de 15 de Dezembro
I - Uma das actuações prioritárias do Programa do Governo, no domínio financeiro, é a reforma fiscal, necessidade e objectivo de actuações desgarradas de sucessivos Governos, que importa ordenar, sistematizar e fazer arrancar de forma irreversível.Repetidas vezes se tem dito - e o V Governo retoma-o no seu programa - que assume primeira prioridade, em Portugal, a realização de uma reforma tributária. Tal acção impõe-se com permanência, não apenas por necessidade de correcção das distorções ou anomalias de que o sistema fiscal tem sofrido nos últimos tempos, mas também pelo imperativo, igualmente premente, da sua recondução e uma linha evolutiva de progresso e justiça social conforme à incentivação e à adaptação às necessidades do desenvolvimento económico-social e da sua integração na Europa.
Sofreu recentemente o sistema fiscal português profundas alterações que, mesmo quando inspiradas por intuitos de justiça e de correcção das estruturas, acabaram por constituir, para o sistema, tão evidente retrocesso, e para o País tão pesado encargo, que bem se lhe pode atribuir o qualificativo de irreconhecível, irrecuperável, excessivo e insuportável para o contribuinte; e de insuficiente e demasiadamente custoso para um país e um Estado tão carecidos de elementos criadores de bem-estar e riqueza.
II - Uma reforma que dê prioridade à reparação de injustiças reconhecidas e se oriente pela realística conformação de um sistema adequado ao nível social e económico para que nos lançamos, por um espírito de harmonização com a ordem tributária internacional e por uma racional defesa dos interesses da colectividade portuguesa tem de ser uma tarefa de âmbito nacional, orientada para uma visão de futuro e a longo prazo da vida do País, sobreposta às contingências ou às flutuações dos Executivos e só obedecendo aos objectivos e aos princípios consagrados nas leis fundamentais. E é, igualmente, uma tarefa em que se tem de esperar e garantir a participação de todos os portugueses, para além da sua representação política, e, antes, através de um enquadramento das formas associativas ditadas pelas condições naturais e sociais em que vivem, pela experiência das dificuldades que têm de vencer para cumprirem leis desgarradas e confusas e para criarem os rendimentos tributáveis, pelas necessidades mínimas de existência e de bem-estar que não podem ser afectadas pelo imposto, antes por ele hão-de ser fomentadas e acolhidas.
Uma reforma fiscal pressupõe uma escolha política sobre a repartição de encargos e necessidades entre os cidadãos e o Estado, e entre as várias classes de cidadãos. O seu objecto excede, assim, o mero campo dos impostos, para entroncar na própria estrutura da acção orçamental e da legitimidade e contrôle das despesas da distribuição do respectivo encargo entre os impostos e as demais fontes de rendimento do Estado, não podendo ignorar toda a dimensão das contribuições obrigatórias (designadamente os impostos autárquicos, as obrigações parafiscais e as taxas de serviços). Excede o campo da construção teórica e científica de sistemas jurídicos de incidência e de cobrança, para abranger toda a gama de valores compreendidos na relação tributária, desde a criação de tipos de sujeição, a estrutura do acto tributário, os direitos e garantias do Estado e dos cidadãos, a disciplina processual, a orgânica e a responsabilidade dos serviços e dos agentes, até à prática dos meios necessários à existência e funcionamento de uma fiscalidade sã. Excede o mero objectivo de obtenção de receitas, para restituir ao imposto o papel instrumental de fomento de acções criadoras de factores de bem-estar, individual e colectivo, e que o nosso povo tão agudamente carece. E excede ainda o mero campo fiscal, para impor uma reforma da Administração, dos seus métodos de actuação e das suas relações com o povo.
III - Não se faz uma reforma desta envergadura em pouco tempo. Exigirá estudos e inquéritos necessariamente demorados; a formulação de normas legais com a amplitude necessária para que sobre elas se construa a parte executiva ou regulamentar do sistema; a estruturação dos serviços e dos meios; o lançamento escalonado de acções parcelares suficientemente dúcteis para poderem beneficiar dos frutos da experiência ou da ocorrência de condicionalismos eventualmente não previstos; a conjunção, enfim, numa obra estável, de tudo o que, por natureza ou condicionalismo, sofra de caracteres parcelares, sectoriais ou meramente ocasionais.
