que retratam o nascimento e a evolução da ilha.
Os baldios na Madeira, englobando vastas áreas merecedoras de extraordinária protecção, são pois sui generis e têm de se conjugar todos os interesses em jogo, dando, obviamente, a primeira preferência aos que se ligam à vida da região e, em segundo lugar, a utentes e compartes.
O regime silvo-pastoril também não pode deixar de considerar os aspectos referidos.
E na medida certa, para que se não entre na liberdade plena de apascentação como o pretendem os chamados «pastores», proprietários de gado nas serras, nem na restrição absoluta de criação de gado nas serras, com o notório prejuízo de alguns compartes ou utentes dos baldios de reduzida capacidade económica.
Em consequência desta multiplicidade de interesses, aparentemente contraditórios, torna-se imperiosa a intervenção do Governo Regional na definição e regulamentação do regime silvo-pastoril de maneira a assegurar resultados estáveis e equitativos.
A acção do Governo Regional tornar-se-á, porém, improfícua se não se verificar, paralelamente, uma participação esclarecida dos diversos interessados, mas tendo sempre em conta que a melhor solução para estes problemas terá de privilegiar os interessados que se ligam à vida da região e só depois os interesses dos utentes ou compartes dos baldios. Antes de mais, convirá assegurar a colaboração dos pastores, cuja actividade, se não for convenientemente orientada, com facilidade poderá assumir carácter nefasto.
O presente diploma, além de possibilitar ao Governo Regional o contrôle da apascentação nas serras da Madeira, prevê a constituição de comissões de pastores e tem em consideração as associações de agricultores, através das quais os mesmos possam manifestar as suas opiniões, defender os seus interesses e colaborar com os serviços oficiais. Também se prevê a criação de estruturas em cujo âmbito os pontos de vista de todos os sectores relacionados com os recursos silvo-pastoris se possam confrontar e harmonizar.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 22.º do Decreto-Lei 318-D/76, de 30 de Abril, a Assembleia Regional da Região Autónoma da Madeira aprova, para valer como lei, o seguinte:
Das comissões de pastores
Artigo 1.º - 1 - É dever dos pastores ou proprietários do gado, nas serras, criarem as suas próprias comissões, através das quais deverão expressar as suas atribuições e defender os seus interesses.2 - As comissões previstas no número anterior terão dois escalões: regional e concelhio, e a sua constituição e competência serão definidas em estatuto próprio.
3 - Os pastores far-se-ão representar por delegados seus nas comissões de regime silvo-pastoril, tanto a nível regional como a nível concelhio.
Das comissões do regime silvo-pastoril e suas atribuições
Art. 2.º - 1 - As comissões do regime silvo-pastoril são órgãos que visam contribuir para o necessário equilíbrio entre as actividades agrícola, florestal e pecuária, tendo constantemente em vista a defesa do ambiente e a conservação dos recursos naturais.
2 - As comissões previstas no número anterior constituem-se a dois níveis: regional e concelhio.
Art. 3.º - 1 - A comissão do regime silvo-pastoril a nível regional é constituída por um representante dos serviços florestais, um representante dos serviços agrícolas, um representante dos serviços veterinários, dois representantes das câmaras municipais (sendo um pelas da costa norte e um pelas da costa sul), dois representantes da comissão regional de pastores, um representante das associações de agricultores, dois utentes ou compartes dos baldios e será presidida por um representante do Governo Regional.
2 - A comissão referida no n.º 1 entrará em funcionamento no período máximo de noventa dias.
3 - A comissão regional, supervisora das comissões concelhias do regime silvo-pastoril, trabalhará apoiada administrativamente nos serviços dependentes da Secretaria Regional de Agricultura e Pescas.