Impõe-se, assim, a necessidade de integrar na reforma acções que exigem coordenação do sector público e dos organismos representativos dos trabalhadores e do sector privado, em articulação com os responsáveis pela sua elaboração; e impõe-se, por igual, o desdobramento da sua realização por fases, a estabelecer segundo as necessidades, dando-se a prioridade absoluta à reparação de injustiças e à recuperação de princípios essenciais, porventura sacrificados por factores de distorção política ou financeira, que importa rectificar.
Pressuposto de uma acção global integrada que não possa ser destruída por acções ocasionais ou sectorizadas, no decurso de preparação e lançamento da reforma, é o da coordenação entre os definidores das linhas da política tributária, económica e financeira e os preparadores e responsáveis pela decisão das linhas da reforma fiscal.
A reforma fiscal tem de ser uma parte autónoma, mas decisiva, da reforma financeira.
IV - Os princípios informadores da reforma fiscal constam do programa de acção governativa do Ministério das Finanças, aprovado em 17 de Setembro de 1979, bastando aqui reafirmá-los e explicitá-los. Deles arranca a necessidade de relançar a reforma fiscal, sempre em integração estreita com os serviços da administração fiscal, fazendo-a entrar numa nova e decisiva fase, com mais intensa adequação às orientações políticas, maior concentração de esforços e precisão do objectivo, maior tensão nas acções estratégicas tendentes a consegui-las.
A reforma fiscal, no âmbito dos critérios definidos no Programa do Governo, é um processo que durará, pelo menos, até meados de 1981.
Os seus critérios orientadores serão fundamentalmente três:
Executar e implementar o modelo tributário definido pela Constituição da República, designadamente nos seus artigos 106.º e 107.º;
Adaptar o sistema fiscal à coerência da opção europeia, tanto pela ponderação dos referenciais constituídos pelos sistemas fiscais dos restantes países da Europa, como pela adequação directa às necessidades imediatas da integração (imposto sobre o valor acrescentado, revisão das pautas aduaneiras);
Adaptar o sistema fiscal à situação presente da sociedade e da economia portuguesa, bem como às condições determinantes da sua crescente justiça, eficiência, simplicidade e produtividade.
V - A esta luz, os critérios orientadores e objectivos da reforma poderão definir-se com relativa simplicidade:
Implantação de um sistema de imposto único sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, sem prejuízo da diferenciação no seu seio das cédulas necessárias, simplificando nele a forma processual e os processos de lançamento, liquidação e cobrança, e adequando a estrutura de taxas e a fixação da matéria colectável às condições da sociedade portuguesa, em termos de justiça social, desenvolvimento e efectiva regularidade financeira do sistema tributário;
Revisão dos impostos sobre o património (sisa e imposto sobre sucessões e doações);
Substituição gradual do imposto de transacções por um imposto sobre o valor acrescentado;
Revisão da pauta aduaneira à luz da política de integração e dos compromissos internacionais de Portugal;
Articulação entre o sistema fiscal central e a fiscalidade local e regional;
Eliminação de uma multiplicidade irracional de impostos e taxas, embora sem deixar de manter certos impostos especiais sobre formas de despesa ou actos jurídicos;
Revisão adequada da fiscalidade local, da carga parafiscal e das taxas de serviços e sua racionalização, simplificação, ajustamento e coordenação global;
Remodelação profunda dos métodos da administração fiscal;
Revisão das relações entre a Administração, contribuinte e sociedade, criando por essa via condições para maior rigor na fiscalização e punição e para evitar a fraude e a evasão;
introdução, no conjunto do sistema, de elementos caracterizadores de elevada sensibilidade às necessidades de utilização da tributação como instrumento de política económico-social e de incentivos fiscais racionais, eficientes e coordenados, que possam servir uma política definida, em vez de traduzirem a causa de crescentes desigualdades fiscais.
VI - À luz destes objectivos, prosseguir-se-ão as seguintes tarefas:
Definição de uma política fiscal mais racional e integrada para o Orçamento de 1980, que seja já compatível com os objectivos e as estratégias de transição do sistema fiscal, a par da propositura das adequadas medidas transitórias, nomeadamente pela racionalização e ajustamento da carga fiscal no domínio dos impostos profissional e complementar;
Definição de um estatuto adequado de benefícios tributários, que os tornem compatíveis com o princípio da igualdade tributária e os adeqúem às necessidades de uma política de estímulo ao desenvolvimento, contrôle da conjuntura e reformulação, num sentido mais justo, da estrutura social;
Definição do quadro geral da reforma fiscal, através de instrumento, politicamente aprovado, do qual constem os princípios fundamentais da estrutura e do sistema e as etapas da sua implantação.
Estando as duas tarefas em execução avançada, deve a preparação da terceira constituir acção prioritária da Comissão de Reforma Fiscal a formar.
VII - Finalmente, entendeu-se que a criação de uma estrutura orgânica, transitória e maleável, que não subalternizasse os serviços nem se perdesse nos trabalhos do quotidiano, deveria ser suficientemente aberta para poder adaptar-se às opções essenciais dos futuros Governos e outros órgãos políticos e recolher constantemente o contributo dos representantes dos mais diversos interesses sociais.
Nestes termos:
Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro das Finanças, o seguinte:
1 - É criada uma Comissão de Reforma Fiscal, na dependência directa do Ministro das Finanças, com o mandato de coordenar os estudos relativos à reforma tributária.
1.1 - A Comissão tem sete membros, dos quais um presidente, individualidade de reconhecida competência na matéria, e um secretário, que assegurará, em regime de tempo integral, os aspectos executivos do trabalho da Comissão.
1.2 - Através do Gabinete do Ministro, do Gabinete do Secretário de Estado do Orçamento e das Direcções-Gerais das Alfândegas e das Contribuições e Impostos serão assegurados à Comissão os meios materiais e humanos imprescindíveis à sua actuação.
2 - Os membros da Comissão de Reforma Fiscal são designados por despacho do Ministro das Finanças, devendo este trabalho assumir prioridade sobre todos os demais trabalhos de interesse público que estejam desempenhando.
3 - À Comissão de Reforma Fiscal compete o estudo, preparação e lançamento da reforma do sistema tributário português e sua coordenação com os princípios e orientações das linhas de política fiscal, económica e financeira e, em especial, cabe-lhe:
a) Elaborar um relatório de conjunto sobre a situação do sistema fiscal português, sobre o modelo global que deve presidir à sua revisão e as fases a seguir na respectiva implementação;
b) Realizar acções de inquérito, investigação e estudo dos dados que devam ser considerados como base ou finalidade do regime de impostos, contribuições ou outros encargos obrigatórios dos cidadãos;
c) Elaborar projectos de diplomas destinados à criação de um sistema fiscal correspondente às necessidades do País e aos ditames constitucionais;
d) Sugerir a criação de estruturas indispensáveis à aplicação e eficiência da reforma e colaborar com os serviços por elas responsáveis;
e) Emitir parecer sobre os projectos relacionados com a formulação dos objectivos de política fiscal, tanto de ordem estrutural como de conjuntura, e sobre os projectos de diplomas que possam afectar ou de que dependa a efectiva realização e eficiência desses objectivos;
f) Prestar assistência aos serviços no lançamento da reforma, observar a sua eficiência e propor, para o efeito, as acções que se mostrem adequadas.
4 - A Comissão poderá concertar acções com as instituições públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, cuja cooperação no estudo da reforma fiscal julgue útil, centralizará os apoios externos já concedidos com tal objectivo, em articulação com o Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério das Finanças e com a DGCI e a DGA, e contactará com os peritos e individualidades cuja contribuição, por despacho ministerial, seja considerada útil para a realização da reforma fiscal.
5 - A Comissão articulará estreitamente as suas acções com os serviços, designadamente a DOCI e a DGA, não actuando nunca como estrutura paralela, mas como estrutura de estudo, coordenação e apoio, sem interferências nas tarefas executivas da administração fiscal.
6 - Para orientar superiormente a reforma fiscal e estabelecer a adequada cooperação entre a Comissão e os serviços, é criado um Núcleo Coordenador da Reforma Fiscal, do qual farão parte:
a) O Ministro das Finanças;
b) O Secretário de Estado do Orçamento;
c) O presidente da Comissão de Reforma Fiscal;
d) O director-geral das Alfândegas;
e) O director-geral das Contribuições e Impostos.
6.1 - Este Núcleo reunirá, ao menos quinzenalmente, sob a presidência do Ministro, para acompanhar os trabalhos feitos e sobre eles propor ao Ministro a orientação adequada.
6.2 - A este Núcleo poderão ser agregados, por decisão ministerial, para participarem em certas reuniões ou realizarem tarefas específicas, outros directores-gerais - como o director-geral do GEP do MF ou o inspector-geral de Finanças - ou elemento da Comissão de Reforma Fiscal.
6.3 - Nos trabalhos do Núcleo poderão, por decisão ministerial, participar as entidades cuja colaboração se julgue útil.