Art. 4.º Compete à comissão do regime silvo-pastoril a nível regional, enquanto não for promulgada outra legislação, especialmente a que se refere ao Parque Natural da Madeira:
a) Ouvidas as comissões concelhias, propor ao Governo Regional o estabelecimento das regras gerais de utilização de baldios;
b) Definir métodos de dinamização e esclarecimento dos utentes dos baldios, por forma a que se tire o maior rendimento económico-social dos mesmos;
c) Ouvidas as comissões concelhias, propor ao Governo Regional a delimitação das áreas de baldio a sujeitar ao regime silvo-pastoril;
d) Promover a formação de cooperativas entre os compartes para a exploração de gado e comercialização dos produtos do baldio;
e) Receber subsídios, comparticipações e donativos do Governo Regional, das câmaras municipais e dos organismos oficiais, e distribuí-los pelas comissões concelhias;
f) Apresentar à Secretaria Regional de Agricultura e Pescas os relatórios e contas anuais da sua actividade;
g) Procurar estabelecer e manter a colaboração com os serviços oficiais competentes, no sentido do melhoramento animal e forraginoso, protecção dos gados, encabeçamento, correcções e fertilizações dos terrenos, construções agrícolas, vedações e outras questões técnicas afectas ao regime silvo-pastoril;
h) Propor ao Governo, ouvidos os serviços da Secretaria Regional de Agricultura e Pescas, zonas ou áreas de reserva para a conservação e manutenção de algumas raças pecuárias com interesse genético;
i) Divulgar as normas legais que o Governo Regional estabeleça sobre o regime silvo-pastoril ou que com ele tenham qualquer ligação.
Art. 5.º - 1 - Cada comissão concelhia do regime silvo-pastoril será constituída por um representante da respectiva câmara municipal, que presidirá, um representante dos serviços florestais, um representante dos serviços veterinários, dois representantes dos compartes ou utentes dos baldios e dois representantes dos pastores da respectiva área.
2 - A comissão prevista no número anterior apoiar-se-á administrativamente na respectiva câmara municipal.
Art. 6.º Compete a cada comissão concelhia do regime silvo-pastoril, enquanto não for promulgada legislação adequada ao Parque Natural da Madeira:
a) Colaborar com a comissão regional, dando parecer sobre regulamentação e disciplina do uso e fruição dos baldios;
b) Dar parecer sobre as áreas dos baldios a sujeitar ao regime silvo-pastoril;
c) Discutir e aprovar o plano de utilização dos recursos do baldio e aplicação das receitas, o qual será submetido à homologação da Secretaria Regional de Agricultura e Pescas;
d) Estabelecer os critérios de vendas e de cedência dos produtos dos baldios e, bem assim, fixar anualmente as taxas a pagar por cada cabeça de gado a pastar nesses mesmos baldios;
e) Promover a construção e as reparações dos bardos ou vedações nos baldios, através da comissão regional, por forma a delimitar as áreas destinadas à apascentação;
f) Colaborar com os serviços públicos competentes no que se refere aos trabalhos florestais superiormente definidos, à construção e conservação de infra-estruturas, ao melhoramento e protecção sanitária dos gados e das pastagens, à defesa do património pecuário cinegético e ao aproveitamento de outros recursos existentes.
Das zonas interditas à apascentação ou simples entrada de gado
Art. 7.º - 1 - O Governo Regional definirá e delimitará zonas onde não pode haver, sob qualquer pretexto, apascentação ou simples entrada de gados, como sejam as reservas naturais integrais e certas áreas de reserva geológica de altitude.
2 - Ficam, no entanto, já estabelecidas as reservas naturais do Caldeirão Verde, do Montado dos Pessegueiros, da Fajã da Nogueira, das Moquinhas do pico Ferreiro e do pico Jorge, do Folhadal, do lombo do Barbinhas, da ribeira Funda, da margem leste da ribeira da Janela, da origem da ribeira da Ponta do Sol e da Ponta de S. Lourenço - a delimitar em regulamento próprio.
3 - A reserva geológica de altitude, a que se alude no n.º 1 deste artigo, tem o seguinte limite:
Partindo do pico Canário à cota 1500, em partilha com a reserva do Caldeirão Verde, segue ao longo dela para este, desce na direcção norte ao longo do lombo dos Cedros até encontrar a curva de nível 1200 que contorna o cabo do Capitão-Mor, continua sempre a mesma cota até à Achada da Giesta, volta para sul, abaixo da Achada dos Chiqueiros da Queimada, segue pela encosta da Fajã dos Vinháticos até encontrar a reserva da Fajã da Nogueira, próximo do cabo do Eirado do Lapão, faz partilha com esta reserva à cota 1500 até à Pedra Rija, onde inflecte para oeste, dando a volta ao pico do Cidrão, e, sempre à cota 1500, contorna o pico do Areeiro e o pico Cedro, desce pela linha de água que sai deste monte até à confluência com o ribeiro do Cidrão, onde vira para norte, pela linha de maior declive, até à cota 1200 abaixo do pico Giado, que continua na direcção norte rodeando o pico das Galinhas, segue sempre à cota 1200 para oeste, atravessando o relevo recortado, até ao pico da Roda e pico das Eirinhas, depois, voltando para sul, sempre à mesma cota, abaixo do pico do Arranhamento, passa na Fajã dos Cardos, continua até contornar a Fajã Escura, Boca do Cerro, pico da Serradinha, inflecte para oeste, sob a Boca dos Corgos e o pico Cavalo, circunda a bacia de recepção da ribeira do Pico, volta para norte rodeando a Fenda do Ferreiro e a Casa das Voltas, inflecte para este sob o pico do Ferreiro, segue na direcção norte ao longo dos pontos culminantes do lombo do Selado, lombo da Queimada, contorna o topo das Queimadas, inflecte para sul passando ao longo da encosta sobre a ribeira do Ursal até ao pico do Buraco, vira para oeste no lombo do pico Casado, desce o lombo do Resal, voltando para a ribeira de João Fernandes, a qual segue para montante até encontrar de novo a cota 1200, passa sob o pico das Laguinhas e encontra de novo o limite da reserva do Caldeirão Verde, no lombo do ribeiro Lourenço.
4 - Na reserva geológica de altitude, só excepcionalmente poderá haver pastoreio e nas condições a definir pela comissão regional silvo-pastoril.
Disposições diversas
Art. 8.º Os serviços florestais, agrícolas e veterinários prestarão o apoio necessário às comissões silvo-pastoris na conservação e melhoramento das matas naturais ou de exploração, na vigilância e defesa dos gados, no melhoramento e protecção sanitária dos animais e das pastagens.Art. 9.º Sempre que nos baldios existam terrenos e áreas definidas como zonas de reserva, protecção ou predominantemente produtoras de serviços de interesse colectivo, será pago pelo Governo Regional ou pela câmara municipal da respectiva área às respectivas comissões concelhias do regime silvo-pastoril uma renda anual a acordar com estas entidades, enquanto não for definida, na Região, outra estrutura administrativa para os baldios.
Art. 10.º Sempre que nos baldios haja exploração devidamente autorizada de produtos ou explorações pecuárias por indivíduos ou entidades privadas, haverá lugar a pagamento de rendas ou taxas anuais que reverterão, por enquanto, a favor das comissões concelhias do regime silvo-pastoril.
Art. 11.º - 1 - O gado ovino e bovino cuja apascentação seja permitida deverá ser sempre arrebanhado, só se admitindo a livre apascentação a título excepcional e temporário (tempo a definir pelas comissões concelhias) ou em terrenos que estejam completamente vedados.
2 - As comissões concelhias do regime silvo-pastoril poderão, sempre que entenderem, mandar fiscalizar o gado referido no número anterior para que o número excessivo de cabeças não venha a causar prejuízos a terceiros ou à conservação de solos.
Art. 12.º - 1 - A apascentação ou simples entrada de gados caprino e suíno nos baldios, assim como nos terrenos e matas do Governo Regional e das câmaras municipais, é proibida; nas propriedades particulares a existência dos mesmos gados só é permitida em boas condições de encabeçamento e quando haja completa e perfeita vedação.
2 - Excepcionalmente poderão ser definidas, nos baldios, pela comissão regional do regime silvo-postoril, áreas ou zonas para manutenção de reservas do porco da serra e áreas para a criação de gado caprino.