7 - As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira poderão, se o desejarem, designar representantes seus junto da Comissão de Reforma Fiscal, os quais, para além do mais que venha a ser decidido ou acordado:
a) Se informarão junto do presidente da Comissão do andamento dos trabalhos;
b) Participarão plenamente, se o desejarem, nas reuniões do Núcleo Coordenador referido no n.º 6;
c) Integrarão de pleno direito a comissão consultiva referida no n.º 8.
8 - Junto da Comissão de Reforma Fiscal funcionará um Conselho Consultivo para a Reforma Fiscal, presidido pelo presidente da Comissão e constituído por representantes de entidades representativas de interesses sociais designados por despacho ministerial, sob proposta do presidente da Comissão.
8.1 - O Conselho Consultivo funcionará em plenário ou por secções, segundo regulamentação a aprovar por despacho ministerial, sob proposta do presidente da Comissão.
8.2 - De entre as entidades que, por iniciativa ministerial, ouvido o presidente da Comissão, serão convidadas a designar representantes seus para integrar o Conselho, mencionam-se:
a) Principais organizações representativas dos trabalhadores;
b) Principais organizações representativas de interesses sociais, no sector cooperativo ou no da iniciativa privada;
c) Ministérios, Supremo Tribunal Administrativo ou entidades do sector público com interesse relevante em matéria fiscal;
d) Regiões autónomas;
e) Organizações regionais e locais;
f) Partidos políticos representados na Assembleia da República;
g) Associações com interesses específicos em matéria fiscal, como a Associação Fiscal Portuguesa ou a Associação Nacional dos Contribuintes;
h) Organizações profissionais especificamente relacionadas com a administração tributária;
i) A Igreja católica ou outras instituições de carácter espiritual;
j) Outras instituições de natureza cultural, moral ou beneficente.
9 - Além do contacto permanente com as entidades representativas de interesse geral, ou de interesses específicos relacionados com a reforma fiscal, a Comissão de Reforma Fiscal incentivará todas as formas de consulta directa ao público sobre as medidas que mais directamente lhe digam respeito e sobre as grandes linhas da reforma.
10 - Por despacho ministerial, ouvido o presidente da Comissão de Reforma Fiscal, poderão ser designados peritos, cuja colaboração ou audição, isolada ou em grupo, seja reputada útil para o desenvolvimento dos trabalhos da reforma fiscal.
10.1 - Estes peritos integrarão o corpo de consultores da reforma fiscal.
11 - Poderá ser pedida a colaboração para os trabalhos da reforma fiscal dos técnicos qualificados do Ministério, designadamente do GEP, da DGCI e da DGA, em termos definidos para cada caso pelo respectivo despacho ministerial.
12 - Junto da Comissão de Reforma Fiscal, em estreita articulação com os serviços, poderão ser estabelecidos grupos de trabalho permanentes encarregados de tarefas específicas.
12.1 - Consideram-se desde já integrados neste regime:
a) O grupo de trabalho para a harmonização do nosso sistema fiscal com a CEE, criado pelo Despacho 291/79, de 14 de Novembro;
b) O grupo de trabalho para o estudo dos incentivos fiscais e financeiros à indústria, criado pelo Despacho 170/79, de 15 de Outubro;
c) O grupo encarregado da implementação do número fiscal, já aprovado pelo Decreto-Lei 463/79, de 30 de Novembro.
12.2 - Serão criados, designadamente, os seguintes grupos de trabalho no âmbito da DGCI:
a) Grupo de trabalho para a dinamização das relações entre a Administração e os contribuintes, ao qual competirá propor acções de sensibilização dos contribuintes para os seus deveres fiscais;
b) Grupo de trabalho sobre a reforma dos métodos de informação fiscal, lançamento, liquidação e cobrança, ao qual se fixará como tarefa prioritária o estudo da colaboração de outras entidades (bancas, estações de correios, etc.) nos trabalhos respectivos, bem como o respectivo aperfeiçoamento de processos;
c) Grupo para o estudo da reforma de administração tributária e da justiça fiscal.
13 - A Comissão de Reforma Fiscal tomará como mandato as orientações constantes dos n.os IV e V do preâmbulo deste diploma.
13.1 - Após a designação do seu presidente, a Comissão apresentará, no prazo de quarenta e cinco dias, uma proposta de metodologia e programação dos seus trabalhos, a qual será sujeita a aprovação ministerial.
14 - O conteúdo da presente portaria será revisto, atendendo aos resultados da experiência, no prazo de seis meses.
Ministério das Finanças, 4 de Dezembro de 1979. - O Ministro das Finanças, António Luciano Pacheco de Sousa Franco.