3 - As áreas ou zonas a que se refere o número anterior deverão ser eficientemente vedadas, a expensas dos respectivos proprietários, que para o efeito poderão solicitar colaboração e comparticipação da comissão regional ou das comissões concelhias.
O gado caprino deverá ser arrebanhado sempre que a comissão concelhia o entender.
Art. 13.º Quando os serviços públicos competentes reconheçam a necessidade de executar nos baldios trabalhos de manifesto interesse colectivo, as zonas afectadas poderão ser temporariamente vedadas.
Art. 14.º O proprietário do gado encontrado em contravenção das disposições anteriores ou de outras que se apliquem pagará uma multa de 1500$00 por cada cabeça de gado grosso e uma multa de 500$00 por cada cabeça de gado miúdo (ovino, suíno e caprino), até ao limite máximo de 10000$00.
Art. 15.º - 1 - Caberá aos serviços florestais a apreensão do gado encontrado em flagrante contravenção das disposições do presente diploma e de toda a legislação a publicar sobre o mesmo assunto, o qual só será entregue a seus donos quando estes paguem a importância da multa, o valor do dano causado e as despesas a que tal apreensão der causa ou prestem caução idónea.
2 - O gado referido no número anterior será abatido se se tornar difícil ou perigosa a sua captura, incorrendo ainda o proprietário do gado no pagamento da multa referida no artigo 14.º 3 - O gado suíno e caprino que se introduza em terrenos privados com culturas susceptíveis de serem danificadas poderá ser abatido pelos proprietários desses terrenos, caso a sua captura seja impossível ou perigosa.
Art. 16.º - 1 - A despesa diária com a guarda e sustento dos animais apreendidos, nos termos do artigo anterior, será arbitrada e publicada pela Secretaria Regional de Agricultura e Pescas, com o parecer da comissão regional silvo-pastoril.
2 - Cada fracção de dia será contada por dia completo.
3 - Estas quantias não serão exigidas quando o dono do gado o retirar dentro de seis horas depois de efectuada a apreensão.
Art. 17.º - 1 - Se não for conhecido o dono do gado, o funcionário florestal competente mandará afixar avisos nos lugares circunvizinhos mais próximos ou enviá-los-á para este fim ao presidente da junta de freguesia, anunciando a apreensão do gado, sua espécie e número de cabeças, o local onde está guardado e o prazo dentro do qual deve ser reclamado, sob pena de se proceder à sua venda.
2 - Se o dono do gado se apresentar a reclamá-lo, este ser-lhe-á entregue, nos termos do artigo 15.º, n.º 1.
3 - Se o dono do gado apreendido, nos termos dos artigos 15.º e 16.º, não se apresentar a prestar caução ou a satisfazer a multa e mais despesas dentro de oito dias, contados da data da apreensão, proceder-se-á à venda dos animais em hasta pública, com prévia autorização superior.
Art. 18.º O produto do pagamento voluntário das multas efectuadas antes do aviso dos respectivos autos de notícia a juízo, bem como o produto da venda do gado, depois de deduzidas as despesas da sua guarda e sustento, será entregue à comissão regional do regime silvo-pastoril, que o distribuirá pelas comissões concelhias.
Art. 19.º - 1 - As normas que se revelarem necessárias para a execução do presente diploma serão estabelecidas através de portarias da Secretaria Regional de Agricultura e Pescas.
2 - As dúvidas suscitadas na aplicação do presente diploma serão resolvidas por despacho do Secretário Regional de Agricultura e Pescas.
Art. 20.º O presente diploma será revisto quando for promulgada legislação sobre o Parque Natural da Madeira.
Art. 21.º O presente diploma entra em vigor trinta dias após a sua publicação.
Aprovado em sessão plenária de 31 de Julho de 1979.
O 1.º Vice-Presidente, António Gil Inácio da Silva.
Assinado em 22 de Agosto de 1979.
O Ministro da República, Lino Dias Miguel.